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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20504: Notas de leitura (1250): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (38) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Era dever elementar tentar uma contextualização da "média duração" do período embrionário do nacionalismo guineense até aos anos de arranque da luta armada, isto para melhor entender as atribulações em que vivia o BCAV 490 e as dores e atribulações que o bardo notifica no seu longo poema. É curioso o que Silva Cunha escreveu em "O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril", em 1977, a propósito da sua visita à Guiné onde foi confrontado com a falta de resposta adequada a uma guerrilha que fora metodicamente planeada para irradiar entre a região Sul, o Corubal e o Morés, havia a expetativa de, com as populações em fuga e o desmoronamento económico, fosse impossível repulsar a guerrilha. Silva Cunha atribui a responsabilidade em parte ao diferendo entre o Governador e o Comandante-Chefe, julgava-se que Arnaldo Schulz, na unificação dos poderes político-militares, operasse um milagre. O que não aconteceu, mesmo passando os efetivos de 10 mil para 25 mil homens, por razões que todos nós hoje conhecemos, não era uma questão de fé nem de bravura nem de habilidade na liderança, não se suspeitava de que aquele adversário ia gradualmente ganhando consciência de que o seu armamento era muito mais sofisticado do que o português.
O tempo e a determinação fizeram o resto.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (38) 

Beja Santos 

“Nos fins da nossa comissão
continuamos a lutar.
Da 487, 3 companheiros
foram feridos ao retirar.

Todos os dias alinhamos
não conseguimos descansar.
Para a estrada patrulhar
grandes martírios passamos.
Emboscadas apanhamos
nesta nossa transição,
carregamos os géneros de alimentação
e bebida para se beber.
Mas continuamos sempre a sofrer
nos fins da nossa comissão.

Do Batalhão de Cavalaria
todos os homens são arrojados,
passam-se uns maus bocados,
mas temos sempre valentia.
O bando de rebeldia
armadilhas nos vem armar.
Os Sapadores a examinar
algumas vão levantando,
enquanto o tempo se vai passando
continuamos a lutar.

24 homens se emboscaram
perto da mata cerrada,
passaram lá a madrugada
até que os bandidos chegaram.
Grande ataque travaram
morrendo muitos bandoleiros.
O grupo de traiçoeiros
pensou em nos cercar,
e tiveram então azar
da 487 3 companheiros.

Um tiro no pulso apanhou
o amigo Augusto Ribeiro.
Foi perto de um carreiro
que o Amaro ferido ficou.
O António Francisco também levou
uns tiros ao regressar,
tiveram que o evacuar
junto aos seus camaradas.
Por haver muitas rajadas
foram feridos ao retirar.”

********************

Enquanto o bardo não pára de clamar os sinistros, as muitas canseiras, a expetativa do fim da comissão militar, voltamos à companhia de Leopoldo Amado, pedindo-lhe colaboração para o grande plano de fundo em que evoluiu a luta armada, talvez o exercício valha a pena para melhor se clarificar as atribulações em que viveram as gentes do BCAV 490 e companheiros próximos como a CCAÇ 675. Num extenso ensaio intitulado “Da embriologia nacionalista à guerra de libertação na Guiné-Bissau”, inserido no livro “Guineidade & Africanidade”, Edições Vieira da Silva, 2013, Leopoldo Amado vai até aos alvores do nacionalismo guineense na década de 1950, recorda as independências nos países limítrofes, a presença crucial de Amílcar Cabral a partir do outono de 1952 até 1955, quando regressou com a mulher, ambos bastante combalidos com paludismo, a criação do MING – Movimento para a Independência da Guiné, que será uma das alavancas do PAI (depois PAIGC), os acontecimentos de 3 de agosto de 1959 no Pidjiquiti, o processo sinuoso da fundação do MLG – Movimento de Libertação da Guiné, as decisões tomadas em Bissau em 1959, em que Rafael Barbosa é constituído como o dínamo da subversão, recrutando jovens para Conacri, a presença de Cabral em Conacri onde irá fundar a Escola Piloto, o envio, em 1960, de 25 elementos para a formação ideológica e militar na Checoslováquia e outros 30 para a China e 5 para a União Soviética, enquanto decorre a mobilização no mundo dos agricultores. Dentro desta trajetória, é desencadeada a partir de fevereiro de 1960 uma operação de difusão de panfletos e comunicados subscritos pelo Movimento de Libertação da Guiné, as autoridades locais informam Lisboa, a conta-gotas chegam unidades militares. É tido em consideração um histórico de aproximações e roturas entre grupos pró-independentistas, com um extenso corolário de lutas renhidas em território senegalês e da Guiné Conacri. 1962 é o ano da prisão de importantes quadros do PAIGC na Guiné enquanto se prepara a operação subversiva a partir da região Sul, certificado igualmente que na região do Morés há condições excecionais para desencadear e fazer irradiar a luta armada. A questão interminável dos diferendos entre grupos e grupúsculos acaba por pôr frente a frente a FLING e o PAIGC, no ano seguinte é o PAIGC que ganha o reconhecimento internacional inequívoco.

Resolvido um grave problema relacional entre as autoridades da República da Guiné e o PAIGC por causa de armamento que entrava à sorrelfa através do porto de Conacri, e que chegou mesmo a levar à detenção de responsáveis como Aristides Pereira, Luís Cabral e Vasco Cabral, questão que foi resolvida com o regresso de Amílcar Cabral, iniciava-se a mobilização da população no Sul.
Vale a pena dar a palavra a Leopoldo Amado:  
“A região ao Sul do rio Geba e a Oeste do rio Corubal tem o aspecto de uma gigantesca mão cujos dedos, apontados para o Atlântico, formam alongadas e sucessivas penínsulas separadas pelos rios Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine, apresentando uma óptima configuração para a prática de guerrilha, na medida em que essas penínsulas são extraordinariamente recortadas por centenas de canais e de rios que quase as atravessam de um lado ao outro, não menosprezando, neste particular, a enorme amplitude das marés, quando as águas sobem, mesmo na época seca, em que as margens dos rios e dos braços ficam alagadas em enorme extensão, tanto mais que toda a terra é excepcionalmente plana e baixa.
Compreende-se assim a razão por que, na altura, as estradas eram poucas e más e porque todas elas dispunham de inúmeras pontes e pontões. A destruição destas obras, fácil de levar a cabo, determina o isolamento terrestre das povoações que passam a ficar dependentes da navegação fluvial ou das ligações aéreas. O PAIGC, conhecendo bem o terreno, escolheu justamente a região Sul para nela iniciar uma actuação que supunha poder levar a cabo com relativa rapidez e facilidade”.

Decorre o segundo semestre de 1962 num estado de agitação permanente que fragmenta a economia, apavora as populações, é-se obrigado a tomar partido, uns partem sobre a proteção do PAIGC, outros apelam às unidades militares mais próximas. Está dado o mote para a separação das águas.

Leopoldo Amado

Voltando ao texto de Leopoldo Amado, em julho foi criada a Frente Norte, na região de Mansoa – Mansabá – Farim. Isto não esquecendo que provocado o estilhaçamento no Sul se atravessou o Corubal, atacando a povoação do Xime, era nítido que o PAIGC procurava estender a sua atividade para mais longe. Mansoa é uma das portas da região do Oio, região de florestas densas e quase sem estradas.

E o historiador escreve:
“Em 30 de Junho de 1963, um grupo armado do PAIGC inutilizou a jangada de Barro, no rio Cacheu, a qual garantia a ligação entre aquela localidade e Bissorã, indiciando esta acção a intenção de atacar toda a região. Efectivamente, a 1 de Julho foram alvejadas viaturas entre Binta e Farim. Em 2, os grupos guerrilheiros do PAIGC tentaram destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato – Farim, Olossato – Mansabá e Mansoa – Nhacra. Montaram também uma emboscada na estrada Mansoa – Bissorã, fazendo cinco feridos às tropas do Exército português. Em 4 atacaram Binar, onze quilómetros a leste de Bula e Olossato, entre Bissorã e Farim. Em Binar mataram o régulo e raptaram o encarregado do Posto Administrativo. Em Olossato saquearam as casas comerciais. Em 6 de Julho, ao entardecer, os grupos guerrilheiros do PAIGC emboscaram uma força de Mansabá, quando esta regressava de um reconhecimento ao Morés. Na noite de 12 para 13, outros grupos destruíram vários pontões na estrada Olossato – Mansabá. E em 18 atacaram Encheia, onde não havia qualquer força militar. A situação deteriorou-se depois, o Exército português, apesar dos esforços esperados feitos para recorrer aos pontos atacados. Os efectivos militares eram, porém, muito escassos. Pelo contrário, o PAIGC dispunha de numerosos grupos, todos dotados de armamento relativamente aperfeiçoado e abundantes munições. A breve trecho, em grande parte da região do Oio, as populações nativas, aterrorizadas pelos contendores, ou faziam causa comum com eles ou eram expulsas das suas tabancas. Aquelas que resistiam ou que queriam manter-se neutrais, eram castigadas ou dizimadas e as suas tabancas incendiadas. Assim aconteceu em Bigene, Canfandá, Mamboncó, etc.”

