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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20151: Controvérsias (139): o atentado terrorista de 1/11/1965, em Farim e a versão da PIDE sobre o "dinheiro sujo"... os alegados 14 contos a pagar pelo crime eram, na época, uma pequena fortuna, era quanto o Júlio Pereira, gerente da sucursal da Ultramarina, pagaria a um camponês de Farim por 14 toneladas de mancarra (!)



Não chegaram a ser pagas as 140 notas de 100 pesos que alegadamente o Júlio [Lopes] Pereira, gerente da sucursal da casa Ultramarina, terá prometido ao renegado milícia Issufo Mané para cometer o hediondo crime de 1 de novembro de 1965... E se tudo não passou de uma falsa confissão, arrancada pela PIDE sob tortura ?  14 contos, na época, na Guiné, era uma pequena fortuna, o equivalente á produção de mancarra... num campo de 23 hectares, 46 campos de futebol...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)






Citação:

(1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35160 (2019-9-12)
Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Assunto: Dificuldades na fronteira Norte (Senegal) apresentadas pelo Responsável Lourenço Gomes.
Remetente: Lourenço Gomes
Destinatário: Luís Cabral
Data: Quarta, 3 de Março de 1965
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia

(Reproduzido com a devida vénia...)


1. Voltamos a publicar esta carta, datilografada, a duas páginas,  com data de 3 de março de 1965, dirigida por Lourenço Gomes, representante do PAIGC, em Samine, Casamansa, Senegal, ao Luís Cabral, da Direção do Partido, em Conacri (*)... 

Através dela, podemos ficar com uma ideia, bastante clara, das grandes dificuldades, nomeadamente financeiras,  por que passavam os responsáveis e os militantes do PAIGC a viver no Senegal... 

Lourenço Gomes é o responsável de "toda a fronteira norte", dede 1964, está sozinho, cansado, esgotado, sem meios para resolver todos os problemas que lhe surgem: não tem dinheiro para pagar os "fiados" na farmácia local, não tem medicamentos nem material médico-cirúrgico para socorrer os feridos que vêm da frente Norte, não tem dinheiro para meter gasolina no carro e levar 10 camaradas até Dacar, de acordo com instruções recebidas superiormente.... 

Lourenço Gomes admite mesmo a hipótese de, inclusive, pedir a substituição no cargo por  se sentir impotente para continuar a desempenhar a sua missão, que, no fundo, é a do "bombeiro" que é chamado para apagar todos os fogos... Compara a sua situação, desesperante, com a da fronteira sul, onde há pelo menos 3 responsáveis de zona: em Koundara, em Gaoual, em Boké...

Enfim, a carta é mais um dos seus  "desabafos",  dirigido à pessoa do Luís Cabral, mas ao mesmo tempo é uma crítica velada ao Aristides Pereira e à sua incapacidade para compreender e minimizar as dificuldades por que ele, Lourenço Gomes, estava a passar. O dinheiro, desde dezembro de 1964, chegava tarde e a conta gotas à delegação do PAIGC em Samine...

Face ao teor desta carta,  o mínimo que se pode dizer é que o PAIGC, na época, no 1º trimestre de 1965, dois anos após o início  da  "luta armada", tinha grandes "dificuldades de tesouraria" (, para além de graves problemas de logística na área da assistência médico-hospitalar)... 

Diríamos mesmo, em linguagem de caserna, que não tinha dinheiro para cantar um cego (ou, por outras palavras, e com mais propriedade, para mandar cantar um "didjiu").

2. Pode por isso pôr-se em causa alguns detalhes (importantes) da versão que a PIDE de Farim mandou para Lisboa, através de mensagem rádio (e de que existe cópia no Arquivo Oliveira Salazar, 1908-1974 - Arquivo Nacional Torre do Tombo) (**), a propósito do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965:

(...) "No dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, [foi] lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

"Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC (AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642)."
[Citado por Dalila Cabrita Mateus] (**)


A versão que consta da história do BART 733,(***)  é ligeiramente diferente no que toca, nomeadamente, à proveniência do "dinheiro sujo":

(...)" O engenho foi fabricado com o fim de ser lançado num batuque ou ajuntamento festivo por um nativo que prestava serviço na Companhia de Milícias [nº 5] [, o soldado Issufe Mané], e que se prontificou a fazer tal trabalho a troco de 14.000$00.

"Foram apreendidos pela PIDE 18500$00, destinados ao PAIGC, donde sairiam os 14000$00 para o autor do lançamento que não [os] chegou a receber porque após o incidente [sic] foram as prisões dos indivíduos suspeitos." (...)


2. Quatorze contos é  equivalente hoje, de acordc com o conversor da Pordata,  a 5.485,20 € (ou tratando-se de escudos da Guiné, 4936,68 €, dada a diferença cambial real de 10%, na época,  entre o escudo da metrópole e o "peso" local)...

Donde terão vindo, então, os tais 14 contos (!) que alegadamente o Júlio Pereira teria recebido, diretamente de Conacri, para subornar o soldado milícia da Companhia de Milícia nº 5, o Issufe Mané ? Dos cofres do PAIGC ou, eventualmente, de coleta feita entre os militantes e simpatizantes do PAIGC de Farim ou até do próprio bolso do "autor moral do atentado" ?...


Em qualquer dos casos, temos de reconhecer que 14 contos era, na época (1965), uma pequena fortuna...Será que o agente da PIDE de Farim tinha a noção do ridículo ? Será que o homem conhecia a realidade da economia local, os preços do mercado, e todas essas coisas elementares que qualquer "agente das secretas" tem a obrigação de conhecer ?

Em 1965, 14 contos era quanto o Júlio Pereira, gerente da sucursal da Sociedade Comercial Ultramarina, do BNU, pagaria a um camponês de Farim por 14 toneladas (!) de mancarra, ou sejam, 14 mil quilos, 140 sacos de 100 quilos, a 1 escudo, 1 peso, por quilo! (***)

Em 1965, a Guiné exportou 15,2 mil toneladas de mancarra, a 4,23 contos por tonelada (contra 40,0 mil em 1961, a 3,17 contos por tonelada)... o que dá uma ideia da margem de lucro dos intermediários (comerciantes locais, casas comerciais, exportadores), a par do dramático decréscimo da produção e da produtividade na primeira metade da década de 1960, na sequência do início e agravamento da guerra...

Em meados da década de 1960, a área cultivada pelos produtores de mancarra atingia os 100 mil hectares, ou seja, um 1/4 do total da área cultivada da província, comprometendo a segurança alimentar da população!... A produtividade, em contrapartida,  era muito baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais)(****) 


O camponês de Farim para ganhar 14 contos, de rendimento bruto, precisava de cultivar mais de 23 hectares de mancarra!... O milícia Issufe Mané, se tivesse chegado a receber os "trinta dinheiros" da sua safadeza, ou sejam, os 14 contos, teria ficado rico!... 

14 contos era o valor que um soldado meu, da CCAÇ 12, recebia,  em dois anos de guerra, entre meados de 1969 e meados de 1971, no meu tempo: um soldado de 2ª classe, do recrutamento local, ganhava, de pré, 600 escudos (pesos), por mês... 

Independentemente do apuramento da verdade sobre os factos ocorridos nesse trágico dia 1 de novembro de 1965, e sobre a autoria moral, política e material do atentado, a "narrativa" da PIDE e do comando do BART 733 continua a merecer-nos todas as reservas (*****)... 

