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sexta-feira, 12 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19972: Notas de leitura (1197): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (14) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Março de 2019:

Queridos amigos,
Santos Andrade nunca escondeu que não procurava fazer poesia mas simplesmente narrar ou fazer crónica. Estou a tomá-lo a sério, em breve a história do BCAV 490, que o nosso confrade Carlos Silva tão amavelmente me emprestou, virá à baila, será companhia até final do relato.
Na batalha do Como serão convocados Armor Pires Mota e Alpoim Calvão, temos textos de altíssima qualidade. Por essa altura, se acaso este modo de abordar as coisas for aliciante para a nossa sala de conversa, já muita gente entrou em cena, com depoimentos, fotografias, comentários alusivos à crónica do nosso bardo. Oxalá que assim seja, tanto pelo dever de memória como pelo vigor da recordação dos vivos, que aqui estamos a homenagear.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (14)

Beja Santos

“A missão continuou
sofrendo-se grande emboscada.
A Companhia do Ventura
foi muitas vezes atacada.

A 3.ª Companhia
à meia-noite saiu
e de manhã cedo se viu
um bando cheio de rebeldia.
O Moita fogo fazia
e um terrorista tombou
uma arma lhe apanhou
e os enfermeiros dele trataram
e como prisioneiro o levaram.
A missão continuou.

Por um carreiro tudo caminhava
e chegou-se a uma povoação
que só tinha habitação
quando a noite chegava.
De dia só quem lá estava
era uma velha de pele enrugada.
Foi por nós interrogada,
mas pouco descobriu,
e para a mata connosco seguiu,
sofrendo-se grande emboscada.

Na mata o ataque se deu
às 3 horas do dia.
Houve 11 feridos na Cavalaria,
incluindo o que morreu.
O Joaquim da Costa muito sofreu
precisamente nesta altura.
Também sofreu muita amargura
o amigo José Revez
pois atacada em Morés
a Companhia do Ventura.

Não tinham água para beber
e já havia poucas munições.
Por intermédio das transmissões
veio a avioneta abastecer
onde trouxe também comer
porque não tínhamos nada.
Uma coisa tão amargurada
não esperavam de passar.
E a 489 com azar
foi muitas vezes atacada.”

********************

O bardo não esconde as agruras da vida operacional, ora encetada, o Morés era o osso mais duro de roer. E viaja a recordação para outro livro de Cristóvão de Aguiar, de nome “Ciclone de Setembro”, com primeira edição em dezembro de 1985, três partes com títulos saborosos: "Terra de Ventos"; "Os Ventos da Guerra" e "O Futuro de Ventos". Obra da qual mais tarde o escritor açoriano irá buscar o barro para o livro “Braço Tatuado”.
Logo um texto de enorme ferocidade, tem a ver com o drama de um guia prisioneiro:
“O prisioneiro está sentado num abatis. Continua algemado e assim ficará para todo o sempre. Guarda-o o soldado Capitão Castelar. Segura-lhe a ponta da corda amarrada à cintura. Daqui a pouco vai morrer. A este nem lhe dão tempo sequer de regressar ao aquartelamento.
O furriel enfermeiro, criatura a quem a guerra apurou os sentimentos humanitários, e outros, lembrou-se de ir dar de comer ao guia algemado. Leva-lhe o comer à boca. Tem a ração de combate aberta sobre um corpo decepado. Volta-se, tira uma garfada de atum, corta um pedacito de bolacha, e deposita tudo na boca do prisioneiro. À ilharga do indígena, o soldado-sentinela não está gostando da brincadeira. Nota-se-lhe o enfado na cara. E a revolta. Sempre que o enfermeiro se volta para se fornecer de alimento, aproveita o soldado a ocasião para calcar os pés do indígena com as botifarras, às vezes com a coronha da G3. Da boca do guia nem um ai se ouve, sorri apenas.
Vejo a cena, vou-me aproximando. Continua o soldado, mesmo verificado que o encaro com acinte e raiva, pisando os pés do prisioneiro. Estão já em sangue. O furriel, embebido no que está fazendo, não dá por nada. Ao abeirar-me da sentinela, não em contenho e dou-lhe uma funda bofetada. Tenta ripostar-me. Não lhe dou tempo e prego-lhe outra ainda mais rija e ameaço-o com a Parabellum: Se continuas a fazer tal filhadaputice, ponho-te em sangue, meu cabrão nojento.
Ele nem tentou reagir, mas disse-me: O meu alferes é tão turra como ele, se não o fosse, não me tinha batido, ameaçado com a Parabellum e escarrado na cara; é por causa deles e de outros como ele que andamos neste martírio; o meu alferes vai-me pagar”.

É nestas andanças que o horror muda de figura, aqueles militares ficam horrorizados com a tragédia que houve na frente da coluna:
“De súbito, um forte estrondo na direcção em que seguiram as duas viaturas. O nosso Capitão Farias fica lívido e ordena-me: Ó Mendonça, siga você com o seu grupo de combate nas respectivas viaturas e veja-me o que sucedeu. Arranco com o meu pelotão, vamos todos sem pinga de sangue, em silêncio. Nunca mais se escutou qualquer outro rebentamento nem tiroteio de resposta. Os Unimogs voam aos solavancos pela picada adiante. Ao longe, muito ao longe, principiamos a divisar as duas viaturas. Estão imobilizadas. Cada vez nos vamos aproximando mais. Alguns soldados descem dos Unimogs em andamento. Querem, à fina força, ser os primeiros a chegar ao pé das outras viaturas para darem a notícia. E ela vem de imediato: Meu alferes, estão todos mortos na primeira viatura; na segunda não há ninguém, nem rasto de sangue, foram, com toda a certeza, todos apanhados à unha e levados pelos turras.
Tenho a bússola dos sentidos desorientada. Não sei para que lado me hei-de virar. Os mortos já não precisam de auxílio, estão como hão-de ir. O pior são os outros, os da viatura rebocada. Será que fugiram? Será que foram feitos prisioneiros? Os pensamentos atravessam-me a cabeça em farrapos.
Todo eu sou aliás um farrapo. Chega o capitão com o resto da coluna. Vem pálido mas aprumado. Desce do jipão e vai de imediato espreitar os estragos. Após curta vistoria, vira-se para mim e ordena: Alferes Mendonça, nomeie meia dúzia de voluntários para ir para dentro da viatura dos mortos; quero os cadáveres alinhados no estrado da carroçaria. 
Chegámos a Piche à boca da noite. Os outros dez já lá estavam há muito. Fizeram cerca de vinte quilómetros em pouco mais de hora e meia. Alguns iam feridos com estilhaços das granadas que os guerrilheiros lançaram para dentro da primeira viatura. O Pombal, soldado condutor da segunda viatura, foi o primeiro a lá chegar. Ao entrar dentro do arame farpado que rodeava o aquartelamento de Piche, caiu redondo no meio do chão. E só deu acordo de si muito depois de termos lá chegado”.

