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terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20914: 16 anos a blogar (6): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (2) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos a II parte de Os dias de Abril, mês "de águas mil"


Os dias de Abril, mês de “Águas mil”, de Constituições, de Revoltas, de Revoluções, dos… das Celebrações, Grupos de Risco e do Cofinamento, que mudaram Portugal - Parte II

(Continuado)

Em meados de Abril de 1974, feitas 6 reuniões plenárias à escala dos 3 Ramos das FA, a última em Cascais, mobilizadora de cerca de 200 conjurados, e um mês passado sobre a falhada “Revolta das Caldas”, a Comissão Coordenadora do MFA tinha acelerado e terminado o seu trabalho de casa – a máquina conspirativa estava montada e bem oleada.

A malta conspiradora das Caldas havia-se precipitado. À data da sua saída, a inter-relação dos conjurados limitava-se à ligação, não havia nem plano de acção militar nem programa político, mas apenas um rascunho de cariz político-militar, da autoria do Major do SAM Moreira de Azevedo e o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas encontrava-se neste pé: logo que fossem muitos, entregariam ao Chefe seu elegido (General Spínola) um ultimato para ele apresentar ao Chefe do Governo (Marcello Caetano). Se este o aceitasse, tudo bem; se o recusasse, meteria o General Spínola “dentro”, na Trafaria (com o amparo do livro Portugal e o Futuro) e então eles accionariam o seu chefe profissional, General Costa Gomes.

Uma evidência da falta de equidade de funções, peculiar à comunidade militar. Os generais não substituiriam os capitães e os capitães a tratar de substituir os generais…

Ernesto Melo Antunes
Em 23 de Abril de 1974, o MFA iniciou a acção directa. A participação de oficiais da Marinha, da Força Aérea, as adesões dos seus camaradas milicianos (os espúrios) e de uma proporção significativa de oficiais superiores estavam consolidadas, havia o Programa político, elaborado por uma comissão coordenada pelo açoriano Major de Art.ª Melo Antunes e, também, o Plano da operação militar com o código de “Viragem Histórica”, elaborado por uma comissão coordenada pelo natural moçambicano Major de Art.ª Otelo Saraiva de Carvalho.

Escolhido o dia 25 de Abril para seu dia D e a 1H00 para sua hora H, efeméride da queda do Fascismo na Itália, inspirador do nosso regime do Estado Novo, a sua equipa operacional, comandada pelo Major Otelo, dedicou esse dia a entregar rádios, códigos e senhas aos conjurados, e, em simultâneo, o Major Melo Antunes, numa discriminação positiva ao Partido Comunista e ignorando o Partido Socialista e a Ala Liberal, entregava ao casal Carlos Brito e Zita Seabra, responsáveis da DROL (Direcção Regional da Organização de Lisboa) do PCP, cópias do Plano da operação militar e do Programa Político do MFA – as únicas cópias saídas da intimidade dos conspiradores.

A participação do Povo no êxito do 25 de Abril incruento é facto acontecimental; a participação do povo logo na alvorada da sua manobra militar é um mito.

Ao começo da madrugada de 1 de Abril de 1974, Zeca Afonso encerrou o seu espectáculo do Coliseu dos Recreios com a canção Grândola, vila morena, que havia lançado na Galiza, o Major Otelo estava na plateia, o seu ouvido reteve-a e será a elegida para senha da hora H – a Rádio Renascença transmitiu-a aos 20 minutos da madrugada de 25 de Abril.

O primeiro conspirador a mostrar serviço ao Posto de Comando do MFA, na Pontinha, foi o Capitão Teófilo Bento: ouvida a cantiga do Zeca Afonso, ele, o Tenente Manuel Geraldes e a sua malta da Escola da Administração Militar, especialistas de “apontadores da Bic” e não de apontadores da G3, acabavam de ocupar o Mónaco, nome de código da sua vizinha a RTP.

Jaime Neves
O segundo a sair terá sido o Major Jaime Neves e a sua malta dos Comandos; será recorrente na afirmação de que, quando chegou ao Terreiro Paço, por volta das 6H00 da manhã, com a missão de ocupar os ministérios militares e de prender os respectivos ministros, já havia massas trabalhadoras, vindas da Outra Banda e com palavras de ordem, de apoio à “revolução”. Desconfiado de estar a protagonizar uma revolução comunista, “a coisa era tão secreta e chegara a esse nível”, em vez de apresentar serviço na Pontinha, exigiu explicações ao Posto de Comando, o Major Otelo sossegou-o, e só não desistiu, porque o Capitão Salgueiro Maia e a sua malta da EPC de Santarém começaram a chegar.

A sua perplexidade permitiu que os chefes militares tivessem escapado (momentaneamente) à prisão, derrotando com os machados de guerra dos guerreiros da sua decoração a parede de tijolo, divisória entre o Ministério do Exército e o Ministério da Marinha, apanharam o autocarro e foram parar ao Regimento da PM, à Calçada da Ajuda, onde montaram o Posto de Comando da contra-revolta. Integrou-se activamente na manobra do Salgueiro Maia, foi negociador decisivo, na Ribeira das Naus, na contenção dos blindados Patton que os chefes que não prendera mandaram contra eles, vindos da mesma Calçada, originários do RC7. E ainda efectuará a prisão o General Louro de Sousa, Quartel-Mestre General, - o Comandante do CTIG da Guiné da “Operação Tridente”, à ilha do Como, em princípios de 1964.

O que o Posto de Comando do MFA e o notável soldado e futuro Brigadeiro Comando Jaime Neves não sabiam – este terá partido sem saber – que a sua colisão mental com o surgimento daquela malta, madrugadora e animada, era circunstancial a essa a manobra “secreta” do Major Melo Antunes, que pusera o Carlos Brito a mobilizar a massa trabalhadora da Cintura Industrial de Lisboa para o Terreiro do Paço e pusera a Zita Seabra a mobilizar a massa estudantil (a UEC) a apoiar todo o militar da revolta que encontrasse na rua.

E essas massas desempenharam-se eficazmente; foram o “fermento” que levedou a massa de adesão do Povo.

Se o Capitão Teófilo Bento e a sua malta do SAM foram meteóricos na ocupação da RTP, objectivo não armado, o MFA de Lisboa, não obstante o seu poderio de homens e de fogo, demorou 17 horas a tomar o poder em Lisboa, encheu o Forte da Trafaria de presos, enquanto ao MFA do Norte, enformado por 60 militares, divididos em 5 grupos, comandado pelo então Tenente-Coronel Carlos Azeredo, bastaram 8 minutos para cumprir todas as missões e tomar o poder no Porto – e não meteu ninguém na cadeia.

Às 14H02 entraram em acção e às 14H10 já tinham libertado toda a região de Entre Minho e Douro.

A primeira fractura do MFA também se deu no Norte.

Carlos de Azeredo
O Tenente-Coronel de Cav.ª Carlos Azeredo planeara e executara o 25 de Abril nortenho em parceria com os Majores Eurico Corvacho, Gonçalves Borges e o Capitão Nogueira de Albuquerque, não poderia comandar a Região Militar, por não exercer o comando de unidade, havia requerido a demissão do Exército (o ministro tencionava deferi-la, sob o pretexto de ser paciente de “de doença mental”), mas recusou cumprir a ordem do Posto de Comando na Pontinha, de sair da cena e deixar o comando para o Major Corvacho; no seu entender, os chefes do MFA eram os Generais Spínola e Costa Gomes.

Em corolário a tantas horas de indecisão, a partir do meio-dia desse dia libertador emergiram no Porto não as massas populares de apoio, mas a turbamulta. Molestava-se pessoas, montava-se cercos aos quartéis da GNR, apedreja-se as esquadras da PSP e outras instituições do Estado, incendiavam-se carros, partia-se montras e assaltava-se lojas. Presenciei a Eng.ª Civil Virgínia Moura, que havia conhecido no contexto das obras da Ponte da Arrábida, como autora do projecto do nó e do viaduto de Sto. Ovídeo, em Gaia, a incitar a multidão e a alçar-se ao seu comando, para a temeridade de cercar e assaltar a PIDE – negligenciando o seu armamento.