Leopoldo Amado regista a evolução da luta armada na região Sul, com mais cortes de estradas, destruição de pontões, flagelações, colocação de abatises, lançando o pandemónio nos transportes, inclusive foi incendiado o barco a motor da carreira Bolama – Ponta Bambaiã. O fornecimento de armamento é cada vez maior, as autoridades portuguesas estão confusas quanto à dimensão da atuação do PAIGC. Por falta de efetivos, as unidades militares sentiam-se impotentes para fazer frente ao ataque metódico às infraestruturas rodoviárias.
Mais uma vez se dá a palavra a Leopoldo Amado:
“Além de criar um vácuo que lhe proporcionasse refúgio seguro em Morés, o PAIGC pretendeu também inutilizar os eixos rodoviários de interesse económico como sejam os de Mansoa – Mansabá – Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida pelo Leste da Guiné e alguma da madeira cortada na região do Oio. Aliás, Mansabá constituía um importante cruzamento de estradas, pois por ela passam, além do eixo Mansoa – Bafatá, os de Bissorã – Bafatá e Farim – Mansoa. Daí que, a certa altura, parecesse ser intenção do PAIGC de isolar Mansabá. Esta actuação fez diminuir o trânsito rodoviário para o Leste da Guiné com o que ficaram sobrecarregados os já congestionados transportes fluviais do rio Geba”.

As informações obtidas pela PIDE não eram suficientes para asfixiar ou repulsar o movimento subversivo. Havia enorme expetativa do que se iria passar a Norte, Senghor era ainda extremamente prudente com o tráfego das armas, via nesta fase com desconfiança o PAIGC, tinha um grave contencioso com Conacri. A situação vista do lado português é de acalmia na Península de Bissau e no Arquipélago dos Bijagós, o “chão manjaco” não aceita interferência do PAIGC e de Bafatá para o Gabú os Fulas asseguram fidelidade à soberania portuguesa. Silva Cunha visita a Guiné e constata a crispação existente entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. Irá escrever, depois do 25 de Abril, que “Do nosso lado, não havia uma ideia de manobra bem definida e, o que era mais grave, não se acreditava que fosse possível resistir eficazmente ao adversário. As nossas guarnições estavam distribuídas pelo território numa quadrícula nem sempre bem concebida, mantendo-se nos aquartelamentos, numa posição de pura defensiva. Praticamente não havia forças de intervenção e se nessa altura não sofremos um revés sério foi mais por falta de força dos adversários do que em resultado da nossa acção”. Há, pois, neste período de 1963 a 1965 alguns “olhos do furacão”, o BCAV 490 está num deles, assim se compreende a aflição do bardo, registando pelos seus nomes os camaradas sinistrados.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 20 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20474: Notas de leitura (1248): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (37) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20490: Notas de leitura (1249): “Dias Sem Nome, Histórias soltas de um médico na guerra da Guiné”, por João Trindade; By the Book, edições especiais, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20420: Notas de leitura (1243): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (35) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Aproveitando a circunstância de o bardo se centrar em situações do quotidiano, desde acidentes de viação a caneladas com fratura, pretendeu-se dar o quadro ambiental daquele ano de 1964, turbilhonante, foi um doloroso separar de águas, gente em fuga para países limítrofes, gente a ser obrigada a tomar posição, como o régulo Malan Soncó, do Cuor, que resistiu a todas as ameaças e pediu proteção às tropas portuguesas.
Na área em que se movimentavam as unidades do BCAV 490 este relato do Leopoldo Amado parece rigoroso, minucioso, sobre tudo quanto aconteceu naquela convulsão territorial. Leopoldo Amado estudou aturadamente a documentação portuguesa, como demonstrou. Atribui a Schulz uma falta de estratégia e de conhecimentos para uma resposta firme, o que está longe de ser verdade, basta ler as suas diretivas e instruções. Quando ele chega à Guiné, em maio de 1964, está tudo num autêntico pé de guerra, ele tinha que responder à defesa das populações, foi a reboque do alastramento imprimido pelo ímpeto guerrilheiro. Veremos adiante que estas diretivas de Schulz estavam sustentadas por um conhecimento real da situação, fez previsões que bateram certo, importa não esquecer que não lhe deram os meios que aquela avalanche exigia, independentemente de todos os erros que terá cometido na implantação de destacamentos.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (35)

Beja Santos

“Setúbal teve grande azar,
sendo logo evacuado.
O Sadio, bom camarada,
ficou um pouco atrapalhado.

Como sempre acontecia,
e quando havia vagar,
o futebol íamos praticar
a qualquer hora do dia.
O Artur tudo vencia
com o seu modo de driblar.
O Ruas, a atrapalhar,
fez grande exibição
e o Rebelo ao jogar-se ao chão,
Setúbal teve grande azar.

O 1.º Cabo Clarim
de Setúbal é natural.
Ficou com a perna muito mal
ao jogar à bola em Farim.
A pouca sorte surgiu assim,
sem andar no mato cerrado:
este pobre desgraçado
a perna direita rachou
e a avioneta poisou,
sendo logo evacuado.

O nosso amigo Caixeiro
quis ser condutor na estrada.
Ia levando uma porrada
pelo nosso Comandante Cavaleiro.
Pagou grande conta em dinheiro,
ajudado pela rapaziada.
Numa árvore deu uma pancada
que o Unimog amolgou
e grande susto apanhou
o Sadio, bom camarada.

Rondas temos que fazer
aqui neste aquartelamento.
No mato em todo o momento
terroristas se estão a prender.
Aqui a Farim vieram ter
mas não tiraram resultado.
O Jacinto ficou assustado
atirando-se para o chão
e o Sargento Napoleão
ficou um pouco atrapalhado.”

********************

O bardo dá-nos notícias do quotidiano, onde não faltam acidentes mortificantes. De novo emerge a vontade de procurar entender um pouco melhor o que se vai passando nesse ano de 1964 por toda a Guiné, e assim perceber com mais clareza as tribulações em que vivem as unidades do BCAV 490. Vai-se fazer uso da tese de doutoramento de Leopoldo Amado publicada com o título “Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional, 1950-1974”, edição do IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, 2011, precisamente dando atenção ao que ele escreve sobre esse ano de 1964:
“Em todo o primeiro semestre o PAIGC despendeu esforços enormes para dispersar as tropas portuguesas, nomeadamente com a abertura de novas frentes de combate, com objetivos claros de provocar a diluição daquelas, apesar de concentrar o principal esforço de guerra ao Norte do Canal do Geba, de onde alastrou a Farim, na margem direita do rio Cacheu, e a toda a área circunvizinha, em especial para Leste e Nordeste. No final de Janeiro, aquele centro populacional, já importante, encontrava-se já isolado, pois as unidades guerrilheiras do PAIGC, destruindo pontes, montando emboscadas, colocando abatises e minas, procuraram cortar as estradas que ligavam a vila às povoações de Bigene, a Oeste, Bissorã, a Sudoeste, Mansabá, a Sul, e Cuntima, a Nordeste. Além disso, havia notícias de novas infiltrações de grupos do PAIGC pelas fronteiras Leste e Nordeste da Guiné, na direção de Farim. Estes grupos teriam o seu ponto de irradiação em Koundara, na República da Guiné.
Esta situação agravou-se ainda mais durante os meses de Fevereiro e Março, com as constantes flagelações a Farim e Binta, onde o PAIGC objetivava claramente a destruição de infraestruturas, a saber, pontes e pontões, ao mesmo tempo que fustigava as populações civis da área de Jumbembem – Canjambari – Cuntima, com o objetivo de as desequilibrar psicologicamente e de as ‘coagir’ a colocarem-se do seu lado. Esta atuação levou Fulas e Mandingas a fugirem para o Senegal e originou a paralisação quase completa das serrações locais e da atividade madeireira, de que Farim é um dos principais centros da Guiné.
Entre os rios Cacheu e Mansoa, a grande mancha florestal do Oio era a mais afetada, tendendo o PAIGC a alastrar a sua atuação para Oeste, na direção de Binar e Bula, e para Leste, tomando como eixo a estrada Mansabá – Bafatá. Por quase toda esta grande área, os guerrilheiros atacavam as forças militares portuguesas em operações que flagelavam aquartelamentos e povoações. Essas ações do PAIGC foram em geral caraterizadas por uma enorme agressividade, na área de Umpabá – Biambi (entre Binar e Bissorã) e no troço Bissorã – Olossato (que viria a deter o recorde de emboscadas entre todas as estradas da Guiné). Merece também referência especial a oposição do PAIGC à reabertura da estrada Mansabá – Bafatá, numa altura em que elementos do Exército Português estavam entregues às tarefas de limpeza de inúmeros abatises”. 

