Último poste da série > 12 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25160: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XIV: visita a Dugal e Encheia
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 15 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25390: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XV: Visita ao Enxalé
Último poste da série > 12 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25160: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XIV: visita a Dugal e Encheia
Guiné 61/74 - P25389: Notas de leitura (1683):"Memórias SOMântícas", de Abulai Sila; Ku Si Mon Editora, 2016 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2022:
Queridos amigos,
Importa não esquecer que os intelectuais guineenses de há muito dão conta de um sonho perdido, de uma esperada reconciliação entre os povos guineenses que não houve, de uma pátria bem administrada que não houve, de uma solidariedade que rapidamente se transformou numa selvática competição de interesses, cada um por si, o Bem-comum não conta, todos os sonhos de Cabral caíram por terra.
Um abraço do
Mário
Fui combatente do PAIGC, conheço a desilusão, mas vivo esta paixão da liberdade à exaustão
Mário Beja Santos
"Memórias SOMântícas", de Abulai Sila, Ku Si Mon Editora, 2016, é um espantoso solilóquio de uma mulher que participou na luta, que confiava numa pátria livre e numa cadeira de rodas assiste à degradação do seu país. É o cântico de uma heroína anónima, uma narrativa escrita na primeira pessoa e num absoluto silêncio, é uma mensagem para o futuro, um tema de reflexão para as gerações que não conheceram a luta armada:
“Esta é a história de uma vida. Uma vida que quis ser vivida. Com paixão e dignidade. Pretendo narrá-la, porque a existência só se torna memorável se for narrada. A narração, quando oportuna, restaura a crença, abrevia qualquer recordação dolorosa e enobrece a vida. Atribui-lhe cor e reverência”.
E confidencia-nos ao que vem:
“Nunca escondi as minhas ambições. Onde está o sentimento de liberdade se o que mais ambicionamos tem que ser escondido ou disfarçado? Pior ainda, privatizado. Quero que tudo o que ambicione de verdade seja também pretendido pelos meus próximos, acessível a todos, valorizado por todos”.
Orgulha-se de celebrar a vida, a despeito das ilusões, violentas e por vezes tão inesperadas. Disserta sobre a infância, a morte da mãe, os desamores familiares. Nunca aceitou a submissão, paradigma da mulher africana. Conheceu o amor, alguém que a vai despertar para a luta, ele desaparece e ela vai no seu encalço, vai para Conacri. Narra as vicissitudes de uma adaptação áspera, é hábil na negociação para se dar bem com as companheiras de quarto, o seu sonho cresce, pensa a toda a hora na independência, nas instituições do país, é mulher de esperança inabalável. Os tempos não são fáceis para ela em Conacri, assiste à chegada de gente jovem, irmanada pelos mesmos ideais, começa a trabalhar na cozinha, sente-se útil, procura afanosamente saber do seu amor que anda na luta, a todos que vêm a Conacri faz perguntas, por alguém se sabe que ele está vivo, rejubila.
Há ali perto do hospital alguém que vende cola e se chama Tunkan, tem uma filha a viver em Bafatá e garante-lhe quando a guerra acabar que quer ir a Bafatá conhecer os netos. Gosta do seu trabalho:
“Durante muitos anos ajudei a aliviar dores e a sarar feridas, tanto as visíveis como as que se escondem no fundo da alma, silenciosamente destruindo o corpo e inviabilizando sonhos. Tinha ajudado muita gente, agora tenho que ajudar-me a mim mesma, ser a minha própria enfermeira. Tenho que aperfeiçoar a arte de curar, a magia de dar sempre o que nem sempre se tem.”
É transferida para a Frente Sul, encontra o homem da sua vida em Kabukaré. E tece louvores àquela luta armada:
“Eu vi amor, paixão, entrega e determinação a germinarem, a manifestarem-se em todo o lado. Nos guerrilheiros e na população. Nas canções e no choro. Até no olhar das crianças mutiladas. Vi guerrilheiros com lágrimas nos olhos. Mas vi também o pesadelo do passado a evaporar-se sob o calor desse novo sol e descobri os contornos do novo mundo de paz e harmonia que vinha sendo anunciado nos cânticos. No escuro da pátria ainda subjugada, detetei uma tremeluzente luz projetada num horizonte não muito distante.“
Vive agora em Boké, aqui encaminha-se armamento para as frentes de combate e cuida-se os feridos, e tem o filho para criar. Ela aspira que quando a guerra acabar irão ter que investir na purificação dos corações, a vida ganhará uma outra dimensão, tem ainda interrogações para resolver:
“Porque é que havia africanos a combater ao lado dos brancos contra nós? Quando tomarmos a nossa independência e voltarmos para a nossa terra, os nossos comandantes vão continuar a confraternizar com os nossos combatentes como fazem agora? Quando acabar a guerra, o nosso Presidente vai precisa de guarda-costas armados?”
O amor da sua vida precisa de ir a Conacri, vai acompanhado do filho, irão morrer num acidente, ela está enlouquecida, o seu lenitivo é a sua amiga Ramatulai, é como uma irmã, mas há uma dor que subsiste:
“Eu sou dos inúmeros concidadãos que definitivamente vão voltar para casa magoados, com alguma amputação, temporária ou vitalícia. Eu levo todo um sonho amputado, sim, mas em vantagem em relação a muitos deles. Vou sem o meu companheiro de vida, sem o meu filho, mas com uma irmã, a minha irmã do coração.”
Chegou a hora da independência, apareceu Tunkan para ver a família, tinha o genro preso, acusado de colaborar com o exército colonial.
Percorre o país de lés a lés, alguns dos camaradas com que tão intensamente convivera em Conacri fitam-na com desprezo, era como se ela perguntasse por uma pessoa que tinha traído, o que fazia dela uma traidora, alguém lhe dirá mesmo que para cada traidor haverá sempre uma bala no cano.
Adoece e reage, dedica-se a uma escola frequentada por filhos órfãos do Partido. Tudo faz para que haja abastecimento seguro, vai mesmo ao Ministério da Agricultura onde pede e consegue sacos de semente de feijão, de milho, de mancarra, de arroz. Mas um dia acabou o internato, as crianças foram dispersas.
E é neste exato momento que Abdulai Sila tece os seus parágrafos sublimes, a renumeração daquela vida à procura do seu amor, a partilha do jubilo e das situações de desgraça, os terríveis desapontamentos de ter visto fechar um internato com órfãos de guerra, aquela mulher sentada numa cadeira de rodas lembra os órfãos da guerra, os mutilados, a solidariedade acabou, os jovens vivem sem ideais, ela não se entende com tanto despautério, é a fé que a alimenta, e então a velha combatente faz ressoar as trombetas para o futuro:
“Marginalizados? Nós é que domesticámos o invasor e abolimos o medo perante o desconhecido. Na calada da noite prenhe de incertezas reinventámos a vida e, bem alto no céu, fizemos soar a sinfonia da dignidade.
