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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4385: Estórias de Jorge Picado (5): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (I): Reunião com o Secretário Geral

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, com data de 18 de Maio de 2009:

Assunto: Estadia no CAOP 1

Caríssimos editores e co-editores
Tendo-me posto a dedilhar no teclado saíu-me uma pequena prosa do tempo do CAOP 1 que envio para vossa apreciação, juntamente com um anexo duma nota de reunião de trabalhos anterior à minha chegada.
Como sempre, se julgarem com algum valor para arquivo do Blogue, é de todos.
Abraços
Jorge Picado










Algo sobre a minha passagem pelo CAOP 1

Tendo deixado, para grande consolo e descanso meu, a CArt 2732 em MANSABÁ, em 29ABR71, depois de 52 dias de ali ter chegado e, 38 após receber a Nota do QG a comunicar a colocação no CAOP 1, arribei – desculpem este termo náutico, mas apesar de não querer nada com o mar, sou duma terra de “ex-homens do mar” – a Teixeira Pinto cerca das 13H de 4MAI, depois duma travessia por JOÃO LANDIM, DINGAL, CÓ e PELUNDO, sob a protecção de pessoal da CCaç 2660? ou 2658? Não tenho a certeza qual era a CCaç encarregada de efectuar as colunas a BISSAU, mas era sem dúvida do BCaç 2905, então em T. Pinto.

O pessoal da CArt 2732 que me perdoe por este intróito, mas não julguem que os menosprezei.

Parece que já estou a ouvir o nosso co-editor e amigo Carlos. “Olha para este malandro. Não gostou da companhia e tratou de se safar. Mas que grande s..... me saiu”.

Nada disso. Não foi pela companhia (não confundir com Companhia), mas antes… pelo clima… ou os ares do campo que, por aquelas bandas (como diz o Zé povinho), não eram muito saudáveis. E quem me tinha “aberto definitivamente os olhos” ainda em BISSAU, tinha sido o “Ex”…

A prova de que sempre senti algo por esse pessoal, está no que transmiti ao papel em 2003, quando tentei alinhavar umas recordações, sem sequer me passar pela cabeça que viria a reencontrar alguém desse tempo. Pois se nessa época os que comigo mais tempo conviveram não me tinham reencontrado, como poderia alimentar a ideia de encontrar alguém de MANSABÁ? Passo a transcrever então algumas passagens do que escrevi:

[…despedi-me daqueles camaradas de infortúnio, que tão pouca sorte tinham tido com o “seu” Cmdt.

Na verdade não o mereciam porque eram todos bons rapazes e fixes.

Usei a expressão “camaradas de infortúnio”? Sim.

Afinal também não lhes notei qualquer motivação para desempenharem os papéis que lhes tinham atribuído.

Não os via, como igualmente não me reconhecia, com motivos para fazerem a guerra.

Pressentia que o que a maioria desejava era voltar às suas terras, às suas casas, às suas Famílias.]


Já chega de devaneio, voltemos ao CAOP 1.

Como já disse num dos escritos sobre esta zona, era adjunto do Oficial responsável pelos assuntos da ACAP/POP, sem qualquer actividade operacional, bem como livre de actividades de “quartel”, isto é, não entrava nas escalas de serviço, como acontecia em MANSOA, já que essas eram tarefas da competência da unidade de quadricula, o BCaç 2905 até DEZ71 e o BCaç 3863 depois. Era pois, convenhamos, uma situação muitíssimo mais tranquila do que até aí tinha sucedido.

Ao mesmo tempo o ambiente que se vivia entre os componentes daquele mini-EM era completamente diferente do chamado “ambiente de caserna”. Tudo muito afável, duma grande correcção e “espíritos muito abertos” que, confesso, me deixavam surpreso.

O meu camarada de quarto, que não tinha curso de EM e tinha cumprido uns anos antes uma 1.ª comissão à frente duma CCaç na área de BULA, manifestava-se já tão descrente e dizia tão mal, que eu, passei a manter-me sempre na defensiva, convencido que a sua intenção era fazer-me “abrir a boca” para confidências politicamente comprometedoras. E quanto às minhas competências não militares, aconselhava-me a não me manifestar. Tinham-me mandado para ali como militar? Era porque se estavam nas tintas para os outros meus conhecimentos, ia-me dizendo. O seu azedume era tal que usava uma assinatura de tal modo estilizada, na documentação oficial, que até um ponto colocava na extremidade, para ficar mais semelhante a um falo, como provocatoriamente me segredava.

Mando hoje, digitalizado, uma cópia dum relatório de 4 folhas, das notas de uma reunião efectuada em BULA em 02MAR71, portanto anterior à minha chegada a este Agrupamento.

Tenho dúvidas se, dada a impressão ser tão ténue, o documento será legível. Por isso resolvi transcrevê-lo.

REUNIÃO EFECTUADA EM BULA EM 02MAR71 SOB A PRESIDÊNCIA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL

- Razão da reunião (Cor. Amaral) – despachos do Secretário-Geral, voltaram atrás os processos de Veterinária e Agricultura por terem mudado os respectivos Chefes de Serviço.

- Pedreiros – apresentado o pedido ao Pes. Log. (faltam e não há na área)

- Agricultura – não está a trabalhar em pleno!

- Problema da estrada T.PINTO-ALF. NUNES, má asfaltagem

- Problema da falta de arroz

(a) falta no mercado - Não
(b) falta dinheiro para o comprar

A segunda hipótese é garantida (desmatações) e trabalhos na estrada. Em vista disto não deve constituir problema.

- Apresentado a falta de dinheiro em P.CONSOLAÇÃO para compra de arroz.

- Problema dos estrangeiros (no Chão Manjaco). N/General vai fazer uma campanha de nacionalização. Ficam suspensos de pagamento.

- O CAOP e a Administração devem ver as áreas com vista a abolição (dispensa) do imposto, devido à seca. Ter atenção às áreas afectadas, J.LANDIM, A.BARROS, P.CONSOLAÇÃO.

- Apresentado pelo BCaç 2905, falta de homens nos reordenamentos, caso concreto BATUCAR, ida dos homens para a estrada do CACHEU – o Administrador prometeu resolver o assunto.

- os reordenamentos estão em ritmo aceitável apenas o de CHUROBRIQUE, está mais atrasado.

- O delegado do ComChefe afirma que nas reuniões do mesmo dizem que os reordenamentos na área de T.PINTO estão excedidos na previsão pelo que talvez sejam de tirar lá especialistas.

- Contraproposta imediata do BCaç 2905 e CAOP.

- O Comandante do CAOP apresentou três problemas

- Arroz – já tratado
- Peixe – frigorífico no CACHEU
- Carne – existe muita dificuldade. Preconizou a sua regularização se possível com frigorífico.

- O Secretário-Geral sobre a carne disse: o Veterinário fez um relatório onde abordava este assunto.

O CTIG está a tentar resolver o problema dado que a FA o tem resolvido e a Marinha também.

- Problema do BCaç do PELUNDO.

- Estrada J.LANDIM-T.PINTO (bermas e capinagem – alcatrão) apresentou a solução de Angola e Moçambique. (ver nota já enviada ao CAOP).

O Secretário-Geral falou na utilização das máquinas da agricultura, podendo ser aproveitadas na solução apresentada pelo Ten. Cor.

- Reordenamentos:

- JOLMETE – Regresso ou afluxo das POP às povoações. Mais 35 casas, as já construídas estão muito juntas, ver a construção das futuras.

- PELUNDO – Quintais no Bairro P. Ramos

- Mesquita
- Posto Sanitário (falta o apetrechamento).

- CÓ – Tratar dos arruamentos – Cozinha nas ruas

- Controle de população – apresentou a notícia que a população vem do mato para o PELUNDO via BISSAU. Preconizou uma estrutura de controle.
- Urbanização e desenvolvimento do PELUNDO. Tem clube? Tem Centro de Convívio? Há quem queira fazer um café.
- Iluminação da ILHA de JETE.

- O Secretário-Geral resumiu os problemas apresentados.

- Dinheiro
- Luz
- Posto Sanitário
- Mesquita
- Centro de Convívio (apresentou propostas)
- Destronca da estrada
- Reordenamento de JOLMETE – Azeredo
- Escola de JOLMETE (cento e tal contos)

Bat. BULA

- Tem os mesmos problemas expostos e mais alguns! Dada a actividade operacional tem certas dificuldades.
- Obras Públicas – asfaltagem da estrada BULA-BINAR.
- O problema da estrada BULA-S.VICENTE – desmatagem e barreiras (o problema está posto).
- Reparação de buracos da estrada J.LANDIM-BULA.
- Abordou o problema de P.CONSULAÇÃO e dos reordenamentos em geral da desmatação dentro dos reordenamentos.
- Água nos reordenamentos
- Acessos aos reordenamentos PLACO-A.BARROS e de acesso a P.CONSOLAÇÃO.

BULA – Água e luz. São os geradores militares que a fornecem.

Problema apresentado pelo Capelão. Fazer um Centro de Convívio para os miúdos.

Secretário-Geral: o padre deveria oferecer os préstimos à Missão para ser essa a tomar conta disso.

Toda a vantagem dos esforços concorrentes.

- A.BARROS não colabora (diz que tem fome!)

- DINGAL é só da tropa. Falou sobre o nº de casas.

- Problema das carreiras de autocarros

- T.PINTO e

- S.VICENTE

- Ciclo das inaugurações – Se o Ministro vier será nessa altura. Se não... quando for
.”

Como se pode constatar são umas notas muito sucintas e não sei quem as tomou. Comigo a assistir a reuniões destas e desde que encarregado de tomar apontamentos, estes seriam muito mais precisos.