Leopoldo Amado
E, mais adiante:
“Nesse ano, o PAIGC alarga a sua atuação para o Norte, a partir do Oio até à fronteira com o Senegal, criando assim condições para poder ser reabastecido a partir deste país. Iniciou também a atividade no extremo Noroeste da Guiné e na área do Boé, visando pressionar a etnia Fula, e surge pela primeira vez com o chamado Exército Popular, numa ação sobre Guilege. De notar ainda, neste princípio de 1964, as flagelações em Mansabá, a Binar, ao Olossato e às zonas suburbanas de Bissorã e de Mansoa, bem como a primeira atuação dos guerrilheiros na estrada Bula – São Vicente, única que permitia ligações seguras entre Bissau e toda a região fronteiriça a Norte do rio Cacheu.
Em Abril, a atividade do PAIGC agravou as já enormes dificuldades das atividades económicas coloniais, na medida em que, conjugada com a obstrução das estradas que, na margem Sul do Cacheu, dão acesso à região, a sua ação abrangeu o ataque às serrações madeireiras que restavam e a destruição das tabancas fulas da zona fronteiriça de Cuntima, povoação, aliás, alvejada mais do que uma vez, na noite de 27 para 28, por diversos grupos de guerrilheiros que nesses mesmos dias atacaram Farim. O trânsito nas estradas tornava-se dia a dia mais difícil e perigoso, pois o PAIGC não só continuava a destruir pontes e pontões, a colocar abatises e a montar emboscadas, como começava também a implantar minas.
A primeira colocação de minas foi assinalada a norte do rio Cacheu, em Maio de 1964, numa altura em que a atividade do PAIGC já atingira o porto de Binta e se aproximava de Bigene. Os ataques às tabancas de Genicó e Sansancutoto, respetivamente a oeste e noroeste daquele porto, e a destruição da ponte de Sambuiá indicavam que os guerrilheiros pretendiam interromper as ligações rodoviárias entre Bigene e Farim e tornar ainda mais precária a situação em toda a área, ao mesmo tempo que, no Senegal, se procedia a uma grande campanha de mobilização junto dos refugiados (…). Em Junho de 1964, grandes massas nativas indefesas refugiam-se quer no Senegal (a maioria), quer ainda em Bissau, procurando fugir a todo o custo das pressões exercidas sobre elas dos dois lados: guerrilheiros e exército português”. 

E Leopoldo Amado acrescenta uma outra dimensão do alastramento da guerrilha:
“O alastramento para oeste do meridiano de Bula, realizado por grupos vindos do Senegal, foi feito em perfeita combinação com a progressão para leste de Farim e do Oio. Do mesmo modo, junto à fronteira senegalesa, o PAIGC começava a atuar na área de Canhamina, a sudeste de Cuntima. Um conjunto de ações e infiltrações desde Canhamina, ao norte até Cantacunda, Banjara e Badora, indicava claramente que o PAIGC pretendia alargar para leste a atividade que até então desenvolvera apenas nas regiões do Oio e de Farim”.

O historiador recorda também as atividades na chamada Região Centro-Leste, Enxalé, Xime, aliás foi no Xime a primeira localidade a usar-se o RPG, a bazuca soviética. No Corubal, em especial entre Margai e Ponta Varela, começaram os ataques aos navios comerciais ou de transporte pessoal. Ao norte de Bambadinca, em abril, a tabanca de Missirá foi assaltada. Outro aspeto que não se pode minimizar é o do uso de novos armamentos, metralhadoras, morteiros 82, o seu uso alastrou-se por muitas regiões e o uso de minas anticarro armadilhadas e detonadas à distância com a ajuda de um fio preso à cavilha de segurança. Pensa-se que ficou mais nítido o ambiente narrado pelo bardo a partir de Farim. Em Binta, como veremos adiante, a CCAÇ 675 reage com uma mentalidade ofensiva pouco comum, iremos ler algumas páginas do diário de JERO.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 29 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20409: Notas de leitura (1242): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (4): “O Prazer da Leitura”; Teorema e FNAC, 2008 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Retoma-se o Diário de JERO e algumas das suas páginas mais emocionantes e sintetiza-se alguns dos títulos significativos da história do BCAV 490 na sua zona de ação, aspeto bem curioso não muito distante por onde começou a sua atividade operacional, antes de ser lançado na batalha do Como.
Recorda-se Amândio César e até de uma sua visita a Binta. Procura-se escavar este período da guerra da Guiné e dói a falta de documentação ou relatos fundamentados. A mágoa é tanto maior quanto se sabe que à volta desse "homem providencial" de nome António de Spínola tudo se procurou deixar publicado, desde as suas primeiras diretivas, as suas viagens ao mato, as suas entrevistas, as suas aparições mediáticas nos Congressos do Povo, e o mais que se sabe. Com Louro de Sousa e Schulz é bem o contrário, parece mesmo que se procurou construir a imagem de que foram líderes impreparados para o turbilhão da luta armada. E não deixa igualmente de ser curioso que quem anda a historiografar nunca cite as instruções mais importantes destes dois oficiais-generais que estão publicadas em diferentes volumes da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África.
Enfim, muito caminho há a percorrer para se chegar à verdade histórica e a uma justa cronologia de toda aquela guerra.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (34)

Beja Santos

“Tivemos 3 feridos
o Sousa cego ficou.
José dos Santos Pascoal
muito sangue derramou.

À tardinha trabalhando
para estarmos descansados
fazendo recuar os malvados
que nos cordéis vão tropeçando.
Vamos granadas armando
nos sítios mais escondidos
para ver se os bandidos
não nos vêm atacar,
mas um dia, com azar,
tivemos três feridos.

Um grande desastre se dava
ao espoletar uma armadilha:
o 407 afrouxou a cavilha
e nisso não reparava.
Ao Alferes Monteiro a entregava
e o percutor desarmou.
Neste momento rebentou
levando-lhe dois dedos de uma mão.
E nesta mesma ocasião
o Sousa cego ficou.

A 13 de Outubro se seguia
quando uma mina explodiu,
o António de Sousa se feriu,
às 16 horas do dia.
No helicóptero se metia,
directamente para o Hospital.
Com seus colegas, muito mal,
tudo foi evacuado
e com o corpo estilhaçado
José dos Santos Pascoal.

Neste mês aconteceu
outra coisa amargurada:
Emídio bom camarada
no dia 25 morreu.
Uma úlcera lhe apareceu
que a morte originou.
Essa nascença rebentou,
foi grande a infelicidade
até ir para a eternidade
muito sangue derramou.”

********************

O bardo continua a desfiar o seu rosário de desditas, volta-se àquela bela página contida no diário de JERO, o “Diário da CCAÇ 675”, onde se descreve a retirada do Capitão do Quadrado para o Hospital Militar 241, cercado pela ternura dos seus militares.
É um texto pleno de sinceridade e ternura:
“Embora necessariamente combalido, o nosso capitão enquanto caminhava tranquilizava os que o acompanhavam que se sentiam manifestamente impressionados pelo acontecimento.
Renovado o penso e depois de estancada a hemorragia que tinha voltado a surgir durante a caminhada até à coluna, pediu-se helicóptero para evacuação urgente já que não se podia avaliar da extensão do ferimento e da sua gravidade. O estilhaço tinha penetrado profundamente e poderia ter lesado algum órgão importante.
Organizada a coluna, voltaram-se as viaturas já com todo o pessoal montado, iniciando-se o regresso o mais depressa possível pois o estado do nosso Capitão inspirava sérios cuidados.
Recusando-se a tomar sedativos que lhe aliviariam as dores mas que o tornariam inconsciente, continuou a dar ordens que eram transmitidas pelo furriel-enfermeiro.
Apenas uma centena de metros tinham sido percorridos quando, no meio de uma mata fechadíssima, um inimigo emboscado atacou. Um tiro de pistola inicial e depois rajadas de pistola-metralhadora. As viaturas pararam imediatamente, os ocupantes ripostaram o fogo inimigo.
Por duas vezes o Alferes Santos, que deve ter sido referenciado pelo inimigo por ter dado ordens em voz alta, foi particularmente visado, passando uma rajada de pistola-metralhadora bem perto da sua cabeça.
De salientar no momento, a calma e sangue-frio do nosso Capitão que foi sempre transmitindo ordens, insistindo pelo afastamento da coluna o mais rapidamente possível da zona de morte da emboscada. Com frequência, soldados abeiravam-se do Unimog onde seguia o nosso Capitão perguntando pelo seu estado, não conseguindo ocultar uma lágrima teimosa que descia pelos seus rostos sujos de terra e suor.