É a hora da despedida de Cristóvão de Aguiar, com outra recordação deste mesmo livro, uma consideração bem difundida sobre as atribuídas valentias do soldado português, sabemos bem o porquê de tal exaltação, uma forma de anfetamina que procurava resultados, e que alguns deu:
“Em campanha, disse-me um dia o segundo-comandante do Batalhão, o nosso soldado é o melhor do mundo. Desde que tenha vinho e correio, nenhuma chatice entra com ele. Veja, nosso alferes, quem são as pessoas que se abalam por problemas psicológicos e têm, na sua maioria, de ser evacuados para a psiquiatria: alguns furriéis milicianos e uma chusma de oficiais do quadro complementar, sobretudo os provenientes das universidades, abarrotados de filosofices políticas e antipatrióticas. O mesmo já não acontece, por exemplo, aos graduados vindos da Academia e dos seminários. Esses são compenetrados de dever e resignação, habituados à dureza e à disciplina da vida, formados no amor à Pátria. Mas é no nosso soldado, bronco e simples, que se encontra o nosso melhor material humano e logístico. Vê na tropa um súbito céu de fartura. Por isso, nosso alferes, nunca viu nenhum soldadinho sofrendo da caixa dos pirolitos. Logo que se lhe dê vinho, rancho e correio a tempo e horas, nada o derrubará”.

O bardo fez recruta e especialidade, que formou Batalhão e rumou para a Guiné, conta as horas difíceis vividas em Bissorã e nos arredores, afinal há temíveis emboscadas, mas nada comparado com o que dentro de alguns meses irá ficar conhecido pelo nome da Batalha do Como.

(continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 5 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19949: Notas de leitura (1193): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (13) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19969: Notas de leitura (1196): "SE SENTES NÃO HESITES", por Manuel Clemente; alma dos livros, 2019 (Mário Migueis da Silva)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19532: (D)o outro lado do combate (44): A morte de Rui Djassi - Parte I (Jorge Araújo)


 Imagem nº 2 > Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.


Imagem nº 3 > Ilha do Como (1964) – Embarque de vário material de regresso a Bissau.

Fotos do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.


Imagem nº 1 > Infogravura da «Operação Tridente», com a indicação do desenrolar das acções iniciadas em 15 de Janeiro de 1964, 4.ª feira. In. Guerra Colonial: Angola - Guiné - Moçambique, edição do Diário de Notícias, p.73, com a devida vénia. 


Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > OS RETIROS RESERVADOS DE RUI DJASSI (FAINCAM), NAS MATAS DE GAMPARÁ, DESCOBERTOS PELA CART 643, NA «OPERAÇÃO ALVOR», EM 24ABR64, DATA DA SUA MORTE... "HERÓI DA PÁTRIA", TEM HOJE NOME DE RUA EM BISSAU 



1. INTRODUÇÃO

Mantendo o interesse em encontrar respostas fiáveis às dúvidas suscitadas nas narrativas anteriores, partilhadas no fórum nos P19433, P19437 e P19471, onde se colocava a questão relacionada com o desconhecimento do paradeiro do cmdt da Zona 8 (região de Quinara), Rui Djassi (Faincam), de quem Amílcar Cabral recebera as últimas notícias em finais de 1963, identificamos novas pistas que indiciam termos chegado ao fim desta incógnita e, por conseguinte, deste tema.

Para situar o contexto historiográfico e cronológico das ocorrências, recorda-se que os últimos contactos de Rui Djassi (Faincam) tinham sido duas cartas enviadas ao secretário-geral, datadas de 26 e 30 de Dezembro de 1963. Este, como resposta, manifesta-lhe um duplo desagrado, para o qual utilizei a metáfora "puxão de orelhas", o primeiro por insuficiente comunicação, o segundo por um comportamento pouco cuidado, rigoroso e muito permissivo na "zona 8", enquanto principal responsável operacional na região de Quinara, que facilitou um bloqueio da fronteira Sul por parte das NT, inviabilizando o cumprimento da estratégia logística no «Corredor de Guileje» [P19433].

Certamente, consequência desse laxismo, o seu nome/pessoa deixou de contar para a nova estrutura político-militar do PAIGC decidida no I Congresso, realizado em Cassacá, entre 13 e 17Fev1964, onde foram nomeados os líderes do 1.º Corpo de Exército Popular. Já nessa ocasião Amílcar Cabral (1924-1973) dava conta do agravamento da situação naquela região (Zona 8 - Quinara) por via do desaparecimento do seu responsável – Rui Demba Djassi (1937-1964) – cujo paradeiro ninguém conhecia embora, para ele, existisse a convicção de que estaria vivo [P19433].


2. OPERAÇÃO "TRIDENTE" – DE 15JAN64 A 24MAR64

Tendo por objectivo recuperar o controlo das ilhas de Caiar, Como e Catunco, antes ocupadas pelos guerrilheiros do PAIGC sob a liderança de 'Nino' Vieira (1939-2009) [Marga, nome de guerra], no sentido a garantir a segurança dos abastecimentos marítimos na costa sul da Guiné, foi realizada a «Operação Tridente», a qual teve uma duração de dois meses e meio, entre 15 de Janeiro e 24 de Março de 1964 [Vd. imagem nº 1, acima].

De referir que durante a realização do 1.º Congresso do PAIGC já a componente terrestre dessa operação contabilizava um mês de intensa actividade operacional, sob o comando do Tenente-Coronel Fernando José Marques Cavaleiro (1917-2012), que, para além do envolvimento do seu Batalhão de Cavalaria 490 [BCAV 490], de Estremoz, contava, também, com a participação conjunta de outras unidades militares dos três ramos das Forças Armadas, num contingente superior a um milhar de elementos. [Vd. imagenns nºs 2 e 3, acima].

Entretanto, após concluída a reunião de quadros do PAIGC, em Cassacá [, na pensínsula de Quitafine], onde 'Nino' Vieira viu reforçada a sua liderança, enquanto principal responsável operacional da guerrilha naquela região sul, este seguiu, naturalmente, para essa frente de luta tendente a assumir o controlo da situação e, concomitantemente, dos diferentes combates.

Em função das dificuldades observadas no terreno, tomou a iniciativa de escrever uma carta aos seus camaradas «Faincam» e «Kant», nomes de guerra de 'Rui Djassi' e 'Domingos Ramos', respectivamente, implorando ajuda em recursos humanos (guerrilheiros) para fazer face à situação militar difícil que estava a viver [, na Ilha do Como].

Este pedido de apoio, expresso na referida carta, não teria nada de anormal, digo eu, para a construção desta narrativa, se não tivesse encontrado duas versões divergentes quanto à génese dos factos narrados. Ainda assim, as divergências encontradas não nos impediram de perseguir com o aprofundamento da investigação, cujos resultados aproveito para partilhar convosco.