Foi quando entrou em cena outro oficial também já fora da tropa e também Eng.º Civil – o Coronel Mário da Ponte (que me honrou com a sua amizade, durante mais de 40 anos). Foi para o Quartel-General, puxou dos galões, pôs a PM e a tropa na rua, a restaurar e a manter ordem pública, desmobilizou o cerco à PIDE, no dia seguinte mandou para casa o seu pessoal secundário e o seu pessoal estrutural foi largado no Alto da Carriça, na estrada de Braga, postura que manteve enquanto o Coronel de Inf.ª Passos Esmeriz, que comandava o RI 6, na Senhora da Hora, não foi assumir esse posto, por vontade da maioria dos oficiais dessa Região Militar.

Mário Soares e Álvaro Cunhal
Com o regresso de dois políticos, o optimista e exilado Mário Soares, vindo de Paris, que se apeou na Estação de S. Apolónia, no dia 28, e o céptico e fugitivo Álvaro Cunhal, vindo de Praga, que, no dia 30, desembarcou no Aeroporto da Portela, a revolta passou a tridimensional - os “capitães de Abril” e mais esses dois, como os corifeus do Socialismo…

Há camaradas da Tabanca Grande participantes na operação “Viragem Histórica”? Eu, no 25 de Abril, não pequei por omissão: voluntariei-me e fui recusado.

Naquele dia inicial inteiro e limpo (Sophia), estacionei o carro na Praça da República (então trabalhava no cimo da Rua do Almada) e dirigi-me ao camarada furriel que vi a comandar uma secção em posição de fogo, nos cruzamentos da Rua João da Regras e da Rua da Boavista. Admitindo tratar-se de exercício citadino, comentei o seu realismo e ele disse-me que não era exercício, era uma revolta para derrubar o Governo. Alertei-o do perigo do RC 6, ali tão perto, e ofereci-me a ir para a torre da Igreja da Lapa e fazer a vigilância aérea dos eixos de aproximação dos seus blindados, e ele desarmou a minha disponibilidade, dizendo-me que toda a tropa do Porto estava alinhada com a revolta. Eram 8H30 da manhã…

Naquele tempo também me sentia rebelde, ofereci os meus préstimos (intempestivos), o 25 de Abril recusou-os, mas, modéstia aparte, não deixou de me obsequiar: os Trabalhadores honram o 1.º de Maio como o seu dia e eu não só, mas também - é o dia do meu aniversário!

A celebração desta efeméride, via skype, por aquela meia dúzia de velhotes e “Capitães de Abril” sobrevivos, a cujo grupo etário pertenço, cercados por todos os lados pelo vírus Covid-19, a sua nostalgia de combatentes, no Ultramar e na Metrópole, ao serviço do seu Povo, ora em distanciamento social e em confinamento por um inimigo invisível, a sua exortação aos médicos, enfermeiros e demais pessoal do SNS, para personificarem os “capitães de Abril” da sua derrota, comoveram-me às lágrimas.

E, parafraseando o Almirante Pinheiro de Azevedo, protagonista de dois 25´s, o de Abril e o de Novembro: Não gosto de confinamento; chateia-me estar confinado.

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OBS:- Escolha e edição das fotos da responsabilidade do editor
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Notas do editor

Poste anterior de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20902: 16 anos a blogar (4): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (1) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20912: 16 anos a blogar (5): O barbeiro dos bifes (António Carvalho, ex-Fur Mil Enf)

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20912: 16 anos a blogar (5): O barbeiro dos bifes (António Carvalho, ex-Fur Mil Enf)


Região de Tombali > Mampatá > Uma foto aérea de povoação e aquartelamento.
Foto: © José Manuel Lopes (2008)


1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 20 de Abril de 2020, trazendo-nos uma história a que deu o título de O barbeiro dos bifes.


O BARBEIRO DOS BIFES

Nem sempre as diferentes especialidades se ajustavam ao perfil de cada militar, fosse por imperfeições do próprio sistema de avaliação, que nós conhecíamos por testes psicotécnicos, fosse pela viciação dos resultados sob a mão de uma oportuna cunha, viesse ela do padre da aldeia, do regedor ou até de um coronel reformado.

Certo é que, para preencher a especialidade de atirador, nunca havia pedidos, e poucos eram os que sorriam quando, no fim dos três meses de recruta, lhes era comunicado que lhes tinha cabido em sorte a G3. Na ingenuidade de muitos mancebos não lhes calharia mal a especialidade de condutor, sendo que alguns até almejavam essa profissão, logo que regressados à vida civil. Não sabiam eles ainda quão perigoso era conduzir um camião nas matas de África, sujeitos ao primeiro tiro ou ao rebentamento de uma mina anticarro.

Ao Simão, de Oliveira de Azeméis,  foi-lhe atribuída precisamente a especialidade de condutor-auto, a contragosto, mas se assim tinha sido o resultado dos testes, assim tinha que ser. A grossa maioria dos recrutados, entre 1961 e 1974, bem sabia da sua condenação à guerra do Ultramar, ao fim de meia dúzia de meses, mas o Simão sempre admitia que pudesse ter sorte, até porque era já casado. Podia ser que escapasse e ficasse por cá, julgava até que, com mais sorte ainda, poderia ficar ao serviço de um oficial superior, conduzindo-o num “Carocha” verde azeitona ou num Mercedes da mesma cor, entre quartéis e a sua residência. Bem tentou, pediu até a uma senhora de Oliveira de Azeméis que tinha trabalhado em casa de um general, mas, azar dele, a senhora tinha saído de lá zangada, quando ainda jovem, por lhe não ter aceitado uma proposta indecente.

Foi azarado o Simão, porque se tinha pouco jeito para aquela profissão, muito menos se imaginava a conduzir uma Berliet carregada de cerveja e sacos de arroz, em picadas cheias de buracos camuflados por água. Ao fim de seis meses de tropa estava já escalado para o pior sítio da guerra de África, ainda por cima obrigado a integrar colunas de reabastecimento, com um qualquer camião, a que havia de faltar sempre alguma peça, a transportar água e lenha das imediações do aquartelamento e outros serviços que lhe fossem atribuídos. Estava o Simão metido numa camisa de sete mangas, mas havia de se safar, o espertalhão.

De vez em quando, de propósito, quando ia à lenha, ali por perto, arranjava maneira de fazer de conta que não via e passava por cima da ponta aguda do pé de uma árvore e lá ia mais um pneu à vida. Também daria resultado arranhar a caixa de velocidades, de vez em quando, sempre que o Furriel Mecânico ou o Capitão estivessem por perto. Só por si estes argumentos não seriam suficientes para o Capitão o tirar da condução, mas iriam ajudar muito, poucos dias depois. O Simão tinha um plano bem urdido. Quando, antes do embarque, ainda em casa, a mulher lhe punha na mala, entre outras roupas, um casaco, ele disse-lhe, num riso forçado, antes da triste despedida:

"Tira daí, mulher, o casaco que lá só há calor de rachar e mete mas é, no lugar dele, a minha ferramenta de barbeiro, que para alguma coisa me há de servir."

Nas horas vagas ia cortando o cabelo a um ou dois por dia, daqueles seus amigos, que mais lhe não pagavam que uma simples cerveja. Longe de cogitar que o Simão montava a “oficina” propositadamente em sítio que o visse, o Capitão, apreciando-lhe a destreza com a máquina e a tesoura, logo quis tirar proveito da situação. Foi, pois, o que fez, no dia seguinte quando o mandou chamar ao seu gabinete:
- Então Simão, já que tem andado a cortar o cabelo a alguns militares, trabalho que vejo bem que já fazia na vida civil, vai, a partir de agora, ser o barbeiro da companhia.

O Simão não teria disfarçado o agrado daquela ordem emitida pelo seu Capitão, caso se tratasse de uma proposta susceptível de negociação. Agora uma ordem! Ele bem sabia que na tropa não havia a especialidade de barbeiro, logo, sendo ele condutor, só aceitaria esse encargo de tosquiar aquelas quase duas centenas de militares, se a ordem viesse condimentada com algo mais apelativo. Mas ele, a parte mais fraca, não havia, naquele dia, de recusar, definitivamente, obedecer à ordem do Capitão, ainda que ilegal. Por isso, só lhe disse, condoído, que lhe seria quase impossível acumular a função de condutor com a de barbeiro.
- Se o meu Capitão me arranjasse uma outra função, dentro do arame farpado, libertando-me da condução, seria mais fácil, assim vai ser quase impossível eu dar conta do recado, que são muitas cabeças!