Oxalá, Inshallah, Enxalé!... que apareçam outros testemunhos, credíveis, sobre o que o se passou nesses dias de terror e contraterror em Farim,  bem como sobre o antes e o depois...Sabemos que houve mais prisões na Região nesse mês de novembro de 1965, não só em Farim, como em Bigene e Cuntima (aqui, o comerciante César de Ramos Fonseca, por exemplo, foi detido e entregue, em Farim, pela CART 732) ... Estes acontecimentos (, incluindo as prisões em massa,) marcaram indelevelmente a história da vila de Farim e das suas gentes...  (LG)

PS - Pela exploração do Arquivo Amílcar Cabral (ou do que resta dele), disponível "on line", no portal Casa Comum, desenvolvido em bora hora pela Fundação Mário Soares, não há "indícios" que apontem para a filiação, como militante do PAIGC, do Júlio Lopes Pereira, genro de um dos maiores "colonos" da Guiné, o Benjamim Correia... Nem do Nelson Lima Miranda, antigo utente da Casa dos Estudantes do Império...  Eles pertenciam à "pequena burguesia" do território da Guiné, na sua maioria com aspirações e simpatias "nacionalistas", ligados ao comércio e às principais casas comerciais... donde, de resto, vieram alguns dos dirigentes, mais políticos do que operacionais, do PAIGC: Luís Cabral, Aristides Pereira, Elisée Turpin... Muitos destes homens (e mulheres) não eram militantes do PAIGC, eram considerados "reviralistas e comunizantes"...
_____________


Notas do editor:

(*) Vd. poste 
de 23 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19224: (D)o outro lado do combate (38): Carta de Lourenço Gomes, datada de Samine, 3 de março de 1965, dirigida a Luís Cabral, expondo a dramática situação da farmácia do PAIGC (Jorge Araújo)

Vd. também poste de 25 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19232: PAIGC - Quem foi quem (11): Lourenço Gomes, era uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis ... A seguir à independência era um homem temido, ligado ao aparelho de segurança do Estado (Cherno Baldé, Bissau)

(**) Vd. poste de 18 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14): o testemunho de Pedro Pinto Pereira. "Memórias do Colonialismo e da Guerra", de Dalila Cabrita Mateus (Virgínio Briote)

(***) Vd. poste de 10 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...

(****) 31 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (64): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100 kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

(*****) Último poste da série > 15 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20149: Controvérsias (138): Ainda o atentado terrorista de 1 de Novembro 1965, em Morcunda ou Morocunda, Farim: "pessoal bandido não gostava de fulas e mandingas", era o que se ouvia dizer na época... Vi a "cara amassada" do Júiio Pereira... Infelizmente queimaram-me, em Bissau, o rolo de fotografias que tirei, onde estavam os suspeitos, detidos num campo vedado a arame farpado (António Bastos, testemunha dos acontecimentos)

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19950: Agenda cultural (692): O professor Eduardo Costa Dias apresenta o livro "Os cronistas do canal do Geba - O BNU da Guiné", de Mário Beja Santos, dia 10 de Julho de 2019, 4ª feira, às 15h00, no Palácio Conde de Penafiel, sede da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Rua S. Mamede ao Caldas, 21 - Lisboa






Eduardo Costa Dias, Guiné-Bissau, ,
 Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008)
 6 de Março. Foto de LG.
1. Mensagem do professor Eduardo Costa Dias, membro da nossa Tabanca Grande desde julho de 2010, tem 20 referências no nosso blogue (*) [, foto à esquerda]


[Doutor em Antropologia Social, Professor jubilado do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Investigador do CEI-IUL, Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa; tem desenvolvido trabalhos sobre Epistemologia das ciências sociais, Desigualdades sociais e identidades sociais e, no contexto africano, sobre a Questão fundiária, o Estado, as Relações entre os dignitários muçulmanos e o Estado, a Transmissão de saberes nas sociedades muçulmanas africanas, a natureza das Forças Armadas em África e a “Geopolítica” dos tráficos e rebeliões na região do Saara - Sahel e do Noroeste africano.]


Sent: Thursday, June 20, 2019 2:02:12 PM
Subject: Lançamento de "Os cronistas desconhecidos do canal do Geba: o BNU da Guiné"

No próximo dia 10 de Julho, às 15 horas, na sede da CPLP, Rua de São Mamede ao Caldas, nº 21,
o Professor Eduardo Costa Dias apresenta mais uma importante obra do historiador Mário Beja Santos sobre a Guiné-Bissau, desta vez sobre o acervo do Arquivo Histórico do BNU:


Os cronistas desconhecidos do canal do Geba: o BNU da Guiné

"Que documentação está ao alcance do investigador da História da Guiné no século XX, ainda no período colonial?

Há o acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino, também as bibliotecas especializadas como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, relatórios de governadores, um acervo de publicações com destaque para os boletins da Escola Superior Colonial ou as revistas da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar) e sobretudo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Os livros são escassos, depois da independência há uma outra torrente de investigação e não se pode descurar a literatura da guerra, os investigadores guineenses são igualmente indispensáveis.

Mas jazia no então Arquivo Histórico do BNU uma tonelada de papel que se revela completamente distinta da literatura oficial, glorificadora e apologética: os relatórios dos gerentes do BNU em Bolama e Bissau desmontam traquibérnias, denunciam imoralidades, corrupção, a mais aparatosa bandalhice. Estes gerentes, sempre à espreita, legaram uma documentação espantosa, que se revela indispensável para o estudo da colónia da Guiné desde a I República até à independência.

O estudioso vai-se envolver num universo de intrigas, mão-baixa, falências calamitosas, informações detalhadas sobre a economia agrícola, sobre o início da insurreição que conduziu a mais de uma década de luta armada… momentos há em que estes relatos atingem o nível do burlesco, da ópera bufa, e em simultâneo eram enviados para Lisboa dados preciosos sobre a sociedade, a mentalidade colonial, os negócios da mancarra operados pela CUF e pela Sociedade Comercial Ultramarina. Mal sabiam estes cronistas desconhecidos que estavam a processar História (e que histórias!)." (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de julho de  2010 > Guiné 63/74 - P6758: Tabanca Grande (231): Eduardo Costa Dias, antropólogo, CEA / ISCTE / IUL

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19926: Agenda cultural (691): Convite para a sessão de lançamento do livro "Os cronistas do canal do Geba - O BNU da Guiné", de Mário Beja Santos, dia 10 de Julho de 2019, às 15,00 horas, no Palácio Conde de Penafiel, Sede da CPLP, Rua S. Mamede ao Caldas, 21 - Lisboa



A mais insólita, truculenta informação bancária: 
segredos do BNU na Guiné

Que documentação está ao alcance do investigador da História da Guiné no século XX, ainda no período colonial? Há o acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino, também as bibliotecas especializadas como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, relatórios de governadores, um acervo de publicações com destaque para os boletins da Escola Superior Colonial ou as revistas da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar) e sobretudo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Os livros são escassos, depois da independência há uma outra torrente de investigação e não se pode descurar a literatura da guerra, os investigadores guineenses são igualmente indispensáveis.