Deve ter sido uma reunião prolongada, já que se abordaram numerosos assuntos e, pelos vistos, era um ponto da situação que se estava a fazer, pois previa-se uma visita Ministerial e era necessário apresentar e mostrar obras feitas, ou não fosse aquela zona a “sala de exposição” principal da Politica de “Uma Guiné Melhor”.

Quando se fala no Bat. BULA, deve ser o BCaç 2928 a que pertenciam os camaradas Luís Faria, Matos e outros.

Por hoje é tudo, mas estou a procurar preparar mais 4 documentos que recuperei daqueles tempos em T. Pinto.

Jorge Picado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4364: Memória dos lugares (22): Fortim e Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa, entre Canchungo e Bachile (Jorge Picado)

Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3051: Estórias de Jorge Picado (4): Como cheguei a Comandante da CART 2732 (Jorge Picado)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4153: Bur...akos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72), com data de 4 de Abril de 2009: Caro Carlos Como ouvi ou li? que estavas à beira do desemprego por falta de matéria prima, envio-te mais um pequeno (?) escrito para te entreteres e ires aguentando o lugar, que não é nenhum tacho... não me batas se nos encontrarmos na quarta-feira. Tive uma troca de mails com o camarada José Câmara (**) e perante o que ele escreveu achei por bem dar a conhecer esse conteúdo, pela parte que lhe toca. Apenas eliminei certas gralhas próprias da escrita por vezes mais apressada dos mails, aumentei os intervalos e acrescentei os sub-títulos, mas o sumo afinal é do J. Câmara. Também envio as minhas 2 fotos e as que ele me mandou e representam as magníficas instalações hoteleiras de *******estrelas em que ele esteve instalado naquele seu período de férias pago pelo Estado, com refeições dignas de qualquer Gran Chefe do famoso Guia Michelan. Abraço do Mansoa ao Cacheu Jorge Picado 2. Em 9 de Março p.p. recebi o mail que passo a transcrever, do camarada José Câmara. Senhor Capitão Picado. Prefiro tratá-lo assim. Aprendi, desde os meus tempos de berço, a respeitar tudo e todos. Tenho lido com muita atenção tudo o que tem escrito, sobretudo no que diz respeito à zona de Teixeira Pinto. Por lá andei. Fiz parte da CCaç 3327, uma Companhia do BII17 com sede em Angra do Heroísmo. A 3327 era comandada pelo Cap Mil Rogério Rebocho Alves que, infelizmente, nunca mais soube dele. Encontro-me emigrado desde 1973. Primeiramente estivemos na protecção à construção da estrada Teixeira Pinto/Cacheu. A minha Companhia ocupou os dois primeiros acampamentos à esquerda da estrada, uns quilómetros acima do Bachile. De lá, por altura do começo das chuvas (Junho de 1971) fomos para Bassarel. Em Novembro a Companhia seguiu para Tite e Bissássema, tendo eu seguido para as tropas africanas... No seu escrito sobre as consoadas, você demonstra dúvida se existia alguma Unidade Africana no Bachile. De facto, o Bachile era, nessa altura, a sede da CCaç 16 uma Companhia de Nativos. Essa Companhia, como todas as outras nativas tinha, por base, os soldados atiradores nativos. Os graduados e especialistas eram quase todos metropolitanos, açorianos e madeirenses. Espero que este esclarecimento lhe possa servir em próximos escritos. Como se diz na minha terra, e com todo o respeito, haja saúde. Cumprimentos José Câmara Ex.Fur Mil 3. Em 12 de Março p.p. respondi-lhe deste modo: Caro camarada de armas da Guiné, José Câmara. Primeiramente quero pedir desculpa por só agora responder ao seu mail, cujas informações muito agradeço. Creia que não o fiz por desconsideração, mas apenas pelo simples facto de que tomei conhecimento dele fugidiamente, isto é, sem tempo para o apreciar já na noite do dia 10 e, afazeres diversos, só agora me permitiram lê-lo com calma. Tenho quase a certeza que na estrada em construção, não cheguei aos locais onde estavam instalados, pois creio que o mais longe que atingi foi Bachile. Tenho porém duas fotografias, obtidas de meio aéreo que são duma parte dessa estrada, que admito terem sido obtidas em 12 de Outubro de 1971, porque nesse dia desloquei-me a Jolmete, que fica perto do Rio Cacheu mas na direcção norte de Có, e ao Cacheu, localidades muito distantes uma da outra e nessa época sem ligação terrestre. Entre elas ficava a Coboiana, zona ocupada pelos guerrilheiros. Portanto eu fui de DO ou mais provavelmente de Héli e ao sobrevoarmos a estrada em construção, tirei essas fotografias. Envio-lhas para ver se consegue identificar algo, porque no cimo duma delas nota-se uma área quadrada ou rectangular que parece um acampamento. Porém, tivemos com toda a certeza, momentos de encontro em Bassarel, uma vez que afirma terem-se deslocado para esta aldeia em Junho e saído de lá em Novembro. Ora, tenho um apontamento no dia 25MAI71, "caíram primeiras chuvas (muito pouca coisa) à noite" e logo no dia 5JUN71, tenho apontado, Bassarel, Calequisse. Segue-se: 15JUN Bassarel, Chulame (Granja e Veterinária); 28JUN Bajobe, Bassarel (almoço), provas passagem, dos alunos das escola subentenda-se; 3JUL almoço no Bachile com Cor., Ten Cor., visita Chulame, Bassarel, Calequisse. Depois das férias ou seja depois de 16AGO e até ao fim de Novembro, Bassarel aparece uma só vez, no dia 13OUT, englobada entre Bajope, Blequisse, Cajinjassá, Chulame, Calequisse e Cati. Para já é tudo que consigo descortinar nos meus poucos apontamentos. Já agora agradecia-lhe que não me tratasse por Capitão. Isso, como já deve ter percebido dos meus escritos, foi um acidente de percurso na minha vida profissional que muito me traumatizou. Trate-me simplesmente por Jorge Picado e proponho-lhe mais, como camaradas e da Tabanca use o tratamento por tu. Creia que para mim isso não significa falta de respeito. Aprendi com o meu Pai, que foi emigrante nos USA desde cerca de 1920(?) até à década de 60, que lá todos se tratava por tu. Já vê. Não sei em que País está a viver, nem tão pouco se é Metropolitano ou Açoriano. Se é Açoriano, entre outros tive um colega de Curso, sou Engenheiro Agrónomo, e igualmente colega do Curso de Capitão que também foi para a Guiné no mesmo período (1970-1972), chamado António da Costa Santos, duma Família muito abastada desse arquipélago. Um abraço Jorge Picado 4. Ora em 29 de Março p.p. chegou a seguinte resposta: Caro camarada de armas Jorge Picado. Obrigado pela sua resposta, pelas fotografias e pela cortesia demonstrada. Continuação de boa saúde para si e todos os que o rodeiam. Estrada Teixeira Pinto – Cacheu Nunca tinha visto a estrada do ar. Traz lágrimas aos olhos, e recordações que aos poucos se vão desvanecendo na memória. Se bem me lembro, a estrada tinha apenas duas grandes curvas à esquerda: a primeira logo a seguir ao Bachile e a outra à entrada do Cacheu. É pena que uma das fotografias não mostre a curva, para em seguida mostrar aquilo que parece ser um descampado que serviu de acampamento, ou um aterro do qual se tirava brita-massame para servir de base à estrada. Se a referida fotografia é, como eu penso ser, da curva a seguir ao Bachile, e se é de facto o local de um dos destacamentos, só poderia pertencer aos dois grupos da Companhia do Fontinha (CCaç 2791). A minha Companhia esteve nos dois acampamentos à esquerda, quem vai na direcção Teixeira Pinto-Cacheu, a cerca de 10Km do Bachile. Os BU…RAKOS em que vivemos (***) O Jorge diz que não conheceu nenhum dos acampamentos. Foi pena que não os tenha conhecido, mas foi muito bom que não tenha acampado em nenhum deles. Pode ter a certeza que o inferno não podia ser pior, e que as vacas do meu pai tinham melhores condições que nós. As condições de vivência eram pura e simplesmente desumanas, e o trabalho a que estávamos submetidos era infernal. Para ter uma ideia, aqui vai: 1 - Actividade militar - Dois GC saíam para o mato, pelo período de 24 horas, patrulhando e emboscando, e fazendo protecção afastada do acampamento. Dos dois Grupos que ficavam (que afinal eram os dois Grupos acabados de regressar do mato), um saía de imediato - ao regresso do mato - para a picagem da zona onde a estrada ía passar e cujo traçado já estava feito, e ficando por lá até às 6 da tarde para fazer a protecção próxima das máquinas e dos capinadores. O outro GComb ficava com os serviços de sentinelas, ida ao Bachile para água, correio, pão, etc, e arranjo da lenha para a cozinha. Durante a noite, esses dois grupos faziam de vigilância nos dez postos de sentinela (3 soldados por cada posto). Depois de 24 horas tudo se trocava... e continuava a mesma música. De treze em treze dias, uma secção descansava entre as 6 da tarde e as 6 da manhã, desde que não acontecesse embrulhanço. Felizmente que nunca aconteceu! 2 - Alimentação: ração de combate dia sim dia não, sendo que o grupo que seguia para a picada da estrada tinha apenas uma lata de fruta para o meio dia. 3 - Dormir - Três meses e meio a dormir em cima de um pano de tenda de campanha. 4 - Condições de higiene - Latrinas a céu aberto, com todas as consequências adversas que isso acarretava, água para banho ao mínimo, um frigorífico para bebidas e produtos alimentares, etc, etc... De tudo isso poderá observar alguns aspectos do que foi essa vivência nas fotografias que junto. São bem visíveis as coberturas de palmeira, a vala feita a buldozer, e a imagem de N.ª Sr.ª do Coração de Jesus (não fosse a Companhia de açorianos bem enraizados na fé cristã). Mas afinal o porquê de lhe chamarmos Mata dos Madeiros? Julgo que, oficialmente, não existe esse nome em qualquer mapa que eu tenha consultado. Portanto é de admitir que esse nome é de gira popular, e se referisse a uma faixa de terreno que existe entre a estrada velha e a estrada nova que se estava a construir. Antes da guerra começar naquela ex-província, uma companhia de madeiras deixou, por lá, alguns troncos de árvores enormes, junto da estrada velha que ligava Teixeira Pinto e o Cacheu. Tive a oportunidade de contemplar esses lindos troncos de árvores. Julgo que essa deve ser a explicação para o nome Mata dos Madeiros. Adiante... Direito há Indignação de mais um elemento dos BANDOS Sem me querer desviar do assunto, e porque mais uma vez estalou controvérsia (segundo li no blogue do Luís Graça) tenho a certeza que o general Almeida Bruno teria tido imenso prazer em fazer parte do bando que era a CCaç 3327, no período em que essa Companhia esteve naquela Mata. Ou nos cerca dos 10 000 blocos que já deixou feitos em Bassarel. Se isso não for o suficiente, posso acrescentar as 100 (cem) casas e as 7 (sete) escolas que construiu em Bissássema (zona de Tite), os dois furos artesianos e correspondentes fontanários, e ainda a sua actividade militar com as consequentes baixas. Pessoalmente, sou natural da ilha das Flores, Açores, e emigrei para os EUA em Julho de 1973. Profissionalmente estou ligado ao ramo de seguro automóvel. Resido com a minha esposa e um filho em Stoughton, MA., e ainda tenho duas filhas já casadas e cinco netas. Nada mau! Sou, no meio das minhas recordações, um homem em paz consigo mesmo, e com a consciência tranquila de que cumpri o meu dever para com o País. A guerra era impopular. Disso não tivemos culpa. Choro de raiva quando me chamam soldado colonialista. Nenhum de nós, obrigados que fomos ao serviço militar, o foi. E desconheço a guerra em que fomos derrotados militarmente, e nunca estive em zonas libertadas. Porque, pura e simplesmente, nunca fui impedido de ir a qualquer lugar na Guiné. Zonas difíceis sim. Inexpugnáveis não. A estrada de que temos vindo a falar é prova disso mesmo. Pode utilizar tudo o que ficou escrito, bem assim como as fotografias, em tudo o que lhe for útil para os seus escritos. No meio de tudo isto apenas peço desculpa por um outro erro cometido. Sempre são trinta e seis anos fora do País. Com os meus melhores cumprimentos, e um abraço que só nós, os que combatemos na Guiné, compreendem José Câmara Fur Mil CCaç 3327 Imagem de N.ª Sr.ª do Coração de Jesus PS:- As minhas fotos são do mesmo local mas de ângulos diferentes e não apanham qualquer zona asfaltada. Há sim, uma larga área desmatada, onde são visíveis vários caminhos, além da fita mais larga, que se cruzam. Quando as examinei com grande ampliação verifiquei numerosos traços representativos de árvores e palmeiras deitadas no solo. Por sua vez na Dig0016, na parte superior apercebe-se uma mancha clara, que em grande ampliação dá aideia de ter um acampamento. Com as fotos do camarada quase me convenço que seja do antigo acampamento. Jorge Picado __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado) (**) Vd. poste de 22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3777: O Nosso Livro de Visitas (54): Um camarada da diáspora, José Câmara, da açoriana CCAÇ 3327 (1971/73) (***) Vd. poste da série de 5 de Abril de 2009 Guiné 63/74 - P4141: Os Bu... rakos em que vivemos (2): Bula, CCCAÇ 2790 (António Matos)

