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Pasta: 07065.084.016 > Título: Requisição de material de ensino > Assunto: Requisição de material de ensino, assinada por Areolino Cruz, para a zona Sul > Data: Quarta, 22 de Julho de 1964
Citação:
(1964), "Requisição de material de ensino", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40014 (2020-5-22)
1. Troca de comentários ao poste P20994 (*);
(i) Cherno Baldé:
Estas cartas mostram, se dúvidas existissem, quão difícil foi iniciar a luta na zona Leste, pois eles (os guerrilheiros) estavam mais aterrorizados do que as populações civis a quem deviam aterrorizer e meter medo: tinham que passar todo o tempo escondidos no mato, porque se fossem detectados pela população eram presos e apresentados as autoridades coloniais.
As cartas sobre o ataque a Pirada e sabotagens [pontes, linhas telefónicas,,,], provavelmente, nada seriam do que um "bluff", para mostrar, à direcçao superior do partido, alguma acção no terreno, porque na verdade tinham imensas dificuldades de movimentaçao e abastecimentos e não podiam contar com o apoio da população local.
Esta situação de desespero criou no partido o sentimento anti-fula que resultou depois no genocídio dos líderes desta etnia no pós-independência.
O Areolino Cruz é hoje considerado herói nacional [, tem nome de rua em Bissau e nome de liceu regional/escola secundária em Catió].
Desse grupo de guerrilheiros, penso que só Chico Té [ , Francisco Mendes,] assistiu à independência em 1974.
O Areolino Cruz foi professor numa escola da região de Cubucaré (no Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964, dia festejado na Guiné Bissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte.
Quanto ao Yaya Koté, a grafia do seu nome indica que é natural ou naturalizado no Senegal, podendo ser descendente de pais de origem Guineense, pois a grafia portuguesa na Guiné portuguesa seria Iaia Coté, portanto diferente. Seria daqueles aventureiros que se juntaram ao movimento, contando com a rápida independência do território, mas que depois se afastaram em virtude das dificuldades encontradas no terreno...Fazia de elo de ligação com os elementos de Dakar, facto que confirma a sua facilidade de movimentos no Senegal.
Quanto ao tal Demba... Não se trata do mesmo Demba, criado do [comerciante de Pirada,] Mário Soares, este ninguém o tirava da mesa do M. Soares, muito menos para ir morrer de fome no mato. Se calhar morreu depois da partida do patrão em 1974/75.
O Demba mencionado na carta, fazia parte do grupo dos poucos fulas que, no início, o PAIGC conseguira mobilizar para a guerrilha no Senegal, mas que, de seguida, abandonariam o barco devido às dificuldades e à feroz perseguição de que foram alvo no Chão fula.
(ii) Luís Graça:
Estes documentos de 1963 são bem elucidativos das tremendas dificuldades por que passou a guerrilha do PAIGC no chão fula, em especial no Gabu... Pirada (e não só) era um sítio hostil...Já em Bambadinca e Xime havia importantes núcleos balantas... como Nhabijões, Samba Silate, Poindom...
(iii) Cherno Baldé:
Contrariamente ao que se possa pensar, em Bambadinca e Xime a semente da rebelião não estava na população Balanta (vítima do seu caracter rebelde e belicoso), mas sobretudo entre os ponteiros mestiços e assimilados (Guinéus e Caboverdianos) das familias dos Semedos e Pereiras que detinham grandes extensões de terras agrícolas e que utilizavam os Balantas como mão de obra nas suas pontas (as tais pontas do Inglês, entre outras).
No inicio as autoridades militares não conseguindo fazer uma leitura correcta da situação, perseguiram e massacraram muitos inocentes apanhados no meio e assim conseguiram empurrá-los para o lado da guerrilha.
(iv) Jorge Araújo:
Caro Cherno Baldé: Antes de mais, os meus agradecimentos pelas informações complementares ao meu texto acima. São sempre achegas oportunas e relevantes, que ajudam à compreensão do(s) contexto(s)
[...) Quanto ao assunto relacionado com a morte do Areolino Cruz (e não Aerolindo):
Referes que "foi professor numa escola da região de Cubucaré (Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964 [último dia do I Congresso do PAIGC], dia festejado na Guiné-Bissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte”.
Porém, em consulta aos meus apontamentos, verifico que em 17 de Junho de 1964, ou seja, quatro meses depois, Amílcar Cabral manda-o apresentar ao Nino Vieira, com uma guia de marcha, onde consta:
“Vai o camarada Areolino Cruz apresentar-se ao camarada João Bernardino Vieira (Nino) na zona 11, para ser integrado nos serviços de instrução (ensino) no chão dos Nalus.