Mas jazia no então Arquivo Histórico do BNU uma tonelada de papel que se revela completamente distinta da literatura oficial, glorificadora e apologética: os relatórios dos gerentes do BNU em Bolama e Bissau desmontam traquibérnias, denunciam imoralidades, corrupção, a mais aparatosa bandalhice. Estes gerentes, sempre à espreita, legaram uma documentação espantosa, que se revela indispensável para o estudo da colónia da Guiné desde a I República até à independência.

O estudioso vai-se envolver num universo de intrigas, mão-baixa, falências calamitosas, informações detalhadas sobre a economia agrícola, sobre o início da insurreição que conduziu a mais de uma década de luta armada… momentos há em que estes relatos atingem o nível do burlesco, da ópera bufa, e em simultâneo eram enviados para Lisboa dados preciosos sobre a sociedade, a mentalidade colonial, os negócios da mancarra operados pela CUF e pela Sociedade Comercial Ultramarina. Mal sabiam estes cronistas desconhecidos que estavam a processar História (e que histórias!).

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O Autor:

Mário Beja Santos
Licenciado em História, foi alferes miliciano de infantaria na Guiné, de 1968 a 1970. 
Toda a sua vida profissional, entre 1974 e 2012, esteve orientada para a política dos consumidores, sendo autor de mais de três dezenas de títulos relacionados com esta temática.
Foi professor do ensino superior; colaborou durante mais de duas décadas em emissões radiofónicas ligadas à defesa do consumidor, foi autor e apresentador de programas televisivos e teve uma participação ativa no consumerismo europeu.
Colabora em blogues, revistas digitais, na imprensa diária e regional.
Alguns dos seus últimos livros foram dedicados à Guiné: "Diário da Guiné – Na Terra dos Soncó", "Diário da Guiné – O Tigre Vadio", "Mulher Grande", "A Viagem do Tangomau", "Adeus, até ao meu regresso", um levantamento da literatura sobre e de combatentes na Guiné, e, posteriormente, foi co-autor da obra "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", "História(s) da Guiné Portuguesa e História(s) da Guiné-Bissau".
Presentemente ultima um livro de investigação – "Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné".
Ao nível da sua participação cívica e associativa, Beja Santos mantém-se ligado à problemática dos direitos dos doentes e da literacia em saúde, domínio onde já escreveu algumas obras orientadas para o diálogo dos utentes de saúde com os respetivos profissionais, a saber "Quem mexeu no meu comprimido?", 2009, "Tens bom remédio", 2013, e "Doente mas Previdente", 2017.

(Com a devida vénia a Ponte de Lima Cultural
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19913: Agenda cultural (690): Rescaldo da Sessão de autógrafos de José Ferreira da Silva, na 89.ª Feira do Livro de Lisboa, onde esteve com o seu livro "Memórias Boas da Minha Guerra", vol III

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19670: Notas de leitura (1167): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (80) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Dá-se a feliz circunstância de ter acabado a leitura do trabalho de Silva Cunha (durante muitos anos Ministro do Ultramar e o último Ministro da Defesa de Marcelo Caetano), trata-se da missão de estudos aos movimentos associativos em África, neste caso a Guiné, 1958. Em dado passo, o então professor de assuntos ultramarinos dirá que na Guiné o setor da economia capitalista era muito restrito e limitava-se quase exclusivamente à atividade comercial. Era raro o europeu que se dedicava à agricultura por conta própria e os que o tinham ensaiado quase sempre tinham fracassado.
Esta documentação do BNU certifica todos estes fracassos, e de muitos deles até se encontra a explicação. A maior alegria que me deu ter feito este levantamento documental foi descobrir a sua importância, estão aqui chaves explicativas para o que era o mercado colonial da Guiné no século XX, como funcionava a economia e a importância crucial da agricultura. Há olhares implacáveis sobre os políticos e o funcionamento da administração, há relatórios preciosos sobre o período que antecede e acompanha os primeiros anos da luta armada, impossível imaginar que estes gerentes em Bolama ou em Bissau pudessem ensaiar assassinatos de caráter, tão drásticas seriam as consequências. E não menor é a alegria de pôr na praça pública todo este vastíssimo silêncio das caixas conservadas no Arquivo Histórico do BNU.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (80)

Beja Santos

Chegámos ao último ato da existência do BNU da Guiné, o documento que abaixo se transcreve sela o seu destino, os seus ativos e passivos, estabelece responsabilidades entre as partes contratantes, os trabalhadores, conforme consta num extenso anexo que aqui não tem sentido publicar, verão os seus direitos assegurados, poderão optar entre Portugal e a Guiné-Bissau. A partir deste momento, fecha-se o livro, abre-se um caminho para a História, todo o processo iniciado em 1902 (e cuja investigação cronologicamente sequenciada não se pode fazer por declarada falta de elementos, até se pode admitir que o acervo esteja incorporado na documentação da Casa Gouveia), escreve as suas últimas linhas neste acordo de tramitação de património.

Ficou tudo dito e esclarecido? Seguramente que não, desapareceram peças elementares, e mesmo que todo o levantamento documental existisse, a história de um Banco, mesmo sendo uma pedra angular para qualquer investigação sobre o funcionamento de uma praça colonial, é uma nesga de luz sobre qualquer parcela colonial. E no entanto, digo-o sem qualquer hesitação, doravante qualquer investigação aprofundada sobre o mercado guineense, a sua agricultura, o seu comércio, as suas contas com a Metrópole, o perfil dos empresários, o olhar experimentado de conhecedores, caso das notas incontornáveis de Castro Fernandes, em 1957, não pode prescindir de uma submersão nesta tonelada de papel, que aguardava avidamente o seu arejamento, a sua entrada no espaço público.

Ao despedir-me do Arquivo Histórico do BNU, jamais poderei esquecer o fruto do acaso que aqui me trouxe, a este lugar de Sapadores, um espaço enorme que até poderia ter como destino uma garagem ou uma serralharia, e o desvelo recebido de competentes funcionários, a quem publicamente agradeço o acolhimento e a disponibilidade de porem toda a documentação para minha consulta: Filomena Rosa, Nuno Fernandes Carlos e Rui Lopes Costa, oxalá que em breve àquele espaço acorram mestrandos e doutorandos de várias nações. 
E nada mais por hora, a aventura mal começou…


FIM

Ilha de Uno, Bijagós. Vista sobre terreiro. Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.

Imagem extraída de “Guiné Portuguesa”, por Carvalho Viegas, 1936.

Imagem extraída do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1948.
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Notas do editor

Poste anterior de 29 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19630: Notas de leitura (1164): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19659: Notas de leitura (1166): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19630: Notas de leitura (1164): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Assim se chegou ao termo da documentação encontrada nos livros de atas da Administração do BNU no que se refere à transição do património da filial de Bissau para o Banco Nacional da Guiné-Bissau.
Não é de mais insistir que este levantamento só foi possível pelo competente patrocínio dos técnicos do Arquivo Histórico do BNU que me puseram à disposição não só os relatórios existentes, a inúmera documentação avulsa e depois estes livros de atas, indispensáveis para acompanhar o processo de transição, após a independência.
No próximo e último texto facultaremos ao leitor os documentos oficiais, subscritos pelas duas partes sobre a incorporação da filial do BNU no Banco Nacional da Guiné-Bissau. Daí a escolha de algumas imagens do Arquivo Histórico do BNU, só possíveis de publicar graças à solicitude destes competentes técnicos.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79)

Beja Santos

Actas do Conselho de Gestão do BNU, Livro I

Reunião n.º 11, 1 de Março de 1976

Guiné-Bissau – Transferência do departamento do BNU

O Sr. Dr. Alberto Oliveira Pinto referiu que convocara esta reunião expressamente para tratar do problema da cessação da actividade do BNU na República da Guiné-Bissau, decretada pelo respectivo Governo, como aliás devia ser do conhecimento de todos os colegas, face à ampla divulgação dada ao assunto pelos órgãos de comunicação social. A posição assumida pelo Governo da Guiné-Bissau não surpreende completamente, pois previa-se que algo de semelhante pudesse acontecer, face ao impasse a que se havia chegado e que se manteve nas conversações com a Delegação Portuguesa que recentemente regressou da Guiné.