Havia mais condutores do que viaturas na companhia, por isso, dois ou três deles tinham sido colocados noutros sectores onde o Capitão notava necessidade. Ainda nem um mês tinha decorrido desde a nossa chegada a Mampatá, o nosso homem, em conversa com o Ferraz, seu colega de especialidade, que trabalhava contrariado na cozinha, propôs-lhe a troca, para ambos benfazeja . Faltava agora essa permuta merecer o aval do Capitão, porque, quanto ao Furriel Mecânico esse estava morto por o ver pelas costas, acabando-se assim a sua permanente aflição sempre que o via pegar numa viatura.

Assim, havia condições para todas as partes saírem satisfeitas. Por isso, os dois condutores, depois de apresentada a pretensão ao Furriel Mecânico, Nina de seu nome, correram ao gabinete do Capitão para a celebração daquela permuta de geral consolação. Agora já podia tratar do cabelo e da barba de toda agente, liberto das viaturas, embora com a acumulação de ajudante de cozinha e cantineiro.

Estava como queria, o nosso barbeiro Simão. Apareceu por lá outro, um alentejano, que também cortava o cabelo a alguns, mas embora mais barateiro, era mais fraquinho. Bom mesmo, esse, era no mato, com a “bazooca”, arma da 2.ª Guerra Mundial que manejava com mestria.

Um barbeiro na tropa
O Simão era um espertalhão, mas tinha sentido de justiça e consciência de classe. Cada um dava-lhe de gorjeta o que quisesse, mas ele, mesmo não dispondo de tabela fixada na árvore onde encostava a cadeira, tinha na sua mente, o valor justo para cada posto, e rogava, por entre dentes, as maiores pragas ao alferes que lhe desse menos do que um furriel ou quando um destes lhe desse tanto como um soldado.

Terá beneficiado da influência das lavadeiras fulas que estabeleciam os preços pelos seus serviços de lavagem das nossas fardas em função dos nossos vencimentos? Julgo que sim, porque, na nossa cultura europeia, o preço de um bem é aferido pelo seu valor objectivo, independentemente do ordenado da pessoa que o adquire.

Era perito a pregar partidas e, num sítio onde era difícil encontrar um espelho, muito menos dois, como podíamos mirar a parte da nuca? Era aí que ele, às vezes, engenhava as suas maldades, deixando uma ou outra escada. A um, que veio de férias ao fim de dezasseis meses, desactualizado em relação à evolução da moda, fez-lhe um corte tão apalhaçado que até a namorada dele galhofou.

O Simão, no seu trabalho de cantineiro, passava a vida a servir cervejas, latas de coca-cola e whisky no bar comum aos oficiais e sargentos, onde comprávamos também tabaco, pilhas para o rádio e pouco mais. Tinha ainda um outro serviço que ele desempenhava com tanta habilidade como se estivesse a cortar cabelo. Por volta do meio dia, era sua atribuição, limpar a mesa, usada para algum jogo de sueca ou crapô, para agora nela ser servido o almoço ao Capitão e a mais três ou quatro Alferes. Não parava de sorrir o Simão enquanto, metodicamente, esticava as pontas da toalha e de seguida a enfeitava com pratos, copos e talheres que, um por um, abrilhantava com um paninho branco que trazia sempre consigo.

Depois vinha o melhor da peça, provavelmente o que lhe alimentava aquele permanente sorriso que se lhe não descolava do rosto magro e esbranquiçado, enquanto se ocupava daquele trabalho rotineiro de preparar a mesa e servir o almoço aos oficiais. Um deles, o Alferes Estuques, tinha embirrado com dois ou três militares, porque ao passar na árvore dos passarinhos, a nossa mítica árvore, a maior da tabanca, tinha-os repreendido por achar que os mesmos não o teriam cumprimentado de acordo com as normas rígidas da corporação militar. Ora, desse grupo de incumpridores fazia parte o Simão deste conto verdadeiro, que sorria enquanto pensava como havia de trambicar o exigente Estuques.

Para além de instalar a mesa para a refeição, ele tinha que trazer, da cozinha, uma travessa onde coubessem as quatro ou cinco refeições e competia-lhe servir o prato de cada um dos oficiais. Nos dias de massa ou arroz com rodelas de chouriço ou salsichas não tinha o Simão modo de prejudicar o Estuques, mas quando a nossa companhia comprava uma vaca, o sorriso do Simão era bem mais explícito, algumas vezes gargalhava até com os cozinheiros dentro da cozinha. Era lá que ele preparava, com a colaboração de um cozinheiro, a nicada. Trazia os bifes, de diferentes tamanhos, sobrepostos, mas na hora de servir os oficiais havia de arranjar maneira de o mais pequeno calhar sempre ao Estuques.

Aquilo já era de mais, ao ponto de o Alferes se queixar ao Capitão. Chamado à atenção sempre se defendeu o Simão que não o fazia por mal, que assim acontecia por mero acaso, mas que se iria esmerar, de futuro, de modo a que o Estuques não tivesse mais razão de queixa. O Simão havia de sair bem daquela situação, o Estuques é que continuou prejudicado, porque, em vez de lhe calhar o bife mais pequeno, ninguém sabe porquê, passou a ser para ele sempre o mais rijo.

Quando, na chegada a Lisboa, se despediram, por entre risos e abraços, o Estuques disse-lhe isto ou algo pior :
- Tu lixaste-me!

O Simão, senhor Aníbal da Costa Santos Simão, é hoje proprietário da Barbearia Barber Shop Elvis Museu, em Oliveira de Azeméis, onde continua a trabalhar, mas já não prega partidas aos clientes.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20902: 16 anos a blogar (4): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (1) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

sábado, 25 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20902: 16 anos a blogar (4): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (1) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 24 de Abril de 2020:


Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal

A condição de reformado fez-me cliente assíduo (ou rato) de arquivos e bibliotecas, e, graças ao longo tempo em que me enfronhei no “Portugaliae Monumenta Historica” (5 grossos volumes), cheguei à conclusão de que D. Afonso Henriques foi o primeiro “capitão de Abril” da nossa História, ao ter escolhido esse mês para organizar e comandar a revolta do nascimento de Portugal.

Começou por se tornar soldado, ao auto-armar-se cavaleiro, “como os reis”, tomando em sua mão a espada e ungindo o seu bico com sangue do corte no seu pescoço e não com sangue do corte dos seus testículos, como era próprio dos dependentes; a culminar dois anos de reuniões conspirativas e como líder, no dia 5 (seria no dia 25?) de Abril de 1127, trocou a malta de Coimbra pela malta do Norte, “furtou” os castelos do Neiva e de Faria, “para fazer guerra à mãe” e fundar a nossa Nacionalidade.

Nuno Tristão
A Guiné que nos é tão cara, mátria de um lugar de memórias, que a História já regista no blogue LG&C, foi descoberta por Nuno Tristão, em meados de Abril de 1446, mas África a sul do Sahara já não era virgem de portugueses: parte da sua malta já havia andado a “inventar” o mulato pelas suas praias e ele pagou com a vida a sua ida para o mato nessa então Guinela.

No descobrimento do Brasil e Novo Mundo (a América), por Pedro Álvares Cabral, em finais de Abril de 1550, dois grumetes da sua malta navegante aproveitaram a ida à missa campal de Acção de Graças para desertar para o mato – são os primeiros “cara” da “invenção” do mestiço.

O rei de Portugal por uma semana, D. Pedro IV, em Abril de 1826, explicitou e outorgou a Carta Constituição da Monarquia Portuguesa, a nossa primeira Constituição abrilista e a nossa segunda Constituição vintista.

D. Maria II, a brasileira nossa rainha, em Abril de 1838, jurou a nossa segunda Constituição abrilista e 3.ª Constituição da Monarquia Portuguesa.

A redacção da 1.ª Constituição Política da República, a nossa 3.ª Constituição abrilista e a 4.ª de Portugal, foi iniciada em Abril de 1911.