2.1. CARTA DE 'NINO' VEIRA ENVIADA A RUI DJASSI [FAINCAM] E DOMINGOS RAMOS [KANT] NO INÍCIO DE MARÇO DE 1964

De acordo com o acima exposto, é de relevar que as duas versões, ainda que o conteúdo da carta [texto] seja igual, entre elas existem diferenças quanto ao contexto como foram obtidas.

No primeiro caso, o acesso à carta está plasmada no livro «Os Anos da Guerra Colonial (1961-1974)», no sítio: [http://batalhaocacadores2885.blogspot.com/2009/08/as-grandes-operacoes.html].

Diz a carta: […]

"Ao fim de 48 dias de combates na região do Como (ou seja, em 3 de Março de 1964, 3.ª feira), as
tropas portuguesas interceptaram um estafeta com uma carta de Nino Vieira, escrita à máquina, para outros chefes da guerrilha. Os destinatários eram os comandantes Faincam e Kant".

O exemplar da carta dactilografada, que se apresenta na figura ao lado, pela sua qualidade, não nos permite decifrar, com nitidez, o que nela consta. Apenas tivemos acesso ao seu conteúdo no texto que a enquadra, publicado na obra acima citada. [Imagem nº 4].

No segundo caso, a referência à carta em apreço consta do livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974) – Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014). 

Dele se retira, para o presente propósito e com a devida vénia, a seguinte passagem: 

"Sobre a operação "Tridente" junta-se uma carta atribuída a João Bernardo Vieira "Nino", capturada em Maio [Abril] de 1964, na operação "Alvor". […] Na realidade, a carta de João Bernardo Vieira "Nino", esclarece a situação aflitiva dos guerrilheiros nas referidas ilhas perante a acção das NT. O original da carta figurava entre os documentos capturados por forças da CArt 643 na "Operação Alvor", realizada na península de Gampará, de 22 a 26Abr64, quando atingiram o "Quartel-General" do chefe da região Sul, Rui Demba Djassi (op.cit., pp 218/219).

Eis a transcrição do seu conteúdo:

"Camaradas Faincam e Kant

Para que esta vos encontre continuando uma boa saúde, junto dos vossos camaradas. Eu e os meus vamos indo razoavelmente bons.

Camaradas, achei obrigado a dirigir-vos estas linhas, porque sei que já não tenho nenhuma safa a não ser que dirigir-me a vós. Como sabem estou muito afrontado, porque as tropas ainda continuam a praticar bárbaros massacres no I. Como. Hoje [3 de Março de 1964] já se faz 48 dias que os n/ [nossos] camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Queria que os camaradas retirassem juntamente com a população conforme era a solução tomada pelo n/ [nosso] Secretário Geral. Mas o que certo é impossível, porque não temos caminho de fazê-los sair. Por isso agradecia-vos que me mandassem reforço vindo de todas as partes. Mesmo se por acaso será possível podem enviar no mínimo 150 a 200 camaradas, porque senão os portugueses vão-me dar cabo da população.

Camaradas, tenham paciência porque não tenho uma outra safa a não ser o vosso auxílio.

Tenho encontrado numa situação muito grave. As tropas estão aumentando cada vez mais as suas forças, tanto como terrestres, aviação e também por meios marítimos.
Camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos. Somente posso dizer-vos que dum dia para outro vamos ficar sem a população e sem n/ [nossos] guerrilheiros aí. Já estamos a contar com a baixa de 23 camaradas n/ [nossos] durante todos estes dias dos ataques. Portanto termino desejando-vos maiores sucessos, junto dos vossos camaradas e do povo em geral.

Do vosso camarada Marga – Nino"

2.2. Segue-se a reprodução da carta manuscrita por 'Nino' Vieira [Imagem nº 5].



Imagem nº 5


Imagem nº 6 > Bilhete-Postal (s/d) da Rua Dr. Oliveira Salazar, em Bissau [hoje, Rua Rui Djassi], da Colecção "Guiné Portuguesa, 135". (edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, Sarl.) - P6625, com a devida vénia.



Imagem nº 5 > Localização da Rua Rui Djassi, em Bissau. 


3. RUI DEMBA DJASSI [FAINCAM] – HERÓI DA PÁTRIA

Depois da independência o corpo de Rui Djassi ('Faincam') foi transladado [teria sido o seu corpo?] para Bissau, encontrando-se sepultado no Memorial dos Heróis da Pátria da Guiné-Bissau, na Fortaleza de São José de Amura, no centro da cidade.

Hoje, o seu nome faz parte da toponímia de "Bissau-Antigo", substituindo a designação anterior que era a do Dr. Oliveira Salazar (1889-1970).

Continua…
Nota:

Em função da extensão da presente narrativa, considerámos ser de interesse colectivo dar conta, em novo poste, ao modo como se desenrolou a «Operação Alvor», de que resultou a morte de Rui Djassi (Faincam), na medida em que sobre ela nada consta no puzzle historiográfico da «Tabanca».

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

18Fev2019.
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Nota do editor:

quarta-feira, 14 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18413: Recortes de imprensa (93): A guerra e a censura: o caso de Armor Pires Mota (Sílvia Torres, "Diário de Coimbra", artigo de opinião, 9/3/2018)



1. Texto enviado pela nossa amiga e grã-tabanqueira Sílvia Torres, com data de ontem. Foi publicado no Diário de Coimbra de 9 de março de 2018, como artigo de opinião.

Crónicas de guerra "perigosas"
por Sílvia Torres

Há 57 anos, a Guerra do Ultramar dava os primeiros passos em Angola, estendendo-se à Guiné Portuguesa em 1963 e a Moçambique, no ano seguinte. Os meios de comunicação social portugueses noticiaram o conflito, na medida do possível, com o controlo severo e discreto da censura. A guerra era um tema tabu, sobre o qual pouco se podia contar e, menos ainda, mostrar.

O Diário de Coimbra, jornal considerado hostil ao Estado Novo, estava na lista dos mais vigiados. O "lápis azul" tinha especial atenção à imprensa "opositora" e de maior tiragem, sendo nestes casos mais rigoroso. Perante jornais de pequena difusão, com sede em meios rurais, o rigor diminuía e, por vezes, temas proibidos viam a luz do dia. O quinzenário Jornal da Bairrada, que ainda hoje se publica como semanário, beneficiou desta imperfeição da censura.

Entre 1964 e 1965, o Jornal da Bairrada publicou "crónicas de guerra", da autoria do bairradino e então alferes Armor Pires Mota (*) que cumpria parte do Serviço Militar Obrigatório na Guiné Portuguesa. Aerogramas transportavam as palavras da província ultramarina para a metrópole. Nenhuma das crónicas, que se confundem com páginas de um diário, sofreu qualquer corte por parte da censura. 

