Vidas, ilustração digital (Luís Graça, 1999)
1. Algum dia
saberemos ao certo quanto é custou a Portugal e aos portugueses (mas também aos angolanos, guineenses, moçambicanos, cabo-verdianos, são tomenses, macaenses e timorenses) a guerra do
ultramar / guerra de África / guerra do Ultramar (1961/74) ? (*)
Acho que nunca o
saberemos, para mais se, aos custos
diretos, acrescermos os custos indiretos e sobretudo os custos ocultos (anos de
vida perdidos com as mortes de combatentes e de civis, encargos com o tratamento e reabilitação dos
feridos, stress pós-traumático de guerra, encargos financeiros dos empréstimo
contraídos, quebra no investimento produtivo, danos para a imagem internacional
do país, etc.)
Mas fiquemos
só pelos custos diretos, os “encargos orçamentais”, com a guerra, a parte mais propriamente financeira, a que diz respeito, afinal, ao "vil metal"... ou pelo menos por aquilo que se pode apurar da contabilidade
nacional…
Para esse efeito, vamos revisitar um artigo que já tem mais de uma
dezena de anos, da autoria do tenente-general na situação de reforma Victor Manuel
Mota de Mesquita (1932-2016), publicado na Revista Militar, nº 2511, abril de
2011, pp. O autor foi Director do
Departamento de Finanças do Exército, tendo
passado também como militar pelos TO de Angola e Moçambique.
Este artigo resultou de uma
palestra proferida em 20 de fevereiro de 2009, no auditório do ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, integrada
no Ciclo de Conferências da Cooperativa Militar. Está disponível no sítio da
Revista Militar, em formato digital, sem numeração de página.
E o autor
começa por dizer-nos aquilo que no fundo
é um segredo de Polichinelo, mas vai contra o mito, alimentado no Estado Novo,
sobre as "contas limpinhas", a sacrossanta regra do equilíbrio orçamental, segundo
a qual só se podia gastar o que se tinha:
“ (…) Também não foi fácil a vida das
Forças Armadas sob o ponto de vista financeiro, onde a coluna do débito foi
sempre superior à do crédito e só artifícios de toda a ordem permitiram
conduzir uma pesada cruz por caminhos cheios de dificuldades.”
Por outro
lado, “no início da guerra em Angola, em 1961, as finanças militares
encontravam-se estruturadas para a paz e, portanto, dispunham apenas dos meios
indispensáveis à sua gestão normal.” (...)
2. Há ideias
falsas sobre quem pagou a guerra… Ainda hoje há quem pense que Angola era tão
rica que a sua riqueza chegava para pagar a guerra durante muitos e muitos
anos. Claro que Angola também contribuiu para o esforço de gerra, tal como Moçambique, a Guiné e os demais territórios então sob admimistração portuguesa (e hoje países independentes, com exceção de Macau, que voltou à soberania da Cahina, tendo desde 1999 o estatuto de Região Administrativa Especial da República Popular da China).
Por exemplo,
o nosso querido amigo e camarada António Rosinha, o último dos africanistas,
comentou, no poste P23462(*):
(…) “Uma guerra
tão longa e desgastante ? Não era tão desgastante (economicamente) assim, Luís
Graça.
No grande
território de Angola seria saturante e entediante para os 24 meses de arame
farpado dos praças e milicianos, mas não o desgaste (económico), porque este
era compensado com as riquezas naturais que dali saíam: petróleo, diamantes e
agriculturas diversas e pecuária e pescas.
“Notícia de
última hora: foi encontrada um pedra na região do rio Lukapa uma pedra
considerado o maior diamante bruto no mundo nestes últimos 300 anos. (Jornais,
atenção que os angolanos têm a mania das grandezas.)
“Só essa
região que era na Luanda, distrito do tamanho geográfico de 3 ou 4 Guinés,
laborava-se sem proteção militar direta durante os treze anos de guerra.
“Estamos a
falar da zona da Diamang. A Guiné era a Guiné, e Março de 61 Norte de Angola,
foi o que foi e os dois últimos anos do norte de Moçambique foi o que foi.
“No meio
disso tudo, falta contar ‘muito deixa andar’ em muitos Cus de Judas que iam
desde a ilha de Luanda até às coutadas da Gorongoza.” (27 de julho de 2022 às
13:35).
3. Seria ocioso falarmos aqui, em detalhe, sobre os complexos mecanismos da gestão financeira da guerra. Mas há coisas que convirá sabermos, como esta, mais que evidente: aquela guerra apanhou-nos de calças na mão, não foi planeada, programada, preparada (sob todos os pontos de vista).