A “Operação Georgette" do exército alemão, desencadeada em Abril de 1918, derrotou na Flandres francesa o Corpo Expedicionário Português, sob a dependência do comando inglês, - a Batalha de La Lys. Em 22 dias de combates, os soldados portugueses sofreram quase tantas baixas como as sofridas nos 13 anos da Guerra do Ultramar do nosso tempo.

(Foi na 1.ª Grande Guerra. Se Portugal não tivesse entrado, o seu Ultramar seria perdido para a Alemanha ou Inglaterra, mas a nossa geração teria sido poupada à sua guerra, desencadeada em 1961). A Constituição Política da República Portuguesa, explicitada pelo Estado Novo, que nos fará conhecer a geografia da Guiné e andar durante dois anos aos tiros e a bombardear as suas matas e bolanhas, entrou em vigor em 11 de Abril de 1933, sendo a nossa 4.ª Constituição abrilista.


Adiante, adiante, a dar lugar a memórias do nosso tempo.

O guineense Amílcar Cabral, jovem eng.º agrónomo, benfiquista ferrenho e putativo génio inspirador e o motor da liquidação do Império português, em carta de Abril de 1950 à sua namorada, a colega flaviense Maria Helena, opinava essa Constituição como “dos mais belos documentos da igualdade dos homens (…) com práticas diametralmente opostas”.

Salazar esconjurou o golpe palaciano de 11 de Abril de 1961, a abrilada da sua demissão, da autoria do seu ministro da Defesa, General Botelho Moniz, não obstante apoiado pelo seu ex-PR General Craveiro Lopes e inspirado pela embaixada dos Estados Unidos; outra oportunidade que nos teria livrado de dar com os costados na Guerra da Guiné.

O nosso conhecido navio Niassa zarpa de Lisboa, em 21 de Abril desse ano, carregando o primeiro contingente de tropas – a decisão de Salazar, de “rapidamente e em força para Angola”, que assumira o ministério da Defesa.

A 4.ª Comissão Especial entrou e andou clandestinamente no sul da Guiné, entre 1 e 8 de Abril de 1972, chegou a Cubacaré e conseguiu dependurar a bandeira da ONU no galho duma árvore.

José Medeiros Ferreira
Em Aveiro, realizou-se nos princípios de Abril de 1973 o 3.º Congresso da Oposição Democrática, com o beneplácito da lei e a presença de alguns oficiais da Marinha e do Exército, putativos “capitães de Abril”, a primeira reunião pública em que foi publicamente advogado o início das conversações, pelo fim das guerras do Ultramar. A mudança de regime à mão armada não foi abordada e a tese do socialista Medeiros Ferreira (lida pela sua mulher, pela sua situação de desertor) de Descolonizar, Democratizar e Desenvolver, foi ruidosamente contestada pelas correntes de opinião revolucionárias, marxista e maoísta.

Na esteira desse congresso, em 14 de Abril desse ano, um grupo de ex-oficiais milicianos, evocando que “não seriam a geração da traição”, anunciou a organização do I Congresso dos Combatentes, a realizar em princípios de Junho, livre de antagonismos e de facções, a sua comissão executiva central era formada por três oficiais deficientes da Guerra do Ultramar e o seu Presidente da Mesa será o General Reformado António Augusto dos Santos, a pedido do ministro da Defesa.
A reunião da malta do QP, no Agrupamento de Transmissões da Guiné, resultou na contestação de 51 oficiais à motivação e ao conteúdo do Congresso dos Combatentes, o oficial guineense Marcelino da Mata e o oficial cabo-verdiano Rebordão de Brito, condecorados com a “Torre Espada”, foram os subscritores do telegrama de repúdio, o General Spínola proibiu a representação da Guiné e o Ministro da Defesa proibiu aos militares do QP da sua representação. Pouco depois e cavalgando a onda das reacções corporativas da classe dos Capitães aos Decretos-Lei n.º 353 e 373/73, “do Curso de Promoção a Capitães Milicianos”, os então Majores Ramalho Eanes e Carlos Fabião, prós e o Capitão Vasco Lourenço, fogoso anti-spinolista, recolheram centenas de assinaturas de contestação e de requerimentos de demissão de Capitães do QP.
A comissão executiva lisboeta do Congresso dos Combatentes correspondeu à turbulência criada pelos prós e contras ou pela direita e a esquerda com a demissão, o Dr. José Vieira de Carvalho, ex-alferes miliciano combatente, presidente da sua comissão no Norte e Presidente da Câmara Municipal da Maia agarrou a sua organização e dinamização, a dar nas vistas com os “rateres” do escape e com o amarelo-torrado do seu Renault 5 – a novidade automobilística na altura – mas demitiu-se, ao chegar a hora.

Gen António de Spínola
O General Spínola reuniu em Bissau cerca de 400 oficiais do mato, em 16 de Abril de 1973, para lhes dar directivas e lhes anunciar o “fim da guerra” da Guiné, convicto da situação de fraqueza do PAIGC, confiante no êxito dos três Majores na negociação da rendição premiada dos seus bi-grupos no Chão Manjaco e optimista quanto ao efeito dominó dessa rendição nos combatentes das regiões Leste e Sul.
O Capitão Vasco Lourenço, comandante da quadrícula de Cuntima, criticou essa sua táctica e estratégica com tal veemência, que ele o tomou de ponta.
De facto, o PAIGC aproveitou-se do contexto da trégua para essas reuniões no Chão Manjaco para reabastecer os seus combatentes na região Norte, e, em 20 de Abril, correspondeu ao dia D dessa manobra com o assassinato desses três Majores negociadores e dos seus quatro acompanhantes.

Duas semanas depois da reunião de Bissau, o General Spínola aterrou na tabanca de Cuntima, em visita de inspecção ao comando do Capitão Vasco Lourenço e à sua CCaç 2549, pegou-lhe por tudo e por nada, ameaçou-o com a transferência para Jolmete, a fazer a aprendizagem de comando com o seu capitão miliciano e mandou distribuir uma circular pelas unidades, a divulgar o seu relatório acerca da inaptidão do Comandante da Companhia de Cuntima.

A companhia a nomadizar em Jolmete era comandada pelo transmontano António Carlos Almendra, alferes miliciano graduado em capitão, ora Coronel na reforma, merecedor de 15 louvores e de 10 condecorações, então camarada do camarada e tabanqueiro Manuel Resende. Diz-se que durante os 18 meses do exercício desse comando, ele fora sempre abonado do soldo de alferes e que a diferença para o soldo capitão terá saído do próprio bolso do General Spínola.

Mas o General Spínola e o Capitão Vasco Lourenço não se ficaram por aqui.

O I Congresso dos Combatentes, mais ou menos nacionalista, decorrerá de 1 a 3 de Junho de 1973, no auge das violentas batalhas dos 3 G´s – Guidaje, Guileje e Gadamael -, travadas pelas reservas de infantaria e pela parafernália da artilharia de última geração do PAIGC, planeadas e comandadas por oficiais do exército regular cubano, que nos custaram 63 mortos e 269 feridos militares, 15 mortes e 18 feridos civis e 6 aviões abatidos – 4 DO e T6 de pistão e 2 Fiat G 21 de propulsão.

O Tenente-Coronel, Comandante do Agrupamento de Transmissões da Guiné e anfitrião da reunião anti-Congresso dos Combatentes irá hospedar-se no Palácio da Praça do Império, e sentar-se na cadeira que fora do General Bettencourt Rodrigues, alçado pelo “golpe de Bissau”, em 26 de Abril de 1974, e o COPCON lisboeta catrafilará o Dr. Vieira de Carvalho no Forte de Caxias, durante 9 meses, sob ameaças de fuzilamento, acusado do delito de organizador desse Congresso e como fundador e dirigente do Partido do Progresso.

O I Congresso dos Combates funcionou de embrião ao MFA, Movimento das Forças Armadas, acontecera o advento da revolta do 25 de Abril e o Capitão Vasco Lourenço como o seu profeta.