Deserdados? Construímos um mundo plural, onde todas as cores do arco-íris se fundem sem nunca se confundirem. Recuperámos a palavra e, abençoando-a, fizemos com que a magia da narração sustentasse os novos limites da razão.
Não erguemos troféus, não exigimos medalhas, nem guardámos ressentimentos. Impusemos um novo paradigma da inteligência: sem ser mártir nem ambicionar ser heróis, viver uma paixão até à exaustão e morrer sonhando.”
Na linha de uma literatura vincada pela dor do desapontamento de uma pátria derruída, Abdulai Sila dá-nos uma narrativa pungente onde o sonho, mesmo tão profundamente abalado, continua a ser a semente da vida, a razão por que se lutou para ser livre, é esse o derradeiro testemunho que se deixa às novas gerações. Um belíssimo texto de irrecusável leitura.
Nota do editor
Último post da série de 12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P25388: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVII: O meu pai, cor Henrique Gonçalves Vaz, que não pertencia ao MFA, deu um abraço de despedida, apreço e respeito ao seu Com-Chefe no momento da sua destituição (Luís Gonçalves Vaz)
Guiné > Bissau > 1973 (4.º trimestre )> No canto esquerdo o comandante Ricou, o oficial do lado direito de óculos é o Coronel CEM/CTIG Henrique Gonçalves Vaz, e ao centro, também de óculos, o general Bethencourt Rodrigues (destituído em 26 de Abril de 1974), numa cerimónia oficial, em Bissau, no ano de 1973. Fotografia do arquivo pessoal do coronel Henrique Gonçalves Vaz.
O QG/CTIG era o Quartel-General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel-General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau).
O jovem Luís Gonçalves Vaz, que tem as melhores memória do tempo passado na Guiné (1973/74) |
Com formação académica em Biologia e Geologia, na altura o Luís era professor de Matemática e Ciências da Natureza numa escola C+S, na região de Braga (cremos que em Vila Verde).
Fez o serviço militar na Escola Prática de Cavalaria, frequentou o 2.º CSM de 1983. Foi fur mil da Polícia do Exército. Tem 18 meses de tropa. Na EPC ainda conheceu (e fez serviço com) o Salgueiro Maia em 1984 (na altura regressado dos Açores, e major cav desde 1981).
Ficou um grande amigo da Guiné. Sempre entusiástico, empenhado e generoso, tem posto as suas memórias e as do seu querido pai, à disposição dos amigos e camaradas da Guiné.
Hoje, e a propósito da 23ª hora do gen Bettencourt Rodrigues, enquanto comandante-chefe do CTIG, fomos repescar um poste já antigo, em que o Luís nos conta como foi o "seu" 25/26 de Abril de 1974 em Bissau, e um episódio da prisão do com-chefe, em que vem ao de cima a nobreza de caracter do seu pai (**).O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné.
Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau.
Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal.
É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade.
Guiné 61/74 - P25387: Parabéns a Você (2262): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf da CCS / BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70)
Nota do editor
Último post da série de 11 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25367: Parabéns a Você (2261): Jorge Picado, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885 e da CART 2732 (Mansoa, Mansabá e Teixeira Pinto - CAOP 1, 1970/72)
domingo, 14 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25386: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (29): Bissau, Depósito de Adidos, era oficial de justiça, na Secção de Justiça... e a viver com a minha mulher, em "segunda lua de mel"...( Joaquim Luis Fernandes, ex- alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974)
Viva, Luís Graça!
Só agora a responder à tua "trivial" questão: onde é que eu estava no 25 de Abril de 1974.(**)
E o que dizer mais, que suscite algum interesse?
Depois de no ano de 1973 ter estado em Teixeira Pinto, onde sofri e vi sofrer qb, de, apesar de tudo, reconhecer que era uma região pacífica quando comparada com outras, do Norte, Leste e Sul, mais próximas das fronteiras, com o aproximar do fim de comissão do BCAÇ 3863, onde estava integrado, apresentei um requerimento para que me fosse concedida a possibilidade de ficar integrado na Unidade que o iria render. O requerimento foi indeferido.
Interrogava-me então, sofrendo por antecipação, que sorte seria a minha, para que buraco me iriam mandar. Para alguma Companhia Africana?...
Em Dezembro de 1973, fui com o Batalhão para o Cumeré, onde o pessoal que tinha acabado a comissão aguardou o embarque para a Metrópole. Acompanhei os meus camaradas até ao navio Niassa (não recordo bem a data, dia 19 ou 20?) onde me despedi dos mais próximos.
E o meu destino imediato, foi apresentar-me no Depósito de Adidos em Brá, penso que a aguardar colocação.
E aconteceu, que por esses dias, tinha terminado a sua comissão nesta Unidade, o nosso camarada e amigo, Augusto Delfim Silva Santos, que prestava serviço na Secção de Justiça, criando aí uma vaga.
Pois foi precisamente essa vaga, penso eu, que me safou de pior destino. Fiquei colocado no Depósito de Adidos em Brá, na Secção de Justiça, como Oficial de Justiça.
E logo em eu, atirador de Infantaria, sem formação na área de Direito.
E um convite para preencher o requerimento para a minha continuidade no Serviço Militar, que rejeitei.
Foi pois nestas funções e nesta Unidade, que vivi o 25 de Abril de 1974. Não recordo de nesse dia ter sabido do que se estava a passar em Lisboa.
A esse tempo, vivia com a minha mulher em Bissau e levava a vida de um casal em segunda "lua de mel". Estava demasiado concentrado na nossa vida a dois, para me dispersar em devaneios políticos.
Estes já tinha acontecido na minha mocidade, de adolescente e jovem, em formação de carácter, contra o Regime, opressor e caduco, de Salazar e Caetano.
Também em Teixeira Pinto, acompanhei os movimentos corporativos (mas também políticos) dos Oficiais do Quadro Permanente, que se manifestavam contra o Decreto Lei, que os prejudicava na promoção, sendo este o embrião do que viria a ser o Movimento do Capitães, do 25 de Abril de 1974.
Como sabemos, em Bissau, a "revolução" aconteceu em 26 de Abril de 1974. Do que se tornou visível e audível, lembro o movimento dos helicópteros, a baixa altitude sobre Bissau, em ações persuasivas sobre a cidade.
Não me embrenhei no que se estava a passar em Bissau e penso até que fiquei de noite no Quartel.
A minha mulher contou-me que ficou assustada com o movimento aéreo sobre a cidade e que estranhou que um Tenente, que morava em casa vizinha, viesse armado de G3 para casa, o que não era costume.
Sobre o que se seguiu a esse dia, mesmo não tendo retido tudo na memória, o que havia a contar não cabe neste comentário que já vai muito longo.