Seguidamente, o Sr. Dr. Oliveira Pinto transmitiu ao Conselho que, na sexta-feira passada, o Governador do Banco de Portugal lhe telefonara dando indicações no sentido do BNU tomar certas medidas de prevenção com vista a evitar qualquer movimento anormal quanto às disponibilidades da Filial de Bissau junto do Banco de Portugal ou de qualquer correspondente estrangeiro, pois receava-se que se processasse algo no fim de semana, o que veio, de facto, a acontecer.

Entretanto, foi anunciada a cessação da actividade do BNU naquele país e hoje mesmo foi recebida com a data de 28 de Fevereiro último uma carta do Governador do Banco Nacional da Guiné-Bissau acompanhada de fotocópias dos originais da Decisão n.º 1, de 28 de Fevereiro, do Conselho de Estado, e do Decreto n.º 6/66, também de 28 do mesmo mês, do Conselho de Comissários de Estado da República da Guiné-Bissau contendo as medidas que unilateralmente fora resolvido tomar.

Informou ainda o Sr. Dr. Oliveira Pinto que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro o convocara, hoje, para uma reunião às 12 horas no Ministério da Cooperação. A essa reunião, além do Sr. Ministro da Cooperação, assistiram os Srs. Secretários de Estado do Tesouro, das Finanças e da Cooperação e o Administrador do Banco de Portugal Dr. Walter Marques, tendo sido debatido o assunto e resolvido, face à citada decisão unilateral, fazer sair um comunicado, o qual deverá ser ainda hoje presente ao Sr. Primeiro-Ministro, no qual o Governo Português, além de rejeitar aquela posição, informará ter dado instruções para a imobilização das disponibilidades da Guiné-Bissau, além de outras medidas, até serem negociadas bilateralmente as condições de transferência do Departamento do Banco.

O Conselho, após troca de impressões, resolveu que fosse enviado um telex aos correspondentes do Banco, no estrangeiro, cancelando as assinaturas e “chaves” telegráficas da Filial do BNU na Guiné-Bissau, e instruídas as Dependências do Continente e Ilhas para não executarem as ordens provenientes daquele país sem instruções prévias da Sede, e para remeterem com urgência uma relação discriminada das operações em curso sobre a Guiné-Bissau.

Seguidamente, e de acordo com a orientação definida no Ministério da Cooperação, foi deliberado enviar ao Governador do Banco Nacional da Guiné-Bissau o seguinte telegrama:
“Relativamente à carta de V. Ex.ª. de 28 de Fevereiro, hoje recebida, informo que o assunto foi presente ao Governo Português que sobre o mesmo tratará directamente com o Governo da República da Guiné-Bissau.”

Por último, o Conselho tomou conhecimento do telegrama da Filial do BNU em Bissau comunicando a cessação da sua actividade e a transferência para o Banco Nacional da Guiné-Bissau dos valores existentes nas caixas-fortes. No mesmo telegrama a Filial informa que parte do pessoal deseja continuar a servir o BNU e solicita decisão imediata do Conselho de Gestão.

Foi resolvido pedir os nomes dos empregados naquela situação para oportuna resolução.


Acta n.º 25, de 22 de Abril de 1976

Acerca do congelamento das contas na Filial de Bissau, foram dadas sugestões para procedimentos relativamente a diferentes operações em suspenso: ordens de pagamento e transferência no valor de mais de 1.700.000 contos a favor de residentes no estrangeiro, emanados da ex-Filial do BNU em Bissau, bem como vários créditos abertos nas caixas do BNU. Foi deliberado, entre outras questões, dar seguimento às ordens de pagamento e às transferências, reclamando ao Banco Nacional da Guiné-Bissau a reposição das diferenças e autorização de crédito a beneficiários.


Acta n.º 29, de 11 de Maio de 1976

O Conselho apreciou os documentos de trabalho apresentados pelo Sr. Abílio Dengucho acerca de eventuais negociações do Governo sobre a transferência do Departamento do BNU na Guiné-Bissau. A este respeito, o Conselho manifestou mais uma vez a opinião de que a transferência dos valores activos e passivos do citado Departamento não deverá implicar quaisquer ónus ou encargos para o Banco.


Acta n.º 33, de 25 de Maio de 1976

Foi comunicado pelo Presidente ao Conselho que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro lhe dissera não dever haver impedimento na movimentação das contas de credores gerais, tituladas ao Governo da Guiné-Bissau (sobre este assunto ver a ata nº32 de 20 de maio de 1976). O Sr. Presidente deu nota do telegrama do Banco Nacional da Guiné-Bissau inquirindo por que o BNU não tem efectivado determinados pagamentos que lhe tinham sido ordenados na conta “credores gerais” em nome do Governo da Guiné-Bissau. Foi deliberado efectuar diligências junto do Sr. Secretário de Estado do Tesouro com vista a dar uma resposta que não prejudique as futuras relações do BNU com o Banco Nacional da Guiné-Bissau.

(Continua)

Homenagem em casa do Dr. Vieira Machado pelos Corpos Directivos do BNU, 1972.

Francisco Vieira Machado foi figura determinante do BNU mas foi igualmente um esteio da política colonial.
Imagem cedida pelo Arquivo Histórico do BNU, agradece-se a deferência.

Agência do BNU de Bissau e zonas circundantes, 1921.
Por amável deferência do Arquivo Histórico do BNU.

Moradia de funcionários do BNU, 1922
Por amável deferência do Arquivo Histórico do BNU.
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Notas do editor

Poste anterior de 22 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19610: Notas de leitura (1161): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19622: Notas de leitura (1163): O que "ultra" Dutra Faria (citado pela doutoranda e nossa grã-tabanqueira Sílvia Torres) pensava de Amílcar Cabral: um menino de coro (que "ia à missa, todos os domingos, em Bissau"), transviado em Lisboa pelo marxismo e por uma mulher, 'branquíssima'...

sexta-feira, 22 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19610: Notas de leitura (1161): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
No delineamento desta pesquisa, mandava o rigor que se procurasse apurar o que de mais relevante se passou no processo que se iniciou com a independência da Guiné-Bissau e a transferência do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Havia que proceder a uma leitura sistemática dos volumosos livros de atas da administração, não se podia hesitar, com paciência e meticulosidade, proceder-se a tal escrutínio. Deixou-se o registo devidamente datado na presunção de que se está a facilitar a vida a quem no futuro queira consultar toda esta documentação do último ato da vida da filial de Bissau.
Como se verá adiante, foi um processo com algumas tensões mas que decorreu de forma amistosa e onde o Dr. Victor Freire Monteiro, o primeiro governador do Banco da Guiné-Bissau, teve um desempenho fulcral.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78)

Beja Santos

Chegámos a uma fase do trabalho em que se impõe um esclarecimento sobre o derradeiro levantamento, em torno de um conjunto de livros de atas do Conselho de Administração do BNU. Pelo que se pode ler logo na primeira ata da reunião de 24 de setembro, está para breve a independência, em Lisboa, o BNU manifesta disponibilidade para tratar todo o processo da transição patrimonial, que tinha as suas delicadezas, logo as escolhas do pessoal, os ativos, as dívidas, a carga fiscal, e muito mais. Com a preciosa colaboração, como sempre, dos técnicos do Arquivo Histórico do BNU, consultaram-se estes livros volumosos e bem encadernados, pinçando tudo o que respeitava a Guiné, desde esta data de setembro de 1974 até à conclusão do processo da transferência patrimonial para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Fez-se o possível por reter o essencial das nuances de todo este processo. Está aqui, em esquisso, o derradeiro ato da presença do BNU em Bissau. Cumpre explicar que se procurou com alguma minúcia deixar as referências essenciais para facilitar posteriores consultas a eventuais investigadores.