(Continua)
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Nota o editor

Último poste da série de 23 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20893: 16 anos a blogar (3): o obus de Bambadinca (foto do Frederico Amorim, autor da página "Mundo do Fred", 26/4/1997)

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20895: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (8): Mais algumas dicas da "Chef" Alice Carneiro, do restaurante "Chez Nous"... Não comam muito, comam bem, façam exercício, e não se esqueçam também de alimentar os nossos bons irãs...





Lourinhã > Restaurante da Chef Alice Carneiro, o "Chez Nous" > 23 de abril de 2020 > Arroz de tomate com jaquinzinhos...



Lourinhã > Restaurante da Chef Alice Carneiro, o "Chez Nous" > 22 de abril de 2020 >  Pargo no forno, com espargos, cenoura, cebola, batatinhas..,





Lourinhã > Restaurante da Chef Alice Carneiro, o "Chez Nous" > 22 de abril de 2020 >  Bola de carnes afiambradas...




Lourinhã > Restaurante da Chef Alice Carneiro, o "Chez Nous" > 17 de abril de 2020 >   Bifinhos de porco, com cogumelos e arroz frito,,,


Lourinhã > Restaurante da Chef Alice Carneiro, o "Chez Nous" > 14 de abril de 2020 > Favas suadas,,,



Lourinhã > Restaurante da Chef Alice Carneiro, o "Chez Nous" > 12 de abril de 2020 > O folar da Páscoa... (comprado no mercado municipal)... O almoço da Páscoa, desta vez, não foi o anho assado com arroz de forno... Seria um crime "matar" um anho só para dois "cotas" ...E depois a Quinta de Candoz fica a 3 horas de distância, a norte...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Depois de mês e meio de confinamento,  por causa da maldita pandemia de COVID-19, a gente, aqui na Lourinhã, continua a comer,   moderadamente, todos os dias  mas também a fazer "Tai Chi Chuam" (45 minutos), dia sim, dia não... (Recomendei, no Facebook da Tabanca Grande, as aulas do prof Diogo Magalhães Sant' Ana, um pacote de 15 sessões, disponíveis no You Tube, pensadas para a "quarentena"): alguém, sinófobo, comentou: "Isso cheira a chinesice! e dos chineses nem quero ouvir falar!"... Enfim, sinal dos tempos... Já devias ter aprendido com a História: depois da pandemia, vêm a xenofobia, o racismo, a intolerância e outros cavaleiros do apocalipse!)

E vamos também deixando algumas iguarias, junto ao tronco do poilão da nossa Tabanca Branca, porque é preciso alimentar os nossos bons irãs...que nos protegem (a saúde mental). Ou seja: não comemos tudo o que cozinhamos, ou melhor, o que a Chef Alice Carneiro cozinha, cá no restaurante "Chez Nous" (*)...(Passe a piblicidade, muito melhor que o "Chez Toi", que conheci em Bissau.)

Portanto, fiquem descansados, caros leitiores, que esta comida toda (vd. fotos acima), não é só para dois gatos pingados, septuagenários, confinados, é também para os nossos bons irãs, que comem que se fartam... Além, disso temos um casal de rolas, no telhado, com uma ninhada... Em suma, estamos longe de estar sozinhos em casa...

Felizmente, têm-nos chegado outras  sugestões gastronómicas dos vagomestres da Tabanca Grande: por exemplo, da parte do régulo da Tabanca da Lapónia, o José Belo (**). Há, de resto, mais "dicas" do nosso camarada luso-lapão que aguardam publicação... Curiosamente, ninguém ainda teve a "lata" de apresentar iguarias com "enlatados" como os do nosso tempo de Guiné: arroz com cavalas, esparguete com atun... (Confesso que também tenho a minha reserva estratégica na arrecadação, refiro-me a latas de atum,  sardinhas e cavalas, mas ainda não lhes toquei, ficam para a próxima pandemia...).

O "bandalho" do Zé Ferreira também tem falado de alguns petiscos minhotos (lampreia, sarrabulho...), apreciados por ele e os restantes "bandalhos", em rota de colisão com o "corno do vírus", e tentando furar as "cercas sanitárias" do nosso descontentamento... Mas essas narrativas foram publicadas na nova série dele, "Boas Memórias da Minha Paz" que, em boa hora, sucedeu a outras séries de sucesso   como as "Memórias Boas da Minha Guerra"... Depois desta crise (que se vai arrastar),  ele não vai deixar de perder a oportunidade de publicar mais um livro, depois de criar outra série, aqui no nosso blogue, a que chamará as "Boas Memórias da Minha Pandemia & Pandemónio".

Outro aprendiz de Chef, a dar passos muito seguros para, num futuro não muito distante  mas glorioso, atingir o estrelato Michelin,é o nosso coeditor Jorge Araújo... Estava em Abu Dabhi, de  férias. quando foi apanhado pela pandemia de COVID-19,  que também atingiu os Emiratos Àrabes Unidos onde a sua "bajuda" trabalha, como professora universitária...Ou não fosse ele "ranger", tomou logo conta da... "casa das máquinas" ou "back office"(**), muito importante para sobreviver a  aesta crise com  "Mens sana in corpore sano" (,  latinório que quer dizer "mente sã em corpo são", como nos ensinaram na Mocidade Portuguesa e depois na tropa).

(...)  Assumi o controlo do território da "casa das máquinas" (fogão, frigorífico, louça, torradeira, micro-ondas, etc). Fazendo apelo à minha motricidade fina e usando também alguma criatividade, lá vou transformando os alimentos em algo agradável à vista e que satisfaça o estômago, e que nos dê alento para prosseguir neste tempo de muitos impedimentos e outras tantas dificuldades. A "coisa" está a correr bem... e os elogios estão em crescendo... A unidade entre teoria e prática nunca foi tão importante e necessária como agora. (.,,). 

E não se pense que ele (e ela)  só come(m) bacalhau à Brás: o nosso aprendiz de Chef das Arábias, todos os dias faz um prato novo!

Quanto ao nosso João Crisóstomo,. mordomo nova-iorquino de profissão, também não deixa os seus créditos por mãos alheias, a avaliar pelo seu poste de 28 de março último (****). Está trancado na sua casa em Queens,  com a sua loura Vilma, mas mal tem tempo para telefonar a todos os amigos à volta do mundo, para saber se algum já "lerpou" com o tal "cornovírus"...

De qualquer modo, faltam-nos os contributos  de muitos outros camaradas e amigos/as que, embora confinados/as, não deixam de comer (e de  precisar de comer)  todos os dias... Quarentena não é convento nem mosteiro.. Ou é ?... E para isso é preciso ter  um "vagomestre" que elabore as ementas e sobretudo que já abastecendo a copa ou a despensa, o que, nos tempos que correm, exige muita arte e ciência e alguns "pesos" no bolso...

Não se pode comer muito, não se pode ir aos restaurantes, muito menos ao Avillez, e para quem está em teletrabalho e com putos em casa,  é um tremendo desafio... e uma provação. (Mal ou bem, não ´é o caso de maior parte dos nossos leitores, que já são avós, e que, em contrapartida, estão a sofrer por não poder estar com os netos, beijar e abraçar os netos e os filhos, como o pobre do Juvenal Amado, que está a definhar de saudade!)...

Amanhã é outro dia... E a crise, tal como a guerra, ou mata ou passa!... Cuidem-se, e entretanto não deixem de nos ler e escrever!... Mandem-nos, ao menos, um cartanito de parabéns; o blogue fez ontem 16 anos, o que na Net é quase uma eternidade... LG

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20840: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (7): Ervilhas de quebrar com chouriço de porco preto alentejano e arroz: receita da "Chef" Alice Carneiro... E recomendações (nutricionais) da Direção-Geral de Saúde, para grandes e pequenos, em tempo de confinamento por causa da pandemia de COVID-19

(**) Vd. poste de 28 de março de  2020 > Guiné 61/74 - P20785: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (4): "Snaps", salmão fresco curado, filetes de arenque do Báltico recheados com salmão fumado... (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia, o único luso-lapão que sobrevive nestas paragens. Se houver outro, dão-se alvíssaras!)