Abraços
_____________
Guiné 61/74 - P25385: Consultório Militar do José Martins (78): Dia 16 de Março de 1974 - Parte III - O dia
Parte III de "Dia 16 de Março de 1974", um trabalho da autoria do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blog em 10 de Abril de 2024. Neste ensaiou-se a primeira tentativa de derrube do regime vigente, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ter sido protagonizada por militares do antigo RI 5 das Caldas da Rainha.
Dia 16 de Março de 1974 - Parte III
Se a sexta-feira tinha sido um dia “pleno de acontecimentos”, o sábado seria ainda mais. Pouco passava da meia-noite quando o Capitão Virgílio Luz Varela e Tenentes Rocha Neves, Gomes Mendes e Silva Carvalho, neutralizam o Coronel Horácio Lopes Rodrigues e o Tenente-Coronel Farinha Tavares, comandante, que tinha sido empossado na véspera, e o 2.º Comandante do Regimento de Infantaria n.º 5, cientes de que o Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE - Lamego), a Escola Prática de Cavalaria (EPC - Santarém), a Escola Prática de Artilharia (EPA - Vendas Novas), a Escola Prática de Infantaria (EPI - Mafra) e o Regimento de Cavalaria n.º 7 (RC 7 - Lisboa) iriam secundar o levantamento.
A descrição dos factos ocorridos, quase ao minuto, foi baseada nos relatórios das unidades do Exército e da Guarda Nacional Republicana, que estão nos Arquivo Histórico Militar ou da GNR, entretanto desclassificados, mas que se encontram transcritos no livro “Nas vésperas da democracia em Portugal / O golpe das Caldas de 16 de Março de 1974”, da autoria de Joana de Matos Tornada.
Não se faz a transcrição dos relatórios, mas a sua condensação, criando uma única “fita do Tempo”. Desta forma, os relatórios, que utilizamos, são antecedidos por uma sigla, da responsabilidade do autor deste texto, que segue, entre parênteses rectos a seguir a cada facto relatado, identificando a origem.
Sempre que utilizamos os textos reportados nos relatórios, os mesmos estarão em itálico, sendo os restantes escritos de forma mais perceptível já que, quem os escreveu, suprimiu algumas sílabas para abreviar os mesmos.
[RMT] Quartel-General da Região Militar de Tomar (Tomar) - Fita do Tempo dos Acontecimentos de 16MAR71, no Regimento de Infantaria n.º 5 – Quartel General da Região Militar de Tomar – 3.ª Repartição.
[RI7] Regimento do Infantaria n.º 7 (Leiria) - Relatório de Situação, Segurança Interna: Incidentes de 16 e 17Mar74 – Assinado pelo Comandante Coronel CEM Jorge da Costa Salazar Braga, datado de 23 de Março de 1974.
[RI7a] Regimento do Infantaria n.º 7 (Leiria) - Fita do Tempo dos Acontecimentos do Dia 16/17 MAR 74, anexo ao Relatório do RI 7 – Assinado pelo Major Virgílio António Alves Guimarães, data do dia 17.
[EPC] Escola Prática de Cavalaria (Santarém) – Relatório da Acção em consequência dos acontecimentos registados no RI 5 em 16MAR74 – Assinado pelo seu comandante Coronel de Cavalaria Augusto da Fonseca Lage, assinado em 19MAR74.
[CEM] Chefe do Estado-Maior (Évora) – Quartel-General – Região Militar de Évora – Mensagem Confidencial de 16 de Março de 1974.
[PCR] Guarda Nacional Republicana, Posto de Caldas da Rainha – Sublevação de Oficiais na RI 5 (Caldas da Rainha) – Fita do Tempo - Assinado pelo Tenente José Augusto Pascoal Pires, em 18MAR74.
[B2g] Guarda Nacional Republicana, Batalhão n.º 2 – Resumo de Noticias n.º 1/74 – Período de 160100MAR74 a 181430MAR74.
[AdM] Escola Prática de Administração Militar – Relatório dos factos ocorridos na EPAM durante as Operações Militares de 24/25 de Abril de 1974 e seus antecedentes. Assinado pelo seu Comandante Coronel/AM Carlos Joaquim Gaspar, assinado em 26ABR1999 (cd25a, reescrito por extravio do original).
[BC5] Batalhão de Caçadores n.º 5 – Relatório dos Preliminares do Movimento de 25 de Abril [de 1974], aditamento ao Relatório do Movimento. Assinado pelo seu Comandante Interino Major de Infantaria José Cardoso Fontão, em 05 de Outubro de 1993 (cd25a, reescrito por extravio do original).
[JM] Martins, José da Silva Marcelino – Notas do autor, compiladas ao longo dos anos, pesquisas em jornais e de livros e/ou revistas especializadas.
Dia 16 de Março de 1974
Na leitura da Fita do Tempo dos diversos relatórios, e aqui condensada, poderá gerar, ao leitor, alguma dúvida. Lembramos então que só, as noticias e/ou factos conhecidos são reportadas nos diversos relatórios, indicando a hora em que foram recebidos, relatando, ou não a hora real do acontecimento.
Cada entrada não é a transcrição do que está escrito no relatório, mas a adopção de um texto não tão simplista como, por vezes, os factos são anotados.
Outra nota que é preciso dar, é que o material de transmissões, à data, existente no Exército, tinha alguma antiguidade e comunicações faziam-se com alguma dificuldade e, também, desfasadas da hora em que ocorreram, uma vez que, normalmente, eram efectuadas pela rede telefónica geral, e os telefones eram fixos.