Cerca do meio-dia, quando seguíamos na região de Sansancutoto, surgiu dos lados de Binta o helicóptero pedido para a evacuação do nosso Capitão que, já há cerca de duas horas ferido, começava a sentir-se enfraquecido e com dores que os solavancos da viatura tinham aumentado.
Montada a segurança em círculo, o helicóptero desceu em manobra perfeita numa clareira junto à estrada.
O momento que se seguiu não mais será esquecido por todos aqueles que o viveram.
Alguns daqueles homens de camuflado que poucos quilómetros atrás tinham zombado das balas inimigas, desprezando a morte com um sorriso altivo nos lábios, choravam agora como crianças despedindo-se do seu capitão.
Não menos comovido, este, deixava correr livremente pelo seu rosto marcado pelo sofrimento, lágrimas de que um homem não se envergonha.
Todos queriam pegar na maca para o transportar até ao helicóptero; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça na maca do helicóptero; outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate; outro ainda quase que o obrigava a beber a água do seu cantil. Todos lhe queriam tocar, apertar a mão, desejar-lhe as melhoras para que voltasse depressa.
Será difícil para um mortal comum cujas emoções fortes nunca passaram além da discussão com um polícia por causa do estacionamento do carro ou de um momento mais emotivo de um desafio de futebol ou de uma tourada, avaliar do que se sente num momento destes, quando se vê sofrer um homem, que além de um chefe de excepção, é um amigo a quem se quer como a um pai e pelo qual todos nós daríamos um pedaço da nossa vida, um pouco do nosso sangue.”

E de Binta e de um ferimento que felizmente não trouxe graves consequências ao Capitão do Quadrado retorna-se à história do BCAV 490. Se nos é lícito fazer uma síntese, recorde-se que partiram para a Guiné em julho de 1963, onde permaneceram cerca de dois anos. Haverá um número substancial de alterações nos Comandos no decurso da comissão, farão inicialmente um conjunto de operações na região do Oio, partem depois para a Operação Tridente, que durou 71 dias. Após um período de recuperação em Bissau, o BCAV 490 sedia-se em Farim, o seu campo de ação não será minimizável: Farim, Jumbembem, Cuntima, Binta, Bigene, Barro, Guidage, Canjambari, viu-se que a CCAÇ 675, em Binta, foi confrontada com o inimigo que praticamente se passeava pela sua zona, o PAIGC precisava de transportar gentes, armamento e munições, abastecimentos de toda a ordem, através de corredores que saíam do Senegal e que apontavam primordialmente para a região do Oio. A história da unidade detalha minuciosamente as diferentes operações, a partir de junho de 1964, recorde-se a operação realizada à região de Farincó-Mandinga, em 24 de setembro de 1964, de que resultou captura de material e foram destruídas cerca de 37 casas de mato. Igualmente aqui se fez referência ao grave acidente sofrido em 5 de janeiro de 1961 pelo Pelotão de Morteiros 980. Sucedem-se as operações em que se destroem algumas casas de mato e se captura material, emboscadas, nomadizações, como é timbre na guerra de guerrilhas, vai-se da falta de resultados a sucessos inesperados. Foi o caso da Operação Vouga, realizada pela CCAV 487, em 31 de maio de 1965, não longe de Farincó e Fambantã, entrou-se num acampamento, houve reação de fogo, o inimigo resistiu e depois retirou, apreendeu-se bastante material, e escreveu-se no relatório que o inimigo persistia em permanecer na área, mudando de lugar. Em junho desse ano, deu-se a rendição do BCAV 490, foram-se deslocando de Farim para Bissau e de Bula para Bissau, ficaram aquartelados em Brá até ao embarque para Portugal. A história da unidade elenca os efetivos, as baixas sofridas, condecorações e o resumo do material mais importante apreendido às forças do PAIGC.

É tempo de voltar ao escritor e jornalista Amândio César e ao seu livro “Guiné 1965: Contra-Ataque”, Editora Pax, 1965.
É o seu regresso à Guiné para fazer reportagens, fala de Bissau e da sua evolução, da variedade de etnias que se espalham pelo território, a natureza da guerra subversiva conduzida por Amílcar Cabral, elenca os progressos no sistema educativo, faz o balanço de um ano de governo do General Arnaldo Schulz, as batalhas vencidas na doença do sono, da lepra e da tuberculose, as belezas do artesanato, recorda com saudade o falecido Capitão Francisco Torres de Meireles, falecido na região do Xime em junho desse ano, visita o régulo de Pachisse Sené Sané, acredita piamente que Bolama recuperará o esplendor do passado, visita o Chão Felupe, onde assiste a uma luta livre ao lado do Rei do Caruai, comove-se com o Juramento de Bandeira em Nhacra e visita Binta, onde foi recebido pelo Capitão Tomé Pinto e os seus oficiais.
Dedica alguns parágrafos a Binta, elogiosos:
“Diga-se desde já que quando a tropa aqui chegou encontrou apenas 38 pessoas nas tabancas que constituem Binta. A recuperação vai-se verificando dia após dia. O Capitão Tomé Pinto apresenta-nos o professor de Binta. Binta tem para mim um estranho significado: aqui deixou a vida o filho de um velho amigo meu – o Furriel Vilhena de Mesquita – que, em seis meses de Guiné, fora duas vezes gravemente ferido e morreu ao deflagrar de uma mina na estrada de Binta a Bigene. Vi partir o Furriel Vilhena de Mesquita para a Guiné e depois acompanhei o seu pai – o jornalista Rebelo de Mesquita – quando os despojos do filho chegaram a Lisboa”.

É um relato eivado de propaganda, contudo fala-se prudentemente da guerra, mais do desenvolvimento, dedica-se alguma atenção à história da imprensa na Guiné, à indústria no Ilhéu do Rei, dedica todas as suas reportagens aos soldados da Guiné, pela sua coragem, pelo seu sacrifício. Como atrás se disse, Amândio César fará uma segunda visita à Guiné, não se cansará de elogiar o trabalho de Arnaldo Schulz, considera que a subversão está a ser detida e a generalidade da população mantém-se fiel à soberania portuguesa.
Veremos adiante numa diretiva de Schulz datada de 1 de dezembro de 1966 que ele tece previsões muito sombrias para o futuro da Guiné.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 22 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20371: Notas de leitura (1238): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (33) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20381: Notas de leitura (1240): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (3): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20347: Notas de leitura (1236): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (32) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Aqui se fazem tréguas na indagação do que terá sido o pensamento estratégico dos dois Comandantes-Chefes que precederam Spínola, não se perca de vista que a história da guerra da Guiné carece fundamentalmente de uma investigação sistemática ao período que vai de 1962 a 1968, pairam ainda muitas nebulosas, há muita pesquisa em arquivos por fazer, a verdade histórica continua altamente condicionada.
Veio à ribalta o Capitão José Pais, que comandou a CCAÇ 14, em Farim, e abre-se o livro do diário de JERO, em Binta, em meados de 1964, andava tudo numa deriva, vai chegar a tropa do Capitão do Quadrado, entrou tudo num virote.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (32)

Beja Santos

“Muitos colegas foram feridos
os azares vão aparecendo.
Quando já estavam curados
o Diogo Augusto ia morrendo.

Ao caminharem pela estrada
feriram o furriel Ferreira
e no David à sua beira
acertaram com uma granada.
Nesta grande emboscada
Marques e Varela atingidos,
nos momentos aborrecidos
o Santos aleijou uma mão.
Neste mês de S. João
muitos colegas foram feridos.

O 490 a penar
muitos feridos já tem
e 6 baixas também
e não deixam de actuar.
Estão a ter muito azar
sempre com ataques sofrendo.
Vão o tempo percorrendo
nos arredores de Farim
e até que se chegue ao fim
os azares vão aparecendo.

O Garcês se aventurou,
pelo Comandante foi louvado.
Depois de ter rastejado
duas armas apanhou.
A sorte o acompanhou
mas tiveram azar muitos soldados:
depois de dois meses passados,
Varela e seu companheiro
foram feridos num carreiro
quando já estavam curados.

Helicóptero mandaram chamar
e para Bissau os levou.
O Varela na Amura ficou
levando o tempo a coxear.
O Santos, no Hospital Militar,
a operação lhe vai fazendo
12 dias não comendo,
começou a emagrecer
depois de tanto sofrer,
Diogo Augusto ia morrendo.”