Livro de Actas do Conselho de Administração do BNU 1973 – 1974

Reunião de 24 de Setembro de 1974

Guiné – Independência
Face à carta confidencial n.º 199, de ontem, e ao telegrama, de hoje, da Filial de Bissau, o Conselho resolveu que se respondesse que deve a Gerência dar às novas autoridades da Guiné a colaboração que for necessária, aguardando as decisões da Comissão Governamental Portuguesa que em breve ali se deslocará para apreciação dos problemas relacionados com o processo da descolonização.
Mais foi decidido que, entretanto, o Director dos Serviços para o Ultramar, Sr. Abílio Dengucho, se deslocará à Guiné para prestar o apoio julgado indispensável na situação presente, mormente quanto à transmissão do departamento do Banco para o novo Estado.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 14 de Novembro de 1974

Guiné – Descolonização
O Sr. Vice-Governador deu conhecimento ao Conselho de uma carta de 8 de Novembro dirigida pelo Encarregado da Filial de Bissau ao Director dos Serviços Sr. Abílio Dengucho, na qual relata que o Dr. Victor Freire Monteiro, indigitado Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau manifestara a intenção de ocupar uma moradia do Bairro do Banco, de utilizar a residência do gerente para nela instalar a Caixa de Crédito da Guiné e de mobilizar pessoal da Filial com vista ao estudo da transferência do Banco, pedindo instruções sobre o procedimento a adoptar.
O Conselho deliberou instruir o Encarregado da Filial no sentido de manter uma atitude passiva quanto à utilização referida do edifício do Banco, tanto mais que estão em causa edifícios, em parte deles, desocupados; continuar a fornecer às autoridades locais todos os elementos respeitantes à actividade do Banco na Guiné; enviar a Bissau uma equipa de 2/3 elementos para ajudarem no fecho do balanço.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Guiné – Descolonização
O Sr. Governador informou de que havia recebido um telegrama datado de 20 do corrente mês do Dr. Victor Freire Monteiro solicitando em nome do Conselho de Comissários de Estado da República da Guiné-Bissau autorização para, com vista à preparação de quadros aptos, três pessoas efectuarem um estágio no BNU em Lisboa, que lhes prestaria apoio e orientação.
Deu-se concordância à solicitação formulada.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 9 de Janeiro de 1975

Departamento do Banco na República da Guiné-Bissau:
Dando conhecimento ao Conselho da Informação da Direcção do Ultramar de 7 de Janeiro de 1975 sobre uma carta do Gerente da Filial do Banco em Bissau onde se focam os seguintes pontos:
1) A suposição de que o Governo da República da Guiné-Bissau pretende resolver o problema da transferência até ao fim do mês em curso;
2) O pedido feito à Filial pelo Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau de um mapa com as indemnizações a pagar a todo o pessoal;
3) O convite que lhe foi feito para trabalhar no futuro Banco Central, com lugar de Inspector-Geral sem quebra de vencimentos que actualmente aufere;
4) Não desejar tomar qualquer resolução acerca de tal convite sem saber qual a opinião do BNU, salientando que tem 26 anos de serviço efectivo;
5) Ter sido convocada para 30 de Dezembro de 1974 uma reunião de pessoal com a seguinte OT: discussão de alguns pontos do caderno reivindicativo; discussão da situação dos empregados do BNU face à transferência do BNU para novo Banco;
6) Que continua proibida no exterior a troca de notas da Guiné-Bissau;
7) Brevemente apresentará orçamento de obras a efectuar no edifício do Banco.


Livro de Actas da Administração do BNU de Janeiro a Maio de 1975

Reunião de 23 de Janeiro de 1975

O Sr. Governador deu conhecimento da carta do Dr. Victor Freire Monteiro, em nome do Conselho de Comissários da República da Guiné-Bissau agradecendo todo o apoio concedido aos seus colaboradores durante o estágio feito no BNU.
Haverá nova referência a este assunto na acta de 30 de Janeiro de 1975.
Na mesma reunião, com o título
Guiné – Propriedades do Banco
Dação de 28 prédios de Aly Souleiman & Cª.

Reunião de 4 de Fevereiro de 1975

Refere-se que a Companhia de Pesca e Conservas da Guiné não pagou a 1.ª prestação do empréstimo.
A República da Guiné-Bissau solicita um empréstimo de 50.000 contos, o Conselho pede esclarecimentos quanto às condições (prazo, juro, etc.).
O Dr. Victor Freire Monteiro considera fundamental consultar a documentação do BNU, o Conselho delibera que não há qualquer óbice.

Reunião de 27 de Fevereiro de 1975

Banco Nacional da Guiné-Bissau
O Dr. Victor Freire Monteiro, Governador do Banco, com vista à arrumação dos valores selados, já mandados emitir pelo Governo do território, solicitou a colocação de prateleiras na casa-forte instalada no Pavilhão n.º 2, cujas obras, a cargo da firma Construções, Lda., não estão ainda concluídas por força da ausência dos sócios desta firma.
Dada a urgência posta no assunto pelo Sr. Governador, o Gerente da Filial do BNU confiou a execução do trabalho a outra empresa pelo custo de 66 contos e veio pedir rectificação ao seu procedimento. O Conselho deu a sua sanção.

Reunião de 6 de Março de 1975

Anuncia-se a falência da Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, o BNU comprou um navio.
Rubrica do Banco Nacional da Guiné-Bissau. Informação de que foi criado o Banco Nacional, passando, de imediato, esta instituição a exercer naquele país as funções de Banco emissor e comercial e de Caixa de Tesouro, sendo revogadas todas as disposições contrárias ao estatuto do novo Banco.

Reunião de 20 de Março de 1975

Transferência da Filial do BNU – desejo do Governo da Guiné-Bissau de serem iniciadas, a partir de 18 de Abril próximo, conversações com vista à transferência daquela Filial do BNU para o novo Estado.
Foi deliberado comunicar ao Governo Português a disposição do Governo de Bissau.