(...) “Até ao ano de 1960 as forças militares em serviço no Ultramar, mais propriamente, as forças privativas de cada Província eram sustentadas pelos orçamentos das respectivas Províncias e as forças extraordinárias, ou de reforço, pelos orçamentos gerais da Metrópole, Orçamento Geral do Estado (OGE) como então se designava" (...)
A partir de 1960, a gestão financeira das forças privativas passou a ser da responsabilidade da Metrópole, através do Departamento da Defesa Nacional. Todavia, a gestão financeira das forças extraordinárias (que vão reforçar a tropa dos territórios ultramarinos), continua a ser gerida pelo departamento de cada um dos três ramos, os quais são verdadeiros feudos, pensando e agindo como verdadeiras grandes corporações em copetição umas com as outras por recursos escassos…
Na prática, o Departamento da Defesa Nacional era “um ministro sem ministério”, dispondo, como “staff”, de um Secretariado Geral, criado para “coordenar” os três Ramos das Forças Armadas (Exército, Força Aérea e Marinha).
Esta descentralização financeira funcionou praticamemte durante toda a guerra, acabando por originar crescente endividamento das Forças Armadas, incapacidade para responder com prontidão às necessidades sobretudo logísticas, engenharias financeiras de toda a ordem, recurso a empréstimos bancários (Caixa Geral de Depósitos e outras fontes), criação de novos impostos, como o Imposto de Transações (na Metrópole), e, não menos grave, ao crescente protagonismo do Ministério das Finanças… Ou, por outras palavras, também na guerra o "economicismo" terá condicionado o desempenho operacional, e a mordernizaçao das Forças Armadas (e nomeadamente da FAP) não se pôde fazer "just in time"...
(...) “Só quem passou pelos problemas pode dar valor à luta travada com o Ministério das Finanças, que tudo subordinava à obediência a um sistema financeiro fiel à regra do equilíbrio orçamental, como se o País estivesse em tempo de paz.” (...)
Como consequência, chegámos a ter uma situação financeira "de tal modo grave que as Unidades seguiam para o Ultramar com as suas dotações orgânicas reduzidas a 25%, e as que se encontravam em operações tinham, em muitos casos, dotações inferiores a 50%.” (...).
Só para dar mais um exemplo:
(...) "No ano de 1966, nas receitas do Orçamento Metropolitano, 36,03
% eram absorvidos pela guerra, enquanto em Angola representavam 11,07 % e em
Moçambique 12,07 %.
(...) "Cabe aqui referir que neste ano de 1966 o Chefe do Governo [ António de Oliveira Salazar] desconhecia o custo das operações de guerra, nem tão pouco conhecia as dificuldades financeiras existentes.
"Até então os responsáveis pelo Departamento da Defesa não lhe
davam conhecimento da situação, atitude para a qual não se encontrou explicação
que não fosse esconder a realidade que se vivia". (...)
Mas fiquemos, por agora, com o resumo das contabilidade da guerra, segundo o autor acima citado (Mesquita, 2011):
- Nos treze anos de guerra, Angola contribuiu com 12 milhões e 300 mil contos, o que corresponde, em valores actuais (2008, tendo o artigo sido escrito em 2009), a cerca de 3 mil e 300 milhões e 300 mil euros;
- e Moçambique com 10 milhões e 200 mil contos, correspondendo, em valores actuais, a cerca de 2 mil 700 milhões e 600 mil euros;
(...) Podemos, pois, dizer que a valores actuais [ 2008], o esforço financeiro das duas Províncias foi cerca de 6 mil milhões de euros (...), a que se juntarmos o que a Metrópole despendeu no montante de cerca de 17 mil e 900 milhões de euros (...), totaliza cerca de 23 mil e 900 milhões de euros (...) de encargos financeiros com a guerra no Ultramar. (***)
A estes valores haverá que acrescentar as despesas efectuadas em 1974 e 1975 com a saída das Forças Armadas dos três teatros de guerra, despesas estas que não me foi possível obter. (...)
Grosso modo, a contribuição ultramarina para o esforço financeiro de guerra foi de 25%, cabendo à Metrópole a fatia maior do bolo: 75%.
(...) A estimativas das despesas para o caso da Guerra Colonial é de cerca de 21,8 mil milhões de euros, ou seja, 10,8% do PIB atual (2018). Este valor representa um custo médio anual de aproximadamente 1,6 mil milhões de euros. (...)