(***) Vd. poste de 8 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20832: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (5): Um "bacalhau à Brás", de sete estrelas, na Tabanca dos Emiratos... com o régulo, Jorge Araújo, e a sua "bajuda"

(****)  Vd. poste de 28 de março de  2020 > Guiné 61/74 - P20783: Tabanca da Diáspora Lusófona (8): Em quarentena em Nova Iorque, combatendo o coronavirus com "Coronita" mexicana e sardinhas de Peniche... enquanto a Vilma tomou a decisão (corajosa) de aprender português e eu a missão (heroica) de aprender esloveno... (João Crisóstomo)

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20893: 16 anos a blogar (3): o obus de Bambadinca (foto do Frederico Amorim, autor da página "Mundo do Fred", 26/4/1997)


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Abril de 1997 > O obus de Bambadinca... Vestígios da guerra colonial: uma peça de artilharia (obus de 140 mm) abandonada pelos tugas. (Foto reproduzida gentilmente autorizada pelo Frederico Amorim. vd. O Mundo de Fred).

Foto (e legenda); © Frederico Amorim (1997). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Setor L1 >  CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Um obus 14 (ou peça 11.4 ?) em trânsito por Bambadinca: da esquerda para a direita, o alf mil  Ismael Augusto, um furriel não identificado e o furriel José Carlos Lopes...

No tempo dos BCAÇ 2852 e BART 2917, ou seja entre 1968 e 1972, Bambadinca não tinha artilharia... Mas muitos obuses 14 e peças 11.4 passaram por aqui, desembarcados no Xime, ou mesmo no porto fluvial de Bambadinca  a caminho de outras guarnições do leste, nomeadamente situadas nas zonas fronteiriças. No final da guerra, estes equipamentos regressaram pelo mesmo caminho. No setor L1, só havia artilharia (3 obuses 10.5) no Xime e em Mansambo.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

O Fred, foto atual. Cortesia do
"Mundo do Fred"
1. É uma raridade, esta foto, com o obus de Bambadinca, Foi tirada pelo Fred, o Frederico Amorim, em 1997, e divulgada na Net, numa altura em que ainda havia muito poucos sítios, individuais, dedicados a viagens. "Mundo do Fred", na sua primeira versão, data de 1998. 

Como ele explica:

(...) Tendo desenvolvido uma enorme paixão pelas viagens, comecei a criar um site para divulgar as aventuras mas também que me permitisse alimentar essa paixão durante todo o ano e não apenas nas férias. O primeiro site Mundo do Fred foi para o ar em 1998, ainda a Internet, conhecida como World Wide Web, era utilizada por uma pequena minoria. (...)

Se não erro, o "Mundo do Fred" estava originalmente alojada  no portal português Sapo. O Fred transferiu o seu sítio, em 2006.  E criou uma 3ª versão mais recentemente;

.(...) "Por fim em 2018, 20 [anos] depois, coloquei no ar a versão 3 do Mundo do Fred, finalmente com o seu domínio próprio e com a ajuda de ferramentas que hoje estão disponíveis para ajudar neste desenvolvimento de conteúdos." (...). 

Perdi o link original  da foto do velho obus de Bamadinca, que reproduzi no poste nº 3, de 28/4/2004, no início da nossa aventura bloguística (*). Só hoje, 16 anos depois,  a recuperei, com muita alegria, ao redescobrir a última versão, a 3, do "Mundo do Fred".

Explica-nos ele como é que começou essa paixão pelas viagens.

(...) A minha primeira grande viagem foi aos 15 anos, com uma travessia de carro através de Espanha até chegar ao Sul de França, Itália até Milão, Suíça e regresso a Portugal. Hoje pode parecer banal, mas nos anos 80′ era um grande feito quando ainda se parava em cada fronteira da Europa para mostrar o passaporte. Dois anos depois fomos de carro a Paris e no ano seguinte a Londres. Dez anos depois chegava ao “fim do mundo” na Terra do Fogo.

Hoje, da mesma forma que os meus pais me levaram a viajar desde cedo, tento fazer o mesmo com os meus filhos. Mas hoje as condições de vida em Portugal e a massificação das viagens com a globalização, permitem que as viagens cheguem mais longe e com melhores condições, assim como o acesso a mais informação facilmente. Se os meus pais me levaram até à longínqua Hungria de carro, eu já levei os meus filhos ao México e ao Vietname. (...)

2. Sabemos que de 20 a 27 de abril de 1997, o Fred foi, com um grupo de amigos,  todos jovens, incluindo um amigo guineense, com família em Bissau e em Bambadinca, em viagem até à Guiné-Bissau.

Não sabemos quais eram então  as suas motivações, para além do prazer da descoberta e da aventura. Ele deveria ter já nessa altura vinte e poucos anos .E até é possível que o seu pai tenha estado na Guiné, no tempo da guerra colonial, como militar ou como civil...

De qualquer modo, em 1997, a Guiné-Bissau estava longe de ser um "destino apetecível"... E no ano seguinte, 1998, 'Nino' Vieira é derrubado por um golpe de estado e o país é mergulhado numa guerra civil-

O Fred conheceu, portanto, a Guiné Bissau, ainda sob o regime "nitista" e tirou fotos de alguns sítios por onde viajou, incluindo esta foto "patética", que ainda hoje nos causa calafrios, mas também repulsa e compaixão,  a de um velho obus, abandonado, esventrado, sem rodas, reduzido  ao miserável "esqueleto", esquecido,  sem honra nem glória, apontando, cego, surdo e mudo, o teu tubo inútil à grande bolanha de Bambadinca..

Ele escreveu no seu diário:

 "26/4 – Bafatá – Bambadinca – Bissau : Confrontos em Bafatá: tiros e carros incendiados. Houve uma greve dos funcionários públicos, sem salário há 5 meses, que culminou em violência. Visita à cidade. Bambadinca: conversa com um empresário local. Restos de canhão da guerra colonial. Visita à madrasta e irmãos do Serifo.  Bissau. Jantar em Quinhamel. Estadia no Hotel Hoti-Bissau. Discoteca Kapital."

Mas foi o "obus de Bambadinca" que me chamou a atenção,quando,  em 28 de abril de 2004, andava à procura de uma foto de Bambadinca  e então  dei com a sua página na Net, com fotos de Bafatá, Bambadinca, Saltinho, com paisagens que me eram familiares,,,

Havia ainda na época muita sucata da guerra (viaturas, peça de artilharia, etc., a par de instalações militares), espalhadas por toda a Guiné, e que eram testemunhas arqueológicas de um guerra já esquecida, a de 1961/74...

3. Volto a reproduzir essa foto (, com a devida vénia ao autor...) e as notas de viagens que a acompanham  (a esta e a outras, aqui disponíveis no respetivo sítio). 

 Guiné Bissau / Bafatá e Interior

Bafatá é a segunda maior cidade da Guiné-Bissau com 10.000 habitantes. Fica no interior do país na margem do Rio Geba, 150 kms a leste de Bissau.



Bafatá é uma cidade surpreendentemente tranquila, caracterizada por uma predominância de edifícios e casas coloniais, infelizmente num estado avançado de degradação. O herói nacional, Amílcar Cabral, nasceu em Bafatá e esse facto está assinalado num pequeno monumento com o seu busto e na casa onde nasceu, perto do Mercado Central. A cidade fica numa colina sobre o Rio Geba. 12 kms a oeste ficam as ruínas de Geba, um antigo entreposto português.

Cussilinta é um lugar mágico onde se pode contemplar uma magnífica paisagem natural num rio de leito rochoso com selva em redor. Nada com um belo banho na água quente…

Saltinho é outro lugar paradisíaco num enorme leito de rio rochoso com cascatas e selva em redor. Fica a 25 kms a sudeste de Xitole (por sua vez, 35 kms a sul de Bambadinca), junto à aldeia de Mampatá. As suas cascatas são muito bonitas e ainda mais na época das chuvas, tornando-se o rio num lago imenso. Saltinho tem ainda hoje uma importante ponte construída pelos portugueses nos anos 60.

Bambadinca é uma cidade a oeste de Bafatá. Foi um importante palco da guerra colonial, encontrando-se ainda vestígios desse conflito, como um velho obus.

Fonte : Mundo do Fred (com a devida vénia...)

