Foto (e legenda): © Miguel Rocha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Estas duas fotos, com uma diferença de cinco anos, servem para ilustrar uma outra visita, do MNF, realizada en 1966, três anos e oito anos antes (respetivamente), ao capitão Cristo e aos seus bravos de Bedanda, e reconstituída no livro de memórias do cap inf Aurélio Manuel Trindade (n. 1933) ("Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, 2010, pp. 340-342), de que temos publicado diversas notas de leitura (**)
Primeiro "hipotecaram um avião" (sic), um recurso sempre escasso e dispendioso naquela época e, para mais, no sul da Guiné, e depois "os resultados da visita foram menos que nulos porque foram negativos".
(...) A visita tinha sido mal planeada. Uma visita deste tipo deve ser acompanhada de algumas lembranças, bolas de futebol, por exemplo, ou rádios, jogos de damas, isqueiros, cartas, algo que possa servir para atenuar o isolamento destes homens. Nada disso foi oferecido à Companhia pela delegação do MNF.
(...) "- Senhor capitão, há quanto tempo está aqui?
─ Onze meses, minha senhora. [Ele queria dizer sete meses, desde julho de 1965, fez mal as contas. LG ]
─ Já foi à metrópole depois de ter chegado à Guiné?
─ Ainda não. Quando cheguei vim logo para Bedanda e daqui só tenho saído para o mato. Nem a Bissau fui.
─ Então hoje está cheio de sorte.
─Não sei porquê. Só se for por ter visitas. Para quem está isolado da civilização como nós estamos, as visitas são sempre bem-vindas e dão-nos muito prazer e alegria.
─ Era disso que eu estava a falar. E as de hoje são visitas especiais. Desde há onze meses que não via uma branca e hoje teve oportunidade de ver duas.
─ É verdade minha senhora. Nesse ponto tem razão. Já não via uma mulher branca há onze meses e daqui a pouco nem sei como elas são. Hoje vejo duas brancas e duma delas vejo as pernas até às coxas. Mas como deve calcular, isso é muito pouco. Quem está aqui no mato, na situação em que nós estamos, precisa e merecia mais do que ver brancas. E a esse respeito, como sabe, estamos a zero.
─ O senhor capitão é muito exigente.
─ Não, minha senhora. Primeiro não exijo nada, nem sequer a vossa visita. Segundo, tenho trinta anos e sempre ouvi dizer que um homem é um homem e um bicho um bicho. Além disso não sou de pau. Tenho as minhas necessidades como todos os homens e o instinto mais apurado pelas dificuldades por que tenho passado no que a nossa conversa subentende.
─ Compreendo a sua situação mas mais nada posso fazer.
─ De qualquer maneira muito obrigado pela intenção e pela boa vontade.
─ Senhor capitão, está na hora de me ir embora e acredite que deixo Bedanda com pena, e também sofro com a vida de isolamento que vocês aqui levam. Tudo o que puder fazer por vocês, farei. Gostaria, se me permitisse, de me despedir dos seus soldados à moda do MNF. (...)
A despedida da líder do MNE, perante a companhia formada na parada, foi, para surpresa de todos, feita com um valente assobio à cabreiro da Serra da Estrela:
(...) ─ Pedi ao vosso capitão para me despedir de vocês. Gostei de estar aqui convosco, estas horas, tenho pena de não poder estar mais tempo. Daqui a pouco é noite e o avião não pode levantar voo. Tenho que estar hoje em Bissau. Sei que são uma boa tropa, valentes combatentes. Estou contente por isso e deixo-vos a minha solidariedade, amizade e respeito, bem como a de todas as mulheres portuguesas que se sentem felizes por saberem, que mesmo em más condições, os soldados portugueses cumprem com eficiência as suas missões. Se me permitirem vou-me despedir “à MNF”. (...)
E o autor não deixa o leitor com água no bico, descreve o modo da despedida com detalhe e sentido de humor:
Guiné > s/l > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, então com 44 anos, na sua primeira viagem à sua "Guinezinha", falando para um grupo de militares; em segundo plano, um dos seus "braços direitos", também elemento da comissão central do MNF, [Amélia] Renata [Henriques de Freitas] da Cunha e Costa.
Fotograma do vídeo (6' 43'') da RTP Arquivos > 1966-02-01 > Cecília Supico Pinto visita Guiné (Com a devida vénia...)