terça-feira, 17 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado)

1. Mensagem do Jorge Picado, Engenheiro Agrónomo, na vida civil, reformado, residente em Aveiro; na vida militar, ex-Cap Mil (CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72):


Caros Amigos, Luís, Briote e Vinhal

Neste dia quente e soalheiro, que mais parece ser no pino de verão e não ainda de inverno, ao consultar os apontamentos verifiquei, que comemorava anos em que tinha conhecido pessoalmente o então General Spínola.

Aí vai a nota descritiva do facto, que julgo possa ter algum interesse, não por o ter conhecido, mas pelo que dele ouvi e me deixou meio "apalermado" então.
Como sempre deixo ao vosso critério o que fazer da notícia.
Abraços para todos os camaradas.
Jorge Picado


2. O Spínola que eu conheci (*) > Terça-feira, 17 de Março de 1970

Passam hoje 39 anos desde aquela longínqua terça-feira em que conheci finalmente o tão famoso, naquele tempo, Governador-Geral e Comandante-Chefe do CTI da Guiné.

Durante aqueles primeiros 22 dias de Mansoa já tinha ouvido falar, por diversas vezes, nesta personalidade, por aqueles que contavam quer boas quer menos boas histórias dele, tratando-o pelos mais diversos nomes. General Spínola, Com-Chefe, Governador, Caco Baldé ou simplesmente Caco e até Cavalo Branco, que era o indicativo, creio, de quando se deslocava de helicóptero.

Pois nesse dia, da semana e mês, realizou-se a visita a Mansoa de Suas Excelências, o Ministro do Ultramar, Dr. Silva Cunha (**) e o GG, Gen António de Spínola. Aquele, de visita ao CTIG, para observar e conhecer in loco os êxitos da aplicação das medidas militares e políticas determinadas nas Directivas do Com-Chefe, traduzidas no consagrado slogan “UMA GUINÉ MELHOR” deslocou-se a vários locais, incluindo também a sede do BCaç 2885, Mansoa, onde lhe foi preparado um “Banho de multidão” condigno.

Toda a “sociedade civil nativa”, daquelas redondezas (reordenamentos) foi mobilizada para vir receber e saudar o Homem Grande do Puto, mostrando ao mesmo tempo como “adoravam” o que o famoso Caco Baldé fazia para bem daquele Povo.

Dada a minha situação privilegiada, forças da CCaç dispersas, não tive que alinhar nas medidas de segurança adoptadas, como outros camaradas tiveram de fazer, no mato em patrulhamento ou emboscados para salvaguardar alguma desagradável surpresa do IN. As Altas Individualidades estavam ali para receber cumprimentos e manifestações de regozijo, mas não daquelas que o IN costumava fazer.

Consta da HU – História da Unidade, CAP II:

“Em 17MAR70, recebido o reforço de 2 GComb do Batalhão de BISSAU, são adoptadas mediadas especiais de segurança durante a visita de Sua Ex.ª o Ministro do Ultramar ao Concelho de MANSOA”.

É curiosa esta simples menção, pois nem se dignam indicar a companhia do GG e Com-Chefe. Seria usual?

Portanto fui apenas um digno observador, que devo ter feito parte dos que estiveram perfilados ao lado, enquanto se prestavam as honras militares devidas e, talvez, os cumprimentos da praxe. Pude assistir e ouvir os discursos respectivos, especialmente o do Com-Chefe e é por isso que redijo esta pequena nota.

Eis a razão desta minha evocação.

A certa altura do discurso, ouço, com espanto meu, o General dizer algo que, face a não ter presente a esta distância as palavras exactas, resumo em “se estar a viver um momento especial e já não faltar muito para o fim da guerra”!!!

Estava há 22 dias, como disse, em Mansoa, rodeado dos meus medos sobre o que me iria acontecer e eis que me apontam a perspectiva da guerra estar prestes a terminar?

Sinceramente, não percebi onde queria chegar com tais palavras. Para mim tudo aquilo não passava de mera propaganda. Pensei com os meus botões, afinal seria normal que estando a falar, não só para as POPs, mas também para os militares e na presença dum Ministro, tentasse exercer a sua APSICO, afim de levantar a moral dos soldados e convencer os gentios.

Mas não foram precisos muitos dias, para compreender tais afirmações. Trinta e quatro dias depois o sonho desmoronou-se. A 20 de Abril a noticia correu célere. Tinham sido mortos os 3 Majores e o Alferes Miliciano, na estrada para Jolmete. Era no seu trabalho que se alicerçava a crença do General.

Nota: A páginas 590 da publicação Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique , de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, editada pelo Diário de Noticias, escreve-se:

“1970.04 Referência, num discurso em Mansoa, feito por Spínola diante do Ministro do Ultramar, Silva Cunha, ao facto de a Guiné estar a viver um grande momento, por se aproximar o fim da guerra.”

Esta citação está incorrectamente datada, pois foi no dia que agora indico e não num dia indeterminado de Abril.

E já agora, antes de terminar e por mera coincidência: No mesmo dia e mês, 17MAR, mas do ano seguinte tenho a seguinte inscrição no mesmo intervalo da agenda: “Mansoa-Mansabá, 0700. Visita SEXA GG à estrada." (***)

Trocando por miúdos: Estava em 1971 na CART 2732 e tinha ido a Bissau em DO no dia 15. A 16 segui de Bissau para Mansoa de camioneta (?!) e a 17 apanhei uma coluna de Mansoa para Mansabá que saiu às 7 da manhã. Nesse dia o General Spínola visitou as obras na estrada Mansabá-Farim. Sobre este acontecimento talvez os amigos Carlos Vinhal ou Vítor Junqueiro possam esclarecer melhor.