********************

É da mais elementar justiça, já que continuamente aqui se fala em Farim, sede do BCAV 490, procurar uma peça literária alusiva, felizmente que ela existe. No dobrar do século, como é do conhecimento dos interessados, a literatura da guerra da Guiné viu uma das suas dimensões reforçada, o género memorial, começaram a aparecer livros de memórias às catadupas em detrimento do romance, novela, conto e até historiografia. “Coisas de África e a Senhora da Veiga”, por José Pais, edição de autor, 2001, é um grande livro de memórias, um documento inusitado pela fala do coração. O então Capitão José Clementino Pais era já um experimentado oficial do Exército: alferes, foi prisioneiro na Índia; depois, combateu para os lados de Nambuangongo; teve seguidamente uma comissão em Cabo Verde, e à quarta foi de vez, arribou à Guiné à frente da CCAÇ 14, feriu-se com gravidade em Farim, seguiram-se três anos de internamento hospitalar. É uma prosa onde não há enxúndia, é tudo económico e hábil, tem recorte de relatório. O desfiar das recordações anda sempre à volta de uma questão central que é cuidadosamente demarcada e depois segue em espiral. São narrativas avulsas que podem navegar entre o sentimental e a bruteza mais dura que a guerra consente. Para quem testou tal prosa, é bem penoso, constrangedor mesmo, diante desta arquitetura de contos reduzidos à medula, quase agrestes na geometria, ensaiar o resumo desta prosa de primeiríssima qualidade.
Fiquemos aqui com uma tocante história de amor, “A Xuxa e o soldado Marquito”.

“O Cabo Sila procurou nosso capitão, coisa de dimensão tamanha se passa na tabanca, envolve pessoal da CCAÇ 14, tropa Mandinga, sediada no perímetro de Farim, e convém esclarecer que quartel no sentido habitual do termo era coisa que não havia: uma arrecadação e um cubículo que servia de gabinete ao capitão, ao 1.º Sargento e a um Cabo ajudante entregue à papelada. Os poucos furriéis habitavam numa casa na povoação e os soldados na tabanca. É nisto que começa a história.

- Então diga Sila. Que se passa?
- Tem mesmo ‘pobrema’ nosso capitão. Tem menininha que gosta mesmo do soldado Marquito e já fugiu de casa do pai três “vez” para ir ter com Marquito!
- Então o que há a fazer é casá-los. Se gostam assim tanto um do outro!?
- Mas, nosso capitão, Xuxa é Fula e Marquito é Mandinga.

E Sila continou:
- Tem ainda outro ‘pobrema’ mais difícil.
- Sim. Diga lá.
- Menininha já casou com sobrinho do ‘Homem Grande’ de Jumbembem e ‘Homem Grande’ veio ontem na coluna para saber o que se passa.

Havia para ali coisa séria e explosiva. Foi chamado Marquito, confirmou tudo mas não tinha 3 mil pesos para casar com a Xuxa. Chamou-se a autoridade religiosa, não havia problema de casar Fula com Mandinga, a questão era devolver o dinheiro ao ‘Homem Grande’ de Jumbembem. À cautela, nosso capitão convocou reunião com toda a tabanca, até o chefe administrativo compareceu. Nosso capitão até cita o Corão. Chegou-se a um compromisso, nosso capitão adianta os 3 mil pesos, Marquito depois pagará em prestações. Nosso capitão, finda a reunião, pergunta a Sila se a reunião tinha corrido bem. 
- Muito bem nosso capitão. Mas agora ‘vai ter pobrema’, vais ter muito soldado a querer casar!

No dia seguinte, o primeiro-sargento, alarmado, comunicou que 27 soldados também queriam casar.
Estabeleceram-se umas regras que o General Comandante-Chefe, Spínola de seu nome, aprovou e casaram-se todos.
Só os que ainda não tinham ‘mujer’.”

E já que estamos em maré literária, é igualmente de elementar justiça abrir alas a um documento que faz parte da História, o diário da CCAÇ 675, conhecido como o 1.º Volume de “Dois Anos de Guiné”. É a todos os títulos um texto singularíssimo. Será porventura o primeiro diário de uma unidade militar na Guiné, meticulosamente escrito e documentado. Quem lhe deu letra de forma foi um furriel-enfermeiro de nome José Eduardo Reis de Oliveira, JERO assim ficará conhecido. O comandante da companhia era Alípio Tomé Pinto. O livro foi dado à estampa em 1965, em edição pirata, tivesse o Estado-Maior do Exército conhecimento desta ousadia e o hoje General Tomé Pinto passaria por muitos amargos de boca, descaro como este nunca se vira, contar tintim por tintim a história da unidade militar, logo a partir de maio de 1964, viagem a partir de Lisboa, chegada ao estuário do Geba, instrução operacional e em junho, no fim do mês, a companhia vai para Binta, Tomé Pinto ficará conhecido como o Capitão de Binta ou o Capitão do Quadrado.
Logo a descrição do aquartelamento:
“O local tinha uma forma mais ou menos rectangular, limitada por vedações de arame farpado num perímetro de cerca de 800 metros. Na ‘arquitectura’ de Binta avultavam a estrutura enorme de seis grandes barracões que tinham servido para armazéns de mancarra, agora abandonados e cheios de imundícies. Existiam ainda quatro habitações de pedra e cal, pequenas, duas das quais habitadas por famílias indígenas, uma outra onde dormiam os soldados do pelotão do Alferes Sequeira, da CCAV 489, que desde há três meses se encontrava na região, rodeada por bidons cheios de terra e troncos de palmeira, e ainda outra habitada por um indígena funcionário da Casa Gouveia. Os arruamentos eram regulares mas mal cuidados, com montes de lixo por toda a parte.
Disseminada ao longo de um caminho que saía do aquartelamento, estendia-se durante cerca de dois quilómetros a tabanca de Binta, com alguns bons edifícios de adobe e cal, e com muitas moranças, agora quase na totalidade desabitadas. A referir ainda uma importante serração de um metropolitano de nome Ribeiro, na Província há cerca de 30 anos, importante negociante de madeiras”.

Houvera uma receção com tiroteio, Tomé Pinto não está pelos ajustes, inicia a 3 de julho o reconhecimento da região envolvente, vão começar os estragos. População controlada pelo PAIGC anda por ali muito perto. Há nativos que são cercados, recusam a parar, são abatidos. Entra-se na tabanca de S. João. Junto à tabanca foram encontradas uma mala com manuscritos antigos, e três bicicletas, uma delas carregada com um saco de arroz, catanas e ferramentas agrícolas.
A seguir, parte um contingente para uma batida à região de Lenquetó, situada a cerca de 12 quilómetros de Binta:
“Passámos pelo esqueleto carbonizado de uma camioneta da serração de Binta que o inimigo havia destruído há poucos meses.
Às 4.45 horas estávamos perto do nosso objectivo. Ouviu-se por momentos com nitidez no silêncio da noite o ruído característico do pilão. Não muito longe cães latiram. Lentamente, a distância que nos separava de Lenquetó foi percorrida. Às 5.15 horas começou-se o envolvimento da tabanca, instalando-se em meia-lua os dois grupos de combate. Poucos momentos depois, viram-se alguns indivíduos sair caminhando na nossa direcção, sendo-lhes gritado que fizessem alto. Retrocederam rapidamente fazendo fogo de pistola de dentro da tabanca. As nossas tropas abriram fogo e durante alguns momentos 70 armas automáticas crepitaram fragorosamente numa mensagem de morte. A reacção do inimigo embora diminuta fez-se sentir. Um ‘suicida’ descortinou o nosso Capitão em pé e avançou para ele correndo com um ‘canhangulo’ em posição de fogo. Foi abatido depois de meia dúzia de passos”.

Esta mentalidade ofensiva vai continuar, chegam ou louvores, sucedem-se as batidas, os golpes de mão, as emboscadas com êxito, faz-se contacto com a população no Senegal, começam as obras de beneficiação, as forças do PAIGC começam rapidamente a sentir que a vida não lhes corre de feição, toda aquela região era cultivada por população controlada, todo aquele mês de julho vai permitir à CCAÇ 675 um relativo e provisório domínio de terreno.
Nem tudo são rosas, e JERO passa ao papel o que se viveu em 29 de julho de 1964:
“Quando anoiteceu, uma secção comandada por um cabo, foi emboscar-se junto da serração, apenas a 50 metros do aquartelamento, com a missão de aprisionar qualquer indivíduo que viesse a sair da casa de um nativo, que se suspeitava querer passar para os terroristas.
Tinha havido o cuidado de recomendar a todos os soldados para não fazerem fogo, pois se na verdade alguém saísse de tal casa suspeita, não levaria armas. Só em última instância e em caso de fuga utilizariam as armas. Infelizmente, apesar de todas estas recomendações e de não correrem qualquer espécie de perigo do exterior, a fatalidade aconteceu.
Um soldado, já depois da secção instalada, ao deslocar-se por detrás de um colega seu, foi tomado inexplicavelmente por um inimigo e atingido com um tiro à queima-roupa.
O estampido alarmou toda a gente e momentos depois soube-se da triste novidade.
Socorrido o mais rapidamente possível ainda no local do desastre pelo médico e enfermeiro da companhia, logo se verificou ser desesperado o seu estado. Conduzido depois ao posto de socorros do aquartelamento, entrou em coma, vindo a falecer poucos minutos depois.
O infeliz soldado, de nome Augusto Gonçalves, de Santiago do Cacém, veio assim a acabar de maneira estupidamente trágica os seus dias, morto por um próprio colega em que a noite e o medo fizeram disparar precipitadamente a sua G3.
Mas a vida não pára e a nossa missão iria continuar.
Embora com o luto na alma, não cruzaríamos os braços nem nos deixaríamos abater pela fatalidade.
Em breve o inimigo voltaria a sentir a força e a coragem indómita da tropa de Binta. E os resultados obtidos no nosso primeiro mês de operações falavam melhor do que ninguém do valor e da qualidade dos homens da 675”.