00:30
● O Comando-Geral da GNR é informado pela Direcção-Geral de Segurança, de que Academias Militar está sublevada. É dada ordem ao Regimento de Cavalaria (Largo Cabeço de Bola, Lisboa) e Batalhão n.º 1 da GNR (Santa Bárbara, Lisboa), para realizar o cerco à Academia Militar, apenas consentindo a entrada do Comandante. Passagem à situação de Prevenção Rigorosa. [CGg]
00:35
● O Batalhão n.º 2 da GNR (Convento Paulistas, Lisboa) recebe instruções para entrar em Prevenção Rigorosa. [B2g]
01:00
● Comunicação do Comandante-Geral da GNR (Carmo, Lisboa) dando instruções a todas as Unidades da Guarda, para entrar em Prevenção Rigorosa. [CGg]
01:40
● Foi recebido pelo Comandante da GNR de Caldas da Rainha, um telefonema do Comando da GNR de Leiria, determinando que todos os postos entrassem, imediatamente, em Prevenção Rigorosa. Esta ordem foi imediatamente transmitida aos Postos dependentes da Secção. [PCR]
02:00
● Os ministros das pastas militares, outros membros do Governo e altas patentes das Forças Armadas estiverem em reunião permanente no Ministério do Exército, das 02:00 às 06:00 horas da manhã. [JM]
● Uma força do Regimento de Cavalaria da GNR, comandada pelo Capitão Andrade e Sousa, cerca a Academia Militar, para que a Direcção-Geral de Segurança pudesse efectuar buscas e prender o Tenente-Coronel João de Almeida Bruno, Comandante do Batalhão do Corpo de Alunos. Teria sido chamada pelo Coronel Leopoldo Severo, Comandante do Corpo de Alunos, devido à presença de elementos militares estranhos à Academia. [JM]
● Pelo Quartel-General da Região Militar de Tomar, foram avisadas, telefonicamente, todas as unidades, para passarem à situação de Prevenção Rigorosa. [RMT]
● No Regimento de Infantaria n.º 7 (Leiria), as medidas de segurança imediata do aquartelamento (guarda, reforço e piquete) foram logo implementadas e convocou-se o Capitão Crespo, Comandante da Companhia de Caçadores, que se apresentou minutos depois. [RI7]
02:10
● Foi recebido telefonema do Comando-Geral da GNR, determinando que o Comandante da GNR de Caldas da Rainha, se pusesse urgentemente em contacto com Chefe do Estado-Maior da GNR. [PCR]
02:20
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha, entra em contacto telefónico com o Chefe do Estado-Maior da GNR e recebe instruções para averiguar se havia algo de anormal no Regimento de Infantaria n.º 5, naquela cidade [PCR]
● Recebida ordem telefónica do Comandante do Batalhão N.º 2 da GNR para o Comandante da GNR de Caldas da Rainha, para alertar o Comandante do Forte de Peniche, do que se estava a passar. Na mesma altura, também foi alertado o Comandante da PSP de Caldas da Rainha. [PCR]
02:30
● Reunião na sala de oficiais do Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha), com a presença dos Capitães Armando Ramos, Gonçalves Novo, Virgílio Luz Varela, Piedade Faria, Domingos Gil; Tenentes Rocha Neves, Gomes Mendes, Silva Carvalho, Adelino de Matos Coelho; além de outros oficiais, para traçar o plano operacional da coluna militar que devia marchar sobre Lisboa e planear a defesa do quartel. [JM]
02:40
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha, sai na sua viatura particular, trajando civilmente, e passa frente ao quartel, tendo-se cruzado com viaturas da PSP, não notando, aparentemente, nada de anormal. Deu, também, uma volta pela cidade e tudo estava sossegado. [PCR]
03:00
● Após a ronda pela cidade, Comandante da GNR de Caldas da Rainha, entrou em contacto com o Comandante-Geral da GNR, informando-o da situação. O mesmo deu ordens no sentido de ser contactado o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 5, a pedido do Ministro do Exército, para saber se já se tinha ali apresentado o Major Silva Carvalho, pois já tinha tentado várias ligações com aquela Unidade, sem sucesso. O Comandante do Regimento, cuja voz era desconhecida, pois que se tinha ali apresentado umas horas antes, informou que não se tinha apresentado qualquer Major e que não precisava de nada. Deu conhecimento desse facto ao Comandante-Geral da GNR e recebeu instruções para se manter vigilante e, novamente, ir ver o que se estava a passar. [PCR]
03:00
● Levantado, depois de entendimento do Comando-Geral da GNR com o Comandante da Academia Militar, do cerco ali montado pela GNR. [CGg]
03:25
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha contactou com o Comandante da PSP da cidade, recebendo a informação de que nada de anormal tinha sido detectado. Deu ordem aos Postos de Óbidos e Bombarral que pusessem uma patrulha à paisana, na EN 8, no sentido de verificar se havia qualquer movimento de tropas. [PCR]
03:30
● O Comandante GNR da Caldas da Rainha, saindo do posto, passa duas vezes perto do aquartelamento de Infantaria n.º 5, e tudo estava, aparentemente, normal. Pelas 03:40 informou o Chefe do Estado-Maior da GNR do que observou nas imediações do quartel. Recebeu instruções para continuar a vigiar, mas que não se devia aproximar muito, pois algo de anormal se estava a passar ou já se tinha ali passado. [PCR]
04:00
● Uma coluna Auto transportando cerca de 200 militares, comandada pelo Capitão Piedade Faria, sai do quartel das Caldas da Rainha, a caminho de Lisboa, com a missão de ocupar o aeroporto. [JM]
● Em telefonema do Comandante da Região Militar de Tomar, para o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, comunicando que teria havido apenas uma tentativa de intromissão de oficiais estranhos ao Regimento de Cavalaria n.º 7, em Lisboa, e que, como consequência da convocação de oficiais, começavam a surgir boatos sobre uma revolta em grande escala, boatos estes, entretanto, sem fundamento. [RI7]
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha torna a sair e constata que iam sair também 3 viaturas civis da PSP local. Passou, novamente, à distância do Regimento de Infantaria n.º 5, pela estrada de Avenal, que fica a cerca de 250 metros, em linha recta, da EN 8, que passa mesmo em frente daquela unidade. [PCR]
● Os Almirante Américo Tomás, Professor Marcelo Caetano e outros membros do Governo procuram refúgio no Quartel-General da 1.ª Região Aérea, em Monsanto, Lisboa, protegidos por tropas páraquedistas. [JM]
● Na Região Militar de Lisboa, todas as unidades entram em estado de Prevenção Reforçada. [JM]
04:20
● Vinte minutos depois, é transmitida, por mensagem a todas as unidades da Região Militar de Tomar, a entrada em Prevenção Rigorosa. [RMT]
04:20
● Chegaram à GNR da Caldas da Rainha, duas viaturas civis, uma com pessoal da PSP e outra com o Chefe do Posto da DGS de Peniche, tendo colhido informação de que tinham ambos passado mesmo junto ao Regimento de Infantaria n.º 5, nada notaram de anormal. O Chefe da DGS de Peniche informou que vinha de Peniche e que não tinha visto quaisquer viaturas militares em trânsito. [PCR]
04:25
● O Comando-Geral da GNR confirma a saída de uma força sublevada do Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha para Lisboa. [CGg]
04:30
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou superiormente de que nada de anormal fora notado no quartel do Regimento de Infantaria n.º 5. [PCR]
● O Comando-Geral da GNR refere que o cerco à Academia Militar foi restabelecido, a pedido do Comandante da mesma. [CGg]