Um abraço do Mansoa ao Cacheu do
Jorge Picado
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série (O Spínola que eu conheci):

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: O Spínola que eu conheci (1): Antes que me chamem spinolista... (Vasco da Gama)


(**) Joaquim Moreira da Silva Cunha nasceu em 1920. Começou como por secretário do Ministro das Colónias em 1944, num dos governos de Salazar, iniciando assim uma carreira que o levaria a subsecretário de Estado do Ultramar, em 1962, e depois a ministro, em Março de 1965 (cargo que ocupará até finais de 193).

(...) "Sempre ligado às questões coloniais, foi professor da antiga Escola Superior Colonial, dirigente da Mocidade Portuguesa para o Ultramar, vogal do Conselho Ultramarino, procurador à Câmara Corporativa e subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (Dezembro de 1962)".

Como ministro do Ultramar durante oito anos (1965-1973), é destacar a sua fidelidade e entusiasmona na defesa da política ultramarina do então Governo de Salazar e depoia de Marcelo Caetani. Participou na revisão constitucional de 1971, foi o impulsionador do mega-projecto de construção de Cahora Bassa, em Moçambique, apoiou a tentativa de Costa Gomes de aliciar Jonas Savimbi para fazer face ao avanço do MPLA no Leste de Angola, tal como apoiou a política de Spínola ("Por uma Guiné Melhor").

Já em plena crise desencadeada pelo Movimento dos Capitães, substituiu o general Sá Viana Rebelo na pasta da Defesa, em finais de 1973.

Fonte: Adapt de Guerra Colonial, dir. Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.


Natural de Santo Tirso, licenciou-se em Direito, em 1943, pela Faculdade de Direito da Universidade Lisboa. Doutorou-se tembém em Dierito, pela mesma Universidade, com uma tese sobre "O Sistema Português de Política Indígena. Subsídios para o seu estudo", hoje considerada uma obra de referência para quem quiser conhecer as perspectivas de reestruturação e evolução do sistema colonial no pós-Segunda Guerra Mundial.

(...) "Até à tomada de cargos de direcção no Ministério do Ultramar - -, realiza um percurso académico e político que tem como principais coordenadas: a actividade docente no ensino superior (cadeiras de Direito e Administração Colonial na Faculdade de Direito de Lisboa, no Instituto do Serviço Colonial e na Escola Superior Colonial - escola que se encontra na origem do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina) e o desempenho de funções no Centro Universitário da Mocidade Portuguesa de Lisboa, no Conselho Ultramarino e em várias comissões e associações científicas de índole colonialista.

"No que respeita à actividade governativa, integra o grupo de condutores da última fase da política colonial portuguesa, cabendo-lhe maior protagonismo no período de agudização da guerra de África e de execução dos últimos planos de fomento ultramarino.

"Atendendo à produção legislativa, às iniciativas do Ministério e à sua produção discursiva da época [vd Memória de África > Publicações de Silva Cunha] , podemos sugerir que a sua actuação é coordenada: em primeiro lugar, pela intensificação progressiva do 'esforço de guerra' nos planos militar, propagandístico, orçamental e de fomento das vias de comunicação, mas também no que toca à maior eficácia do sistema de repressão policial (que se inicia com o encerramento da Casa dos Estudantes do Império, em 1965, prossegue, por exemplo, com o Plano Geral de Contra-Subversão e termina com as remodelações dos Conselhos Provinciais de Segurança, em Setembro de 1973); em segundo lugar, pelas medidas tendentes a regulamentar e a dar execução às reformas de 1961-64, designadamente nos sectores do desenvolvimento económico e das infra-estruturas produtivas, da educação, da saúde e da assistência social" (...).

Fonte: Dicionário de História do Estado Novo, 2 vols, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996.

[Em linha] [Consult. 17 de Março de 2009] Guerra Colonial: 1961-1974.

(***) O Jorge Picado só chegou à fala com Spínola numa outra visita, já no destacamento de Cuti, no Natal desse ano (1970):

Vd. poste de 31 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3687: O meu Natal no mato (20): Visita de Natal do COMCHEFE a Cutia (Jorge Picado)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4022: Convívios (99): Encontro dos ex-militares do BCAÇ 2885 em Arganil, dia 7 de Março de 2009 (Jorge Picado)

1. Mensagem de Jorge Picado(*), ex-Cap Mil (Eng Agrónomo, na vida civil, reformado, Aveiro): CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72), com data de 9 de Março de 2009:

Caros Luís, Vinhal e Briote

Neste passado sábado dia 7, realizou-se mais um almoço convívio dos ex-combatentes que pertenceram ao BCaç 2885, que esteve no Sector 04 com sede em Mansoa de 14MAI69 a 14FEV71.

Esta reunião de confraternização decorreu em Mont' Alto, no concelho de Arganil, tendo comparecido numerosos camaradas, muitos deles acompanhados dos seus familiares.
Do que se passou com os componenetes das outras Sub-Unidades, outros falarão e é muito possível que num novo Blogue, de que tive conhecimento nos últimos dias do mês passado ou inícios deste, a descrição seja mais completa.

Aproveito para dar a conhecer esse Blogue, que está numa fase inicial e foi criado pelo camarada de armas, António Manuel Mendes Rodrigues ex-1.º Cabo da CCaç 2587. Esta CCaç, aquando da minha chegada a Mansoa, deixou a missão de intervenção naquela área, por troca com a recem chegada CCaç 15 (Companhia Balanta) e foi para a área de Porto Gole render a CArt 2411. Por este motivo nunca tive qualquer contacto com esses camaradas de Batalhão.

O Blogue é batalhaocacadores2885.blogspot.com

Foi com enorme prazer que confraternizei com camaradas que já não via desde MAR05, único encontro de que tive conhecimento, mas outros só agora voltei a encontrar.

Da CCaç 2589, que comandei durante um ano, compareceram 33 resistentes e um "ex-faxina" nativo que era então uma criança. É muito provável que deste encontro resultem finalmente novos desenvolvimentos que espero se venham a reflectir na entrada de algum para a Tabanca.

Para já envio umas fotografias com algumas notas explicativas. Se forem de qualidade para serem publicadas aproveitem. Caso contrário já sabem que não fico aborrecido se o não fizerem.

Não vai a do grupo porque quero primeiro obter a identificação completa de todos os elementos.


Foto 1 - Com aquele que tantas vezes me conduziu no jeep, Carlos Costa ex-1.º Cb CAR à minha direita e o Francisco Assude ex-Alf Mil do 3.º GComb, que praticamente fez toda a comissão apenas com uma secção, à minha esquerda, rememorando factos passados há 39 anos.

O meu antigo condutor, um nortenho, como a grande maioria do pessoal da 2589, é agora um pequeno empresário de venda de peixe, com uma pequena frota de carrinhas frigoríficas de venda ao domicílio.

O Francisco Dias Corado Assude, alentejano de Campo Maior, que já tinha concluído o antigo Curso de Regente Agrícola quando foi para a Guiné e, que quando se me apresentou, eu lhe perguntei se era familiar dum colega meu (Corado), nessa época Inspector da 4.ª Zona Agrícola (Alentejo e Algarve), como de facto verifiquei, é aposentado como eu do Ministério da Agricultura e foi o único com quem contactei depois do regresso à Metrópole, fruto das múltiplas reuniões de serviço que nos levavam a Lisboa. Porém, nunca aí abordámos o nosso passado militar, de tal forma que só agora tomou conhecimento das minhas andanças posteriores ao seu regresso.

Dado encontrar-se em Braia, aquando da emboscada de 12OUT70 (como referi no P2807 de 03MAI08), comandou aqueles que primeiro responderam e chegaram em auxílio dos camaradas de Infandre. Entreguei-lhe a documentação retirada do Blogue sobre o assunto (bem como a outro camarada, “Avintes” um ex-1.º Cabo que manuseava o Morteirete) e pedi-lhes que fizessem uma leitura e se tivessem achegas ou correcções a fazer que as fizessem.


Foto 2 - Quessama Mante, alcunhado de “Bombardeiro” pelos militares que passaram pelo Destacamento de Infandre, era uma das muitas crianças (teria 10 anos?) daquele reordenamento que faziam faxinas por lá e iam usufruindo da comida, ao mesmo tempo que frequentavam a escola dada pelo Victor Vieira (ex-1.º Cabo) que ensinou muitos rapazes e meninas dali. Este pertencia à tabanca de Enchanque, um pouco a Sul da de Infandre, nas bolanhas do Rio Mansoa.

Vive agora na Amadora, vai para 5 anos e foi o António Ramos (ex-Fur Mil do 3.º GComb) que o trouxe. Naturalmente que não me reconhecia, mas àqueles que viveram neste Destacamento, recordava-se de muitos deles.

O Francisco Assude prestava-me estes esclarecimentos.


Foto 3 - O meu reencontro, 38 anos depois, com o ex-Alf Mil MA Alfredo Montezuma, do Pel de Sap da CCS a que pertenceu o camarada da Tabanca César Dias. Parece que vamos ter um novo membro nesta nossa Tabanca, já que este camarada garantiu-nos que ia tomar contacto com o Blogue e alinhavar algumas recordações.

Fiquei a saber que me tratavam, ele, o José Vieira (ex-Alf Mil Trms) e o Jorge Moisir Pires (ex-Alf Mil Mec), com quem mais convivi em Mansoa porque os da 2589 “paravam pouco na sede”, por Cap “Patinhas” por ser o mais velho do grupo.