Obrigado ao Fred por, mesmo sem a sua vontade expressa, nem sequer o seu conhecimento, ser associado à celebração dos 16 anos do nosso blogue... Mas é por uma boa causa... Sei que ele ficou a adorar, em abril de 1997, aquela terra e aquelas gentes. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de abril de 2004 > Guiné 63/74 - P3: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P20892: 16 anos a blogar (2): "Exma menina e saudosa madrinha: Em primeiro de tudo, a sua saúde que eu por cá de momento fico bem, graças a Deus"... Excerto de um aerograma... O nosso primeiro poste, publicado no já longínquo dia 23/4/2004.


Um "aero" (sic) enviado de Bissau, com data de 25/12/1969, por um dos correspondentes da nossa grã-tabanqueira Maria Alice Ferreira Carneiro. O SPM era o 0148. Este aerograma foi utilizado apenas como envelope ou sobrescrito. Lá dentro vinham duas folhas, em papel azul, bíblico, como se fosse uma carta por avião. O "aero" tinha a vantagem de não pagar porte nem sobretaxa aérea. Essa prática, embora corrente, era fraudulenta, era contra os regulamentos ("É proibido usar qualquer objecto ou documento"). Era vulgar também mandar-se, dentro de uma "aero", uma fotografia ou um "santo antoninho" (nota de 20 escudos, que na época, em 1969, era o equivalente, hoje, a 5 euros e 98 cêntimos)... Com 10 toneladas de correio por dia, durante a guerra colonial, o SPM não podia vigiar e punir estas pequenas fraudes...


Foto (e legenda): © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017). Todos os direitos reservados.



1. Foi assim, quase sem querer, que começou o nosso blogue: em 23 de abril de 2004, publiquei aquele que seria o primeiro poste (*) do blogue que viria a chamar-se Luís Graça & Camaradas da Guiné e dar origem à Tabanca Grande.

Eu tinha um blogue, que criei em 8 de outubro e 2003, e que se chamava "Blogue Fora Nada", ainda hoje disponível "on line" (**): seria, mais tarde, rebatizado como blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série). Essa história, de resto, já aqui está contada e recontada (***).

Foi neste blogue que publiquei o primeiro texto alusivo à guerra colonial na Guiné. Na altura tinha-me chegado às mãos uma coleção de quase de duas centenas de cartas, recebidas por uma "madrinha de guerra". 

Dessas publiquei uma, nas vésperas do 25 de Abril de 2004, em jeito de homenagem às "nossas mulheres" e, em particular, às "nossas madrinhas de guerra". (Em boa verdade, já tinha feito, há anos atrás, em 1980, um primeiro tratamento temático dessas cartas; um artigo meu, sobre o tema, já fora publicado no extinto semanário "O Jornal", na secção criada pelo saudoso jornalista Afonso Praça, "Memórias da Guerra Colonial").

Dezasseis anos depois do primeiro poste do nosso blogue, voltamos aqui a reproduzir o aerograma de um camarada da Guiné, cujo nome na altura se omitiu (bem como o da sua companhia), e que era datado da véspera do Natal de 1969:


Guiné, 24 de Dezembro de 1969

Exma menina e saudosa madrinha:

Em primeiro de tudo, a sua saúde que eu por cá de momento fico bem, graças a Deus.

Estava um dia em que meditava e lamentava a triste sorte que Deus me deu até que toquei na necessidade de arranjar uma menina que fosse competente e digna de desempenhar tão honroso e delicado cargo de madrinha de guerra. Peço-lhe desculpa pelo atrevimento que tive em lhe dedicar estas simples letras. Mas valeu a pena e é com muita alegria que recebo o seu aero [aerograma].

Vejo que também está triste por mor  da mobilização do seu mano mais novo para o Ultramar. Não sei como consolá-la, mas olhe: não desanime, tenha coragem e fé em Deus. Eu sei que custa muito, mas é o destino e, se é que ele existe, a ele ninguém foge. Nós, homens, temos esta difícil e nobre missão a cumprir.

Nós, militares, que suportamos o flagelo desta estadia aqui no Ultramar, não temos outro auxílio, quer material quer espiritual, que não seja o que nos dão os nossos amigos e entes queridos. E sobretudo as nossas saudosas madrinhas de guerra.

Sendo assim para nós o correio é a coisa mais sagrada que há no mundo. Porque nos traz notícias da nossa querida terra e nos faz esquecer, ainda que por pouco tempo, a situação de guerra em que vivemos e os dias que custam tanto a passar.

As notícias aqui são sempre tristes, nestas terras de Cristo, habitadas por povos conhecidos e desconhecidos. Não lhe posso adiantar pormenores, mas como deve imaginar uma pessoa anda triste e desanimanada sempre que há uma baixa de um camarada.

Lá na metrópole há gente que pensa que isto é bonito. Que a África é bonita. Eu digo-lhe que isto é bonito mas é para os bichos. São matas e bolanhas que metem medo, cobertas de capim alto, e onde se escondem esses turras que nos querem acabar com a vida. 


E mais triste ainda quando se aproxima o dia e a hora em que era pressuposto estarmos todos em família, juntos à mesa na noite da Consoada. Vai ser a primeira noite de Natal que aqui passo. Com a canhota [espingarda automática G3]  numa mão e uma garrafa de Vat 69 {, marca de uísque] na outra.

São duas horas da noite e vou botar este aero na caixa do correio. Daqui a um pouco saio em missão mais os meus camaradas. Reze por nós todos. Espero voltar são e salvo para poder ler, com alegria, as próximas notícias suas. Queira receber, Exma. Menina e saudosa madrinha, os meus mais respeitosos cumprimentos. Desejo-lhe um Santo e Feliz Natal.

O soldado-atirador da Companhia de Caçadores (...)


2. A carta era antecida de um preâmbulo do nosso editor Luís Graça. A nossa amiga e camarada enfermeira-paraquedista Maria Arminda Santos é a única que tem um comentário a este poste (*), do seguinte teor: 

(...) Belíssimo texto, com a exaltação da mulher portuguesa e o papel importantíssimo, que outrora e hoje,a mesma desempenhou e desempenha, na nossa sociedade. Lembrar também as "madrinhas de guerra,de numa época embora longínqua mas que para muitos ainda está presente e o papel fundamental que tiveram na vida dos combatentes, seus afilhados, é uma merecida e justa homenagem, que o Blogue de Luis Graça e Camaradas da Guiné, o tivesse postado no início da Tabanca Grande e nos voltasse e nesta data, a recordar. um abraço. Mª Arminda. (...)

Nesse ano de 2004, só se publicaram 4 postes com temas alusivos à guerra colonial na Guiné. Mas foi o ponto de partida da nossa Tabanca. Temos o descritor Blogue-Fora-Nada com cerca de meia centena de referências. Por ocasião do nosso aniversário, temos vindo todos os anos "repescar" alguns dos melhores postes já publicados... E já lá vamos a caminhos dos 21 mil... Que os bons irãs nos protejam na caminhada pela picada da vida, sempre cheia de minas e armadilhas, antes, durante e depois da nossa participação na guerra da Guiné (1961/74)... Hoje as minhas 6 armadilhas estão relacionadas com a pandemia de COVID-19 e o confinamento a estamos obrigados... Mas continuar a blogar é preciso! (****)
______________

Notas do editor:

(*)23 de abril de 2004 > Guiné 63/74 – P1: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

(****) 21 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20886: 16 anos a blogar (1): O helicóptero, poema de Jorge Cabral, comentário de Torcato Mendonça

terça-feira, 21 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20886: 16 anos a blogar (1): O helicóptero, poema de Jorge Cabral, comentário de Torcato Mendonça




1. A APOIAR - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra.  celebra este ano 26 anos de existência. E a sua revista, "Apoiar", começou a publicar-se em 1996, vai já em 121 números (janeiro-fevereiro de 2020). 

O nosso camarada Mário Vitorino Gaspar era então chefe de redação da revista quando foi publicado este poema do nosso Jorge Cabral, "O helicóptero" (Apoiar, nº 23, jan-mar 2002, p.2).

O "alfero" Cabral (Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969 /71)
Embora ao poema já tenha sido reproduzido em tempos (*), voltamos a publicá-lo até para perguntar  ao seu autor, o que é feito dele, nestes tempos de "quarentena"... Não devem ser fáceis para ele, não são fáceis para minguém... Mas não sei nada dele, desde o seu último aniversário natalício (6/11/20019), dia em que falámos ao telefone.