● Uma companhia do Batalhão n.º 2 da GNR, sob o comando do Capitão Viana, com um efectivo de 3 Pelotões (dois da 2.ª Companhia [Paulistas, Lisboa] e um da 4.ª Companhia [Estrela, Lisboa]), foi montar segurança próxima ao edifício do Comando da 1.ª Região Aérea, em Monsanto/Lisboa. Ali estivam reunidos os Presidentes da República e do Conselho, e os Ministros da Defesa, Interior, Marinha e Finanças e Secretário de Estado da Aeronáutica. [B2g]
04:40
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha recebe um telefonema de alguém, que dizia ser o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 5, informando que tinha saído uma Companhia daquela unidade às 04:25, com destino desconhecido. Foi tentado confirmar a origem do telefonema, para o telefone do Comando do Regimento de Infantaria n.º 5, mas este dava sinal de impedido. Tentado o telefone geral, foi o mesmo atendido pelo Capitão Varela, que confirmou a saída à hora atrás indicada e disse: "Deixa-te estar aí sossegado; não é nada contigo. Isto é um movimento de Norte a Sul do País de apoio ao General Spínola". Foi pedido para falar com o Comandante, mas tal não foi autorizado. [PCR]
04:50
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha tenta entrar em contacto com o Comando-Geral daquela força de segurança, mas não conseguiu ligação. Então fez telefonemas para os Postos de Alenquer e Rio Maior, alertando-os do que se passava, não conseguindo, porém, contactar o Posto da Brigada de Trânsito da GNR do Carregado. [PCR]
04:55
● O Comandante da Região Militar de Tomar reporta que, do Regimento de Infantaria n.º 5, informaram a saída de uma Companhia e que levou grande parte dos Oficiais. Deu instruções para, de imediato, reconhecerem o pessoal que ficou no quartel e a quantidade de munições levadas pela Companhia e saber direcção provável tomada. [RMT]
05:00
● O Comandante da Região Militar de Tomar, comunica ao Chefe do Estado-Maior do Exército que desconhece a direcção seguida pela coluna sublevada, mas presume que se dirijam a Lisboa. Solicita a saída de uma coluna da Escola Prática de Cavalaria (Santarém), para a interceptar. Foi-lhe comunicado para aguardar. [RMT]
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha consegue entrar em contacto com o Comandante-Geral, dando-lhe conhecimento do teor do telefonema efectuado para o Comando do Regimento de Infantaria n.º 5, sendo incumbido de tentar averiguar qual o destino tomado pala coluna militar, assim como o que se estava a passar no quartel. Tanto os Comandantes da GNR e PSP de Caldas da Rainha assim como o Chefe da DGS de Peniche, tinham fortes dúvidas acerca da autenticidade das informações recolhidas, devido à rigorosa vigilância junto do quartel e ao aparente sossego que se verificara. Nesta altura, o chefe da DGS saiu com destino a Lisboa, pela EN 115 e EN 1, afim de procurar localizar a coluna militar, comprometendo-se a informar esta Secção se tal acontecesse. [PCR]
05:10
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha instruiu o soldado 139, para que saísse à paisana e fosse verificar o que se passava na retaguarda do quartel, em virtude da sua residência se localizar muito perto daquela Unidade. [PCR]
● O Batalhão n.º 2 da GNR manda uma companhia, para protecção das instalações onde, em Monsanto/Lisboa, se tinham protegido as Altas Entidade. [CGg]
05:15
● Em telefonema do Comandante da Região Militar de Tomar, para o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, comunica a sublevação do Regimento de Infantaria n.º 5, e ordena a saída da Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7 e à ordem do Região Militar, para se aprontar para se deslocar para Caldas da Rainha, para cercar o aquartelamento sublevado. De imediato, e face à gravidade da situação, o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, manda tocar a alarme, ordena a recolha de todo o pessoal à unidade e inicia todos os preparativos para a saída da Companhia de Caçadores do Regimento. Tudo se desenrolou normalmente, sem atropelos ou precipitações. O Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, no intuito de conseguir informações que seriam necessárias à acção, contacta telefonicamente com o Capitão Trovão, Comandante da GNR de Leiria, que forneceu algumas notícias vagas, e prometeu que poria em campo, imediatamente, patrulhas que contactando com a coluna da Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7, lhe transmitiriam todas as notícias pesquisadas. [RI7]
05:17
● De acordo com orientação recebida do Comandante do Quartel-General da Região Militar de Tomar, o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7 deu ordem ao Major Virgílio Guimarães (Entretanto promovido ao posto de Tenente-Coronel, Ordem do Exército n.º 7 de 1 de Abril de 1974) para seguir com a Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7, para constituir um Posto de Comando Avançado. [RI7]
05:20
● O Comandante da Região Militar de Tomar dá ordem para preparar a saída Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7. Na mesma altura transmite, igual ordem ao Comandante da Escola Prática de Cavalaria para preparar um Esquadrão de Reconhecimento (reduzido) e um Esquadrão da Atiradores Auto Transportado. [RMT]
05:35 ● O Batalhão n.º 1 da GNR, faz sair uma companhia, a três pelotões, sendo dois pelotões da 3.ª Companhia (Beato, Lisboa) e um da 5.ª Companhia (Lóios, Lisboa) com destino ao Carregado, com a missão de interceptar a coluna sublevada, saída das Caldas da Rainha. [CGg]
05:40
● O Comandante do Regimento de Infantaria n.º 5 informa que a Companhia saiu às 04H25, e que não conseguiu reconhecer fosse o que fosse, pois não lhe foi permitido sair do Gabinete. Na Unidade estão vários oficiais e que alguns teriam referido que seguiu para Lisboa, para repor os Generais (Costa Gomes e Spínola), e derrubar o Governo. [RMT]
05:40
● O Comandante da Região Militar de Tomar dá ordem ao Regimento de Infantaria n.º 15 (Tomar) para preparar a Companhia de Caçadores, e ficar às ordens do Quartel-General. [RMT]
05:45
● Recebida ordem do Quartel-General de Tomar, para a Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7 sair, com a missão de "Cercar o quartel do Regimento de Infantaria n.º 5 e impedir que qualquer militar ou força saia do quartel. Só em última instância abrirá fogo, para cumprir missão". [RMT]
05:50
● O soldado n.º 139, da GNR de Caldas da Rainha, regressa da sua missão de observação na retaguarda do quartel, informando o seu comandante. Este, de imediato, entra em contacto com o Chefe do Estado-Maior da GNR a informar que, na retaguarda do Regimento de Infantaria n.º 5, nada de anormal fora notado. [PCR]
05:53
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar, em mensagem telefonada, deu-se instruções a todas as unidades da Região, excepto ao Regimento de Infantaria n.º 5, para mudar a senha e contra-senha. [RMT]
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 13 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25381: Consultório Militar do José Martins (77): Dia 16 de Março de 1974 - Antes do dia - Parte II
Guiné 61/74 - P25384: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (13): "Acertar à primeira"
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"
Acertar à primeira
- O Sr. Doutor, quando chegar ao lugar dos Couços, pergunta pela casa da Rosa da Eira, que toda a gente conhece. Ela, não se pode dizer que esteja muito mal, mas diz que tem fisgadas no baixo-ventre que lhe causam trupos no coração. E que há que Deus, tem de ser vista pelo Sr. Doutor.