Foto 4 - Neste grupo há um “intruso”. O da esquerda, César Dias,não era da 2589, os outros são respectivamente: Pereira da Silva ex-Fur Mil Op Esp (veio da 26.ª CCmd em JUN70 para substituir o ex-Fur Mil Carlos Gonçalves do 4.º GComb, evacuado para o HMP em 30JAN70); Luís Manso ex-Alf Mil e 1.º Cmdt do 4.º GComb (passou aos Serviços Auxiliares por motivos de saúde, ingressando na 4.ª Rep/QG/CTIG antes de ABR70); o já identificado Francisco Assude.


Foto 5 - Dois ex-1.ºs Cabos não pertencentes ao mesmo GComb, mas que muito foguearam em conjunto, com armas diferentes.

O Victor Vieira, de Trms, mas que praticamente só utilizou G3, chefiou uma Secção do 4.º GComb por ausência de Fur e, depois da estadia em Porto Gole, foi colocado no Infandre com a missão de “nas horas de folga da guerra” exercer a missão de professor do Posto Escolar Militar criado neste reordenamento para as crianças da zona. O Quessama Mante que compareceu (ver fotos 1 e 3) foi um dos seus instruendos.

Quando da emboscada de 12OUT70 encontrava-se de férias na Metrópole, mas participou na acção, entre Claquelala e Uanquelim junto do Rio Uenquem, em que o Régulo Iero, com quem se dava muito bem, foi raptado e, o ex-Alf Mil José Martinez do 1.º GComb se livrou dessa sorte, porque também estava incluído.

Segundo agora nos esclareceu o Quessama, perante a dúvida levantada pelo Assude (que sempre se convenceu que tinha sido o Iero, obrigado naturalmente a tal, quem tinha “orientado” a emboscada do Infandre), o Régulo foi morto logo depois do IN ter passado a bolanha de Uanquelim para os lados de Namedão, cortando-lhe a cabeça, que levaram como prova da sua morte, para apresentarem aos chefes no Morés. Isto foi transmitido pelos próprios guerrilheiros, após o regresso às tabancas, depois de terminada a guerra.

O José Santos, à direita, conhecido simplesmente por “Avintes” (assim chamado pela sua origem, mas cujo apelido já vinha da vida civil por assim ser conhecido como futebolista que foi), era do 1.º GComb do ex-Alf Martinez e um excelente executante do Morteirete (Mort 60). Colocava as granadas com uma precisão espantosa e confessou-me, que mais de uma vez teve de largar o tubo, por não o aguentar nas mãos, sempre que o número de disparos seguidos era grande em diversos encontros que tiveram.

Além desta sua habilidade era um dos pilares da equipa de futebol da CCaç que ganhava os torneios do BCaç e foram jogar a Bissau.

Eu lembrava-me muito bem de no meu tempo ser assim e recordo que, além deste, jogava o ex-Sold Pires (jogador do Salgueiros) e o ex-Cabo Esc Damas (Lisboeta). Pelo menos destes dois lembro-me, porque faziam parte da equipa do Clube de Futebol “Os Balantas”, o grupo de Mansoa equipado de camisola azul por ser a filial guineense do Belenenses e que disputava os Campeonatos Oficiais.

Um abraço
Jorge Picado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de Jorge Picado de 3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3976: (Ex)citações (18): Amílcar Cabral, todos os dias, todas as horas, estás sendo assassinado (Jorge Picado)

Vd. último poste da série de 4 de Março > Guiné 63/74 - P3980: Convívios (97): Pessoal da CCAÇ 816, Estalagem Zende, dia 9 de Maio de 2009 em Esposende (Rui Silva)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

O babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom)

1. Mensagem do Jorge Picado
, ex-Capitão Miliciano (engenheiro agrónomo, na vida civil)... Conta aqui como na região do Oio os soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos 61 (qual a etnia predominante?) fizeram um 'massacre' de babuínos.



Caro Luís e Camaradas

Acerca deste assunto tenho também uma "triste" lembrança dos meus tempos em Cutia. Como o camarada António Costa refere ter tido "contacto" com macacos-cães em Mamboncó, eu tive um "encontro", numa das muitas escoltas que efectuei nessa estrada, precisamente por essa zona.

Não posso precisar o dia, mas foi um daqueles em que saímos de Cutia para Mansabá afim de receber a coluna que íamos escoltar até Mansoa. Eram ainda só as viaturas militares, as duas primeiras com soldados africanos (que julgo seriam do Pel Caç Nat 61) e eu, invariavelmente na terceira com pessoal da CCaç 2589, seguindo-se as restantes, quando por alturas da zona (não "aldeia") de Mamboncó rebenta um tiroteio de G-3 à minha frente. Mas que valente susto me pregaram aqueles guineenses...e tudo para ver quem conseguia matar mais macacos.

Um grande bando, adultos, jovens e muito jovens (alguns pela mão talvez de fêmeas), atravessaram a estrada, que naquele local era ladeada por revestimento arbóreo relativamente denso, mesmo à frente do início da coluna e os soldados africanos não estiveram com meias medidas. Atiraram a matar, de rajada e tudo, incitando os condutores a passarem por cima deles, ao mesmo tempo que saltavam dos Unimogs e atiravam com os mortos e feridos para cima das viaturas.

O choro dos feridos, grandes ou pequenos, era nitidamente humano. Posso garantir que os mais pequeninos gemiam nitidamente como os nossos bébés. E eu que tinha os meus filhos ainda bem pequenos, lembrava-me bem desses gemidos e choro...Fiquei bastante traumatizado e nem quis olhar para "os troféus" que os soldados exibiam. Sei que lhes passei uma descompostura, mas eles nem ligaram.

Para eles aquilo ia servir para duas coisas. Ganharem dinheiro com a venda de alguns, nomeadamente aos...que estavam em Mansabá (não te assustes que não eram vocês, Carlos) e para uma melhor refeição preparada pelas suas mulheres.

Porém, o pior para mim, foi ao fim da tarde quando se me apresentaram algumas dessas mulheres, que quase garanto vinham acompanhadas pelo Alf Semião (Alô Vítor Junqueira, vê se confirmas isto com o teu vizinho), para me presentearem com uns pedaços daquela carne cozida, salvo erro, com massa. Encontrávamo-nos na nossa "messe" ao ar livre para o jantar, possivelmente. Vocês não calculam o sacrifício que fiz para comer dois ou três pequenos pedaços, para "garantir a amizade com que era distinguido". E os gemidos ainda a soarem aos meus ouvidos...

Também confesso que nunca ouvi a expressão "cabrito pé de rocha". E já agora para terminar, quando o Vítor Junqueira nos deu a conhecer uma história do Alf Semião, lembrei-me de contar este acontecimento, mas como eles são médicos, a ideia que me ocorreu tinha a ver com um assunto do foro, digamos, clínico. Como não saiu logo, por falta de tempo, quando ia para a reproduzir, parei, porque era um tanto ou quanto melindrosa

Jorge Picado

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Notas de vb:

Último artigo da série

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

Foto 1 > CAOP 1. Teixeira Pinto. A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP Cor Pára Rafael Durão e Ten Pára da CCP 122.


Foto nº 2 > CAOP 1. Teixeira Pinto. Alguns oficiais do CAOP dirigindo-se para o almoço de Natal de 71. Cap Art Borges, meu camarada de quarto; Maj Barroco, de camuflado; Maj Santos Costa, com a sua inseparável bengala e de quem era adjunto; eu próprio, já bem lavadinho, de barbinha feita e bem vestidinho.


Foto nº 3 > CAOP 1. Teixeira Pinto. Na mesa da presidência distinguem-se: Cor Rafael Durão, de pé; um soldado Pára servindo o Maj Santos Costa; creio que o Maj que substituiu o Maj Inocentes (será o Maj Pára citado por Graça de Abreu no seu livro a pág 18?); o autor. De costas distingue-se um 1.º Sarg Pára.

Fotos e legendas: : © Jorge Picado (2008). Direitos reservados



1. Mensagem de Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, com data de 7 de Dezembro de 2008:

Caros Luis, Carlos e Briote

Seguem-se umas simples palavras sobre o tema do Natal e Final do Ano que, de tão repetidas, nada têm de extraordinário.

A novidade está apenas no aproveitar para enviar 3 fotografias da passagem pelo CAOP 1, retratando-se mais alguns rostos de militares que igualmente por lá andavam.

Abraços
Jorge Picado



2. O meu Natal no mato (13) > De Cutía (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971)
por Jorge Picado

Aproximando-se uma das épocas mais festejadas da Humanidade, Natal (principalmente para o Mundo Católico) e Mudança de Ano (para todos) (1) (2), sempre com o sentimento de que a celebração dum Nascimento e o terminar de Ano Velho sempre cheio do mesmo – miséria, fome, guerra, desnivelamento económico cada vez mais acentuado, apesar dos enormes avanços científicos que quando verdadeiramente se deu o grande salto (pós II Guerra Mundial) diziam ser para beneficio de Toda a Gente, mas que tem sido apenas para os bolsos sempre dos mesmos – em que todos manifestam a esperança dum Renascimento e dum Novo Ano que augure o início do fim de todas as misérias, guerras, mais solidariedade e se entre, já não digo no Éden (porque não sou crente), mas pelo menos num reino de Harmonia e Bem Estar, em primeiro lugar quero desejar a todo o Pessoal da Nossa Tabanca um Bom Natal e que pelo menos o 2009 não seja pior do que este 2008, pois a esperança anda pelas ruas da amargura.

De seguida, contribuir para as memórias das mesmas épocas passadas naqueles tempos da Guiné.

Essas recordações são muito vagas e ao fim e ao cabo iguais hás de tantos outros, ainda que as minhas não fossem tão sofredoras quando comparadas com a daqueles que tiveram de passar longas horas no mato a fazer segurança ou dos que sofreram ataques.