Reunião de 24 de Abril de 1975

Depósitos das entidades militares portuguesas
Telefonema da Gerência da Filial de Bissau informando que as autoridades da República da Guiné-Bissau desejavam utilizar com urgência os depósitos deixados no BNU pelas entidades militares portuguesas, para o que teriam sido já autorizados pelo General Carlos Fabião. O Governador informou que desconhecia totalmente essa autorização. Efectuaram-se diligências infrutíferas em contactar o Sr. General Carlos Fabião. Foram contactados os Srs. Secretários de Estado da Cooperação Externa e do Tesouro, tendo ambos, embora ignorando tal autorização, mas tendo em vista a alegada urgência na mobilização de fundos, concordado que foram dadas instruções à Filial do BNU autorizando-a a conceder um descoberto em conta do valor igual às importâncias daqueles depósitos, independentemente da solução de fundo a tomar.


Livro de Actas da Administração do BNU Junho de 1975 em diante

Reunião de 19 de Junho de 1975

Sociedade Industrial Ultramarina. A dissolução da empresa foi decidida em conselho, determina-se que a Sociedade aplique de imediato a sua carteira de depósitos na liquidação dos seus débitos para com o BNU.

Reunião de 10 de Julho de 1975

Transferência do Departamento do BNU na Guiné-Bissau. Os trabalhadores invocaram ter direito a uma satisfação de 6 mil contos. O Conselho entendeu não ser legítima a hipótese de uma indemnização e ser arbitrário o seu cômputo à luz do contrato colectivo.

Reunião de 12 de Agosto de 1975

Guiné-Bissau – Projeto de bases para acordo de transferência do departamento.
Os trabalhadores da Filial que adquirem nacionalidade guineense pretendem ser ressarcidos pelo tempo de serviço prestado. O Conselho entende que não é legítima a hipótese de suportar tal pretensão. Entende o Conselho que essa responsabilidade deve transitar para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, cumprindo ao BNU resolver apenas os problemas dos trabalhadores que não querendo adquirir a nacionalidade guineense regressam a Portugal. Quanto aos valores patrimoniais, entende o Conselho que se deve insistir na transferência de todo o activo e passivo. A CICER será transaccionada como crédito. Quanto à Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, a sua responsabilidade deverá ser assumida pelo Estado da Guiné-Bissau.
Informava-se o Conselho que o Governo da Guiné-Bissau se recusava a pagar empréstimos contraídos pela Colónia.

(Continua)


Imagens retiradas do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1946.

O segundo desenho é assinado por Stuart Carvalhais, um grande desenhador de humor e artista gráfico. Tudo leva a crer, tendo em atenção o traço, que o primeiro desenho é também da autoria de Stuart.

Antigo posto militar da Ilha das Galinhas, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

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Último poste da série de 18 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,

O livro é irresistível, pelo rigor do conteúdo e pela preciosidade das imagens. Os Bijagós sempre provocaram um grande fascínio tanto pelos dons naturais, pela cultura, pela identidade do povo que durante séculos viveu em contenda com o continente, nomeadamente com os Beafadas, os vizinhos mais próximos.

Não se pode ficar indiferente com estes cadastros do legado colonial, impressiona o que se construiu e o que ainda está a tempo de ser conservado. Felizmente que alguma cooperação garante restauros e trava o aniquilamento de edifícios emblemáticos do que fora concebido com capital com contornos imperais.

Quem perdura o seu amor pela Guiné não pode deixar de olhar esta obra primorosa sem orgulho e indignação.

Um abraço
do Mário



Bijagós e o seu património arquitetónico: que beleza de livro!

Beja Santos

O património arquitetónico dos Bijagós é uma edição da Tinta-da-China, tem por autores Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade e fotografias de altíssima qualidade de Francisco Nogueira. Tem história, enquadramento urbanístico, análise do espaço tradicional Bijagó e do espaço colonial e desvela os mais significativos edifícios coloniais. 

Na base do empreendimento está o projeto “Bijagós, Bemba di Vida! Ação cívica para o resgate e valorização de um património da humanidade”, uma parceria do Instituto Marquês de Valle Flôr e da organização não-governamental Tiniguena. Trata-se de um estudo que se insere no projeto de conservação dos recursos naturais e de desenvolvimento socioeconómico numa das zonas centrais da Reserva da Biosfera do Arquipélago de Bolama-Bijagós: as ilhas Urok.

Os autores preparam-se bem e o resultado está à vista, nesta edição cuidada, edição para guardar pelo cuidado posto no grafismo e na riqueza das imagens, fala-se dos Bijagós e de um património colonial que ameaça ruína, as imagens são tão impressivas que ninguém pode deixar de indignar-se com o descalabro que por ali vai.

A herança arquitetónica bijagó compreende o passado, através da compreensão dos textos, dos enquadramentos e das suas influências em comparação com outros patrimónios guineenses e coloniais; está o registo fotográfico do património existente e indaga-se o futuro, alguém tem que responder pela salvaguarda de um património comum de uma região com 88 ilhas e ilhéus, num total de 10 mil quilómetros quadrados. 

Há menção dos Bijagós em documentos dos descobridores a partir de 1457, são da maior importância as narrativas do navegador veneziano Luís de Cadamosto e do navegador genovês Uso de Mare. Os primeiros registos cartográficos surgiram em 1468 quando o navegador alemão Valentim Fernandes terá chegado às imediações de Canhabaque.

O processo de crescimento de Bolama está relacionado com a história e a cultural mercantil na região de Quínara e no rio Grande de Buba. O povo Bijagó vivia em permanente tensão com os Beafadas que se espraiavam entre Tombali e Fulacunda. A presença portuguesa era episódica e a hostilidade Bijagó indisfarçável aos colonos. Bolama foi fundada em 1752, muito depois de outras vilas e cidades da Guiné, quando o governo português ordenou ao Coronel Francisco Roque de Sotto-Mayor, Governador de Bissau, que tomasse posse da ilha, erguendo um padrão esculpido com as armas dos reis de Portugal. Recorde-se que a ilha de Bolama só pertenceu oficialmente a Portugal em 1870, após a arbitragem pelo presidente norte-americano Ulysses Grant do conflito luso-britânico.

A estrutura urbana baseia-se em modelos europeus: grelha ortogonal, reticulada, implantada a nordeste da ilha, e em contracto direto com o mar. Impuseram-se inicialmente os edifícios da Alfândega, o Palácio do Governador e Casa Comercial Gouveia. Surgiram depois outros edifícios-chave: o Banco Nacional Ultramarino, a Escola, o Arsenal e o Hospital, a Câmara Municipal e os Paços de Concelho. A escala da cidade de Bolama, observam os autores, é definida por um grande número de edificações térreas, pontualmente marcada por construções com dois ou mais pisos. Nos anos 20 do século XX, surgem planos da autoria do engenheiro Guedes Quinhones inspirados nos modelos humanos ingleses do final do século XIX, da Garden City, de Sir Ebenezer Howard e dos ideais norte-americanos da City Beatiful Movement.

Quando Bolama deixou de ser capital, em 1941, tentou-se torná-la um destino turístico muito apetecível, daí as piscinas municipais, o cineteatro e o complexo balnear da praia de Ofir. Hoje, os seus largos e praças perderam grande parte do caráter, em virtude do abandono dos serviços públicos. Era tal a beleza e a graciosidade da cidade que muitos a tratavam por Nova Mindelo e nos meios intelectuais dizia-se que aqui se tinha radicado o berço do crioulo.

Folheia-se o álbum fotográfico e sentimos o coração pequenino com as ruínas do antigo Palácio do Governador, as ruínas de Bubaque, estão entregues às ervas a casa de férias de Luís Cabral e as casas inacabadas para generais. De premeio, os autores mostram-nos a organização das tabancas Bijagós, construídas em clareiras, têm um ar delicado na envolvente paisagística.