O tempo ainda estava frio, apesar de a primavera ter começado a desabrochar, e alguns farrapos de neve ainda pintalgavam de branco a encosta da serra.
O pobre Hillman Minx, fiel companheiro de duas décadas, com as velas mais que rompidas, estava longe dos tempos de jovem quando, calçado de pneus de faixa branca, se lhe sentia o orgulho de tudo subir em terceira. Raramente se deixava abater, mas nesse dia gemeu a meio da serra, soluçou, e dá a ideia de que até chorou, pois pareciam de lágrimas as pingas do motor. Ao fim de meia hora de merecido descanso, lá arranjou jeito de pegar e, outra meia hora depois, entrava ofegante, mas contente, na descida do lugar dos Couços.
A casa da Rosa da Eira era grande, grande demais para tão recônditos e inóspitos lugares. Toda de pedra mal talhada, negra do varrer dos anos, tinha num dos topos uma pequena capela com a cruz quase a cair e no outro, uma extensa eira onde ladrava um cão.
- Ele não morde, Sr. Doutor, faça favor de entrar. É servido de um copinho para retemperar da viagem?
A Sr. Rosa da Eira mal se via, afogada na enorme e alvíssima cama de linho. Apesar das fisgadas do baixoventre e dos trupos no coração, tinha uma cara malandra e prazenteira, cujo sorrisinho macaco desarmava quem quer que se atrevesse a entrar com ar a mais no seu quarto a cheirar a lavanda.
- Como está, Sr. Doutor?
E logo de seguida, sem pestanejar:
- Sr. Doutor, eu sei como são os médicos. Não acertam à primeira nem à segunda, só acertam à terceira, que é para levar o dinheiro de três consultas. O Sr. Doutor já me conhece e já ouviu falar de mim. Eu sou uma mulher de posses. Não me faltam matos e campos.
Portanto, eu pedia ao Sr. Doutor o favor de acertar logo à primeira, que eu pago o preço das três consultas e assim, escusamos de andar para aqui a perder tempo.
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Nota do editor
Último post da série de 7 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25350: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (12): "Os velhinhos"
Guiné 61/74 - P25383: No dia 25 de Abril eu estava em... (28): A viver na Bobadela, a trabalhar em Setúbal... Meti dispensa de serviço depois do almoço e fui a correr até ao Carmo, ainda a tempo de ver a saída da chaimite com o deposto Marcelo... (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, nov 70/ nov 72)
Quando acabei a minha comissão, na primeira quinzena de Novembro de 1972, ao despedir-me do meu substituto na função, munido duma fé qualquer que não sei explicar, disse-lhe mais ou menos isto:
Quanto aos momentos do glorioso dia de 25 de Abril de 1974, fui vivendo de formas diferentes.
Era cedo, apanhei o barco para Cacilhas, tomei depois a camioneta para Setúbal e, aqui chegado, apanhei outro transporte para a Sapec onde tinha começado a trabalhar em Fevereiro.
Entretanto, pelo caminho encontrei um camarada que esteve no meu pelotão de instrução em Santarém, na EPC, e que ia trabalhar para a Setenave e dei-lhe conta do que entendi do que se passava.
Naturalmente, os acontecimentos eram a motivação de todas as atenções e assim, a seguir ao almoço, meti dispensa de serviço e vim para Lisboa a tempo de estar no Largo do Carmo aquando da saída da chaimite com o deposto Marcelo.
Depois.... bem, depois foi o natural turbilhão de emoções.
Hélder Sousa
12 de abril de 2024 às 14:32
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 28 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19725: No 25 de abril eu estava em... (27): Lisboa: naquele dia 25 de Abril de 1974, quinta-feira, tudo estava programado para ser um dia igual a tantos outros (Carlos Pinheiro)
(**) Vd. poste de 12 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...
sábado, 13 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25382: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVI: o golpe militar de Bissau
Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bettencourt (ou Bethencourt) Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau.
"Não procurando promover qualquer interpretação, chegar a juízos gerais ou encerrar os eventos abordados numa dada problemática, o grupo entrevistador foi seguindo os relatos e aceitando as visões dos seus interlocutores, embora não deixasse de lhes solicitar esclarecimentos por vezes incómodos."
1. Voltamos aos depoimentos produzidos no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida [A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné > 29 de Agosto de 1995 > Depoimentos de General Mateus da Silva, Coronel Matos Gomes, José Manuel Barroso e Coronel Florindo Morais]
Iremos reproduzir alguns excertos das enrevistas para ficarmos com uma ideia mais viva, precisa e detalhada do que foi a 23ª hora do último com-chefe do CTIG, gen Bethencourt (ou Bettencourt) Rodrigues, e concomitantemente o que se passou nos dias 25 e 26 de abrl de 1974 em Bissau.
Os antigos combatentes da Guiné, qualquer que seja o ano em que moram mobilizados para o território, de 1961 a 1974, têm o direito de saber como é que acabou a guerra. E é bom lembrar que parte destes homens que arriscaram vidas e carreiras, na "conspiração" do MFA na Guiné-Bisau, já morreram, como é o caso do ten-gen Mateus Silva.
Sobre o "golpe militar de Bissau", iremos trancreer parte das entrevistas a:
- Eduardo Mateus da Silva [1933-2021] : Engenheiro militar da Arma de Transmissões; chega à Guiné em Junho de 1972, como tenente-coronel; membro do MFA desde os primórdios; encarregado do governo da Guiné depois do 25 de Abril;
- Carlos Matos Gomes (n. 1946): Oficial dos Comandos, comandante de Tropas Nativas Especiais; em Moçambique, participou na operação “Nó Górdio”; fez a sua missão na Guiné de Julho de 1972 a fins de Junho de 1974; pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné; foi membro da Assembleia do MFA;
- José Manuel Barroso [n. 1943] : jornalista, capitão miliciano na Guiné de Julho de 1972 a Maio de 1974; colaborador directo do general Spínola, na Guiné; membro do MFA da Guiné;
- Florindo Morais [n. 1939] : só vai para a Guiné, como major, nos primeiros dias de Junho de 1974, sendo o último comandante do batalhão de Comandos Africanos na Guiné e regressa na véspera da independência. (Notas biográifcas dos organizadores dos Estudos Gerais da Arrábida
2. O Golpe Militar de Bissau (##)
Entrevistadores: Manuel Lucena (1938-2105), Luís Salgado Matos (1946-2021)
Entrevistados, Mateus da Slva (1933-2021), Matos Gomes (n. 1946), José Manuel Barroso (n. 1943)
[...] General Mateus da Silva:
Há um aspecto que também é único no MFA da Guiné: é que o MFA em Lisboa, tinha principalmente capitães, muito poucos majores e não tinha os comandos das unidades.