Em todas, como neste excerto, o alferes Mota mostrou aos leitores a guerra que conheceu, sem filtros: 

"(…) causa-me calafrios a morte daqueles dois moços que, ao entardecer, foram encontrados nus. Só lhes deixaram as meias enfiadas nos pés (…) Tinham o sexo mutilado, o nariz arrancado e os olhos, e, pelos rasgões espalhados pelo corpo, tudo leva a crer que lutaram corpo-a-corpo, quando se viram sós e sem munições. (…) Sinto-me em baixo. E estive mesmo tentado a pôr de parte a intenção de contar as guerras. Mas achei que devia trazer para a luz o que anda nas sombras: o mistério do sangue".

Já na metrópole, findas as obrigações militares, Armor Pires Mota reuniu em livro os textos que já tinham sido publicados no jornal bairradino. A obra Tarrafo – crónicas de um soldado na Guiné foi posta à venda na livraria Vieira da Cunha, em Aveiro (**). O que havia escapado à censura na aldeia fez soar o alarme do "lápis azul" na cidade. Consequentemente, o livro foi apreendido pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). E, sabe-se agora graças aos arquivos que guardam documentos da época, a censura levou um valente "puxão de orelhas" por ter permitido a publicação de textos "perigosos" no Jornal da Bairrada.

Hoje, quase a chegar aos 80 anos, Armor Pires Mota não precisa de ler o que escreveu para recordar os dois anos passados na Guiné Portuguesa. Há histórias que a memória, por mais que se esforce, não consegue apagar.


Sílvia Torres (***)

[Fixação de texto, para efeitos de edição no blogue: LG]
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Notas do editor:

Armor Pires Mota, Lisboa, 10/11/2010.
Foto: Luís Graça (2010)
(*) Armor Pires Mota [ex-alf mil acv, CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, escritor, autor dos livros, entre outros, o "Tarrafo", 1965 (com edição facsimilada, com as anotações do "lapis azul" dos censores, em 2013); "Guiné, Sol e Sangue, 1968; "Cabo Donato, Pastor de Raparigas", 1991; "Estranha Noiva de Guerra, 1995: e a "Cubana que dançava flamenco", 2008,  alguns podendo ser adquiridos pela interneta, aqui].

(**) Vd. poste de 5 de novembro de 2011
Guiné 63/74 - P9000: Antologia (75): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (8): Ilha do Como, 15 de Março de 1964: E Deus desceu à guerra para a paz (Último episódio)...

(***) Último poste da série de 2 de março de 2018
Guiné 61/74 - P18372: Recortes de imprensa (92) : artigo de opinião de Sílvia Torres: A Guerra em 'copo meio cheio', "Diário de Coimbra", 23 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)


"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à Coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332.Guardo-o religiosamente comigo..." (*)

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro  Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego.  Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho.


Carta


José Casimiro > Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.

Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).



Aerograma


José Casimiro > Guileje, 22/4/1973

Meu querido pai: Hoje foi um dia de fartura cá no Guileje, recebi nada mais nada menos do que 10 cartas, uma das quais era uma que eu tinha mandado à avó, e que foi devolvida, pois não existe o nº que me disseram, no Largo das Fonsecas. Adiante...

Pai, recebi as "cacholas", até dá para gozar. Recebi o salpicão - estava uma delícia. Quando eu chegar aí, não deve haver peixes no rio nem nomar. Quanto a a fotos de pretas [, desenho de um corpo  feminino parcial.], eu já tinha arranjado, e mandei os rolos para Cufar, para o irmão da Ana levar aí a casa, mas ele não pôde ir de férias, e vai mandar aqui para Guileje, e eu mando para Bissau, pois aqui já não revelam

Quando puder mandar rolos, mande. A Olinda (Montijo) tem-me escrito. A mãezinha que gaste  do meu dinheiro para remédios, é um desejo meu que gostava que fosse cumprido, ok ? Retribua os cumprimentos à D. Elisa e família. Mando-os também para todos os vizinhos com que eu me dava bem. Para todos em casa um grande beijo (A BIG KISS) [, desenho de uns lábios]. Sempre vosso,  J. Casimiro.



Carta


José Casimiro > Gadamael, 26/6/73


NOW WE HAVE PEACE [, em inglês, finalmente temos paz]

Minha querida mãezinha:


É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana, até ando mais feliz, pois embora não quisesse, ela não me saía do pensamento, pois gosto muito dela.

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B[anco] B[orges]. & Irmão.

 Um beijo para ser dividido igualmente entre todos, do militar J. Casimiro.


[Na vertical, na margem esquerda: Pax, Now we make love not war [Paz, agoramos fazemos amor e não guerra; na margem direita, PAZ]


1. O ex-fur mil op esp José Casimiro Carvalho [. foto à direita, c. 1973[, com residência na Maia, confiou-me, no I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de outubro de 2006), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o abandono de Guileje pelas NT. A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre dezembro de 1972 e maio de 1973.

Depois do regresso à metrópole, em 1974, ele entrou para Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana (BT/GNR),  primeiro como soldado e depois como agente patrulheiro. Está aposentado. De qualquer modo, quem o conhece (e conheceu na Guiné), nunca dirá dele que era um daqueles milicianos "politizados", com posições críticas face à guerra colonial e ao regime político de então. Como, de resto, a grande maioria dos milicianos e demais militares, incluindo os do quadro permanente, que durante 13 anos fizeram a guerra do ultramar (ou guerra colonial), na esperança, em todo o caso,  que o poder político acabasse por encontrar uma solução (política) para aquela maldita guerra que prometia eternizar-se...

Apresentamos acima um exemplo de um carta, devidamente selada (correio aéreo), e de um aerograma, amarelo, sem franquia,  enviados pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350) à família. A carta tem data de 22/5/1973, e foi remetida de Cacine, onde ele estava retido. Nesse mesmo dia, Guileje fora abandonado pelas NT.  O aerograma tem data de 22/4/1973, e é expedida de Guileje. Uma segunda carta é já de Gadamael, e tem data de 26/6/1973. (**)

No aerograma, dirigido ao seu "querido pai",  o nosso camarada tem uma conversa trivial, diz que está feliz por ter recebido nada menos do que 10 cartas, além das encomendas postais... Há uma evidente cumplicidade entre dois homens, pai e filho, mas não há inconfidências relativamente à situação militar...

Já nas cartas, há matéria que poderia ser considerada muito "sensível" e "classificada", como por exemplo o abandono de Guileje por parte das NT...e, um mês depois de terríveis combates  em Gadamael, o J. Casimiro Carvalho informa a sua "querida mãezinha" de que finalmente há paz, e que está a haver rendição de tropas, que a sua companhia, a CCAV  8350,  vai para o Cumeré, e que vai haver bebedeira, pela certa, e que ao mesmo tempo houve mortos e feridos graves, incluindo dois capitões, um dos quais evacuado para a metrópole!...

Ora, se eu alguma vez escrevesse uma carta destas para casa, era um terramoto, deixava os meus pais e irmãs a sangrar de dor!...De qualquer modo, muitos de nós nunca escreveriam cartas deste teor, não só para poupar a família mas também por autocensura.