Ex-alf mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71), é advogado e especialista em direito penal. Foi irector do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Vive em Lisboa. 

Está aposentado.  Continua a figurar na nossa lista dos "colaboradores permanentes" (neste caso, para as questões jurídicas).



O helicóptero

Pelo ar lento que aquece,
Um pássaro de ferro e aço
Leva o morto que apodrece,
Na boca mais um abraço.

A gente fica a pensar,
Mas mais um morto que interessa,
Já vêm mais pelo mar,
Vêm muitos e depressa.

A gente pensa,
Mas fica com o dedo no gatilho,
Na garganta um nó que pica,
Na preta o ventre com o filho.

Jorge Cabral, Missirá, Guiné, 1970
In Jornal “Apoiar”. 23 (Jan/Mar 2002)

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no nosso blogue: LG]

2. Por outro lado, acrescenta-se um comentário, publicado na altura (2014), pelo Torcato Mendonça, que,  também ele,  deixou de dar notícias há anos, deixou de aparecer, de comentar, de publicar coisas novas...Infelizmente, mais por razões de saúde e de disposição... 

Gostei de falar com ele, há dias, por telemóvel, e de saber que a sua Ana está restabelecida. Vai repartindo o seu tempo entre o Algarve e o Fundão, a cidade onde casou e onde criou os seus filhos. 

Com dupla costela alentejana e algarvia, escolheu, e bem,  o Fundão para viver, trabalhar e constituir família: x- alf mil art, pertenceu aos Viriatos, a CART 2339 (1968/69) que construiu de raíz, a pá e pica, e defendeu com unhas e dentes o aquartelamento de Mansambo, no sector L1 (Bambadinca). Comtinua a figura na lista dos nossos "colaboradores permanentes (neste caso, para as "questões operacionais). 

Tanto o Jorge como o Torcato são dois "tertulianos" da primeira hora, duas figuras de referência que já merecem a honra de ser considerados "senadores" da república da Tabanca Grande. Fporma colaboradores muito ativos: o Jorge Cabral tem 210 referências no blogue; o Torcato Mendonça tem 250.

Comentário do Torcato Mendonça (*):

Olá,  Luís Graça, estive a ler "O helicóptero", reproduzido da revista "Apoiar" que, como sabes, recebo pelo mail. 

Parei. Fui ao blogue reler o de ontem, belas fotos, e fui ler os “anexos” do poema do Jorge. Tinha vindo de uma sesta, o que não é hábito pois fico apardalado, e, lendo tudo aquilo fiquei a pensar, a pensar a sentir-me em Fá [Mandinga] a sentir a necessidade de algo que não explico. 

Reli e reli. Os escritos eram do tempo em que o blogue era de cem ou menos de cem, de um tempo que de pressa passou…e parei a olhar, fui até à marquise e, mesmo com o calor,  fiquei a ver a [serra da] Gardunha, a pensar, a regredir…até do meu “Mini artilhado” me lembrei..

Ah!,  que tempos, em que  ia dar agora uma aceleradela a sentir o roncar, o asfalto a passar, as ideias a limparem, tempos que também depressa passaram, tempos com PVT  sem radares. Mas é uma merda e estou velho para tudo isso…passará com Nespresso? 

Venho ao portátil,  vou passando para o facebook e, raios me partam ,volto ao blogue, passo ao gmail e releio…Aquilo está de antologia, aquilo tem que ser guardado para ler e reler…Os dois completos e as fotos. Agora teclei, penso que cabe e paro. 

Mando um abraço, boas férias no Marco [de Canaveses]. O barulho do heli é chato…a evacuação rápida era Zulu, eu ganhava mais de meia hora, e uma mina 1/6, kalash 1/12…
Ab, T.

3. Estamos a clebrar, por estes dias, os 16 anos do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,  do nosso blogue,  feito a muitas mãos... Por essa razão, vamos fazer um esforço para publicar rapaidamente  alguns postes, pendentes, que nos têm vindo a chegar,  nestas últimas semanas, vividas em plena pandemia de COVID-19... Com ou sem referência explícita a esta efeméride, outros serão bem vindos. Como sabem, o blogue é glutão, precisa pelo menos de 4 postes por dia...

Mais exatamente,  no próximo dia 23/4/2020, o nosso blogue celebra 16 anos de existência (, ou sejam, 192 meses)... São muitos mais anos, meses e dias, do que o tempo que durou a guerra colonial, em particular no TO da Guiné (1961/74).

Mas, nos dias que correm, estamos numa situação para a qual poucos de nós estávamos preparados para enfrentar e viver... Estamos confinados, mas isso nãoquer dizer que estejamos  "arrumados"... Podemos é lerpar, se formos contagiados, por isso temos que nos proteger e proteger os outros,

Decididamente, queremos continuar a celebrar a amizade e a camaradagem, ainda que  à distância, enquanto as nossas Tabancas não reabram...Este ano, como já foi anunciado,  não se realizará o XV Encontro Nacional da Tabanca Grande, que chegou a estar marcado para o dia 2 de maio próximo, me Monte Real. Enfim, teremos que ficar em casa, pro enquanto, e celebrar efemérie, de outra maneira. E a melhor maneira é mandar novos "materiais" para o blogue: histórias, fotos, comentários...

4. Nesse espaço de tempo (16 anos, 192 meses...), que equivale no mínimo a oito (!) comissões de serviço militar, criámos  um espaço de partilha de memórias que pode ser resumido em alguns números, falando por si:

(i) a nossa "tertúlia", a nossa Tabanca Grande, a nossa "comunidade virtual" de amigos e camaradas da Guiné atingiu a cifra de 806 membros (, isto é, registados formalmente, e listados na coluna esquerda da página pirncipal do blogue, por ordem alfabética, de A a Z: o primeiro é o camarada A. Marques Lopes e o último é a nossa amiga Zélia Neno);

(ii) destes 806 grã-tabanqueiros, 78 já estão, fisicamente entre nós, mas honramos a sua memória: pro ordem alfabética, o primeiro é o Agostinho Jesus (1950-2016) (*) e o último o Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014);

(iii) temos membros da Tabanca Grande espalhados por todo o mundo, de Portugal ao Brasil, dos EUA à Suécia, de Cabo Verde a Macau;

(iv) já publicámos quase 21 mil  postes (, mais precisamente 20885), o que dá, em números redondos, uma média mensal de 110 postes;

(v) o total de visualizações de página deverá atingir  os 12 milhões, e meados deste ano, o que dá uma média mensal de 61500;

(vi)  desde junho de 2006, os nossos visitantes vêm sobretudo de Portugal (4, 1 milhões), Estados Unidos (2, 5 milhões); Brasil (580 mil), França (503 mil), Alemanha (450 mil), Reino Unido (140 mil) e Rússia (117 mil);

(vii) temos 713 seguidores;

(viii) foram produzidos, desde junho de 2006, 81 700 comentários (, de um total de 150 800 mensagens, das quais 69 mil foram consideradas como "SPAM" ou "lixo", pelo nosso servidor, o Blogger, ou foram eliminadas, em número muito reduzido,  pelos nossos editores): grosso modo, temos uma média de 4 comentários por poste;

(ix) é difícil de quantificar o nº total de material iconográfico que reunimnos ao fim destes  16 anos, mas entre fotografias, vídeos e outras imagens (aerogramas,cartas, mapas, infografias...) devemos etr mais de 100 mil documentos.

(x) estamos também presentes no Facebook, com a página Tabanca Grande Luís Graça, que contém já mais de 3 milhares de "amigos", dos quais não sabemos exatamente quantos foram combatentes, e muito menos combatentes no TO da Guiné; mas "amigo do Facebook" não significa automaticamente ser "membro de facto et de jure" da nossa Tabanca Grande: para este efeito, é preciso que o candidato faça o pedido expresso, e se apresenta, aos editores, com as 2 fotos da praxe e um pequeno texto sobre as suas andanças na Guiné.
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de agosto de  2014 > Guiné 63/74 - P13548: Blogpoesia (388): O helicóptero (Jorge Cabral)