Depois desta viagem a um livro de memórias e a um diário (deste, voltaremos a falar) vamos regressar à “Resenha Histórico-Militar da Guiné” neste período de 1964, impõe-se procurar um pouco de luz para perceber como os altos comandos procuraram sustar a sublevação, organizar populações aterrorizadas, contrariar um inimigo ainda mal municiado mas já determinado, em 1964 o PAIGC está posicionado a pé firme na região Sul, a população pulverizou-se, quem ficou debaixo da bandeira portuguesa vive no perímetro dos destacamentos, quase todos eles na orla marítima, os outros, perto da fronteira ou no interior, irão sendo sistematicamente flagelados, instala-se o corredor de Guileje; ainda em 1963, forças do PAIGC atravessaram o Corubal, instalaram-se relativamente perto do Xime, cultivam bolanhas e não estão muito longe do Xitole; e consolidaram posições nas matas do Morés, vão estabelecendo corredores a partir do Senegal. Reconheça-se, entre outros méritos, que esta Resenha Histórico-Militar abre alguma luz sobre o delineamento estratégico de Louro de Sousa e Arnaldo Schulz, em termos de investigação é insuficiente, é certo e seguro que há muito papel nos arquivos dos ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar que precisam de ser pacientemente examinados e sistematizados para se perceber qual o alcance da linha estratégica que os dois primeiros Comandantes-Chefes imprimiram à máquina militar, desde que começou a luta armada até à chegada do Brigadeiro António de Spínola.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 8 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20324: Notas de leitura (1234): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (31) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): “Astronomia”, por Mário Cláudio; Publicações D. Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
O BCAV 490 entrou num torvelinho de operações e ocupa território, dá segurança às populações, faz renascer a vida. É o que Armor Pires Mota nos conta na sua passagem para Jumbembem. Há terríveis acidentes, virou-se um bote de borracha a caminho da península de Sambuiá, um pelotão de morteiros perdeu oito praças. É nisto que o acompanhante do bardo deu um salto no plinto da memória e foi até Guidage, a Guidage do cerco onde Salgueiro Maia nos deixou um relato dos mais pungentes que aquela guerra ofereceu. A história da unidade também refere uma companhia que faz parte da quadrícula, a CCAÇ 675, a companhia do Capitão do Quadrado, ele está em Binta, chega e vai metodicamente arrumando a casa, fez-se respeitar pela guerrilha, deu proteção a quem dela precisava, abriu itinerários até então intransitáveis.
Vamos contar.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (29)

Beja Santos

“Na cabeça foi atingido
este amigo e companheiro
João Félix na flor da idade
foi morto por um bandoleiro.

Era um homem operacional
que de nada tinha medo
e no meio daquele arvoredo
teve este golpe fatal.
Foi evacuado para o hospital
num transporte que foi pedido;
coitado, deu muito gemido,
quando o seu sangue perdia,
pois às 5 horas do dia,
na cabeça foi atingido.

Eram muitas as rajadas
para cima da nossa gente.
Ele levantou-se de repente,
jogando algumas granadas,
quando as tinha já acabadas
pediu mais granadas de morteiro,
e houve então um bandoleiro
que um tiro no rapaz deu
e logo nessa noite morreu
este amigo e companheiro.

Pela nossa Pátria querida
este soldado lutou,
muito sangue derramou
dando a sua própria vida.
Tanta fera enraivecida,
que só tem ruindade,
foi com grande barbaridade
que este crime praticaram.
De Samora Correia mataram
João Félix na flor da idade.

As suas famílias gritavam
quando dele se despediram.
Foi a última vez que o viram,
parecia que adivinhavam,
mas maiores gritos lançavam
ao chegar-lhes junto o carteiro.
Ele acalmou-os primeiro
e leu-lhes a má comunicação:
seu filho do coração
foi morto por um bandoleiro.”

********************

A história da unidade refere efetivos, a disposição e quadrícula e as operações. Em 12 de julho de 1964 houve uma ação nas matas de Ponta Caeiro, houve fogo intenso, do lado do efetivo comandado pelo Capitão Rui Cidrais houve vários feridos evacuados e ligeiros. Em 20 de agosto houve uma operação realizada a Sanjalo, incendiaram-se casas de mato, temos aqui uma referência à CCAÇ 675, a do Capitão do Quadrado, a que mais adiante se fará referência, o relatório é assinado pelo comandante, Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, ele esclarece que na área do objetivo foram encontrados terrenos recentemente cultivados. Em 24 de setembro temos uma operação realizada à região de Farincó-Mandinga, houvera referência a um acampamento de guerrilheiros com cerca de 16 casas de mato, intervieram pelotões da CCAV 487 e 488. O relatório é também assinado pelo Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro que em dado passo escreve o seguinte:  
“A marcha para a zona do objectivo decorreu conforme o previsto. Em consequência do perfeito conhecimento que o guia tinha do terreno e das notícias referentes à localização do acampamento inimigo, a companhia conseguiu chegar a trinta metros dele sem ser detectada. O inimigo surpreendido reagiu pelo fogo, só não tendo êxito devido à acção das 2 secções da vanguarda do dispositivo, que carregaram sobre o acampamento, obrigando o inimigo a tentar escapar desorientado, abandonando material de guerra”.

No início de 1965 decorrerá a Operação Panóplia, ficará associada a um grave acidente de que falecerão oito praças. O objetivo era a região de Sambuiá. Veja-se este aspeto curioso respigado do relatório quanto às casas de mato localizadas em Simbor:
“Estão junto à margem do rio Sambuiá entre a ponte e a povoação. Neste rio estão estendidas cordas que permitem ao inimigo agarrar-se a elas mantendo-se submerso, com parte da cara fora de água para respirar, quando a região é sobrevoada pela aviação; as mulheres e as crianças escondem-se no tarrafo ou nos cemitérios dos Mandingas de Sambuiá, ocultando-se nas sepulturas. O inimigo encontra-se em força nesta região e consta que tem oito metralhadoras com suporte antiaéreo. Em Talicó, o inimigo monta diariamente um serviço de vigilância com um serviço de 37 indivíduos”.

O relatório descreve os planos estabelecidos para a ação, como a mesma se desenrolou, chegou-se a Sambuiá, onde a CCAÇ 675 entrou em força. Verificou-se entretanto o acidente sofrido pelo Pelotão de Morteiros 980[1], que era constituído por 33 homens. Entrara numa lancha, o transporte seguiu pelo rio Cacheu.
Escreve-se o seguinte no relatório do acidente que ocorreu em 5 de janeiro de 1965:  
“Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o pelotão desembarcou para o bote de borracha no qual se faria o desembarque na península de Sambuiá. Embarcaram para o barco de borracha 25 homens, entre os quais o seu comandante, bem como o material e armamento. Como seria mais seguro não embarcarem todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, o comandante do navio pôs à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do Pelotão de Morteiros. Os dois barcos seriam rebocados pela lancha, de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na península onde se efectuaria o desembarque. Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco, onde eram transportados os 25 homens, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo. O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior rebentou, pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade. Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo comandante da lancha, e depois por mim, que em caso de emergência o cabo devia ser largado imediatamente. Depois de se navegar alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desequilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo para qualquer reacção, afundou-se rapidamente”.

Comunicado da imprensa de 1965
O Alferes José Pedro Cruz recomendava no seu relatório que seria de evitar nas operações em rios homens que não soubessem nadar e que nunca se devia rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios tripulantes do mesmo barco.

Inadvertidamente, vem-nos a recordação não do acidente desta gravidade mas uma situação de calamidade como aquela que se viveu no cerco de Guidage. Como se sabe, deve-se ao Capitão Salgueiro Maia um depoimento sem paralelo sobre este cerco e a sua chegada a Guidage, quadro de tragédia mais pungente não pode haver.