Em suma, o J. Casimiro Carvalho, que não esconde nada aos pais,  parece usar o aerograma para a "conversa da treta" e as cartas para as inconfidências, as informações sobre a situação militar, etc.  Era algo de intuitivo para os militares,  o aerograma, na sua perceção, prestava-se mais à devassa, à violação... Ou seria o contrário ?


2. As questões que se podem pôr hoje, em relação à satisfação e confiança no Serviço Postal Militar (SPMS)  (***), são as seguintes: 


(i) o nosso correio era seguro ?



(ii) o aerograma, sem franquia,  era mais seguro 

do que a carta selada ?



(iii) a malta fazia autocensura ou, pelo contrário, escrevia, 

nos aerogramas e cartas,  tudo o que lhe apetecia ?



(iv) o correio era rápido ? quanto dias demorava a chegar ? (dependendo de a distribuição ser feita por avioneta
 ou por coluna auto)



(v) as cartas, os aerogramas, os valores declarados e  as encomendas postais não se extraviavam ?



(vi) houve camaradas que escreveram mas não chegaram a pôr no corrreio aerogramas e/ou  cartas com medo de serem abertos e lidas pelas autoridades militares e/ou  pela PIDE / DGS ?



(vii) era frequente (ou, pelo contrário, era raro) dar-se informações detalhadas sobre a situação político-militar tanto na Guiné como na Metrópole ?

A resposta a estas questões dá pano para mangas,,,e para alimentar o nosso blogue neste verão...


3. Relendo as  cartas que o meu cunhado José Ferreira Carneiro escreveu  à irmã, Alice Carneiro (****), constato que o aerograma, em Angola, não seria tanto fiável quanto a carta; podia levar um mês a chegar, enquanto a carta (, por via área,) demorava três dias a chegar a casa dos pais...

O correio era muito importante, nos dois sentidos. O aerograma tranquilizava as nossas famílias. Mas também é verdade que podia veicular boatos de toda a espécie, a par de informações que, para as chefias militares, deviam ser classificadas ou reservadas...

Recordo-me de, em finais de maio de 1969, quando cheguei à Guiné, o terror do "periquitos" eram então as histórias que se contavam de Gadembel e de Madina do Boê. Tanto a retirada de uma e outra ainda estavam na memória de muita gente. O nosso grã-tabanqueiro, Henrique Cerqueira, por sua vez, tinha mais confiança no aerograma do que na carta. Mas as nossas namoradas e esposas não gostavam nada de receber o aerograma em vez da carta, que o diga o nosso Manuel Joaquim! (*****).


José Carneiro, 1º cabo trms, de rendição individual,
Camabatela,  norte de Angola, 1969/71
José Carneiro > Camabatela 16/06/70

Querida mana Chita: 

 Estou a escrever uma carta porque os aeros [aerogramas] chegam a demorar cerca de um mês até chegarem ao seu destino, isto quando não são devolvidos. Estou mesmo muito aborrecido com isto. Pensei agora só escrever cartas, mas de 15 em 15 dias. Assim as cartas só demoram 3 dias a chegar a vossa mão. Tens que escrever é para a caixa postal. Que achas? Assim não repetimos as notícias. Quando receberes carta minha, peço-te que telefones aos pais para ficarem descansados. Está bem assim? (*)



Henrique Cerqueira > Comentário de 6/12/2012 (**)

[ foto à esquerda: Henrique Cerqueira,  ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe
e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:



(...) Para mim o aerograma tinha uma grande vantagem em relação à carta envelope normal. É que no aerograma havia maior possibilidade de enviar informações que o Estado (PIDE/DGS) considerava de teor político e assim os censurava. 

Tinha que haver o cuidado de colar bem as margens. Assim os censores tinham uma maior dificuldade em violar o aerograma e, como eram aos milhares, havia que contar com a "burrice preguiçosa" dos tais indivíduos. Este foi um conselho dado por um agente da DGS que na altura estava em Bissorã.(Era um novato e ainda com as ideias pouco contaminadas). 

Aliás quando o tive de acompanhar a Bissau no pós-Abril e sob detenção, tive mais uma vez a possibilidade de verificar que o indivíduo politicamente era mesmo um pouco "inocente". Ou seja era mais um "recrutado" pelo objectivo monetário e não político. 

Eu próprio senti na pele essa pressão de recrutamento um pouco antes do 25 de Abril. Felizmente resisti conforme pude, pois que até ameaças de repatriamento da família para a metrópole eu recebi. Como já disse, eu tinha a mulher e filho comigo em Bissorã nos últimos nove meses da comissão.

Um abraço a todos e viva o "aerograma" que até era de borla. (****)

4. Haverá, por certo, outros camaradas com opinião qualificada sobre a organização e o funcionamento do Serviço Postal Militar (SPM) , a sua alegada independência face à PIDE / DGS, e à própria hierarquia militar, as demoras do correio, os eventuais extravios, e sobretudo o risco de violação da correspondência. 

Em suma, o SPM era mesmo o do nosso contentamento? Era o melhor serviço que a tropa nos prestava? Nunca nos fizeram um inquérito... de satisfação... Mas, meio século depois, ainda vamos a tempo de fazê-lo, mesmo que o SPM tenha sido extinto em 1981 e a guerra acabado em 1975, com o regresso dos últimos soldados do império...

Mas haverá por certo muitas cartas e aerogramas ainda por salvar... Vamos fazer um apelo aos filhos e netos dos nossos camaradas, esposas, madrinhas de guerra, antigas namoradas, amigos, amigas,  etc., para que salvam o "património epistelográfico" dos nossos "rapazes"...

O que é feito dessas 21 mil toneladas de correio que circularam durante a guerra colonial? As "cacholas", os salpicões, os queijos, o bacalhau, etc., isso comeu-se e fez-nos muito bom proveito... A "guita" gastou-se em "putas e vinho verde", como diria esse rapaz holandês de nome impronunciável por um "tuga" e que nunca foi à guerra, um tal Jeroen Dijsselbloem... Mas as cartas e aerogramas que escrevemos e recebemos, camaradas?!... O que é feito delas?... A maior parte foi parar ao caixote do lixo, mas outros apodrecem nos nossos baús...

Parabéns aos camaradas e às amigas que já aqui partilharam parte do seu espólio postal: o Mário Beja Santos, a Cristina Allen, o Manuel Joaquim, o Renato Monteiro, o José Ferreira Carneiro, a Alice Carneiro, o J. Casimiro Carvalho, o António Graça de Abreu, o José Teixeira, o Armor  Pires Mota, o Silvério Dias, o Albano  Mendes de Matos e outros (cito de cor!)...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de  2010 >Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

(**) Vd. postes de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Vd. também poste de

1 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9837: Cartas de Gadamael: maio e junho de 1973 (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, 1972/73)

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

(...) O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos, difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. (...)