Uma imagem muito bela pode potenciar no leitor um cruel sofrimento, ele tem que perguntar porquê a decomposição daquele edifício da central elétrica, como ainda guarda majestade a Câmara Municipal em ruínas, como é grotesco o belo exótico das ruínas do Hospital Militar e Civil, e como ainda resiste o Palácio do Governador e o Quartel Militar. Há uma Bolama que nasce e renasce. Por exemplo, o edifício da Alfândega foi totalmente recuperado pela cooperação espanhola, AICCID. O cineteatro de Bolama resiste, é um assombro de Arte Deco já tardio. A Escola Superior de Educação é um dos equipamentos de maior interesse da Bolama atual. Ficamos sem fôlego a ver a notável Imprensa Nacional, os autores advertem para o seu enorme potencial turístico e museológico.

A análise patrimonial não se circunscreve à ilha de Bolama, já se falou de Bubaque, Canhabaque tem património em decadência, aqui se mantém de pé o monumento comemorativo das operações de pacificação de 1935-1936.

Os autores concluem que é muito grande a qualidade patrimonial deste arquipélago e que é iniludível a importância do legado patrimonial do colonialismo português, ainda há muita recuperação, conservação e restauro que podiam tornar esta região muitíssimo apetecível pelos dons que a natureza que lhe ofereceu.

Enquanto lia com sentimentos contraditórios este álbum de indiscutível interesse, procurando conhecer as linhas da presença colonial, tanto na fase de consolidação de Bolama como capital da província da Guiné e o período posterior, até ao momento da independência, sempre de coração contrito com o património em ruínas, lembrava da visita que aqui fiz em 1991, a embarcação a chegar ao cais de onde se avista aquele espantoso monumento em pedra que Mussolini ofereceu à cidade de Bolama em homenagem aos aviadores italianos mortos, procurava as placas esmaltadas com os nomes insignes dos políticos da I República que aqui ficaram consagrados, passeara-me neste mar de ruínas perplexo como era possível dois povos espezinharem esta esplendorosa memória de uma vida em comum.

Pescadores bijagós
Imagem retirada do blogue LusONDA, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se faz menção da derradeira documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU.
São papéis que referem a pretensão de criar uma delegação do BNU em Bafatá, o processo iniciou-se em 1970, nunca foi concretizado, naturalmente se abandonou a ideia com a independência. Fala-se também das expetativas depositadas na CICER - Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, um empreendimento industrial que recebeu o entusiasmo de muitos, desgraçadamente acabou no charco. Fala-se em dádivas do BNU para a construção do busto de Amílcar Cabral e para o monumento aos mártires do colonialismo, em 1975; consta no processo o parecer dado por Lisboa sobre o pagamento da contribuição industrial e imposto complementar do BNU em Bissau. E por fim aqui se refere a notícia de que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser nacionalizada, o mesmo já acontecera com a Casa Gouveia e com a empresa Barbosa e Comandita.
A última etapa deste trabalho será aqui expor o que demais relevante se encontrou a partir de 1974 para a transferência do património do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, no fundo são peças históricas que terão que ser integradas um dia no que foi a vida do BNU na colónia da Guiné, de 1902 até depois da independência.
Peço a todos que vejam a beleza das imagens que a investigadora Lúcia Bayan nos ofereceu sobre os jogos e a sua função didática na etnia Felupe, que ela investiga com tanto entusiasmo.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77)

Beja Santos

Continuamos à volta com a documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU. Em termos cronológicos, há que referir que em 4 de fevereiro de 1972 se produzira um memorando sobre a criação de uma dependência do BNU em Bafatá. Em setembro de 1970, o subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino autorizara a abertura em Bafatá de uma dependência. O Banco já deslocara a Bafatá um funcionário para analisar as hipóteses de escolha de um edifício, concluíra-se que o imóvel com melhores condições era um edifício pertencente ao Banco então arrendado a Afif Elawar, súbdito libanês. O Banco começou os seus preparativos, definindo o modo de funcionamento, o número de empregados necessários e estabeleceu contactos com o arrendatário do prédio, a fim de obter a sua devolução.

Devido à reação do arrendatário, que não queria prescindir do arrendamento, o Banco chegou a encarar a hipótese de tentar a ação de despejo. O representante do arrendatário apresentou uma proposta no sentido de rescisão amigável, a proposta foi aceite. Já em janeiro de 1972 as gentes de Bafatá insistiam na criação da dependência, fora mesmo enviado à filial de Bissau um telegrama em que as autoridades, comerciantes, industriais e agricultores e toda a população dos concelhos de Bafatá e Gabu lamentava que ainda não tinha sido dada execução à promessa feita em 1970.

O processo arrasta-se e vem a independência da Guiné-Bissau, o último documento que possuímos data de 23 de outubro de 1974, o despacho é concludente acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá: “Não é oportuno neste momento”.

Passamos agora para o dossiê CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné. Possuímos dois documentos de junho e novembro de 1974. Diz-se no primeiro que a CICER foi constituída em finais de dezembro de 1971, eram os seus principais acionistas a Sociedade Central de Cervejas, a Companhia União Fabril Portuense, a Cuca de Angola e a Fábrica de Cervejas Reunidas de Moçambique, Lda.
Fazia-se uma relação dos encargos da construção da fábrica da CICER em Bandim. Em novembro de 1974, o BNU emitiu um parecer do seguinte teor:
“Após o 25 de Abril, a sua produção baixou para a média de 4 a 5 milhões de litros anuais de cerveja e 2 a 2,5 milhões de litros de refrigerantes. As suas vendas cifram-se entre 6 a 8 mil contos mensais.
Pensam, muito em breve, lançar no mercado, também, água de mesa e água gaseificada.
Dada a boa qualidade dos seus produtos e o interesse dos territórios vizinhos na sua aquisição, prevê-se num futuro muito próximo que a fábrica volte a trabalhar em pleno. Sabemos ainda que a Nação Cubana está também interessada na produção da fábrica, pelo que se estão encetando as respectivas negociações através do Governo local.
O valor atribuído à fábrica é de 130 mil contos. Tem-na visitado muitos estrangeiros, após o 25 de Abril, tecendo-lhe os maiores encómios, pois esperavam encontrar uma fabriqueta e não uma moderníssima fábrica, muito bem situada e com o privilégio de possuir no seu subsolo uma das melhores águas do mundo – dizem – para a fabricação dos seus produtos.
Em face do que fica exposto, e pelas perspectivas que se antevêem, damos o nosso acordo à concessão do crédito de 50 mil contos solicitado, com vista à liquidação das três conta-correntes caucionadas.”