Salgueiro Maia
Antes porém ele conta-nos na sua “Crónica dos feitos por Guidage” um ataque com um pelotão da sua companhia que estava num destacamento.
Salgueiro Maia parte em seu auxílio:
“Para quem não conheceu a mata da Guiné, é difícil explicar como se consegue ir a corta-mato com viaturas tendo de encontrar passagem por entre as árvores, os arbustos, o capim alto, as ramagens com picos e, ao mesmo tempo, seguir na direcção certa, apesar de tentarmos ir o mais depressa possível.
Depois de rotos pela vegetação e cansados de correr ao lado das viaturas, chegámos ao local de combate. Ainda pairava no ar o cheiro adocicado das explosões; os homens tinham ar alucinado, de náufrago que vê chegar a salvação, mas, em lugar de mostrarem a sua alegria, estavam ainda na fase de não saber se era verdade ou não. Mando montar segurança à volta da zona e pergunto pelos feridos ao primeiro homem que encontro – tem um ar de miúdo grande a quem enfiaram uma farda muito maior do que ele; parece de cera, olha-me sem me ver e aponta com o braço. Sigo na direcção apontada e depressa vejo uma nuvem de mosquitos e moscas: já sei que à minha frente tenho sangue fresco. Debaixo de uma árvore, estão estendidos cinco homens; o capim está todo pisado; alguns dos homens estão em cima de panos de tenda; à volta estão várias compressas brancas empastadas de vermelho; o chão parece o de um matadouro, há sangue coalhado por todo o lado; a maioria do sangue vem de um dos homens que já está cheio de moscas. Dirijo-me para ele – está cor de cera e praticamente nu. Olha-me como que em prece; ninguém geme, o silêncio é total. Trago comigo o furriel-enfermeiro e um cabo-maqueiro. Mando-os avançar, assim como as macas. Dirijo-me ao ferido mais grave – o ferimento provém-lhe da perna. Tem em cima dela várias compressas empastadas de sangue. Tiro as compressas e vejo que o homem não tem garrote. Pergunto estupefacto porque é que não lhe fizeram um. Alguém me responde que o enfermeiro está ferido. 
Começo a sentir raiva".

Como o dia estava a tombar, e como era impossível recorrer a uma evacuação por helicóptero, depuseram-se os feridos nas caixas dos Unimog, entretanto o PAIGC volta a atacar com foguetões 122 mm. O ferido da perna morre.
E Salgueiro Maia escreve: “Guardo dele uns olhos assustados a brilhar numa pele branca e seca, a ficar vazia de vida porque em sessenta homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros-socorros: fazer um garrote”. O capitão por ali anda a contemplar os mortos de boca e olhos abertos, reage, tal como vai escrever: “Mecanicamente, tiro os atacadores das botas dos mortos, ato-lhes os queixos, ponho-lhes as mãos em cruz, os pés juntos. Com água do cantil molho-lhes os olhos e fecho-lhos. Olho para a minha obra e também não entendo”.

O pesadelo maior vem depois. No dia 22 de maio de 1973, Salgueiro Maia recebe instruções para seguir para o Norte, o PAIGC desencadeara uma ofensiva em Guidage, um autêntico cerco, minara estradas, trouxera mísseis terra-ar, havia um verdadeiro campo de minas anticarro e antipessoal na estrada Guidage-Binta. O Comandante-Chefe, perante a gravidade da situação, reage com a Operação Ametista Real. No meio daquele pandemónio, Salgueiro Maia recebe ordens para seguir para Binta-Farim e seguir depois com uma companhia africana e uma companhia de atiradores, o objetivo era rasgar o cerco, chegar a Guidage. Deixou-nos uma descrição memorável, é uma peça espantosa, única, sobre os desastres da guerra, viaturas a acionar minas anticarro, feridos e mortos, a progressão da coluna a corta-mato, mais explosões e ao fim do dia entra-se em Guidage, assemelha-se a um panorama lunar, preside a irrealidade.
É tudo dantesco por excelência, o que parece absurdo deixa de o ser, nenhum outro relator da guerra da Guiné foi tão ao fundo da banalização do horror:
“A enfermaria e o depósito de géneros tinham sido praticamente destruídos; como assistência sanitária, tínhamos um sargento-enfermeiro e alguns maqueiros. O pessoal dormia e vivia em valas abertas ao redor do quartel. Esporadicamente, errava-se por lanços por entre os edifícios ou o que deles restava. Como dormir no chão não é muito agradável, na primeira oportunidade passei revista aos escombros e tive sorte: descobri dentro de um armário que tinha pertencido a um alferes madeirense, que ficou sem uma perna, uma farda n.º 3, que me permitiu lavar o camuflado e, como prenda máxima, um bolo de mel e uma garrafa de vinho da Madeira quase cheia no meio de tudo partido. Com isto, fiz uma pequena festa com 3 ou 4 homens, porque era perigoso juntar mais gente. Nesta altura pensei em, depois de regressar a Bissau, ir ao HM 241 saber quem era o alferes para lhe agradecer tão opíparo banquete, mas tal não foi possível e ainda hoje tenho esse peso na consciência.
Nas minhas visitas pelos escombros, desci ao abrigo da artilharia, onde houvera 4 mortos e 3 feridos graves. O abrigo fora atingido em cheio por uma granada de morteiro 82 com retardamento; a granada rebentou a meio de uma placa feita com cibes; o resto do abrigo ficou totalmente destruído; o chão tinha um revestimento insólito – consistia numa poça de sangue seco, cor castanha com 2 a 3 milímetros de espessura, rachada como barro ressequido. O odor envolvente era um pouco azedo, mas sem referência possível; o sangue empastava os colchões e as paredes. A minha preocupação era encontrar um colchão. Depois de dar volta aos oito que lá se encontravam, escolhi o que estava menos sujo. Tirei-lhe a capa, mas o cheiro que emanava de dentro era insuportável; mesmo assim, consegui trazê-lo para a superfície, onde ficou a secar debaixo da minha vigilância, para não ser capturado por outro. Depois de bem seco e com os odores atenuados, levei a minha conquista para a vala, onde, para caber, tive de o cortar ao meio, fazendo bem feliz o meu companheiro do lado que, sem esforço, ganhou um colchão e sem saber de onde ele tinha vindo”.

Não se atina como é que a memória nos faz passar de meados dos anos 60 para aquela catástrofe de 1973, mas fala-se de Binta, de Guidage, de Farim, de Sambuiá. Dera-se uma evolução fenomenal, em poucos anos, o equipamento do PAIGC suplantara o das forças portuguesas, modificara-se a condução da guerra de guerrilhas, numa mistura de guerra convencional e de ataque surpresa. Agradece-se à memória agir assim, temos muitas vezes o condão de nos fixarmos numa data e esquecer completamente que nenhuma análise pode prescindir da sequência cronológica: fomos todos protagonistas, mas em tempos diferentes, o que uns viram de uma maneira, mais adiante os outros acrescentaram novos pontos de vista.

(continua)
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Notas do editor:

[1] - Vd. poste de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5077: Fichas de Unidades (5): História do Pelotão de Morteiros N.º 980 (José Martins)

Poste anterior de 18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20254: Notas de leitura (1227): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (28) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20263: Notas de leitura (1228): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20229: Notas de leitura (1225): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (27) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
A história de um batalhão em verso pode franquear as portas à investigação histórica e à convocação de uma série de escritores que, por portas e travessas, conheceram andanças um tanto parecidas como as do bardo. É esta manta de retalhos que se está a pôr em construção. O BCAV 490 tem determinada quadrícula, encontra-se na obra de Hélio Felgas o grande ecrã para o terreno em que as nossas tropas vão atuar, não há ilusões, é tudo áspero e difícil, há que combater e reconstruir, intimidar e fazer frente a guerrilheiros que têm estado a marcar pontos.
O autor do "Tarrafo", Armor Pires Mota, tem muito a testemunhar e na vizinhança, mais propriamente em Binta, as tropas da CCAÇ 675 vão entrar em ação e pôr o PAIGC a respeito, é a todos os títulos indispensável retomar a leitura de um documento extraordinário, o "Diário" de JERO.
Há que confessar que é entusiasmante trabalhar assim.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (27)

Beja Santos

“Em Farim aquartelada
a primeira Companhia.
Para Cuntima e Jumbembem
a nossa tropa seguia.

Quando a gente cá chegou,
fomos logo informados
que havia muitos malvados,
mas ninguém se assustou.
Algum tempo se passou
sem darmos notícias de nada.
20 dias a guerra parada
sem se ver nenhum terrorista
e a companhia do Baptista
em Farim aquartelada.

Com os homens à sua beira
saía o Sr. Capitão
patrulhando toda a região
em direcção à pedreira.
Saía de qualquer maneira,
fosse de noite ou de dia,
para ver se conseguia
alguns bandidos apanhar
e fartando-se de andar,
a primeira Companhia.

2 Companhias navegaram,
por Porto Gole passando,
em Bambadinca pernoitando,
a Bafatá eles chegaram.
A Contuboel e Canhamina passaram.
A 88 para Cambaju vem,
o Batalhão em Sucucó tem
de fazer grande operação
e duas Companhias então
para Cuntima e Jumbembem.