(*****)  Vd. poste de 19 de junho de  2013 > Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

(...) O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais. (...) 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17048: Recortes de imprensa (85): O nosso camarada Armor Pires Mota no lançamento do livro da investigadora Sílvia Torres ("O jornaliismo português e a guerra colonial", Lisboa, Guerra & Paz, 2016, 432 pp.) na sua terra natal: Anadia, 2 de julho de 2016 (Excerto do "Correio do Vouga")




Anadia > Biblioteca Municipal > 2 de julho de 2016 > Da esquerda para a direita, Jorge Ribeiro, Sílvia Torres, Teresa Cardoso e Armor Pires Mota (Cortesia de Correio do Vouga)


1. Excerto do Correio do Vouga,semanário da diocese de Aveiro, com a devida vénia (*):

O livro “O jornalismo português e a guerra colonial”, da autoria de Sílvia Torres, foi apresentado na Biblioteca Municipal de Anadia, no dia 2 de julho [de 2016], e contou com a intervenção de dois jornalistas antigos combatentes na guerra colonial: Jorge Ribeiro e Armor Pires Mota, para além da autora e da presidente da autarquia anadiense, Teresa Cardoso. (...)

(...) Armor Pires Mota, que foi combatente na Guiné, de 1963 a 1965 e chefe de redação do “Jornal da Bairrada” (de Oliveira do Bairro), recordou a sua experiência pessoal no conflito, realçando que durante a sua estada no conflito foi escrevendo uma “espécie de diário”, publicando algumas dessas crónicas naquele jornal bairradino. Nessas crónicas, numa linguagem “nua e crua”, em jeito de “repórter de guerra, relatava as vivências por que passava na frente de combate, tendo sido alertado que essas publicações lhe poderiam provocar dissabores. No entanto, após regressar da guerra, resolveu reunir essas crónicas e publicá-las no livro “Tarrafo”, o qual suscitou, de imediato, a intervenção da censura, que apreendeu praticamente todos os livros, motivando que Armor Pires Mota fosse interrogado pela PIDE (a polícia política de então), o mesmo se passando com o diretor daquele jornal, o advogado Granjeia (com escritório em Aveiro).

Para Armor Pires Mota, muito do que foi escrito sobre a guerra colonial foi por pessoas que nunca lá estiveram e, pior ainda, com profundas mentiras sobre o que realmente se passou no conflito. “Quem lá esteve ficou bloqueado” e só a partir da década de 1980 começaram a publicar as suas memórias sobre o conflito.

Por causa da censura, Armor Pires Mota afirmou que “os jornalistas publicavam aquilo que podiam e eram autorizados”, realçando ainda que “os próprios jornalistas, no terreno, autocensuravam-se, não dando notícias nuas e cruas do conflito”, tanto mais que o regime impôs regras rígidas sobre a cobertura jornalística do conflito. Ressalvou que, no entanto, a censura existe em todas as guerras.

Cardoso Ferreira

2.  Comentário do editor:
Sílvia Torres,
nascida na Anadia, em 1982


A Silvía Torres, filha de antigo combatente da guerra colonial, doutoranda em ciências da comunicação, aceitou o nosso convite para integrar a nossa Tabanca Grande. Tem-se dedicado, enquanto investigadora, ao tema do jornalismo e a guerra colonial. Lançopi em maio de 2016 o livro "O jornalismo português e a guerra colonial" (Lisboa, Guerra & Paz, 2016, 432 pp.).

Entre os entrevistados para  a feituar deste livro, encontram-se nomes de jornalistas como Agostinho Azevedo, Armor Pires Mota, Baptista Bastos, Cesário Borga, David Borges, Fernando Dacosta, Fernando Correia, Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Letria, José Manuel Barroso ou Maria Helena Saltão, O livro contém igualmente depoimentos escritos de académicos, como Francisco Rui Cádima, Alberto Arons de Carvalho ou José Manuel Tengarrinha, de militares, como Otelo Saraiva de Carvalho, Fontes Ramos e Aniceto Afonso, e de jornalistas como Avelino Rodrigues, Joaquim Furtado ou Rodrigues Vaz.

A Sílvia Torres, que vai ser apresenrtada à nossa Tabnaca Grande, pediu-nos entretanto contactos para  entrevistar pessoas que tenham trabalhado na imprensa da Guiné Portuguesa; O Arauto, Notícias da Guiné e/ou A Voz da Guiné - durante a Guerra do Ultramar (*ª).


3. Ficha técnica e sinopse da obra, editada pela Guerra & Paz, com sede em Lisboa:

Título: O jornalisnmo português e a guerra colonial
Autor: Sílvia Torres
Género: Não Ficção/Jornalismo
Ano de Edição: 2016
Formato: 15x23
Nº de Páginas: 432
Peso: 426
ISBN: 978-989-702-203-6
Preço de capa: 17,5 €

Sinopse: 

Armor Pires Mota conseguiu relatar a guerra da Guiné, com pormenores manchados de sangue e lágrimas, através de um jornal regional ao qual a censura não deu importância. Fernando Gonçalves criou o «Zé Povinho da Guerra Colonial» em Angola e pintou humoristicamente o conflito. Em Moçambique, Jorge Ribeiro gravou as mensagens de Natal dos soldados, que, por vezes, desejavam «Boas Festas para a esposa e para a noiva» ou «um Ano Novo cheio de propriedades». Fernando Correia, ao serviço da Emissora Nacional, não contou a verdade sobre a guerra porque não o deixaram. Estas e outras memórias das décadas de 60 e 70 do século XX, sobre Portugal, Angola, Guiné e Moçambique, preenchem este livro, «um exterminador implacável de lugares comuns e de ideias feitas sobre a Guerra Colonial e também, por arrastamento, sobre o jornalismo em geral e o jornalismo de guerra em particular», na opinião do ex-combatente Carlos de Matos Gomes.

(Fonte: Guerra & Paz, Editores) (com, a devida vénia)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17045: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (40): O jornalismo e a guerra colonial: contactos precisam-se de pessoas (civis ou militares) que tenham trabalhado na imprensa da Guiné portuguesa: O Arauto, Notícias da Guiné, A Voz da Guiné... (Sílvia Torres, ex-oficial da FAP, doutoranda)


Capa do livro "O jornalismo português e a guerra colonial" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2016). Organização de Sílvia Torres. Foto de capa do Facebook da autora (com a devida vénia...)


1. Mensagem da nossa leitora, ex-militar da FAP, e filha de antigo combatente da guerra colonial Slvia Torres:

Data: 6 de fevereiro de 2017 às 10:40
Assunto: Imprensa - Guiné Portuguesa

Caros senhores,

Para efeitos académicos (estou a fazer o Doutoramento em Ciências de Comunicação, na FCSH /UNL), necessito de entrevistar pessoas que tenham trabalhado na imprensa da Guiné Portuguesa - O Arauto, Notícias da Guiné e/ou Voz da Guiné - durante a Guerra do Ultramar.

Será que me podem ceder alguns contactos?