Estamos já em 1975, o BNU é contactado para contribuir para a construção do monumento aos mártires do colonialismo. O documento reza o seguinte:
“A tarde do dia 3 de Agosto de 1959 ficou dolorosamente marcada na história do nosso povo.
Nesse dia, em Bissau, no cais do Pindjiquiti, armas empunhadas por mãos assassinas de servidores fiéis do colonialismo ceifaram as vidas de dezenas de irmãos nossos, indefesos, levando a dor e a morte a centenas de lares.
Fizeram-se vítimas. E tal acto repercutiu-se tragicamente por todo o nosso país, pela África e pelo mundo.
Mas, nesse dia, o Governo colonial, contrariamente a todos os seus desejos, ajudou a dar um grande passo na caminhada pela reconquista da liberdade e da dignidade do nosso povo.
O massacre do Pindjiquiti jamais será esquecido, dado o seu alto significado na luta de libertação nacional.
Por isso, o nosso Partido e o nosso Estado tomaram a decisão de comemorar essa data, considerando feriado nacional o dia 3 de Agosto. A população de Bissau, no grande comício de 20 de Janeiro último, dia dos ‘Heróis Nacionais’, decidiu dar o nome de ‘Avenida do 3 de Agosto’ à avenida marginal e o nome ‘Praça dos Mártires do Colonialismo’ ao largo existente na zona do Pindjiquiti.
Neste local existia um monumento através do qual o Governo colonialista pretendia glorificar o ‘descobridor da Guiné’, Nuno Tristão.
Pois bem: na actual Praça dos Mártires do Colonialismo, na zona onde esteve o monumento a Nuno Tristão, é dever nosso honrar os mártires do colonialismo, erguendo-lhes um monumento que deve ser inteiramente custeado pelo nosso povo e por todos aqueles que, vivendo na nossa terra, quiserem juntar-se a nossa homenagem de gratidão eterna aos que ficaram pelo caminho nos longos anos de resistência contra a dominação e a exploração estrangeiras.
Para começar a concretizar essa ideia, foi criada uma comissão para recolha de fundos”. 

E indicavam-se os nomes: Rui das Mercês Barreto, Tiago Aleluia Lopes, Carlos Gomes, Armindo Ferreira, Teodora Inácia Gomes e João Maurício Chantre. A comissão era designada por “Comissão do Abota Nacional para o Monumento aos Mártires do Colonialismo”. O Comissário de Estado Rui Barreto, Presidente da Comissão assinava o manifesto em 26 de julho de 1975. O BNU ofereceu 5 mil escudos como oferta na contribuição do busto mandado erigir a Amílcar Cabral. O recibo de receção é assinado por Carlos Domingos Gomes com a data de 16 de maio de 1975, tratou-se de uma dádiva distinta da anterior.

Em 30 de junho de 1975, a administração em Lisboa informa a gerência do BNU em Bissau que a atividade exercida pela filial obedece a condicionalismos legais que têm de ser tidos em conta, no pressuposto de que as disposições fiscais, então vigentes, não sofreram alteração: o BNU continuaria a ser tributado pela contribuição industrial; sujeito a ser coletado pelos rendimentos anuais no Estado quanto ao imposto complementar.
E emitia-se o seguinte parecer:
“Em face do que antecede, é nosso entendimento que os elementos a declarar durante o corrente mês de Junho estão de harmonia com os preceitos legais vigentes nessa ex-colónia portuguesa; é evidente que, salvo acordo ou determinação legal das actuais autoridades desse Estado, os preceitos legais referidos como aplicáveis à actividade do Banco durante todo o ano de 1974, são de aplicar, pelo menos, até à data da proclamação da independência desse território".

Nesta documentação avulsa, encontra-se a fotocópia de uma notícia publicada no vespertino Diário de Lisboa, com a data de 30 de julho de 1976, com o seguinte título: Técnicos portugueses negoceiam nacionalização de duas empresas.
Notícia com a seguinte redação:
“Encontram-se em Bissau dois técnicos portugueses para conduzir as negociações com o Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina, do capital social desta empresa comercial, a segunda do país, depois da Casa Gouveia, já integrada nos Armazéns do Povo, 80% ficará para o Estado guineense e os restantes 20% para uma companhia portuguesa de sabões do grupo CUF.
Foram entretanto transferidos para os Armazéns do Povo os bens da empresa Barbosa e Comandita. A integração fez-se a pedido e por iniciativa dos antigos proprietários, devido às dificuldades encontradas para a realização dos lucros anteriormente auferidos. Segundo o Comissário de Estado do Comércio, Armando Ramos, ‘nenhuma destas empresas tinha possibilidades de sobreviver sem a intervenção do Estado para transformar as suas estruturas. Isto porque os moldes em que foram implantadas na nossa terra estão em desacordo com os princípios da nossa sociedade que estamos a criar’. A Sociedade Comercial Ultramarina começara como sociedade por quotas, com o capital social de 500 contos. Mas com a subida vertiginosa dos lucros, o capital foi sendo aumentado até chegar a 100 mil contos e até assumir a forma de sociedade anónima. Dedicava-se ao comércio de exportação, mas na fase final passou também a explorar o comércio interno e pequenas unidades industriais. Possui 54 postos de venda espalhados pelo País e emprega 672 trabalhadores efectivos”.

Assim se encerra a consulta à documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU.

A derradeira parte deste trabalho tem a ver com a documentação do BNU para a transferência do património para a Guiné-Bissau, documentação extensa, a que procedemos necessariamente a uma simplificação dos elementos considerados mais pertinentes, até ao momento em que o BNU da Guiné se extinguiu e passou a estar integrado no Banco Nacional da Guiné-Bissau.

(Continua)

Foto 1

Foto 2

Foto 3

Foto 4

Comentários de Lúcia Bayan, investigadora da etnia Felupe, que amavelmente cedeu estas imagens para o nosso blogue, agradeço-lhe em nome de todos esta prova de consideração:

Os jogos tradicionais entre Felupes

As sociedades tradicionais africanas, como a Felupe, utilizam estratégias próprias para a educação e integração dos jovens na organização social. É sabido que os Felupes prezam muito a liberdade individual, mas sempre limitada por regras e valores sociais. Um exemplo é “meter a mão em seara alheia”, considerado um dos maiores crimes, podendo ser penalizado com expulsão da tabanca. Desta forma, em chão Felupe, raramente alguém é roubado. A eficácia do método felupe para resolver estas questões tem levado a que seja adotado em algumas povoações multiculturais, como, por exemplo, em São Domingos.

Uma das estratégias felupe para educar as suas crianças e jovens e os integrar na sua organização social são os jogos e as lutas. Dos primeiros ficam aqui fotos de dois: o jogo das vacas e um jogo, que não sei o nome, mas é do género do “Seega”, um jogo de tabuleiro tradicional jogado em partes do Norte e da África Ocidental, por dois jogadores, num tabuleiro de 5×5, geralmente com pedras. Um exemplo deste jogo pode ser visto aqui: https://elegbaraguine.wordpress.com/2015/02/11/jogos-africanos/.

O jogo das vacas é jogado por dois jogadores, munido cada um de um pequeno pau com um fruto espetado numa ponta, simbolizando uma vaca, e consiste numa luta de vacas. Indicado para rapazes da 2.ª classe de idade (dos 5 aos 12 anos), este jogo, além da função lúdica, visa desenvolver as capacidades necessárias para estes rapazes exercerem a principal obrigação desta classe de idade, pastorear e tomar conta do gado, e também o início da sua preparação como guerreiros.

O jogo do Seega visa estimular o raciocínio lógico matemático e cognitivo. Na sociedade Felupe, o tabuleiro é o chão, onde são escavados 25 pequenos buracos e as 12 pedras, que não existem em chão de areia, foram trocadas por paus ou palhas, num jogo indicado a adultos e crianças. As três fotos mostram três homens a jogar (foto 1), um adulto a ensinar crianças (foto 2) e estas a jogarem (foto 3).
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Nota do editor

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Último poste da série de 13 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)