"O camarada Areolino Cruz, que era estudante e tomou parte activa no complô contra o Partido, está sujeito a uma sanção suspensa de expulsão do Partido. Por isso, não tem quaisquer direitos de membro do Partido e deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis. Deve ser enviado um relatório mensal sobre a sua conduta, ao Secretário-Geral.”
Fonte: Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40246
Será que se trata da mesma pessoa?
(v) Luís Graça:
Mito ou não, o Areolino Cruz é descrito, na “hagiografia” do PAIGC, como um professor que perdeu a vida ao tentar salvar os seus alunos durante o bombardeamento de Cubucaré, no dia 17 de Fevereiro de 1964...
É um dos heróis nacionais, "combatente da liberdade da Pátria"... E os guineenses, como todos os povos, "precisam de heróis". de exemplos inspiradores... Tem nome de ruas, de estabelecimemtos de ensino, etc.
Mas o que passou realmente com este Areolino ?
Também já tinha dado conta, no Arquivo Amílcar Cabral, do "anacronismo" apontado pelo Jorge Araújo... Ele morre, estranhamente, no último dia do Congresso de Cassacá, no Cubucaré, em 17/2/1964... E em 17 de junho do mesmo ano, Amílcar Cabral manda-o, de castigo, com "guia de marcha", para o sul, para ser "reeducado" pelo 'Nino' Vieira ? Afinal, onde é que ele estava ?
Pode ser um erro de dactilografia, um erro no ano... Mas podia ser 17/6/1963 ? Nessa altura está em Pirada e é co-autor da carta de 10 de julho de 1963, transcrita pelo Jorge Araújo...
Já agora, de que chão seria o Areolino Cruz ? Manjaco ?
No portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, encontrámos o seguinte documento, da época colonial (1933), que faz parte hoje do arquivo do INEP / Bissau, e que fala de um "arrolador" (recenseador) de nome Areolino Cruz, talvez um antepassado do homónino, combatente do PAIGC... Pai ? Avô ? Bisavô ?.
Instituição:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau
Pasta: 10426.215
Assunto: Solicita envio dos elementos do arrolador Areolino Cruz.
Remetente: António Pereira Cardoso, 1.º oficial, Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas
Destinatário: Administrador da Circunscrição Civil de Canchungo
Data: Sexta, 3 de Novembro de 1933
Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas
Tipo Documental: Correspondencia
Cota Original: C1.6/13.215
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10426.215
(vi) Cherno Baldé:
Caro Jorge Araujo,
Pode haver algum problema com a data oficial da sua morte em Cubucaré, que não sei explicar, é bem provavel que tenha sido um ano depois, em 1965.
De notar que, alguns meses depois da sua passagem por Pirada e arredores, documentada pelas cartas publicadas neste Poste (*), o Areolino (Lopes) da Cruz seria enviado à URSS para continuar seus estudos e em finais de 1963 (Setembro e Outubro) ele escreve aos irmãos Cabral (Luís e Amílcar) da cidade de Leninegrado onde estava a frequentar a Faculdade preparatória da lígua Russa. Todavia, sabe-se que depois houve problemas no seio dos estudantes sobre questões políticas, nomeadamente sobre a difícil questão da luta no interior e sobre a unidade Guiné/Cabo-Verde. (Fonet: Arquivo da Casa Comum)
Tudo leva a pensar que se trata do mesmo individuo que, infelizmente, terão mandado regressar e transferido para uma escola do Sul, na zona 11, como referiste na nota, para ser cuidadosamente observado, tipico dos métodos estalinistas usados pelo PAIGC durante e apás a luta.
(vii) Jorge Araújo:
Caro Cherno Baldé,
Obrigado pelas notas supra. Algumas delas já estavam incluídas nos meus apontamentos, pois fazem parte do espólio documental do Arquivo de Amílcar Cabral, disponível na Casa Comum, onde a sua consulta é pública.
Perante a ausência de informações concretas, sobre as questões em aberto, significa que este dossiê não ficará fechado, aguardando por novos/outros desenvolvimentos. Até breve.
(viii) Luís Graça;
No livro de Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita" (Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp) (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11), há uma informação detalhada sobre "guerrilheiros caídos no campo da honra" (Parte V). São duas dezenas, entre eles o Areolino Cruz.
Diz Bobo Keita, na pág. 242:
(...)"pertencia a uma família bem conhecida em Bissau. Indivíduo bastante instruído, foi para a luta e o seu desejo foi sempre o de trabalhar no domínio da educação. Era responsável pelo setor de educação no Sul (...). Ocupava-se do enquadramento e da educação dos jovens na escola primária. Morreu durante um ataque inimigo apoiado pela aviação. Foi violento".
Não diz o o local e a data da sua morte. (**)
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de 20 de maio de 2020 >
Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)