Até agora, só consegui falar com Agostinho Azevedo e ]

Desde já, muito obrigada pela vossa atenção.

Cumprimentos.
Sílvia Torres


2. Sílvia [Manuela Marques] Torres > CV abreviado:

(i)  nasceu em Mogofores, Anadia, em 1982, filha de um antigo combatente da guerra colonial;

(ii) licenciada em Jornalismo e Comunicação pela Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Portalegre;

(iii) mestre em Jornalismo pela Faculdade de Ciências  Sociais e Humanas da Universidade
NOVA de Lisboa (FCSH / UNL);

(iv) jornalista, entre 2005 e 2007, do "Diário de Coimbra"; tendo colaborado também no "Jornal da Bairrada" (o mesmo onde escreveu o nosso camarada., anigo e escritor, Armor Pires Mota, em meados dos anos 60);

(v) oficial da Força Aérea Portuguesa (FAP), em regime do contrato, de  outubro de 2007 a abril de 2014, 

(vi) enquanto militar, foi locutora da Rádio Lajes e exerceu também funções  na área da Comunicação no Departamento de Informação e Marketing, no Centro de Recrutamento da Força Aérea.

(vii) entre Agosto de 2012 e agosto de 2013,  cumpriu uma missão de Cooperação Técnico-Militar em Timor-Leste:  deu formação em Língua portuguesa  a militares das FALINTIL, Forças de Defesa de Timor-Leste, e  a funcionários civis  da Secretaria de Estado da Defesa da República  Democrática de Timor-Leste;

(viii) autora de “O jornalismo português e a guerra colonial” (2016)


(ix) atualmente é aluna de  Doutoramento em Ciências da Comunicação na FCSH / UNL.


3. Comentário do editor:

Sílvia, obrigado pelo seu contacto... Vamos tentar ajudá-la, com a generosidade e a solidariedade que são o timbre da nossa Tabanca Grande. Para mais, tratando-se da filha de um camarada nosso, combatente da guerra colonial... Costumamos dizer: Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são...

Para já temos, na nossa comunidade virtual, a Tabanca Grande, um camarada que trabalhou, em Bissau, no pós 25 de abril, no jornal "Voz da Guiné"... Sob a direção do capitão Duran Clemente, do MFA da Guiné, esteve integrado na equipa que fez a transferência do jornal para as novas autoridades guineenses... e tem alguns exemplares das últimas edições (**)

Trata-se do Benvindo Gonçalves, ex-fur mil trms.. Mandámos-lhe, por mail, os seus contactos.

Temos  algumas referências, dispersas, sobre a imprensa da Guiné do nosso tempo, em especial sobre o "O Arauto" (que se pubicou, como diário, de 1950 até 1968) e sobre  a  "Voz da Guiné" (1972-1974): ambos foram que era dirigido pelo padre franciscano José Maria da Cruz Amaral (1910-1993).

O que poucos sabem (ou sabiam...) é que este padre franciscano, que passou quase 4 décadas em África (em Moçambique e depois na Guiné), foi também o diretor de "O Arauto", até 1968, altura em que terá sido  "extinto" pelo general Arnaldo Schulz, "em represália contra a linha editorial do Arauto, que procurou denunciar a anarquia militar e civil do seu governo da província" (, facto que precisa de ser comprovado por fontes independentes; na realidade, "O Arauto" foi sempre um jornal alinhado política e ideologicamente com as autoridades do Estado Novo).

Spínola, por sua vez, convidou-o, em 1972,  para director do novo jornal "Voz da Guiné" (, não confundir com "A Voz da Guiné", com vida efémera em 1922),  transformado entretanto em jornal oficial (ou oficioso) da província...
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16807: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (39): pedido de ajuda para tese de doutoramento em Antropologia, pelo ISCTE-IUL, sob o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial (Vasco Gil Calado)

(**) Vd. poste de 1 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6514: (Ex)citações (78): Como fui colocado no jornal Voz da Guiné (Benvindo Gonçalves, ex-Fur Mil Trms, CART 6250, Mampatá, 1974)

(...) Em 1974, fui mobilizado em rendição individual, como Furriel de Transmissões, para a Cart 6250, sita em Mampatá, e, hoje, envio-vos alguns dados sobre essa minha breve passagem, por esta Companhia e pelas terras da Guiné.

Com o advento da Revolução de Abril ou dos Cravos, a negociação de Paz e o fim da guerra com as Colónias, começou a desmobilização e o regresso a casa, sendo a Companhia onde estava integrado uma das primeiras a regressar, não me incluindo nesse lote, pois devido à minha situação seria deslocado para outro lado, substituindo colegas mais velhos em permanência.

A Cart 6250 saiu de Mampatá por via marítima, pois, além do pequeno aeródromo de terra batida existente em Aldeia Formosa, esta era a alternativa que nos restava, já que não havia estradas que nos ligassem a Bissau. Essa saída deu-se recorrendo a uma LDG (Lancha de Desembarque Grande), demorando bastante tempo, pois a navegação tinha que ser feita tendo em atenção as marés, pelo que passámos uma noite no caminho dormindo ao luar aguardando a subida da maré para podermos prosseguir a viagem.

Quando chegámos a Bissau, rumámos para o Ilondé, de onde a CART 6250 regressou à Metrópole, tendo-me eu apresentado no Quartel Geral de Adidos para nova colocação.

Não satisfeito com a situação, e com a ajuda e intervenção de alguns amigos um pouco influentes, consegui contornar o problema e fui colocado no jornal “Voz da Guiné”, fazendo o meu tempo de tropa como se na vida civil se estivesse, pois não era obrigatório andar fardado. (...)

(...) Como revisor de redacção, ajudei a proceder à transferência de propriedade do jornal de Portugal para a Guiné, e ainda guardo, como prova de passagem por esse serviço, um exemplar de cada um dos últimos jornais impressos sobre a administração Portuguesa antes e depois da independência.

Igualmente guardo com muito carinho, um outro exemplar do jornal com o nome de “Libertação“, já impresso sobre o controlo do PAIGC, no pós Independência da Guiné-Bissau, aí sim, já mesmo o chamado “órgão informativo do PAIGC", reflectindo para a sociedade e a população em geral, os pensamentos, ideias, ideais e reflexões sobre a guerra da Independência nas ex-colónias e noutros países de pensamento e cariz político nitidamente na linha dita comunista. (...)

(...) Foi um processo pacífico de transferência de papelada, fotografias, máquinas e demais material ligado à impressão do jornal, incluindo as instalações e veículos, culminando assim de forma ordeira, sem contestações, nem provocações, a nossa presença naquele serviço.

Procurámos sempre manter-nos fiéis a uma linha de conduta e orientação programada e fiscalizada pelo seu director, pessoa afável, educada e de bom trato,  sempre pronto a ajudar e nada militarizado, mesmo anti-regime.