Dobrei dois Anos.

No que diz respeito ao primeiro, finais de 1970, fi-lo numa estância de veraneio , a Pousada de CUTIA.

A ceia de 24, comida como sempre sob a protecção das frondosas (e seculares?) árvores que ladeavam a estrada (era aí a messe e bar desta Pousada), foi naturalmente melhor do que nos outros dias, pois na véspera tínhamos feito coluna a MANSOA para reabastecimento de géneros mais frescos.

Só não recordo se foi uma ceia madrugadora por causa dos que foram emboscar, pois a indicação que tenho na Agenda sucintamente refere para este dia, tal como para o seguinte, [Grupo no Mato (18-24)]. Quer dizer que esteve um grupo fora das 18H até 24H.

É muito mais provável que para equilibrar os serviços, o grupo que foi fazer a segurança externa fosse dos efectivos africanos, já que estes comiam nas suas tabancas e a 25 foram os metropolitanos.

O almoço de 25 foi igualmente melhorado e possivelmente com algum excesso, pelo menos de cerveja. Existe aquela foto que enviei em que algumas mulheres de militares do Pel Caç Nat 61, me cercam contra uma das tais árvores, apadrinhadas pelo Simeão, procurando sacar-me mais alguns pesos para os festejos deles…

O que posso dizer é que não tivemos prendas oferecidas pelos nossos vizinhos do MORÉS, quer a 24 quer a 25.´

Julgava eu que esta falta de prendas tinha por origem o que se passou a 28 e que era para ser a 27, como já contei, mas perante as informações que o Senador Vítor Junqueira fez o favor de nos transmitir, num dos seus saborosos e brilhantes testemunhos, já fico na dúvida se foi afinal devido à boa Actividade Psicológica do Alf Simeão!

A primeira Passagem de Ano e o Dia de Ano Novo, passados igualmente no mesmo local também nada teve de especial, a não ser algum champanhe, para intervalar com as bazucas de cerveja, misturadas com cânticos de saudade e felizmente sem qualquer fogo de artificio, acabando por se recolher cada um ao escuro do bunquer e na solidão da noite carpir as respectivas mágoas. As esperanças eram apenas para aqueles que visionavam o fim do inferno daí a 45 dias.

Na segunda época só me recordo das Festas Natalícias.

A noite da Consoada passei-a, em representação do CAOP 1, no Destacamento do BACHILE, situado um pouco a Norte de TEIXEIRA PINTO na estrada para o CACHEU cujos trabalhos de reabertura e pavimentação decorriam nessa altura um pouco mais a Norte.

Neste aquartelamento estava pelo menos (não tenho a certeza se havia igualmente uma CCaç Africana) uma CCaç cujo Cmdt era o Cap Mil do QC Branco (em 1974, antes do 25ABRIL, vim a reencontrá-lo na minha terra onde veio morar, enquanto esteve colocado no RI de Aveiro onde apanhou a revolução, na qual esteve enquadrado) e que não tenho a certeza se seria a 3461, mas pertencia ao BCaç 3863 que tinha chegado ao Chão Manjaco em 20H30 do dia 24 de Outubro de 1971.

Não resisto a transcrever o que o camarada António Graça Abreu, que chegou ao CAOP 1 cerca de 5 meses depois de eu o ter deixado, escreveu no seu DIÁRIO DA GUINÉ sobre o BACHILE que visitou ao fim de 6 dias.

“O Bachile, um aquartelamento pequeno rodeado por fileiras duplas de arame farpado. Ao lado um reordenamento, isto é, umas dezenas de casas pintadas de branco com telhados de zinco destinadas aos negros que, vindos das zonas libertadas, se apresentam à tropa portuguesa. As casas não estão habitadas.

"O aquartelamento é deplorável. Logo atrás do arame farpado há dezenas e dezenas de bidões cheios de areia rodeando umas tantas tabancas. Depois há telhados em cimento armado cobrindo os tegúrios semi-afundados na terra habitados pelos nossos soldados, uns setenta a oitenta. É a protecção possível contra flagelações e bombardeamentos. E dão uma certa segurança aos homens brancos expatriados na terra dos negros comandados pelo alferes Rocha, …creio ser uma miniatura exemplar de dezenas e dezenas de aquartelamentos portugueses espalhados pela Guiné... ”.


Bem, como estas forças tinham, entre outras missões, efectuar a segurança aos trabalhos de reconstrução da estrada, é muito possível que, naquela data, 5 de Julho de 1972, parte dos efectivos tivesse avançado para a zona mais a N onde andaria já a frente de trabalhos e se aqui estava o Alf Rocha a comandar, das duas uma, ou o Cap Branco estava de férias ou estava na frente dos trabalhos.

Quanto às condições do aquartelamento, havia-os muito bem piores, como de certo ele posteriormente encontrou, nas suas deambulações por MANSOA e CUFAR.

Voltando ao meu percurso direi que era mais uma deslocação a esta povoação, deslocação essa que em regra não oferecia, naquela época de 71, grande perigo.
Entretanto quanto à pernoita e, numa noite daquelas, é que já a desconfiança era maior.

Lembro-me perfeitamente que, embora não manifestando, senti sempre uma sensação de desconforto durante tal permanência. Era talvez um certo nervoso miudinho, que não me deixava gozar o prazer de saborear uma refeição de certo modo melhorada, nem uma estadia tranquila. Dormitei em cima dum colchão de camuflado vestido, sempre com os ouvidos abertos, à espera do rebentar da bernarda.

Felizmente nada aconteceu e bem cedo pela manhã de 25, abalei para a sede onde o almoço de Natal me esperava na messe da CCP 122.

Junto 3 fotografias referentes a este evento:

1.ª CAOP 1, Teixeira Pinto. A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP, Cor Pára Rafael Durão, e Ten Pára da CCP 122.

2.ª CAOP 1, Teixeira Pinto. Alguns oficiais do CAOP dirigindo-se para o almoço de Natal de 71. Cap Art Borges, meu camarada de quarto; Maj Barroco, de camuflado; Maj Santos Costa, com a sua inseparável bengala e de quem era adjunto; eu próprio, já bem lavadinho, de barbinha feita e bem vestidinho.

3.ª CAOP 1, Teixeira Pinto. Na mesa da presidência distinguem-se: Cor Rafael Durão, de pé; um soldado Pára servindo o Maj Santos Costa; creio que o Maj que substituiu o Maj Inocentes (será o Maj Pára citado por Graça de Abreu no seu livro a pág 18?); o autor. De costas distingue-se um 1.º Sarg Pára.

Nestas fotografias apresento um visual mais risonho, fruto talvez de me encontrar a menos de 2 meses do termo da comissão.

É tudo por hoje.
Jorge Picado

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes desta série

24 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2379: O meu Natal no mato (12): Mansoa, 1971: Uma de caixão à cova... para esquecer o horror (Germano Santos)

24 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2378: O meu Natal no mato (11): Saltinho, 1972: O melhor bolo rei que comi até hoje, o da avó Clementina (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2373: O meu Natal no mato (9): Embarquei no N/M Niassa a 21 de Dezembro de 1971... Que maldade! (João Lima Rodrigues)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - 2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2370: O meu Natal no mato (7): Destacamento do Rio Udunduma, 1969, Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

18 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras da Cruz Vermelha (Fernando Chapouto)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)


(2) Vd. outros posts sobre o nosso Natal em tempo de guerra, série Feliz Natal, Próspero Ano Novo e Até ao Meu Regresso:

17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)

17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1375: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (3): A LFG Sagitário no Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1379: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (4): Mansambá, 1970 (Carlos Vinhal, CART 2732)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1380: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (5): Poema: Missirá, 1970 (Jorge Cabral)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1382: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (7): No longínquo ano de 1968 em Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis)

20 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1383: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (8): CART 2732, Mansabá, 1971 (Carlos Vinhal)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1387: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (9): Catió, 1967 (Victor Condeço)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1390: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (10): Os Maiorais de Empada, 1969 (Zé Teixeira)

2 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1396: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (11): 1969, na Missão do Sono, em Bambadincazinho (Luís Graça)

domingo, 26 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3357: Os nossos camaradas guineenses (2): Foram votados ao esquecimento e abandono (Jorge Picado, ex-Cap Mil, CCAÇ 2589, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, com data de 23 de Outubro de 2008:

Amigos

Ao visitar hoje a nossa Tabanca Grande depois de 3 dias de ausência, para colocar a leitura em dia, deparo com o P3340 do nosso camarada José Martins, que tem desenvolvido um grande e valioso trabalho na pesquisa e transcrição para os Tertulianos, e não só, da vasta documentação existente nos Arquivos Histórico-Militares.

De facto, e ideologias à parte, Os Nossos Camaradas Guineenses que combateram no Exército Português, não têm culpa de terem acabado do lado errado da refrega.

Conheci muitos, pois em Mansoa tinha, pelo menos, 2 Pel Caç Nat [58 e 61] adstritos à minha Companhia, da CCaç 15 (Balanta) à ordem do BCaç, naquela altura comandada pelo Cap Manuel José Nascimento [evacuado para o HM 241 de Bissau, e posteriormente para o HMP, juntamente com o Alf Mil Massano em 14 de Julho de 1970] e depois pelo Cap Inf QP Luís da Piedade Faria que transitou da CCaç 2588 (chegado a Mansoa depois de mim, em Maio de 1970) e tantos outro Milícias e guias.

Posso, portanto, também com conhecimento de causa, corroborar que foram exemplares na sua entrega à causa, dando-se de alma e coração pelo que julgavam ser o melhor para eles. E como protegeram tão bem as nossas costas? Tantas vezes à custa da própria vida? Quem é que não pode ter, pelo menos, gratidão por tal apego?