O 500 bom camarada
teve grande acidente.
Ia matando muita gente,
quando saiu fora da estrada.
A camioneta ficou amachucada
e o 502 a cabeça partia,
o 36 um braço torcia,
e o 90 também ficou mal.
E com destino a outro local
a nossa tropa seguia.”

********************

Já se fez recurso ao que nos diz a história da unidade, mas precisamos de um pano de fundo, ninguém desconhece que o estudo da guerra da Guiné, referente a este período, é parcimonioso em bibliografia, de tudo quanto se tem publicado é praticamente ininteligível o pensamento estratégico do Brigadeiro Louro de Sousa, entre 1963 e 1964, e é clamorosa a falta de documentação quanto ao pensamento estratégico de Arnaldo Schulz, é incompreensível a falta de investigação universitária, vive-se num quadro quase fantasioso em que a guerra da Guiné teve um período eruptivo, estendeu-se a guerrilha, as forças portuguesas foram apanhadas desprevenidas, pediram-se reforços, vieram minguados, estendeu-se a quadrícula, gradualmente apareceram mais efetivos, mais Marinha e Força Aérea, mas a guerrilha crescia e em 1968 Salazar terá encontrado um homem providencial para pôr cobro a tantos avanços, o Brigadeiro Spínola, parece que Louro de Sousa e Arnaldo Schulz não deram bem conta do recado. Porquê, em termos historiográficos, não se sabe, é buraco negro.

Dentro dessa pouquíssima bibliografia, e para que se entenda o mundo de que o vate é porta-voz, vamos recorrer a um trabalho de Hélio Felgas, que comandou de 1963 a 1965 o Batalhão de Caçadores 507, não muito longe de onde se irá posicionar o BCAV 490. Em 1967, o então Tenente-Coronel Hélio Augusto de Almeida Felgas escreve “Guerra na Guiné”, publicado pelo Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército. Nada de semelhante tinha aparecido no nosso panorama editorial, a ponto de o autor dizer na introdução: “Até agora a falta de informações, de filmes, de reportagens, de descrições, enfim, de elementos que explicam ao público o que é a guerra na Guiné, tem sido quase completa”. E como se estivesse a escrever um guia que irá culminar na sua autoglorificação, apresenta a Guiné Portuguesa, a sua história, a terra, o clima, a flora e a fauna, vilas e cidades, portos e vias de comunicação, a economia, as etnias, em primeiro lugar; em capítulo subsequente desvela os grupos políticos clandestinos, com especial destaque para o Movimento de Libertação da Guiné, a Frente de Luta pela Independência da Guiné e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde; exposto o terreno e os atores, Hélio Felgas vai descrever a guerrilha até final de 1963, é justo e certeiro sobre as insuficiências do Movimento da Libertação da Guiné e da Frente de Luta pela Independência da Guiné; revela-se bem documentado a descrever a eclosão da subversão e luta armada no Sul, enumera os atos de guerrilha do primeiro semestre, referindo igualmente que uma linha dessa guerrilha se estava a estender à área do Xime, o primeiro ataque que aqui ocorreu foi a 29 e 30 de junho; segue-se o alastramento da guerrilha em toda a região do Oio, onde logo no mês de julho foram desencadeadas ações num território que compreendia o quadrilátero Mansoa–Bissorã–Olossato–Mansabá, com alvejamento de viaturas, destruição de pontes e pontões, emboscadas, saques a casas comerciais, etc.

Ten-Cor Hélio Felgas
Atenda-se ao que ele escreve:
“Em poucas semanas todas as estradas da região tinham as pontes e os pontões destruídos ou estavam cheias de abatises. Em especial a estrada Bissorã–Mansabá – que dá acesso mais fácil à zona do Morés – foi metodicamente cortada com o evidente objetivo de evitar que as nossas tropas a utilizassem. Além de criar um vácuo que lhe proporcionasse refúgio seguro em Morés, o PAIGC pretendeu também inutilizar os eixos rodoviários de interesse económico para a Província. O principal destes eixos era a estrada Mansoa–Mansabá–Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida pelo Leste da Província e alguma da madeira cortada na região do Oio. A povoação de Mansabá, em si, constitui um importante cruzamento de estradas, pois por ela passam, além do eixo Mansoa–Bafatá, ou os de Bissorã–Bafatá e Farim–Mansoa. Esta atuação fez diminuir o trânsito rodoviário para o Leste da Província com o que ficaram sobrecarregados os já congestionados transportes fluviais pelo rio Geba”.

Ao findar do ano de 1963, diz o autor que o PAIGC atuava com certo à-vontade em grande parte do Sul da Província, o movimento das nossas tropas era dificultado ou impedido por milhares de abatises e pela destruição de pontes e outros elementos rodoviários; no extremo leste do canal do Geba, os “bandoleiros” atuavam nas áreas de Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca e no Oio conseguiu afixar-se, e procurava alastrar a sua aceleração em todos os sentidos: na direção de Binar e Bula, procurava penetrar na região dos Fulas, e para Norte, através do rio Cacheu, a fim de conseguir fácil ligação com o Senegal.

Os comentários de Hélio Felgas à evolução da situação são por vezes paradoxais e antinómicos: um PAIGC enfraquecido sem obter resultados palpáveis, muito disperso. No entanto, quando o autor descreve 1964, vemos o PAIGC a cortar estradas que ligavam a vila de Farim às povoações de Bigene, Bissorã, Mansabá e Cuntima, surgiram novas infiltrações na direção de Farim. E então escreve que “esta situação agravou-se ainda mais durante os meses de Fevereiro e Março, tendo Farim e Binta sido flageladas pelos terroristas que destruíram novas pontes e pontões e começaram a fustigar as populações nativas da área Jumbembem–Canjambari–Cuntima. Esta actuação levou Fulas e Mandingas a fugirem para o Senegal e originou a paralisação quase completa das serrações locais e da actividade madeireira de que Farim é um dos principais centros da Guiné”.
Mais adiante dirá que esta atividade na área de Farim aumentou, houve mais ataques às serrações madeireiras e destruíram-se as tabancas Fulas da zona fronteiriça de Cuntima:  
“Além disso, o trânsito das estradas tornava-se dia a dia mais difícil e perigoso, pois o PAIGC não só continuava destruindo pontes e pontões, colocando abatises e montando emboscadas, como começava também a implantar minas. A primeira assinalada a norte do rio Cacheu rebentou em Maio, numa altura em que a actividade terrorista alastrava ao porto de Binta e se aproximava de Bigene. Os ataques às tabancas de Genicó e Sansancutoto, respectivamente a oeste e noroeste do porto de Binta, e a destruição da ponte de Sambuiá, indicavam que os terroristas pretendiam interromper as ligações rodoviárias entre Bigene e Farim e tornar ainda mais precária a situação em toda a área. Esta intenção foi confirmada pelas flagelações levadas a cabo contra as povoações de Guidage e de Fajonquito, ambas a oeste de Farim, e pelo ataque à tabanca de Nova Uensacó, organizada em autodefesa e situada apenas a três quilómetros daquela vila”.

Aqui se faz uma pausa, é de crer que já há algum pano de fundo para se perceber o que vai ser a atividade do BCAV 490, temos a história da unidade, temos o “Tarrafo” de Armor Pires Mota e ali perto, em Binta, está a Companhia do Capitão do Quadrado, Alípio Tomé Pinto, haverá um furriel enfermeiro que escreverá um outro livro ímpar, o “Diário da Companhia de Caçadores 675”, escrito por José Eduardo Rodrigues Oliveira da CCaç 675.

A sede do BCAV 490, como atrás se referiu, é Farim, estamos em maio de 1964, as companhias dispersam-se, vão para Cambaju e Canhamina e depois para Jumbembem–Cuntima. É um dispositivo que inclui vários setores e posições: Farim, Jumbembem, Cuntima, Binta e Bigene, com posições em Barro e Guidage.

Transcreve-se o que vem na história do batalhão:
José Eduardo Reis Oliveira
“Quando o BCAV 490 iniciou a sua actividade neste sector, este estava seriamente comprometido pela actividade do inimigo. Os itinerários mais importantes estavam cortados e sempre que qualquer coluna saía das posições era atrevida e fortemente emboscada”.
Dá-se ênfase ao esforço das subunidades para fazer recuar as posições do inimigo, para concluir que:   
“A partir de Fevereiro de 1965, isto é, cerca de oito meses depois do batalhão iniciar a sua acção no sector, a iniciativa do inimigo passou a ser bastante reduzida, limitando-se a reagir fracamente a acções das nossas tropas. No entanto, a área de Canjambari, onde julgava encontrar-se seguro, pois mantinha os itinerários de acesso cortados, tanto o do nosso sector como o do sector vizinho, quando as nossas tropas procuravam desimpedir o itinerário a sua reacção era sempre conduzida com determinação e violência”.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 4 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20205: Notas de leitura (1223): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (26) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20213: Notas de leitura (1224): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (2) (Mário Beja Santos)