Acaso do destino, esse Director era um dos capitães de Abril, conhecido como capitão Duran Clemente, que veio a protagonizar mais tarde a voz da revolta na tomada da Televisão em Portugal quando do 25 de Novembro de 1974.

Com a sua ajuda, terminei a minha curta passagem por terras da Guiné, tendo regressado a Lisboa por via aérea na noite do famigerado 28 de Setembro de 1974. (...)

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...


Foto nº 1 > 

Emblema da CCAV 488, desenhado com "garrafas de cerveja" (?).. O Augusto Mota, pelas funções no QG, nunca saiu de Bissau... Tinha um amigo na CCAV 488 (Bissau e Jumbembem, 1963/65) a quem enviava jornais e revistas.


Foto nº 2: Equipa de futebol... O Augusto Mota, na primeira fila, é o quinto da esquerda para a direita.




Foto nº 2A  > Augusto Mota, assinalado a amarelo, integrando uma equipa de futebol (presume-se que seja de militares do QG).




Foto nº 3 > Uma brincadeira com as "marmitas",,,  O Augusto Mota é o segundo da direita para a esquerda, assinalado a amarelo.


Foto nº 4 > Trabalhos de construção ... Não sabemos onde...


Foto nº 5 > Cartune: "Na Guiné todos os bichos... picam!" ... Repare-se no quadro, na parede: "Sociedade  Protectora dos Maçaricos"... Nessa época, os novatos eram "maçaricos" (como em Angola), só mais tarde, provavelmente, é que se popularizou o vocábulo "periquito"... E nos aquartelamentos ainda não haveria geradores, por volta de 1963, a malta deitava-se à luz da vela... Era assim, camaradas veteranos ?

Fotos: © Augusto Mota  (2016). Todos os direitos reservados


1. Tudo começou com uma mensagem de Augusto Mota, enviando-nos uma cópia de uma "preciosidade", o programa das comemorações do 45º aniversário da UDIB, Bissau, em 28/6/1974. O endereço de email que usa é brasileiro:

Assunto: PROGRAMA UDIB 29.06.1974

Caríssimo Luís Graça,
Remexendo em coisas antigas, que em casa guardo ciosamente, encontrei o "PROGRAMA" em anexo que, no mínimo, é uma raridade. Como ignoro onde encontrar o Valdemar Rocha [, poeta do grupo do caderno de poesias "Poilão"] mas estou seguro de que gostará de receber, agradeço lhe remeta o referido documento.
Antecipadamente grato.

Atentamente,
Augusto Mota




2. Resposta do editor em 4 de agosto último:

Caríssimo Augusto: Vamos ver se o Valdemar Rocha ("Nobre Luso") te reconhece... bem como o resto da malta do "Poilão" (Albano Matos, Luís Jales de Oliveiora...) (*)... Vamos ficar em contacto, estou de férias, com menos disponibilidade para o blogue... Ab, Luís Graça


3. Novo mail do Augusto Mota, de 23 de agosto

Caríssimo Luís Graça:

Já vai sendo tempo de corresponder à sua curiosidade:

As minhas atividades na UDIB se resumiram ao sarau inerente aos JOGOS FLORAIS.

Na época era proprietário de uma livraria, representante da Santa Casa da Misericórdia (totobola), abastecia a província de jornais e revistas e era representante/correspondente do EXPRESSO, outros jornais e revistas.

Fui para a Guiné como militar, no período de 63/66, compondo o primeiro GRUPO DE MATERIAL E SEGURANÇA CRIPTO.

Regressei ao continente e voltei para a Guiné como gerente comercial (Casa Campião) [, fundada em Lisboa em 1840 por Pedro José Pereira Campião, sendo hoje a casa de lotarias mais antiga do mundo, como tal registada no Guiness Book of World Records.]

Presentemente encontro-me no Brasil (há mais de 40 anos), como funcionário público. Estou aposentado.

Tenho centenas de fotos e estou anexando algumas.

Aplausos para o blog. É bom para que a turma recorde os caminhos traçados... para mim não, que já não tenho memória.

Um abraço para todos vocês.
Augusto Mota

PS: Em "marmita" [. foto nº 3,] sou o segundo da direita para a esquerda; no futebol [, foto nº 2,] , estou na fila dos abaixados. Sou o quinto da esquerda para a direita.


4. Comentário do editor:

Augusto, temos poucos veteranos como tu, da época de 1963/65... Mas, pegando nas tuas palavras, mal de nós quando deixarmos de ter memória...

Pois muito bem, procurando interpretar a tua vontade, passas a honrar-nos com a tua presença na Tabanca Grande... Contigo passamos a ser 726 membros da Tabanca Grande, entre vivos e mortos. Somos uma espécie em vias de extinção. Espero que o Valdemar Rocha ("Nobre Luso") nos dê notícias em breve e aceite o nosso convite para se juntar a ti e a nós, neste espaço dos camaradas e amigos da Guiné,

Da CCAV 488, onde tinhas um amigo, fez parte o nosso camarada, grã-tabanqueiro, natural de Águeda,  Armor Pires Mota  [ex-alf mil  CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65; escritor, autor dos livros, entre outros, o "Tarrafo", 1965 (com edição facsimilada, com as anotações do "lápis azul" dos censores, em 2013); "Guiné, Sol e Sangue, 1968; "Cabo Donato, Pastor de Raparigas", 1991; "Estranha Noiva de Guerra", 1995: e a "Cubana que dançava flamenco", 2008].(**)

Lembras-te dele? E de mais camaradas?

Se puderes manda uma foto atual da tua pessoa. E, claro, manda as fotos que quiseres do teu tempo de militar e civil na Guiné... Com boa resolução (c. 400/600 DPI)... Muita saúde e longa vida. que os camaradas da Guiné merecem tudo!
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de agosto 2016 > Guiné 63/74 - P16360: Memória dos lugares (341): UDIB, Bissau, II Jogos Florais, Programa, 28 de junho de 1974 (Augusto Mota)

(**) Sobre as CCVAV 488 (Bissau e Jumbembem, 1963/65), vd. os seguintes postes de Armor Pires Mota:

25 de novembro  2013 > Guiné 63/74 - P12341: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (1): Diário de bordo - A primeira grande desilusão

27 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12351: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (2): Diário de bordo - Ó mar salgado!

29 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12360: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (3): Diário de bordo - Manhã azul e Deus ao leme

2 de dezembro  de 2013 > Guiné 63/74 - P12378: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (4): Cinco dias no Niassa; A primeira grande experiência e Dois alferes de uma só vez

4 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12386: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (5): Ilha do Como - Operação Tridente

6 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12397: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (6): O casamento do Jaime e da Manuela, A macaca ciumenta e O dia de santo avião

9 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12419: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (7): Os macacos vermelhos

11 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12432: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (8): Aerogramas para a Lili (1)

13 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12444: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (9): Aerogramas para a Lili (2)

16 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12458: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (10): Crónicas (ausentes) de "Tarrafo" (1): Bandeira branca, O Vicente e Palhota sem luz