Mas afinal estas palavras não refletem mais do que sinceros lamentos chorados no muro das lamentações de todos os que sobreviveram às Guerras. Sim, porque queiramos ou não, o esquecimento e o abandono a que foram votados - eles e igualmente os Metropolitanos mais desfavorecidos - pelos Responsáveis, não acontece só em Portugal. Se analisarmos a História Mundial (e mesmo a mais recente em Países tão importantes) os exemplos são iguais. Depois de usados pelos Responsáveis, são descartados, como meros lenços de papel...

É TRISTE, MAS É ESTE O HUMANISMO QUE NOS PREGAM.

Desculpem esta catarse... e hoje até nem estou com azia, porque o Sporting lá ganhou.

Abraços camarigos (desculpas ao Mexia Alves também da CCaç 15, mas já depois do meu regresso, por roubar a sua marca)

Jorge Picado

P.S. Um obrigado ao Mansabanho (ou será Mansabense?) Carlos, por me ter embelezado a desenxabida escrita com umas boas fotos, não faltando o seu Porto de Leixões que , visto assim do ar, é bem bonito [mas não se compara com o de Aveiro!]. Julgo que a foto da Zona Portuária de Bissau é posterior à nossa estadia naquelas terras, pois tenho uma ideia diferente, para pior, daquele cais.
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Notas de CV

Uma pequena resposta à provocação do Jorge Picado.

i - Caro Jorge, a tua escrita não é de modo nenhum desenxabida nem precisa de floreados.

ii - O Porto de Aveiro será mais bonito que o de Leixões, mas como neste caso, o tamanho conta, Leixões é muito mais importante para a economia Nacional.

Vd. último poste da série de 21 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3340: Os nossos camaradas guineenses (1): O meu tributo (José Martins, ex-Fur Trms, Nova Lamego e Canjadude, CCAÇ 5, 1968/70)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3338: O cruzeiro das nossas vidas (11): Viagem para a Guiné em época de Carnaval no N/M Alfredo da Silva (Jorge Picado)

N/M Alfredo da Silva pertencente à Sociedade Geral, Grupo CUF

Foto retirada do site Navios no Sapo (que já não existe), com a devida vénia.



1. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, com data de 10 de Outubro de 2008, com um trabalho para a série O cruzeiro das nossas vidas (1).

Amigos

Aproveitando a onda revivalista que me atingiu, não sei por quanto tempo, deitei cá para fora esta prosa das minhas lembranças sobre a viagem de ida para a Guiné, um pouco fora do que era normal.

Se julgarem que tem interesse, apresentem-na aos camaradas.

Abraços
Jorge Picado.


MOBILIZAÇÃO E VIAGEM PARA O TO DA GUINÉ

por Jorge Picado


Tendo terminado o CPC/QC, entrei de licença registada em 21 de Dezembro, regressando para junto da Família em Ílhavo e ficando a aguardar as nefastas notícias que, mais tarde ou mais cedo haveriam de chegar, indicando-me qual o prémio que a tômbola da sorte me atribuiria.

Dado que já trabalhava nos Serviços Agrícolas em Aveiro, retomei as minhas funções civis, mantendo assim o espírito ocupado com os problemas fitossanitários que atormentavam os agricultores, procurando dar-lhes as respostas adequadas, ao mesmo tempo que bloqueava a esfera militar. Posso acrescentar que ainda me desloquei em serviço pelos concelhos de Vila da Feira, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Anadia e aos ensaios que mantínhamos nas terras arenosas da Vagueira e em freguesias de Aveiro.

Ao mesmo tempo tive de acelerar assuntos pessoais relacionados com um processo de empréstimo que tinha desencadeado para a remodelação dum prédio antigo que tinha comprado cerca de um ano antes de saber que ia ser chamado para o curso de Capitão, assunto que se arrastava face às demoras burocráticas de então.

Por isso, quando na sexta-feira 16 de Janeiro, recebi a nota para me apresentar na minha Unidade de origem – Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa de Queluz (RAAF-Queluz) – a fim de levantar a guia de marcha, já sabia que tinha chegado a minha vez de ir enfardar, mas não para onde.

Disso só tive conhecimento três dias depois, segunda-feira, quando me apresentei na secretaria dessa Unidade e recebi o escrito onde me comunicavam que tinha sido mobilizado para servir no CTI-Guiné, nos termos da Nota n.º 1503-P.º-HC, da RO/DSP/ME, de 15/01/70, para fazer parte da Companhia de Caçadores 2589/RI15. Ia pois em rendição individual, substituir o respectivo Capitão, algures na Guiné.

Logo ali me informaram de que entrava imediatamente na situação de licença a que tinha direito, para preparar a trouxa, tratar dos aspectos administrativos e da parte clínica no Hospital do Ultramar – actual Egas Moniz – de forma a embarcar no dia 9 de Fevereiro, em plena época carnavalesca.

Mas que grande partida de Carnaval me pregaram!!!

Assim que o Sargento da secretaria me deu a conhecer a nota de mobilização, fiquei como que em estado de choque.

Lembrei-me logo de certas aulas ministradas no referido curso (mais do género de, entra por uma porta um civil já com meia barriguinha enfarpelado de Tenente Miliciano e sai por outra quase na mesma, mas então enfarpelado de garboso Capitão Miliciano), onde vários instrutores nos tinham dado conhecimento que o pior que nos poderia acontecer era irmos malhar com os ossos para o célebre Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), pois aí se vivia o pior cenário militar das três Frentes da Guerra Colonial.

Foram tão honestos ao apresentar-nos os três possíveis cenários de guerra que iríamos enfrentar, sim só 3, que valha a verdade até eles não tinham dúvidas que para nós apenas Angola, Guiné e Moçambique contavam como destino de mobilização, que não tiveram pejo em usar as cores mais negras da paleta para pintar o da Guiné.

As razões eram simples: guerrilha bem preparada, melhor apetrechada, mais activa e aguerrida, circulando praticamente por todo o território (podendo dizer-se que não havia zonas livres de turras), até a capital já tinham atacado e o facto é que proporcionalmente às suas dimensões era onde se registava o maior número de baixas.

A acrescentar a tudo isto, informavam-nos que as condições ambientais eram as mais inóspitas, pois com um clima muito quente tinha apenas 2 estações – uma muito húmida e a outra seca -, a que se aliava um terreno muito baixo e alagadiço, proporcionando uma situação sanitária muito desfavorável para nós, metropolitanos nada habituados a estas extremas condições ambientais, onde as febres e o paludismo atacavam com maior intensidade do que nas outras duas Colónias.

Só faltava dizer-nos abertamente que uma mobilização para aí correspondia a um certificado de óbito... mesmo que este não resultasse de causas militares.

Portanto a sorte estava ditada. Logo havia de me ter calhado o pior TO.

Tinha apenas 20 dias até ao embarque para tratar das coisas e preparar-me mentalmente para o degredo como os antigos condenados…

Dei logo conhecimento telefónico à Família do meu destino e, ainda que fossem tão poucos os dias que entretanto me restavam para estar junto deles – estava casado há pouco mais de 8 anos e tinha já os meus 4 filhos, respectivamente com 7; 6; 5 e 2 anos –, não regressei antes de tratar de adquirir o enxoval e satisfazer os procedimentos burocrático-administrativos.

A parte clínica só a pude concretizar numa fuga a Lisboa, a 2 de Fevereiro, onde me ministraram as vacinas obrigatórias – varíola (revacinação) e febre amarela, já que contra a cólera, julgo pelos dados que possuo, fui vacinado e revacinado na Guiné em 3SET e 3OUT/70, 23MAI e 23NOV71 – e me forneceram os comprimidos de Daraprin com a indicação de que tinha de tomar 1 por semana.

Uma vez que o embarque era na segunda-feira de Carnaval, dia 9 de Fevereiro de 1970, tive de abalar para Lisboa no dia anterior onde pernoitei.

As despedidas ocorreram no almoço desse domingo em minha casa onde reuni toda a Família mais chegada. Afinal, ainda que não manifestássemos, não sabíamos se voltava-mos a rever-nos.

Chegada a hora e depois de todos fazerem das tripas coração como se costuma dizer, para não haver fracos, meti-me no carro dum tio de minha mulher (que por ironia do destino até fazia parte do colégio que elegia então o Presidente da República... por isso vejam lá com que prazer ele levaria o sobrinho que ia defender aquilo em que ele acreditava!!!), juntamente com o meu sogro e os meus 2 rapazes de 6 e 5 anos (já que o de 2 anos ainda era muito novo) e abalámos para Lisboa.

Viagem demorada e cansativa naquela época, pois ainda não havia as auto-estradas, desembarcando já ao anoitecer no Largo dos Restauradores, junto da Pensão do mesmo nome do largo, onde pernoitei.

O corte com os familiares foi feito logo ali no passeio, para não haver mais embaraços e retive a imagem que até hoje ainda não se apagou e muito me impressionou, da reacção estranha, para a idade, do meu filho de 6 anos, Jorge como eu, que depois de o beijar se atirou para dentro do carro a chorar. Não posso dizer o que sentiu ou o que pensou, mas julgo que soube que algo de anormal se iria passar com o Pai, isto porque ele estava habituado às minhas ausências, apenas por dias, sempre que tinha de ir em serviço para Lisboa.