Na Guiné, porque o ambiente era totalmente favorável ao MFA, podíamos ter envolvido, na conspiração, todos os capitães que quiséssemos, mas como não nos interessava isso, porque ia alargar muito, escolhemos os comandantes das unidades: envolvemos o comandante do Batalhão de Comandos, o comandante e o 2º comandante do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões (as comunicações eram essenciais), o comandante da Engenharia, o comandante da Artilharia, e, quando quiséssemos carregar no botão e tomar o poder, era só querermos.
Luís Salgado Matos:
Qual era o papel do general Bettencourt
Rodrigues? Percebia o que se estava a passar? Sabia do que se estava a passar?
Tinha alguém em quem tivesse confiança?
Coronel Matos Gomes:
Ele sabia muito pouco. Há uma história que demonstra a forma diferente do general Bettencourt Rodrigues exercer a sua função de comando, como comandante-chefe. O general Spínola falava com muita facilidade à hierarquia, até cá abaixo. Qualquer capitão podia muito facilmente obter acesso ao general Comandante-chefe. Portanto, estes circuitos funcionavam quase em ligação directa.
Ao passo que o Bettencourt Rodrigues, até por questões de feitio pessoal e de formação militar e profissional, como oficial de Estado-Maior, a primeira acção que lhe corresponde como comandante-chefe é cortar essa ligação, e coloca um fusível na ligação, que era o seu Chefe de Estado-Maior, o coronel Hugo Rodrigues da Silva, passando a ser impossível um comandante de uma unidade falar com o comandante-chefe ou com outro operacional. Tudo passava pelo coronel Chefe de Estado-Maior.
Para os
comandantes das unidades, habituados a negociar concretamente com Deus Nosso
Senhor, as coisas passaram a ser muito complicadas e a reacção é deste género:
«Bom se ele não quer saber, não sabe e pronto!» E passa a saber muito menos
coisas. Além de não saber aquilo que era o estado de espírito, passa a não
saber também coisas [concretas] essenciais.
José Manuel Barroso:
[...] Eu penso que o general Bettencourt Rodrigues (eu continuei a lidar com ele, não do modo como lidava com o Spínola, mas quase diariamente) tentou aguentar o que estava, não quis fazer grandes alterações, criar grandes problemas, grandes conflitos. Tentou aguentar o que estava em função das instruções que levava.
Simplesmente, o que sucede, quando o general Bettencourt Rodrigues lá chega - e até pelo facto do general Spínola regressar à metrópole -, é que havia já um desencanto total em relação à evolução.
Quer dizer, a própria retirada do general Spínola do terreno de operações (e do poder político na Guiné) significou, para a grande maioria dos oficiais, não só [para] os que conspiravam lá abertamente, quer fossem spinolístas ou não, mas também [para] os próprios milicianos, uma forma de dizer: «Isto não tem safa, tem que haver uma outra evolução qualquer». Ou: «O próprio Spínola já não tem qualquer hipótese e vai-se embora.»
Pelo general Bettencourt Rodrigues, havia respeito, não era da «brigada do reumático». Mas ele era um corpo estranho.
General Mateus da Silva:
[…] Bom, nós reunimo-nos na véspera [do 25 de Abril], estivemos até cerca da 1:00 hora, não conseguimos informação nenhuma de Lisboa, sobre se realmente tinha acontecido ou não alguma coisa. Nós tínhamos um centro de escuta no Agrupamento de Transmissões, que era óptimo. Escutávamos em permanência a Reuter e a France-Press, e tínhamos um tele-impressor ligado e apareciam as notícias em catadupa.
Escutávamos todas as emissões de rádio dirigidas contra nós, desde a Rádio-Moscovo ao PAIGC, tudo. E todos os dias, era editado um documento, acho que era o Boletim Periódico de Rádio. São documentos que não sei se existem, se foram arquivados. E nós gravávamos, e transcrevíamos todas as emissões em português que eram dirigidas contra nós. Tínhamos as agências noticiosas e, antes de regressarmos a casa, nessa noite, avisei o oficial de dia, que era o alferes Rodrigues, para estar com muita atenção no centro de escutas, que podia acontecer qualquer coisa.
Às 5 ou 6 da
manhã, quando os tele-impressores da Reuter e da France-Press começaram a
debitar as primeiras notícias, ele percebeu que realmente tinha acontecido
qualquer coisa em Portugal. Telefonou-me logo para casa e eu avisei todos os
outros pelo telefone e imediatamente soubemos o que se passava. Lembro-me de
que o alferes Rodrigues até chorava a contar o que tinha acontecido.
Isto foi a noite antes do 25 de Abril, e depois ia falar no
dia 25 de Abril.
Quando nós tivemos as primeiras notícias do dia 25 de Abril, avisei o major Freire, que era o comandante da polícia e que também estava connosco (todos os comandantes das coisas importantes estavam envolvidos).
E o major Freire diz-me assim: «Oh pá! Eu tenho de ir agora às 8 horas com o director da PIDE para a Ilha das Galinhas visitar os presos políticos. O que é que eu faço?» Eu respondi: «Oh pá! Só tens um remédio, vais!»
Então, às 8 horas da manhã, ele foi para a ilha das Galinhas, com o director da PIDE. Passaram lá uma manhã estupenda, almoçaram, regressaram a Bissau e o director da PIDE não sabia rigorosamente de nada do que se estava a passar em Lisboa.
Depois, reunimo-nos várias vezes para decidir o que é que fazíamos, o que é que não íamos fazer. E tentámos contactar com Lisboa, mas ninguém nos ligava nenhuma em Lisboa, estavam noutra.
Ao fim da tarde, apareceu um telegrama do almirante Ferreira de Almeida, chefe do estado-maior da Armada, que, apesar de ser um homem muito ligado ao regime, disse logo que, tendo o poder político mudado, a Marinha estava com o novo poder político. Tomou logo essa decisão, mesmo antes de ser substituído.
O comandante naval em Bissau, comodoro Almeida Brandão, perante aquela mensagem, vai ao general Bettencourt Rodrigues, mostra-lhe a mensagem e diz-lhe:
«Olhe, sr. comandante-chefe, passa-se isto… O chefe do Estado Maior da Armada já está com o 25 de Abril, o que é que o senhor quer fazer?»
O Almeida Brandão também era um militar, digamos, democrata e aberto, e mandou uma mensagem para Lisboa a dizer que a Marinha na Guiné estava com o MFA.
O general Bettencourt Rodrigues não tomava posição, estava à espera
de receber instruções, e passou toda a noite assim.
No dia 26 de Abril, logo de manhã, nós, este grupo que estava mais ligado, reunimo-nos no Batalhão de Paraquedistas, em Bissau, às 8.30h, a discutir o que havíamos de fazer.