Embarcado no N/M Alfredo da Silva da Sociedade Geral (Companhia de Navegação do Grupo CUF), no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, pela manhã, conheci então vários camaradas que seguiam o mesmo destino, em rendições individuais como eu, com excepção dum Destacamento de Fuzileiros que se destinava a Cabo Verde. Julgo porém que, quanto a graduações, éramos 2 os Capitães, sendo o outro do QP da Arma de Transmissões destinado ao respectivo Serviço em Bissau e ocupávamos o mesmo camarote, com 2 beliches, havendo outros graduados de postos inferiores, mas que não posso já precisar.

Sendo este navio misto, isto é, de carga e passageiros e deslocando-se numa viagem normal, era como se fossemos em viagem de cruzeiro e portanto com bom tratamento. Pelo menos os graduados, porque em verdade não sei como iam instalados os Fusos.

N/M Alfredo da Silva pertencente à Sociedade Geral

Foto retirada do site Navios no Sapo (que já não existe), com a devida vénia.


A largada ocorreu cerca das 12h15m e pouco depois, já na saída do Tejo, foi servida a 1.ª refeição (almoço), das muitas que se revelaram um verdadeiro tormento.

Explique-se desde já o motivo. Sou um mártir com o enjoo. A viagem fi-la toda sob o efeito de fortes doses de comprimidos contra o dito mal, mas mesmo assim não podia observar o mínimo movimento oscilatório, sem correr o risco de lançar carga ao mar como se diz nesta minha terra de marinheiros. Para mal dos meus pecados à mesa das refeições apanhava com uma vigia pela frente (na realidade, com excepção dos lugares de cabeceira todos tinham a mesma vista), para a qual não podia olhar porque, ao fazê-lo, dava logo conta do movimento oscilatório do barco.

Mas, como ia dizendo, logo após essa 1.ª refeição foi com grande admiração que ao chegar à sala de estar, depois do repasto, verifiquei pela posição do navio que este não se dirigia para Sul, mas sim para Norte.

Sim, constatei logo este facto, mas não sei se os restantes deram conta disso. Se não fosse conhecedor das questões marítimas, apesar de ter traído as Gentes da minha terra e porque não, da própria Família, poderia julgar que os Deuses estavam loucos e tinham transferido a Guiné para qualquer região do Norte da Europa... só então compreendi o motivo. Inicialmente, como não vi qualquer civil como passageiro, julguei que o barco seguia como transporte de tropas, mas agora dava conta que ia numa das suas viagens normais e portanto não nos dirigíamos directamente para Bissau

Naquela época ainda estava bem a par das viagens deste tipo dos N/M da SG e em especial daquele em que me tinham embarcado e sabia bem que o seu trajecto era: Lisboa-Leixões-Cabo Verde-Guiné-Cabo Verde-Lisboa.

Por outro lado se fosse supersticioso até tinha encarado como bom augúrio o facto da minha viagem de ida para aquela guerra se efectuar naquele meio de transporte. E sabem porquê? Porque o meu irmão (uns anos mais velhos do que eu) tinha sido Piloto neste navio antes de 1954 e foi até por isso que tive de explicar ao Telegrafista de bordo, mal me sentei para o almoço, que de facto o meu nome (ele leu-o na respectiva placa identificativa que usávamos ao peito) não lhe era desconhecido.

"Era de facto irmão daquele que ele pensava e conhecia e, para maior espanto dele, também eu o conhecia de nome e sabia ser originário dos Açores, pois toda a minha estadia em Lisboa enquanto solteiro tinha habitado na mesma casa particular em que ele habitou durante a sua frequência da Escola Náutica".

Enfim coincidências da vida.

Saí portanto de Lisboa em plena época carnavalesca e como já o disse ao amigo Carlos Vinhal em plena doca de Leixões, considerei que me pregaram uma grande partida de Carnaval não me proporcionando mais 2 dias de vida familiar. Sabendo que morava em Ílhavo, logo, mais perto de Leixões, mandavam-me embarcar apenas na Terça-feira Gorda à tarde, neste porto e o trajecto até era muito mais curto.

Vista aérea do Porto de Leixões, reconhecendo-se as povoações de Leça da Palmeira e Matosinhos, respectivamente a Norte e a Sul da zona portuária.


A viagem foi tranquila, pois Neptuno apiedou-se da minha nula apetência marítima e decretou tréguas, subordinando-se igualmente Eolo, de modo que durante os dias que sulcámos os mares, tanto as ondas como o vento foram mandados para outras paragens onde, quiçá, navegava gente mais afoita... e assim, ao som do barulho continuo do motor, que mesmo a dormir me martelava a cabeça, passando as horas a jogar às cartas ou a ler, dando umas espreitadelas à monótona paisagem exterior onde nem uma simples embarcação se cruzou para animar os passageiros, apenas fomos surpreendidos uma vez ao cruzarmos uma zona onde apareceram peixes voadores. Apenas este acidente nos manteve cá fora durante mais tempo, observando a elegância dos saltos e planagens durante o curto e rápido voo feito por estes pequenos peixes, à frente e ao lado do navio.

Lá fomos passando o tempo o melhor que pudemos, apesar da disposição não ser lá muito boa e assim atracámos antes da meia-noite do dia 15 no cais do Mindelo, na Ilha de S. Vicente.

Panorâmica do Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde

Foto retirada do site Cabo Verde


O dia seguinte foi dedicado à visita da cidade, almoçando em terra juntamente com alguns dos camaradas tendo a maioria aproveitado para percorrer as casas comerciais à procura do material fotográfico e de cinema de origem japonesa, que naquele tempo era muito mais barato do que na Metrópole. Houve quem se alambazasse nas compras, não só das máquinas fotográficas, mas também de filmar e projectar e, das duas uma, ou tinham já encomendas ou eram para negócio.

Tendo largado durante a noite de 16, após poucas horas de viagem aportámos à cidade da Praia, na Ilha de S. Tiago, cerca das 9 horas do dia 17. Aqui não havia cais e o navio fundeava ao largo, fazendo-se as cargas e descargas para pequenos barcos, que tivemos de tomar para passar o dia em terra.
Foi este o destino (pelo menos desembarcaram aqui) do Destacamento de Fusos que seguia a bordo e que, além deste escrevinhador, certamente outros invejaram.

Juntamente com o camarada das Transmissões e julgo que mais 2 outros, alugámos um carro e demos uma pequena volta pela ilha, visitando os lugares de Trindade e S. Domingos, almoçando durante o percurso e passando ainda por um Posto de Experimentação Agrícola, um autêntico oásis no meio daquela terra semi-árida, agreste e pobre.

No fim do dia lá abalámos para a última etapa, sabendo desde então que menos de 2 dias nos separavam da tão indesejada Província da Guiné, de modo que a partir da manhã do dia 19 começou o frémito e a ansiedade de observar no convés superior, a principio através duma ligeira névoa e depois já com limpidez, o aparecimento das ditas paragens.

A verdade é que só depois do meio da tarde nos foram apresentados os primeiros contornos de terras, quando navegávamos numas águas que há muito tinham perdido a transparência e a cor azul escura do oceano e passado, não digo a barrentas, mas meio leitosas talvez. Possivelmente já seria o Rio Geba.

Para mim foi uma surpresa quando, mais próximo, dei pela aproximação a um cais, sem que tivesse dado conta duma verdadeira entrada numa barra, como estava habituado a ver na minha terra ou mesmo em Lisboa. Começou aqui o meu espanto.

Desembarcámos no cais do Pidjiguiti cerca das 18h30m do dia 19 de Fevereiro de 1970, data a partir da qual o tempo de serviço militar começou a ter um aumento de 100%.


Zona portuária de Bissau. Foto de Carlos Silva


Havia já viaturas militares que nos aguardavam, não me recordando se todas para o mesmo destino. Sei que segui num jeep, juntamente com o Cap de Trms, directamente para o QG do CTIG no alto de Santa Luzia, onde após a apresentação me foi comunicado que ficaria a aguardar transporte para o destino, a tal CCaç 2589, pertencente ao BCaç 2885, com o SPM 5858 e sediada em Mansoa, que não fazia a menor ideia onde se situava, mas também não se deram ao trabalho de me dizer.

Só depois nas instalações do Clube de Oficiais, onde me alojei, alguém tratou de informar o periquito que estava tramado. Ia para o mato (que era o lugar indicado para os piras) onde a coisa estava preta. Era a psico a funcionar para os recém chegados lá do puto.

Entretanto devo confessar que logo após o desembarque sofri o verdadeiro primeiro choque civilizacional.

Apesar dos primeiros contactos com a realidade ultramarina no Mindelo e na Praia, aqui na Guiné é que se deu o verdadeiro choque. A diferença para pior, posso dizer que era enorme.
Descalços e praticamente nus assim se me apresentaram os nativos que trabalhavam na estiva. Mas não só. E as mulheres, jovens ou de idade, nuas da cintura para cima pseudo vestidas nas partes baixas com uns panos que em alguns casos mais se assemelhavam a trapos?

Foi a primeira machadada (ainda que não fosse virgem nestes conhecimentos, pois antes de 1954 já tinha ouvido o tal meu irmão contar em casa que, nas suas viagens pelos Portos Ultramarinos – e ele conheceu-os todos até Macau – distinguiam-se estes, de todos os outros das antigas Colónias Inglesas ou Francesas, precisamente pelo aspecto miserável que os nossos africanos apresentavam comparados com os outros. Mas isso tinha sido há mais de 16 anos antes!) nos célebres 800 anos da gloriosa gesta colonizadora Portuguesa. Se alguma admiração tivesse pela situação começaria aí o descrédito. A verdade é que não tinha, mas mesmo assim nunca julguei observar tal coisa e afinal Bissau era apenas o levantar... do véu. Maior estupefacção seguir-se-ia depois.
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Nota de CV:

(1) - Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)