E foi nessa reunião que decidimos intervir e, digamos, fazer aquilo a que eu chamo um golpe militar em Bissau, que na altura não teria esta percepção, mas, a posteriori, considero que de facto foi um golpe militar.
Discutiu-se quem ia ficar como encarregado do
Governo, eu propus que fosse o secretário-geral, o dr. Libânio Pires, todos os
outros acharam que devia ser eu, como militar mais graduado. Escolhemos o
comodoro Almeida Brandão para futuro comandante-chefe, porque era o mais antigo
e, além disso, tinha já tomado a decisão de mandar um telegrama para Lisboa, a dizer
que aderia ao MFA.
[...] Às 9h (era feriado municipal em Bissau), fomos ao gabinete do comandante-naval, comodoro Almeida Brandão, convidá-lo a ser o nosso futuro comandante-chefe. Também tem piada porque, antes de destituirmos o governador, já estávamos a convidar o futuro comandante-chefe.
O comodoro hesitou um bocado e disse que não podia aceitar. Nós até queríamos que ele também fosse logo connosco ao gabinete do Bettencourt Rodrigues. Recusou-se mas acabou por dizer que aceitava ser comandante-chefe.
Em seguida, ainda passámos pelo Palácio do Governador mas ele não estava, estava no comando-chefe na Amura. Fomos então à Amura. Na altura, houve uma companhia da polícia militar que cercou o comando-chefe, e também havia tropas paraquedistas nossas que estavam ali à volta.
Entrámos de rompante no gabinete do general Bettencourt Rodrigues, o ajudante meteu-se à frente e levou um pinhão que voou por ali adentro… A porta abriu-se de escantilhão e nós entrámos.
Agora imaginem, do ponto de vista do general comandante-chefe, que vê um grupo aí de doze oficiais (###), entrarem-lhe assim pelo gabinete…
Ele ficou logo desequilibrado psicologicamente. Quando falámos com o coronel Hugo Rodrigues da Silva, que era o intermediário de tudo com o governador, ele recriminou-nos por termos feito aquilo sem o informar primeiro.
O brigadeiro Leitão Marques teve uma reacção perfeitamente despropositada, disse assim:
«Meus senhores, hoje acabou a minha carreira militar, os senhores prendam-me, matem-me, fuzilem-me, façam-me o que quiserem.»
Uma coisa perfeitamente dramática e despropositada.
O general Bettencourt Rodrigues perguntou se estava preso, e este também é um aspecto que acho muito interessante. É evidente que ele estava pelo menos bastante coagido, mas eu disse:
«Não, o meu general não está preso, simplesmente vai ao palácio, faz as suas malas e embarca hoje no avião para Lisboa.»
E foi o que ele fez, mas muito civilizadamente. Eu tenho aqui fotocópias, está aqui um texto escrito mais tarde num jornal pelo general Bettencourt Rodrigues:
«A perguntas minhas, aqueles oficiais acrescentaram que devia seguir para Lisboa nessa manhã, em avião que vinha de Luanda e sairia da Guiné em liberdade».
Isto é dito por ele próprio e acaba com a polémica.
Do meu ponto de vista, foi o general Spínola, directamente ou alguém por ele, que prendeu o Bettencourt Rodrigues, o que tem a sua lógica, porque o general Spínola não podia com o Bettencourt Rodrigues, pois achava que tinha destruído a sua política da «Guiné melhor». [...]…
Luís Salgado Matos:
Quando diz ao Bettencourt Rodrigues que
não está preso, tem é de fazer as malas para voltar para Lisboa, o que é que
ele responde?
General Mateus da Silva:
Ele não respondeu, ele aceitou. Fez uma cena mais ou menos dramática, quase com as lágrimas nos olhos, a dizer:
«Meus senhores, estão aqui os oficiais que mais considero na Guiné, os comandantes das principais unidades, fulano esteve ontem aqui sentado ao meu lado, a falar comigo, outro não sei que mais, eu não podia esperar jamais que me fizessem uma coisa destas, estou profundamente magoado.»
Foi mais ou menos esta a reacção dele. […]
Coronel Matos Gomes:
Só houve três oficiais que se
solidarizaram com ele, o Leitão Marques, o coronel Rodrigues da Silva e,
posteriormente, na sala de operações, o coronel Vaz Antunes.
General Mateus da Silva:
Eu acho que foi um mal-entendido, porque o Leitão Marques era um homem democrata e nós até gostaríamos que fosse ele a substituir o Bettencourt Rodrigues. Nós saímos do gabinete do general Bettencourt Rodrigues e dirigimo-nos à sala de operações. Como era feriado, o briefing era às 10h e, quando avança aquele grupo comigo à frente, na sala de operações, falando como as coisas são e se passaram, eu senti imediatamente que os coronéis e outros oficiais mais graduados do que eu me abriram alas e me cumprimentaram logo com toda a deferência.
Entrei na sala de operações e sentei-me na primeira fila, no lugar do general Bettencourt Rodrigues. Antes de me sentar expliquei o que é que se passava e foi nessa altura que o coronel Vaz Antunes disse que não podia aceitar uma situação destas, que estava solidário com o general Bettencourt Rodrigues. E o Almeida Brandão virou-se para ele e disse:
«Se está solidário, saia!»
Já o Almeida Brandão a assumir-se como comandante-chefe. E depois teve lugar o briefing com toda a naturalidade.
Às 3h da tarde, depois de uma grande informação pela rádio, tomei posse como encarregado do Governo. Antes de tomar posse, chegou ao nosso conhecimento a directiva da JSN, dispondo que nas províncias de governo simples o governador devia ser substituído pelo secretário-geral. Então pôs-se a dúvida se eu tomaria posse, ou daria posse ao dr. Libânio Pires e até à última hora estivemos em contacto com Lisboa, que acabou por aceitar: «Está bem, pronto então toma posse.»
Isso foi de tal maneira que eu pedi ao José Manuel Barroso
para me escrever o discurso que eu diria no caso de não tomar posse. Nunca o
pronunciei, mas está aí escrito com a letra dele e pelo punho dele. Tomei
posse, mas isso foi o próprio MFA da Guiné que decidiu, contrariamente à
JSN.
Manuel de Lucena:
Da JSN, quem deu o aval
à sua posse?
General Mateus da Silva:
Não foi ninguém, foi um intermediário, foi um dos oficiais que gravitava ali à volta, não me lembro exactamente quem foi. Aliás ouvia-se muito mal, as comunicações telefónicas eram muito más, confesso que não me lembro. [...] (#)
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, notas, para efeitos de publicação deste poste: LG)
_____________
(#) Atual endereço do sítio do AHS - Arquivo Histórico Social, ICS/ULNota do editor: