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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18920: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIX: Afinal o "Chez Toi" era o antigo restaurante e casa de fados "O Nazareno", que eu frequentei no meu tempo


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Guiné > Bissau > Virgílio Ferreira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Diomingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de  75 referências no nosso blogue.

Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:

T009 – O ‘CHEZ TOI’ AFINAL ERA O ANTIGO RESTAURANTE E CASA DE FADOS ‘O NAZARENO’


I - Anotações e Introdução ao tema:

INTRODUÇÃO:

Vem este Poste comentar e tirar ainda algumas dúvidas do mal-afamado caso do ‘Chez Toi’ .

A reportagem do ano de 2011, que eu li agora do camarada Carlos Pinheiro, com 25 meses de Bissau (*), veio afinal desvendar alguns mistérios e dúvidas, que eu vou tentar acrescentar algo, com o meu tempo incomparavelmente inferior ao do Carlos, mas que também tenho algum contributo a dar, não me vou alongar, pois não é caso para isso.

Já li muita coisa sobre o Chez Toi, uma delas, um comentário que dizia que ficava numa Rua esquisita de má fama, e tinha uma Pensão, e outras coisas mais.

Partindo do princípio de que o Carlos Pinheiro sabe mais disto do que todos nós, e que se manteve em Bissau já passados uns anos após a minha saída, mantenho a minha versão que afinal eu não conhecia uma casa, boîte, cabaré seja o que for com este nome, aliás não havia casas nenhumas desta especialidade.

Então o Nazareno, restaurante e casa de fados, que era propriedade de um empregado da Casa Pintosinho, presumo que o Sr. Machado, que não deveria ter qualquer Cabo Verdiana por sua conta, isto é juntos, companheiros, amantes, pois que se for o Sr. Machado e julgo que deve ser, tenho esse pressentimento pois, como eu sou Machado também, ficou-me no chip este nome e a figura do homem.  [...] Pelo que sei é que ele não tinha mulher nenhuma e vivia lá há muitos anos.

Vamos então ao excelente comentário do Carlos Pinheiro, que praticamente já disse tudo, excepto que o Grande Hotel era o lugar por excelência em toda a Guiné, mesmo não sendo nada como o Polana em Lourenço Marques, era para aqui que vinha a malta toda da alta classe, as visitas importantes, os Comandos do QG, incluindo o Spinola, com quem tive o prazer de jantar na mesma sala no mesmo dia. Também no Solar dos 10 ali encontrei uma ou duas vezes o Spinola com convidados.

(i) O Carlos fala na Casa Santos e dos seus grandes bifes, que ficava na saída do QG! Não conheço e já agora teria interesse em saber. Tantas vezes eu vim do QG para Bissau e não me lembro desta afamada casa de comidas.

(ii) E o Bolola, pelo nome,  também não me diz nada, pode ser uma coisa mais recente.

(iii) A Casa Costa Pinheiro também pelo nome não vou lá, devia ser uma das muitas que faziam parte daquele ‘centro comercial’ da baixa de Bissau.

E agora vamos acrescentar alguns outros locais e sítios que não foram mencionados:

(iv) A Pensão da Dona Berta, ainda no mesmo quarteirão do Bento e da Gelataria, fui lá várias vezes e até tenho umas fotos lá no 1º andar.

(v) E o Stand da Peugeot com os seus carros e motas na montra, logo acima da Gelataria? Foi lá que comprei as minhas 2 motorizadas, e fiz a encomenda de um carro Peugeot, não sei qual, para levar a quando da minha saída, e que tanto prometi à minha então namorada, mas que depois não levei nada, pois devia ser complicado e dar trabalho para o transportar. Quando cheguei comprei o carro que estava na moda então, um Mini 1000.

(vi) Mais acima a caminho da Praça do Império, tínhamos do lado direito a Bomba de gasolina da SACOR, onde eu abastecia a minha motorizada, e até lá havia um mecânico que várias vezes fez umas reparações às motorizadas. Não me lembro dessa boba à saída de Bissau, deve ser mais recente para mim.

(vii) O Nazareno, se passou a ser a casa de má fama, Chez Toi, não é do meu tempo.

(viii) E a reportagem do Luís Graça passada lá, dá a entender que aquilo era mesmo mau, embora já tenha vindo à cena alguém dizer que nunca viu nada de especial.

(ix) Embora outro camarada, tenha dito que lhe doía a alma ver as raparigas ali fechadas na cave do estabelecimento. Outro também comentou que naquela Rua, dada a sua ligeira inclinação, os miúdos já praticavam as corridas nos carrinhos de rolamentos, que eu também tinha em criança.

(x) Pelas fotos anexas, e pelas muitas descrições já feitas, pode ver-se que o local não ficava em nenhuma zona de mau aspecto e de má fama, bem pelo contrário, era uma zona da parte nova e nobre de Bissau, onde mais tarde, 1984/85, lá vi instaladas as Embaixadas de Portugal e da França pelo menos.

(xi) As ‘Caves’ referidas, julgo tratar-se do Rés-do-chão da casa, como se pode ver nas fotos, a sala de jantar ficava no 1º piso, e tinha uma boa varanda para a rua e para as vistas, que eram excelentes, dado o contexto das outras.

(xii) O nome da Rua não sei, pode ser Arnauld Shulz ou Sá Carneiro, mas tenho a ideia que esta rua era uma perpendicular à Avenida do Império, ou andava por ali próximo, já um pouco afastada do ‘centro’ da cidade, desconheço os outros estabelecimentos que lá tinha, eu ia lá só para comer e beber.

(xiii) Faltaria ainda acrescentar às demais infraestruturas existentes, a Tabanca de uma amiga minha e depois lhe perdi o rasto.

(xiv) E temos de realçar as instalações do ‘600’ o Quartel onde ficavam instaladas as tropas que faziam a segurança ao Quartel General. Passei lá 2 meses a acertar as minhas contas.

(xv) E as magnificas instalações do Clube de Oficiais de Santa Luzia, não se pode deitar fora, era um oásis no meio do deserto, a sua piscina, a messe, os bares, as esplanadas, e até o Biafra que apesar de tudo não era assim tão mau.

Bom, quanto ao Chez Toi  está para já tudo dito, quem tiver mais que volte à carga.

Em, 2018-08-10


II – As Legendas das fotos familiares [, de 1 a 8].

F01 – Um jantar no Nazareno, em vésperas de Natal, Bissau, Dez 1967. Junto com o Furriel Riquito, camisa branca, e Alferes Verde, fardado. Era uma casa de fados também,

F02 – No restaurante e Casa de Fados ‘O Nazareno’ em Bissau, 23Dez67. Nesta foto estou sozinho, e não vejo imagens de mais ninguém que lá estivesse. Tem a data de 23 de Dez 67, e eu passei a véspera de Natal 67, de 24 Dez 67 em Nova Lamego, não há duvidas. A foto anterior poderá ser da mesma data, mas não parece. Devo ter embarcado nesse dia ou no seguinte no Dakota para Nova Lamego.

F03 – Na Varanda e esplanada do piso superior no restaurante ‘O Nazareno’ também com data na foto de Bissau, 23Dez67.

F04 – Novamente na esplanada-varanda do Nazareno, já passou o ano de 1968 e já estamos em 1969, não sei que data tem, pois são de slides e não tenho nada escrito. Pode ver-se que se trata de um lugar localizado em zona de bom aspecto. Bissau, 1969.

F05 – E nesta foto à porta do Nazareno, já se pode ver melhor o local, e agora também reparo numa ligeira inclinação da Rua e Passeio, onde os miúdos andavam de carrinhos de rolamentos. Continua a ser um local aprazivel, estamos na zona nova, Bissau 1969.

F07 – No Bento – 5ª Rep – porque era o local da ‘Contra Informação’ , onde todos sabiam e falavam de tudo, ao lado talvez de guerrilheiros do PAIGC ou familiares. Também se engraxavam os sapatos, não me lembrava antes de ver esta foto. Bissau, finais de 1967.

F08 – Na pensão da Dona Berta, um local privilegiado na Avenida do Império, a esplanada no 1º andar dava uma panorâmica de excelência. Bissau, Out/Nov de 1967.

Disse-me o meu amigo da CHERET, com quem estive na Quarta Feira dia 8 no Continente em Vila do Conde, encontramo-nos por acaso, eu e a minha mulher e ele e a sua nova companheira, mulher de estilo e bem apresentada, com os seus anitos. Conversamos de muitas coisas, que um dia vou falar quando voltarmos ao CHERET, mas não deixo de contar esta, que tem a ver com a foto. Foi aqui que ele esteve e o encontrei em Outubro de 67, na sua Lua de Mel.

Diz ele então que encontrou aqui um tal Mário Cláudio, que ele não conhecia (***), e que tinha recebido a visita da sua mãezinha que o veio ver, e aqui se encontraram. Mais tarde, muitos anos depois, já era o famoso escritor, e eles encontraram-se e falaram desse tempo. Estou a ler agora um livro dele, recomendado pelo meu amigo, mas é muito chato, tem palavras difíceis e algumas nem sei o significado, mas fica a ideia: ‘Os Naufrágios de Camões’.

F09 – Apresento a Suzi, uma moça que conheci na Piscina do Clube, nos primeiros dias em que cheguei à Guiné. Esta já é muito mais tarde. Bissau, Abril de 68.

Estamos a fazer exercício de barras, eu com os meus 47 kg fazia elevações até sempre.

Mando esta, das muitas, por causa da barra, pois o meu amigo CHERET – vamos chamar assim até ele me autorizar a dar o seu nome – contou-me há dias, que também fez exercícios na barra, só que ele com mais de 70 kg, a barra partiu, ele estatelou-se no solo e bateu com a coluna na beira de uma pedra, ficou paralisado, foi para o HM 241 esteva lá internado uns dias, e diz que ainda hoje sente dores na coluna devido a essa queda. Disse-lhe que ainda vai a tempo de meter um requerimento para uma Pensão de Invalidez, mas aquilo não foi em serviço, falta-lhe o nexo de causa-efeito, não há nada a fazer.

A Suzi era a filha do Coronel a quem foi dado o cognome de ‘O Lavrador’ pois era o responsável por toda a área do Clube e gostava de cultivar muitas coisas, nunca o conheci.

A Suzi, eu chamo-lhe a minha amiga, mas eramos apenas conhecidos, eu ia até a Piscina e ela estava lá sempre, por isso metemos conversa, mas sempre à distância. Nunca soube que o pai era o Coronel e Chefe lá do Clube, tenho muitas fotos com ela, em diversas alturas, mas acho que nem um cumprimento de mão demos um ao outro, para ela devia ser ‘mais um’ a tentar a sua sorte, mas nunca me passou pela cabeça nada a não ser o convívio e conversar, não sei a sua idade, mas vendo bem as fotos, e se aumentarmos o zoom em zonas pontuais, poderei concluir que ela teria os seus 15-16 anos, não sei, talvez.

Virgílio Teixeira, Em, 2018-08-10

(Faz hoje 49 anos da minha chegada a bordo do UIGE ao Cais de Alcântara, seguindo para Tomar, onde foi feita a parada militar pela cidade, dando assim por terminada a minha missão militar ‘Com Orgulho’.)

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«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

Caro Luís, conforme já tinha dito, e depois de ler já tanta coisa sobre este tema, resolvi escrever este relatório, para eventual Poste ou não, mas dar um contributo daquilo que eu tenho algum conhecimento, ou julgo que tenho. Alguém o dirá.

Mesmo em tempo de férias, a vida continua, e 'abortado' que foi o anterior Tema, vamos dar mais um pouco de algo para ler, e sonhar à sombra de um Poilão.

Um abraço,
Virgílio Teixeira
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(**) Vd. poste de 9 de agosto de  2018 > Guiné 61/74 - P18908: Estória de Bissau (20): A cidade onde vivi 25 meses, em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)... [Afinal o "Chez Toi" era a antiga casa de fados "Nazareno"...]

(***) Mário Cláudio, pseudónimo literário do nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande, Rui Barbot Costa [, nascido no Porto, em 1941, ex-alf mil, na secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70, foto atual à direita], chegado até nós pelo braço de outros dois camaradas, o Carlos Nery e o saudoso João Barge (1944-2010)... Recorde-se que os três participaram num espectáculo teatral, inédito em Bissau, estreado em 5/4/1970: a peça de Ionesco, "A Cantora Careca", encenada pelo Carlos Nery.

O Mário Cláudio é hoje considerado um dos maiores escritores de língua portuguesa. Sobre o seu último romance, "Os Naufrágios de Camões" (2017), ver aqui entrevista (polémica) que deu ao Diário de Notícias, em 13 de fevereiro de 2017.

Guiné 61/74 - P18918: O Spínola que eu conheci (33): Três histórias da Spinolândia (António Ramalho, ex-fur mil cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)



Guiné > Região do Cacheu > CCAC 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) > Destacamento de Pete > 9/11/1970 > Visita do general Spínola no dia seguinte ao ataque ao destacamento. À sua direita, o comandante do BCAV 2862 (Bula, 1969/70), ten cor Carlos José Machado Alves Morgado, o ten cor cav Morgado, nosso conhecido da Op Ostra Amarga (que aparece no fim do filme da ORTF com Spínola e Almeida Bruno; será cmdt da Academia Militar, em 1980/81; é general na reforma). (*)

Foto (e legenda): © Victor Garcia (2009) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Mensagem de António Ramalhox-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757:


Data: 11 de agosto de 2018 às 18:32

Assunto: Recordar é viver!

Caro Luís boa tarde.

Cada dia que vou ao blogue mais me enriquece e aviva a minha memória, todos os conteúdos são extraordinários!

Excelente périplo pelas ruas de Bissau do camarada Carlos Pinheiro (**), alguns nomes, locais e empresas que nos marcaram, todavia há uma que não foi referida - A.M. Correia de Paiva - nosso cliente, importador de largas toneladas de frangos para as tropas!

Ruas à noite, atapetadas com milhares de cascas d'ostra! No Pelicano tomei a primeira refeição aquando da minha chegada à Guiné.

Na Meta foi interdita a minha entrada por ir fardado, nunca mais lá fui!...

Não fui grande frequentador do QG (Biafra), tinha alojamento (permanente) em Engenharia!

O circuito nocturno geralmente terminava no Chez Toi sem antes passarmos pela Messe de Sargentos da Força Aérea!

Um dado curioso, as girls estavam em comissão como nós, só que eram rendidas com menos espaço e com muito menos gente a despedir-se ou a recebe-las no cais ou no aeroporto, obviamente!...

Relembrei-me de três histórias com o nosso ex-camarada gen António de Spínola, duas deleas presenciei-as, a primeira foi-me contada pela protagonista (***).

Vamos à primeira:

O nosso General teve um pequeno acidente com o seu monóculo, enviou o seu impedido a um oculista da cidade, cuja empregada era familiar do proprietário, natural duma aldeia perto da minha.

Avisado depois de reparado o monóculo,  foi ele mesmo levantá-lo com aquele seu ar austero, de camuflado engomado, sempre simpático para com as populações.

No acto da entrega pergunta-lhe a empregada:
- Senhor Governador, quer que embrulhe ou leva-o no olho?
- Menina, dê cá o monóculo, no olho levam vocês!...

A rapariga desmanchou-se a rir quando nos contou!

Segunda.

Aquando da minha estadia em Capunga, vejo chegar um jipe com o nosso general a bordo, chamei imediatamente o furriel mais velho que estava jogando à bola.

A seguir às formalidades e cumprimentos da praxe, pergunta-lhe o nosso general:
- Você é que é o nosso alferes?
- Não, não sou, meu general, o nosso alferes foi buscar água a Bula.
- Pois olhe, você tem muito mais cara de alferes do que muitos que para aí há!... Transmita-lhe que eu vim cá ver o andamento do reordenamento em Capunga.

Comentários do Alferes à visita inesperada:
- Caraças... Não me avisaram! 

Terceira

Aquando da minha estadia em Bissum, fomos visitados mais uma vez pelo nosso general tendo como companhia um governante brasileiro, na ocasião!

Depois da visita à população também decidiram visitar o aquartelamento. De passagem pela padaria o nosso cabo ofereceu-lhe pão quentinho, acabado de sair do forno.

Depois de o apreciar, manifestou-se encantado pela qualidade:
- Que belo pão, rapaz, parabéns!
- Meu general, se cá voltar amanhã ainda estará melhor!
- Adeus, rapaz, então até amanhã!

Até hoje...

Haverá mais histórias que o tempo nos irá avivar! Aguardo por um almocinho em Algés [, na Tabanca da Linha].

Um forte abraço para ti, extensivo a toda a camaradagem da Spinolandia, Guiné!

António Fernando Rouqueiro Ramalho
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(***) Último poste da série > 11 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15236: O Spínola que eu conheci (32): A primeira vez que comi caviar, foi com ele, em Bambadinca (Jaime Machado); um militar que eu admirava (João Alberto Coelho); em Antotinha, formámos o pelotão e batemos-lhe a pala no campo de futebol, em tronco nu: estávamos a jogar à bola, quando chegou de heli (Carlos Sousa)

domingo, 12 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18915: Memória dos lugares (380): O "Chez Toi", a casa de duas moradias, em frente aos serviços metereológicos, e que foi o primeiro cabaré da cidade... E depois da independência, era a chancelaria e a residência do embaixador... de França! (Nelson Herbert, EUA)


Guiné > Bissau > s/d > "Aspecto parcial e Câmara Municipal"... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")...

Segundo o nosso amigo guineense, de origem cabo-verdiana, Nelson Herbert,  jornalista que trabalhou na VOA - Voice of America, e vive nos EUA, a casa de duas moradias que se vê à direita, na imagem acima,  foi a antiga "boite" ou "cabaret" "Chez Toi"... Em frente era a "Estação Meterológica de Bissau" (edifício nº 8, assinalado no mapa em baixo)... Antes da independência, esta rua, que era perpendicular à Av da República (que partia da Praça do Império até ao cais do Pidjiguiti) chamava-se rua do engº Sá Carneiro (antigo subsecretário de Estado das Colónias que visitou o território em 1947, sendo governador-geral Sarmento Rodrigues).


Colecção de postais ilustrados: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


1. Mensagem de ontem, às 16h29, do nosso amigo Nelson Herbert


Ahahahaha, já estive no blog... cujas coordenadas não perdi... e a deliciar-me com as estórias do Chez Toi... num "flashback"!

Ahahaha, as fantasias sexuais nossas... nós, a meninada da rua/bairro... do Cabaret... E sabíamos lá nós o que era um Cabaret? 

Attached uma foto que creio ter sido já postado no blogue em que aparece a casa de duas moradias... do lado oposto do muro dos serviços de meteorologia... onde funcionava a boite/cabaret Chez Toi... e onde,  no pós-independência,  funcionou, pelo menos até 1980, a chancelaria e a residència da embaixada da França em Bissau...  (*)

Mantenhas cordiais, meu velhos amigos... Abraço fraterno

Nelson Herbert




 


Fonte: Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [ Disponível aqui em pdf ] (**)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18914: Memória dos lugares (379): No restaurante e cervejaria Pelicano, à noite, acabado de desembarcar em Bissau, em 9 de novembro de 1970, ouvindo "embrulhar" lá longe, talvez Tite, talvez Fulacunda...(Hélder Sousa)


(**) Vd. postes sobre a arquitetura e o urbanismo de Bissau, antes da independência:


14 de abril de 2014

25 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13042: Manuscrito(s) (Luís Graça (26): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte III): Sarmento Rodrigues, o seu palácio e a sua praça do império (fotos de Benjamim Durães, julho de 1971)

19 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13164: Manuscrito(s) (Luís Graça (28): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte IV): Na antiga avenida da República (, hoje Amílcar Cabral), os edifícios da Sé Catedral (João Simões, 1945) e dos Correios (Lucínio Cruz, 1950/55)


20 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13312: Manuscritos(s) (Luís Graça) (33): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte VI): O novo bairro da Ajuda (1965/68), um "reordenamento" na estrada para o aeroporto...

12 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13392: Manuscritos(s) (Luís Graça) (36): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte VII): O melhor edifício da cidade, a Associação Comercial, hoje sede do PAIGC, projeto do arquiteto Jorge Chaves, de 1949-1952

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18910: Memória dos lugares (378): Restaurante, pensão e "boite", o Chez Toi fazia parte do roteiro de "Bissau, by night"... O estabelecimento situava-se na rua engº Sá Carneiro... Desdobrável publicitário: cortesia de Carlos Vinhal.













Desdobrável publicitário do "Chez Toi", restaurante, pensão e "boite", sita na rua eng Sá Carneiro. Exemplar da coleção do nosso coeditor Carlos Vinhal. Data: Bissau, 15 de fevereiro de 1971. Parece que em 1973 também era conhecido por "Gato Negro"...

Foto (e legenda): © Carlos Vinhal (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Afinal, em que é que ficamos ? "Nazareno", casa de fados e restaurante (em 1968) ? "Chez Toi", pensão, restaurante e "boite"  (em 1970/71) ? "Gato Negro", de novo casa de fados  (em 1973) ? (*)

O Carlos Vinhal (ex-Fur Mil Art e Minas e Armadilhas da CART 2732 (Mansabá,1970/72),  nosso coeditor, tinhs guardado, no seu "baú",  esta precioso documento a que já tinha feito referência num poste de há 12 anos atrás (**)-

Na altura, no início  de 1971, o Chez Toi era pensão, restaurante e "boite"... O Carlos mandou-nos também  outros documentos, dizendo:

(...) Luís: Junto envio uma factura referente à estadia de dois dias no Hotel Portugal, onde estive na companhia dos camaradas Furriel de Alimentação Costa e Cabo Maciel. Como te deves lembrar, podíamos ser muito ricos, que mesmo assim nos estava interdito o acesso ao Grande Hotel, onde só podiam ficar Oficiais (por mais labregos que fossem) e civis. Nós, os furrielitos, praças e demais maltrapilhos estávamos confinados ao melhor que havia, nomeadamente o Hotel Portugal ou o Chez-Toi.

A propósito do ChezToi, eles tinham um desdobrável, do qual junto parte, que sucessivamente ia aparecendo: Abra com cuidado, Desdobre de vagar e leia com atenção, Vá..., comer..., no..., CHEZ TOI... Especialidade em Cachupa Rica, etc. (...) 

Ora a cachupa é um prato típico cabo-verdiano... Será que a gerência era cabo-verdiana ?

Em 1968/70, o Carlos Pimheiro diz-nos que a casa de fados Nazareno foi  "mais tarde rebatizada de Chez Toi" (***).

O Tó Zé Pereira da Costa, na altura capitão de artilharia, garante que "o Chez Toi chamava-se Gato Negro em 1973"... E acrescenta: "Era a mesma coisa, mas com nome mais pomposo. Até tinha uma fadista que cantava axim, mas tirando isso era uma casa muito respeitável" (***)

No logue Lamparam III, editado pelo nosso amigo e grã-tabanqueiro da primeira hora, Leopoldo Amado,  também enocntrámos uma referência a um guitarrista, guineense,  Zeca Fernandes, que animava as noites de gala do Chez Toi, considerado " um dos primeiros Night Club de Bissau" (****)

2. Destaque, por fim, para o testemunho do nosso camarada Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Bambadinca, 1970/72) ("Uma ida ao Pilão"), para quem o "Chez Toi", em 1972, era um "cabaret chungoso", equivalente hoje a "um bar de alterne":


(...) Foi aí por volta de 30 ou 31 de Março de 1972 que os acontecimentos se passaram. Estava eu em Bissau, de passagem, para mais um mês de férias na Metrópole, embarcava no avião da TAP em 2 de Abril.

O NRP Orion (...)  foi onde jantei naquela noite, a convite do Comandante Rita, sendo também convidado o ten RN [reserva naval] Alves da Silva, conhecido entre nós pelo petit-nom de Eduardinho. Não me lembro da ementa, mas foi excelentemente acompanhada pelos belíssimos néctares existentes na garrafeira daquele navio.

O [alf mil ] Martins Julião estava em Bissau a chefiar a comissão liquidatária da CCAÇ 2701 [, Saltinho, 1970/72]: sabendo que me encontrava a bordo da Orion, apareceu no fim de jantar, ainda a tempo de beber uns uísques.

Por volta da meia-noite, ou ainda mais tarde, resolvemos ir ao Chez Toi, um cabaré chungoso, o que se chama agora casa de alterne. 

Apanhámos um táxi no porto e lá seguímos para a má vida. O Rita, como habitualmente, ainda poderia beber mais uma garrafa nas calmas, eu, o Alves da Silva e o Julião já estávamos um pouco mal tratados. O cabaré estava repleto, já não cabia mais ninguém. Convencemos o empregado a trazer-nos uma Old Parr, mais quatro copos e ali ficámos encostados ao muro a dar conta da garrafa.

Subitamente chega um carro em alta velocidade, Peugeot 404 preto, que faz uma travagem maluca ali em frente, e donde sai o Cap Tomás, ajudante [de campo] do Caco [, gen Spínola]. Vinha bastante encharcado, mas deitou a mão à nossa garrafa bebendo uma boa golada. A única pessoa que ele conhecia bem era o Rita. Queria ir para as gaijas, não sei fazer o quê, naquele estado. Convenceu o Comandante e lá entrámos os quatro para o 404, era o carro da D. Helena [Spínola], onde o único meio sóbrio era o meu amigo Rita." (...).

_______________


(....) Mais tarde, um encontro fortuito ou o retomar de uma velha amizade, viria a ligar o José Carlos ao Duco Castro Fernandes. O irmão deste, o Zeca, do mesmo apelido, considerado na época um bom guitarrista, dava noites musicais de gala no Chez Toi , um dos primeiros Night Club de Bissau. 

Duco aprende com o irmão os segredos da viola e transmite-os ao seu fiel companheiro que se aplica na técnica da utilização do instrumento com uma relevada paixão. Este exercício daria nascimento ao grupo recreativo “Roda Livre” e ao conjunto musical “Sweet Fanda”. Mas a vida não era só a alegria dos momentos de confraternização ou o carinho que brota de um lar familiar. Com a idade, novos desafios se lhe defrontaram. (...)

(ªªªªª) Vd. poste de 24 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: NPR Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18908: Estórias de Bissau (20): A cidade onde vivi 25 meses, em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)... [Afinal o "Chez Toi" era a antiga casa de fados "Nazareno"...]

1. Texto (e fotos) de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2011 (, já publicado sob o poste P8138) (*).
O Carlos Pinheiro tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue e conheceu Bissau como poucos de nós, já que lá viveu 25 meses... Colocado no QG, nas horas também dava uma ajuda no estabelecimento do o seu parente, Costa Pinheiro, estabelecido em Bissau desde os princípios dos anos 50. A casa Costa Pinheiro era uma das boas casas comerciais de Bissau. Achamos oportuno revisitar a cidade de Bissau dos anos de 1968/70 (**)


A Cidade de Bissau em 68/70

Texto e fotos de Carlos Pinheiro

A esta distância no tempo, recordar a cidade de Bissau onde passei mais de 25 meses da minha vida, obrigatoriamente e sem alternativa de escolha, não é fácil, mesmo assim é bom recordar Bissau, para que a memória não esqueça e para que outros possam também recordar e testemunhar.

Bissau era uma cidade simpática onde havia um pouco de tudo e acima de tudo muita tropa, muitos militares em movimento, a chegar, a partir e a estar. Não era uma grande metrópole mas tinha infra-estruturas que uma cidade de província, na Metrópole de então, não tinha, não podia ter e nem tinha que ter. 

Tinha por exemplo um Aeroporto, na Bissalanca, que é certo se confundia de algum modo com a BA 12, já que as pistas eram as mesmas e, aliás, o Boeing da TAP só lá ia uma ou duas vezes por semana, levar de regresso combatentes que tinham vindo de férias, buscar outros em sentido contrário e acima de tudo levar e trazer correio tão indispensável para o apoio moral das tropas e especialmente dos seus familiares cá na santa terrinha. 

Na maior parte do tempo eram os FIAT G91, os T6 e os DO27, para além de outros meios aéreos, os únicos a utilizar as pistas quando eram lançadas Operações onde o apoio aéreo tinha uma preponderância mais que evidente.

E, claro, também era dali que saíam os helicópteros, os Alouette III, para as Operações, mas acima de tudo para fazer as evacuações dos doentes e dos feridos

Tinha também um porto de mar, que por acaso era no rio Geba onde, por vezes, os barcos maiores, o Uíge ou o Niassa, não atracavam.

Mas barcos como o Rita Maria, o Ana Mafalda, o Alfredo da Silva, o Manuel Alfredo, todos da Sociedade Geral, da CUF, esses porque eram mais pequenos, atracavam. Também o Carvalho Araújo, penso que dos Carregadores Açorianos, nos seus últimos tempos de vida, também ali atracava. Mas era um porto com poucas condições. Este último barco, porque tinha pouca autonomia, tinha que ir, na viagem de ida, a S. Vicente, Cabo Verde, meter água e nafta e no regresso, era no Funchal que atestava.

Tinha ainda outro porto, este mais de pesca, o Pidjiguiti, tristemente célebre pelos massacres que precederam a guerra da independência.

Mas tinha o Palácio do Governador, tinha a Associação Comercial, tinha algumas casas apalaçadas de arquitectura tipicamente colonial, tinha um cinema, a UDIB tinha dois campos de futebol, o campo da UDIB e o Estádio dos Cajueiros,  à Ajuda, tinha um comércio florescente, especialmente dominado pelos libaneses, onde tudo se vendia desde o alfinete ao camião, tudo importado, principalmente do Japão, mas também dos States, da Inglaterra, da Escócia, da Itália, da Holanda, da Checoslováquia, da França, etc., e naturalmente da Metrópole.

E Bissau tinha algumas casas que toda a malta conhecia pois era lá que convivia, que matava saudades e acima de tudo matava a fome e a sede. 

Logo à saída do QG havia o Santos, a que simplesmente, mas com muito carinho, chamávamos o “Enfarta Brutos”, onde se comia, talvez a maior febra de Bissau. Parecia que tinha as orelhas de fora do prato, tal era a sua dimensão. Mas as batatas fritas a acompanhar também mereciam respeito. Quanto à cerveja, ela era igual em todo o lado, desde que estivesse bem fresca e isso às vezes conseguia-se e muita até era da Manutenção Militar.

Mas lá em baixo, na cidade, tínhamos outras casas emblemáticas. Tínhamos a Solmar, que não tinha nada a ver com a outra de Lisboa, mas que já era um bom restaurante que também vendia muita cerveja para acompanhar as ostras e o camarão.

Tínhamos o Solar do 10, casa mais pequena mas mais requintada, onde por vezes à noite se cantava o fado depois de uma jantarada ou ceia.

Tínhamos o Zé da Amura onde se comiam uns chispes que iam para lá enlatados não sei de onde, mas que, à falta de melhor, eram apreciados.

Tínhamos, na Praça Honório Barreto, o Internacional, o Portugal e o Chave de Ouro, tudo cafés/cervejarias mas também onde se comiam umas febras ou uns bifes, quando havia.

Mas na Avenida principal [ , a Av da República], que ía do porto ao Palácio do Governo, também havia o Bento, café e esplanada característica da cidade a que vulgarmente nós, os militares, chamávamos de “5ª Rep.” já que o Quartel-general só tinha 4 Rep, 4 Repartições.

Para a malta, ali era portanto a 5ª repartição onde quem chegava do mato se encontrava com os residentes, onde se trocavam informações e onde, se dizia, que essas informações vadiavam ali dum lado para o outro do conflito. Ao lado do Bento,  mais para o interior, era a Bolola, onde esteve o Serviço de Material, depois transferido para Brá, e onde era o Cemitério que ainda guarda os restos mortais de muitos camaradas nossos.

Nessa avenida estavam talvez as maiores casas comerciais. Por exemplo a Casa Gouveia, da CUF, que vendia ali de tudo e que tudo comprava o que os naturais produziam, principalmente a mancarra (2), o Banco Nacional Ultramarino, o banco emissor da Província, o Cinema UDIB e ao lado uma boa gelataria, mais acima, a Pastelaria, Padaria e Gelataria Império, assim baptizada por estar já na Praça do Império onde se situava o Palácio do Governo e  a Associação Comercial.

Também era nessa Avenida que estava a Sé Catedral, templo de linhas tão simples quanto austeras.

A caminho de Brá e da SACOR, havia um local chamado Benfica onde havia um café com o mesmo nome e onde se apanhavam os transportes para os vários quartéis daquela zona como eram o Hospital Militar 241, o Batalhão de Engenharia 447, os Comandos, os Adidos e mais à frente a BA 12 e o BCP 12 [, em Bissalanca]..

Mas havia outros estabelecimentos dignos de recordação. A casa de fados Nazareno, mais tarde rebaptizada de Chez Toi, a Meta com as suas pistas de automóveis eléctricos, e como novidade também apareceu naquela altura O Pelicano, café-restaurante construído pelo Governo e explorado por privados, com uma belíssima vista sobre o Geba e avenida marginal.

Na Avenida Arnaldo Shulz, que ligava a Estrada de Santa Luzia à tal SACOR, a caminho de Brá, sempre ao lado do Cupelão [ou Pilão], estava o Comando Chefe das Forças Armadas à esquerda de quem subia, um pouco mais abaixo, os Bombeiros Voluntários de Bissau num grande quartel nessa altura muito bem equipado, a Cruz Vermelha, estes do lado direito e até a sede local da PIDE, que nessa altura já se chamava DGS, também do lado direito mas já junto ao Largo do Colégio Militar.

Era uma avenida nova, como se fosse uma circular urbana onde as boas vivendas também começaram a aparecer.

No princípio da Avenida que ia para Santa Luzia, antes de se chegar ao Hospital Civil, estava o Grande Hotel, nome pomposo do melhor estabelecimento hoteleiro da cidade. O resto era pensões, algumas de quinta escolha.

Mas o comércio de Bissau não era constituído só por cafés, restaurantes e tascas. Havia de tudo. E há nomes que não se esquecem. Para além da Casa Gouveia, o maior empório daquele então Província Ultramarina, como então se dizia, a Casa Pintosinho, a Taufik Saad, a Costa Pinheiro, e muitas outras vendiam de tudo, são nomes que ficaram para sempre na memória.

Havia, claro, várias casas de fotografia, como por exemplo a Agfa perto da Amura, que ganhavam muito dinheiro na medida em que era raro o militar que não tivesse comprado a sua Fujica, Pentax, Nicon, etc., a que davam muito uso. Muitas casas vendiam roupa barata, nessa altura já confeccionada em Macau, especialmente aquelas camisas de meia manga, calças de ganga e sapatos leves.

Era assim Bissau naquela época.

Carlos Pinheiro
 [, Torres Novas,]
16.04.11


2.  Comentário do nosso editor LG:

Recorde-se aqui a "dica" sobre a localização do Chez Toi, dada em tempos pelo nosso amigo Nelson Herbert, jornalista guineense que foi para a América, onde trabalhou na VOA - Voice of America:  era na mesma rua onde ele vivia, e onde ele e os putos seus amigos brincavam com o seu "primeiro carro de rolamentos" (sic), utiliziando para o efeito o "declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro [, subsecretário de Estado das Colónias, que visitou a Guiné em 1947, ao tempo do Sarmento Rodrigue]"... Essa rua era "a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital" e indo dar "à messe dos Sargentos [da Força Aérea]"...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de abril de 2011 >  Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

(**)  Último poste da série > 9 de agosto de  2018 > Guiné 61/74 - P18907: Estórias de Bissau (19): O Pilão e o Chez Toi que eu conheci... (António Ramalho)... Comentários de Valdemar Queiroz, Virgílio Teixeira, Costa Abreu e Juvenal Amado sobre o primeiro "night club" que abriu na capital guineense...

Guiné 61/74 - P18907: Estórias de Bissau (19): O Pilão e o Chez Toi que eu conheci... (António Ramalho)... Comentários de Valdemar Queiroz, Virgílio Teixeira, Costa Abreu e Juvenal Amado sobre o primeiro "night club" que abriu na capital guineense...

1. Mensagem de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757:

Data: 4 de agosto de 2018 às 10:58
Assunto: O Pilão e o Chez Toi!

Caro Luís, bom dia!

Cada dia,  o bloque que, em boa hora criaste,  me enriquece pela qualidade e conteúdos nele inseridos, fazendo-me recordar temas que o tempo não conseguiu apagar sendo  interessante motivares a sua lembrança. Relembro alguns factos:

(i) Foi no Pilão que pratiquei o meu "primeiro acto social" aquando da minha chegada a Bissau, levado por um célebre taxista, João Kabala!

Foi lindíssimo, pele sedosa...  memórias que guardo com muita graça já que nos preliminares do encontro a avó se retirou da sala de estar,  levando consigo... o penico!

(ii) No Chez Toi, versão francesa, Gato Preto,  versão guineense, há um pormenor que ainda hoje me arrepia,  que era o facto das raparigas ficarem "encurraladas" na cave durante o dia, uma tristeza!

Todavia nunca assisti a cenas desagradáveis como a que referes (*).

Era um pequenino oásis onde nas poucas vindas a Bissau nos esquecíamos do resto...

Tinha um camarada de Engenharia que tudo fez para conseguir retirar uma daquelas raparigas daquele degredo para irem almoçar... Fartou-se de namorar, nunca o conseguiu. Tinha um vestido lindíssimo em seda para lhe oferecer no dia do repasto, mesmo assim teve dificuldade em fazê-lo chegar à destinatária!

(iii) Uma noite, em Lisboa, fomos tomar um copo à Tágide, ironias do destino, reencontrou-a lá!... Estás a imaginar a cena?!... Foi uma festa, até as paredes abanaram, e a Ponte Salazar também, naquele tempo, presumo eu!

Um forte abraço para ti, extensivo a todos os camaradas da Guiné.
António Fernando Rouqueiro Ramalho


2. Comentários ao poste P18895 (*)

(...) Excelente narrativa, até parece que estamos a ver um filme em que é abordado toda a envolvência histórica daquele tempo, incluindo a zaragata e apenas faltou saber como estava vestido o tipo com o bioxene. Excelente guião para um filme. 

Interessante também é eu ter estado por várias vezes em Bissau, duas vezes para vir de férias, uma para entregar material usado e outra a aguardar transporte para Nova Lamego depois de estar internado no Hospital devido a uma grave infeção numa perna, e não conhecer a Chez Toi e agora não me lembrar de sequer ouvir falar. Ficava sempre numa Pensão, na rua do Serviço de Meteorologia, em que tudo era da tropa e até faltava a almofada da cama. (...)


(ii) Virgílio Teixeira:

(...) Eu que já disse que conhecia tudo, e volto a dizer o mesmo, no Pilão em particular, dada a minha facilidade e autonomia de transporte aliada à minha loucura, não sei mesmo onde ficava, ou se já existia no meu tempo [1967/69] o Chez Toi. Não estamos a confundir com 'A Meta' ? (...)

(...) Ando a marrar no Chez Toi, se ele existia no meu tempo eu tinha de conhecê-lo. Em que ano/mês terá sido aberta esta Boite? (...)


(iii) Juvenal Amado:

(...) O meu amigo de infância e dos bailaricos José António prestava serviço na companhia de Transportes de Bissau. Quando fui de férias, o meu amigo conseguiu arranjar um beliche na sua camarata e assim demos uma volta pela a noite de Bissau e passamos à porta do Chez Toi. Não entrei e as estórias que contavam sobre o estabelecimento eram repletas peripécias. Dizíamos por graça que estava para chegar a rendição, para as que lá estavam, no próximo navio. (...)


(iv) Júlio Costa Abreu:

(...) Lembro-me bem do Chez Toi. O dono/gerente era empregado da casa Pintozinho e estava amigado com uma cabo-verdiana do Pilão. Quanto à Meta,  era do Geraldes, dono da casa de fotografia que ficava na mesma rua do Chez Toi e era casado com a Natália que tinha uma pensão junto a casa da fotografia. (...)
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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18904: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (108): O Carlos Silvério, nosso futuro grã-tabanqueiro... n.º 783... Encontrei-o na Lourinhã e ele contou-me o seu... "segredo" ... Também me disse que morou em Bissau, na rua do "Chez Toi", quando lá esteve, casado, com a Zita, em 1972/73...


Oeiras > Algés  > 35.º almoço-convívio da Tabanca da Linha > 18 de janeiro de 2018 >  "O Carlos Silvério, meu amigo, camarada, vizinho e conterrâneo... Veio com a Zita. O casal é lourinhanense... 'Periquitos', na Tabanca da Linha. Ele, furriel miliciano,  da CCAV 3378, andou pelo Olossato e por Brá, antes de a gente fechar as portas da guerra, entre abril de 1971 e março de 1973. A Zita esteve com ele em Bissau... Já o convidei meia dúzia de vezes para se sentar à sombra do nosso poilão... Mas ele diz que prefere o sol... Lugares ao sol..., não temos na Tabanca Grande, só à sombra... Espero que ele ainda entre ao 7.º convite... Ficou a ponderar: parece que o problema é a foto... fardada. Enfim, temos que compreender e respeitar quem tem alergias às fardas" (*)...

Foto: © Manuel Resende (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Encontrei, este domingo passado, o meu amigo e camarada Carlos Silvério (**). Tinha vindo à missa da tarde, aqui na igreja da Lourinhã. Perguntei-lhe pela saúde da sua esposa Zita,  bem como  pelo padre Batalha, prior da freguesia de Ribamar onde ele mora (, e que é um grande amigo da Guiné-Bissau)... Um vai passando melhor, a outra, lá vai lidando (mal) com os seus problemas de coluna... Bem diz o povo: "Até aos quarenta bem eu passo, depois dos quarenta, ai a minha perna, ai o meu braço!"...

Como não podia deixar de ser, sempre que o reencontro, voltei a perguntar-lhe, pela enésima vez, quando é que ele tem pronta (leia-se: digitalizada...) a tal foto do tempo da tropa ou da guerra... Garantiu-me que sim, que a foto já está digitalizada pela sua filha e só ainda não a mandou porque está à espera do nº... 783 para formalmente pedir a inscrição no blogue...

Porquê este "fétiche", esta obsessão com o n.º 783?... Nós só vamos no n.º 776 (***). Faltam, portanto, 7 números para chegarmos ao 783, altura em que ele se quer inscrever... Em boa verdade, e ao ritmo de entrada de novos membros da Tabanca Grande, só daqui a dois ou três meses é que ele nos dará a honra da sua presença, sentando-se então à sombra do nosso poilão...

Ele já tinha feito essa confidência ao nosso coeditor Carlos Vinhal. E, respeitando a sua vontade, vamos ter mesmo que honrar seu pedido. Que é uma ordem, tratando-se de uma camarada da Guiné, e para mais filha da Lourinhã... Vamos então reservar esse número, o 783, para ele.

Vamos lá explicar melhor, para que não se pense que é um capricho dele... O 783 era o seu número de soldado-instruendo na recruta, em Santarém. Acabada a recruta, e quando ele se preparava para ir uns dias de férias, andava a passear com a sua Zita nas ruas de Santarém, quando passa rente a um major de cavalaria... Distraído com a namorada, mal deu conta dos galões amarelos do oficial superior que lhe fez a tangente... Mas ainda foi a tempo de se virar e de lhe bater a pala... O major continuou o seu caminho, mas, matreiro ou sacana, foi dar uma volta e, logo mais à frenre,  virou em sentido contrário  para o apanhar de frente. O Carlos desta vez não foi apanhado desprevenido e fez-lhe, corretamente, a devida continência... Mas o senhor oficial estava mesmo determinado em lixá-lo. Tirou-lhe o número (o 783) por causa da desatenção anterior.

Resultado: quando o Carlos Silvério chegou ao quartel, já tinha a participação do major... Enquanto o  resto do pessoal (cerca de 400)  foi gozar unsmerecidos  dias de licença em casa, o Carlos ficou de castigo no quartel... Seguindo depois diretamente, de Santarém para Tavira,  para o CISMI, numa penosa viagem de comboio que levou toda a noite, ...

Compreensivelmente, o Carlos Silvério "ficou com um pó" aos oficiais de cavalaria, em geral, e aos majores, em particular, nunca mais se esquecendo do seu azarento n.º 783 da recruta em Santarém. Ele é primo do tenente general reformado Jorge Manuel Silvério, nascido em Ribamar, em 1945, e já lhe contou em tempos esta peripécia que o deixou desgostoso em relação à instituição militar...

Está, pois,  explicado o "mistério" do n.º 783... e o desejo de só entrar para a Tabanca Grande depois do n.º 782...

2. Também me disse que gostou muito de ler a minha "short story" sobre o "Chez Toi" (****). Ele morava em Bissau, depois de vir do Olossato, com a Zita, já casado, justamente na rua do "Chez Toi"... Já não se lembra do nome da rua, só sabe que ia dar à  messe dos sargentos da Força Aérea (*****).

De resto, era complicado sair e entrar, numa rua "mal afamada" como aquela, sobretudo de noite, para uma jovem branca, casada, como era o caso da Zita.

Ficamos a saber, pelo depoimento do Carlos Silvério, que o "Chez Toi" existia (ou ainda existia) em 1973/74... Ele e a Zita costumavam ir ao Pelicano jantar e também comer ostras numa casa ali perto.. Eram 25 pesos uma travessa... Também costumavam comprar camarão, acabado de apanhar no Rio Geba, às vendedeiras locais que por ali passavam...

Boa noite, Carlos, fica registado o teu pedido e é hoje divulgado o teu desejo de seres o nosso grã-tabanqueiro n.º 783... Esperemos que, rapidamente, apareçam seis camaradas ou amigos da Guiné para perfazermos o teu número. Fica aqui a nossa promessa: o 783 fica reservado para ti!...

Um beijinho para a Zita, com votos de rápidas melhoras.
Um alfabravo para ti.

(LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de janeiro de  2018  > Guiné 61/74 - P18241: Convívios (839): 35º almoço-convívio da Tabanca da Linha, Algés, 18/1/2018 - As fotos do Manuel Resende - Parte II: Tudo gente magnífica... "Caras novas", com destaque para o pessoal da CART 1689, camaradas dos escritores Alberto Branquinho e José Ferreira da Silva

(**)  Último poste da série > 15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (108): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 2 de agosto de 2018 >  Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.

(****) Vd. poste de  4 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18895: Estórias de Bissau (18): Uma noite no Chez Toi: o furriel Car…rasco, meu anjo da guarda... (Luís Graça)

(*****) Segundo o nosso amigo Nelson Herbert,  jornalista guineense  que para a América, era aí que ele e os putos seus amigos brincavam com o seu "primeiro carro de rolamentos", utiliziando para o efeito o "declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro [, subsecretário de Estado das Colónias, que visitou a Guiné em 1947, ao tempo do Sarmento Rodrigue]"...  Essa rua era "a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital" e indo dar "à messe dos Sargentos [da Força Aérea]"...

sábado, 4 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18895: Estórias de Bissau (18): Uma noite no Chez Toi: o furriel Car…rasco, meu anjo da guarda... (Luís Graça)

Luís Graça, Bambadinca, c. 1970/71
Estórias de Bissau > 

Uma noite no Chez Toi: o furriel Car…rasco, meu anjo da guarda...

por Luís Graça

[ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]



Conheci-o no "Chez Toi", em Bissau. Ou melhor, reconheci-o, de Tavira, do CISMI, onde ambos estávamos a tirar a especialidade de armas pesadas de infantaria. Pertencíamos, ambos, à Companhia de Instrução, e ao pelotão do tenente Esteves (o tal que  nos tratava com mimos: “Rapazes, vocês são a fina flor da Nação”… e a gente repetia  "... a flor do entulho",  a rebolar-se na merda do mercado do gado bovino ou no lodo das salinas de Tavira). (*)

Ele era o matulão do furriel Carvalho, transmontano, com ar de durão, mas que gaguejava ligeiramente…. Voltaríamos a encontrarmo-nos, mais tarde, muitos anos depois… Só então me confidenciou que tinha a alcunha de Car…rasco, por ter dado o tiro de misericórdia a um balanta do PAIGC que se esvaía em sangue, sem pernas, depois de uma bazucada em cheio,  no decurso de uma operação (**)…

Em Bissau, eu estava hospedado no "Chez Toi", naquela espelunca, de paredes de tabique, que à noite funcionava como “boite”. Tinha um nome chique, em francês, "Chez Toi" ( "em tua casa"). Mas eu nunca me senti em casa, nos dois ou três dias em que lá dormi...

Para os gajos do mato, desenfiados em Bissau, de tomates inchados e bolsos cheios de pesos, que não viam há meses um pedaço de carne de fêmea, branca, o "Chez Toi" devia ter um especial encanto que eu não conseguia descortinar… Mas eu também caí na esparrela de lá ir parar… Devia trazer-nos algumas reminiscências do “bas fond” de Lisboa, que o resto era paisagem no Portugal de então, tão maneirinho, tão chato, tão piegas, tão púdico, tão beato…Nesse tempo ainda era o francês de praia a língua da cultura dominante da noite…

De facto, não sei como lá fui parar, ao "Chez Toi"… Publicidade enganosa, decerto. Mas para o caso não interessa. Andei dois ou três dias “desenfiado” em Bissau, antecipando o gozo do início das férias na Metrópole. Aguardava o avião da TAP para Lisboa. Eram as primeiras férias pagas da minha vida, pagas pela Pátria, com o soldo do soldado, o patacão da guerra … (Devo dizer que não tive problemas de consciência nem devolvi, à Pátria, o “dinheiro, sujo, de mercenário”, saudação a que tive direito à chegada, num dos primeiros grafitos que me lembro de ver, naquela época, num dos muros do quartel da Avenida de Berna, em Lisboa, onde, se não me engano, funcionava uma merda da tropa ligada ao recrutamento… Ainda não havia grafitos em Lisboa, como há hoje, mas alguém pintara, com pincel grosso e tinta de parede, vermelha de sangue, o slogan provocatório: “Mais vale, em Paris, operário, do que na guerra, mercenário”… Era um óbvio apelo à deserção,)

Estávamos em plena época das chuvas, em junho ou julho de 1970, já não me recordo bem ao certo. A atmosfera em Bissau era asfixiante. E eu deixava para trás um ano de intensa actividade operacional. Nessa noite fui dar uma volta ao “bas fond”, como estava na moda dizer-se. Intelectualóide que se prezasse, falava francês, ou pelo menos usava expressões coloquiais em francês, como o “vachement bête”, ou “emmerder”, “copain”, “copine”, “salut”… (Ecos serôdios e longínquos do Maio de 68 em Paris, que nos chegava tarde, a Lisboa e  a Bissau, ao nosso pequeno Vietname). Mas o “bas fonds” em Bissau era, para a tropa-macaca, o Pilão. E um dos atos de "heroísmo"  da malta do mato, desenfiada em Bissau, era dormir uma noite inteira no Pilão… Sem guarad-costas nem arma,,,, Enfim, pura bravata, provocação ou leviandade!...

Por azar, no “Chez Toio”, logo na primeira noite, alguém arrombou a porta do meu quarto, forçou o cadeado da mala de cartão e fanou-me uma Dimple que no mercado local representava um salário um salário e meio de um lavandeira ano mato… Duas ou três garrafas de uísque, velho, era toda a riqueza que eu levaria a bordo para a Metrópole, para além de algumas peças, baratas, de quinquilharia e artesanato, que ainda tencionava comprar no Taufik Saad.

Nessa mesma noite, tive uma conversa (deveras desagradável) com o gordo do gerente do “Chez Toi”, sebento, empertigado na defesa da honra e do bom nome da casa. As suspeitas recaíram logo num dos rapazes, "papel do Biombo", se não me engano, que fazia o serviço de quartos. Ali não havia criadas, só criados, como no resto de África. Alguns clientes, à civil, mais exaltados, de copo de uísque na mão, juntaram-se a nós, a mim e mais o meu parceiro do Pilão, em azeda discussão com o gerente. E aí, às tantas, o clima começou a ficar propício à pancadaria e ao linchamento. É a famosa lei de Gresham do conflito, a bola de neve que amplifica o conflito e faz perder de vista o pomo da discórdia e os protagonistas iniciais.

Eu e o sacana do gerente já tínhamos chegado a um arremedo de acordo de cavalheiros, e o ladrãozeco de uísque suava por todos os poros, ao ver que não tinha nenhum buraco no chão para se enfiar. Foi quando alguém mandou um copo ao chão e berrou, alto e bom som, um chorrilho de asneiras e provocações racistas:
- Filhos da puta de nharros, cambada de barrotes queimados, turras de um cabrão!... E anda aqui um gajo a foder o coirão no mato para o Spínola lhes proteger as costas em Bissau!...

O garnisé que cantava de galo àquela hora da noite era um gajo, branco, seguramente militar, trajando à civil, de estatura meã, mais baixo do que eu, mas mais entroncado. Estava visivelmente embriagado. Tive então a infeliz ideia de responder à sua provocação:
- O camarada vai-me desculpar mas a conversa não é consigo, nem o assunto lhe diz respeito… Além disso, eu estou numa companhia de africanos, lá no mato, no leste, e não gosto de ouvir expressões como nharros ou barrotes queimados, porque são racistas, ofensivas para com…

O tipo não me deixou sequer completar a frase, saltou como uma onça de garras afiadas, direitinhas à minha carótidas… Foi a primeira (e única) cena de porrada, a sério, em que eu me vi envolvido na tropa e no teatro de operações da Guiné, com luta corpo a corpo… De facto, nunca tinha sentido o "inimigo" tão perto, olhos nos olhos, as unhas enfiadas no meu pobre pescoço…

Providencialmente foi nessa altura que ele apareceu, fardado, o meu anjo da guarda... Com divisas de furriel, segurando o energúmeno com autoridade e classe, e salvando-me daquela situação de embaraço e apuro... Escusado será dizer que o meu agressor também era militar e, ao que parece, estava em Bissau, de férias, noutra pensão rasca, ali ao lado. Os amigos, de ocasião, que o acompanhavam, tiveram o bom senso de o levar até ao Geba e apanhar o ar mais fresco da madrugada, antes que aparecesse a ramona… Quando me dei conta eram duas e tal da manhã…

Ele, o meu salvador, que por sinal também estava hospedado no "Chez Toi", era nem mais nem menos do que o meu camarada de pelotão, de Tavira, com quem eu de resto ainda tinha umas velhas contas por saldar… Furriel Carvalho, lembrei-me do nome... Estava numa compamhia lá para os lados de Quínara, depois de ter passado pelo leste, região de Gabu, se não erro... Resumidamente, aqui a vai a minha versão dessa história que me estava atravessada e que remontava a 1968, em Tavira, e que depois fiquei a rememorar durante o resto da noite no “Chez Toi”…

Numa das sessões de treino de boxe, que fazia parte da nossa instrução, dada pelo famoso tenente Esteves, levei dele uns socos valentes nos queixos. Eu tinha adotado uma atitude claramente passiva de quem não estava disposto nem a aleijar nem a ser aleijado… Esperava que o meu parceiro, com mais cabedal do que eu, 12 cm mais alto do que eu, entrasse no jogo do faz de conta… Mas qual quê!... Ele assim não o entendeu (ou não quis). Pelo contrário, assumiu logo de início uma postura viril, de combate. Sabia que estava a ser observado pelo instrutor e que aquilo era um teste de agressividade. Estava obcecado com a ideia de vir a poder ser um dos cinco melhores do curso, e assim, eventualmente, livrar-se de ir parar ao Ultramar, gorada a hipótese de ter ido para a Polícia Militar… por ter chumbado nos testes psicotécnicos ou, mais provavelmente, por ter sido ultrapassado por um gajo com cunha.

Devo confessar que, depois desse dia, fiquei-lhe com um pó dos diabos!... Não tinha, pois,  grandes razões para me lembrar dele como um dos bons camaradas de tropa, bem pelo contrário!... Acabei por perdê-lo de vista, até ao dia em que o Niassa levou as nossas duas companhias para a Guiné (ou ele ia em rendição individual, já não me recordo).

Como nunca fui um gajo de ressentimentos, fui buscar uma das garrafas de uísque que ainda sobravam da mala de cartão arrombada e lá ficámos à conversa, até de madrugada, contando as nossas peripécias de heróis da Pátria… Sei que no dia seguinte o gerente do “Chez Toi” mandou-me consertar a mala e repor a garrafa roubada… Honra lhe seja feita.  
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. a série Estórias de Bissau (com 17 postes até agora publicados, entre novembro de 2006 e dezembro de 2008):

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa) 


Sobre a série Galeria dos meus heróis, vd postes anteriores:

13 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P168: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã (Luís Graça)

13 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18881: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 63 e 64: que grande burro!, aposto que nenhuma mulher acreditava nesta treta [, o meu voto de castidade]...





Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Aerograma do Natal de 1973


Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*):

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;


(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook;  é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.


2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerograma as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1.º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade, os "Serrotes" (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. cap.º 34.º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;

(xxii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;

(xxiii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];

(xxiv) considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos... e vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele;

(xxv) vê, pela primeira vez. enfermeiras, brancas, paraquedistas; apercebe-se igualmente guerra psicológica; queixa-se de a namorada não receber o correio; mada um texto para o jornal "O Século" que decide fazer circular pelo quartel e onde apela a uma maior união do pessoal da companhia, com críticas implícitas ao capitão Serrote por quem não morre de amores: na sequência disso, sente-se "perseguido" pelo seu comandante...

(xxvi) vai de baixa médica para Bissau, mas não tem lugar no HM 241; passa o Natal de 73 e o Ano Novo de 1974 nos Adidos; conhece a "boite" Chez Toi onde vê atuar alguns elementos do grupo musical Pop Five Music Incoporated, a cumprir o serviço militar na Guiné.


3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 63 e 64

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


63º Capítulo  > Natal e  Passagem de Ano 1973 


Adoeci e fui evacuado para o hospital, em Bissau. Não havia camas vagas na enfermaria e fui parar ao quartel dos Adidos, medicado com meia dúzia de comprimidos e um xarope. Não informei nenhum familiar, nem escrevi a ninguém sobre o meu estado de saúde. O meu mapa ficou em branco durante três semanas.

Apenas tenho comigo uma foto da noite de Natal de 1973 para provar que a passei nesse local. Embora não goste, vou contar de memória, e muito resumidamente, o que se passou na noite de Natal.

Os únicos soldados estranhos à unidade que estavam nos Adidos eram eu e mais cinco colegas. Falhara o nosso regresso a Fulacunda que devia acontecer antes do Natal, por falta de transporte. Não sabendo que não iríamos regressar ao quartel, eu e os meus colegas gastámos o dinheiro quase todo na boémia, em Bissau.

Orgulho-me do que fiz nessa época, juntamente com um sargento que nunca conhecera antes. Alugámos um táxi e fomos ao quartel-general, onde o cabo cozinheiro que ficou a substituir o meu amigo Castro nos arranjou batatas, bacalhau, grão-de-bico, ovos e me emprestou mil escudos. 

Dividindo os gastos com o senhor sargento, comprámos bebidas e vários produtos ligados ao Natal, que conseguimos encontrar nas lojas de Bissau. Com autorização do oficial de dia nos Adidos, pudemos usar a cozinha e recordo que cozinhámos em terrinas e não em panelas. O certo foi que mais uma vez festejei a ceia de Natal em franco convívio e, podem acreditar, também nessa noite as bebidas chegaram para mais de cem soldados dessa unidade que eu e o sargento andámos a distribuir por quem estava de serviço.

Acordei de manhã na cama do sr. oficial de dia com uma garrafa de whisky ao lado. Foi ele que mandou o ordenança deitar-me completamente embriagado.

Obrigado, sargento.

Na noite de passagem de ano de 1973 para 74, ainda pior estávamos. Tinham-nos dito que regressaríamos antes do fim do ano sem falta e isso não aconteceu. O dinheiro que ainda restava do empréstimo teve de chegar para todos. Comemos o rancho do quartel.

No dia 3 de Janeiro de 74 já estava em Fulacunda e no dia seguinte voltava ao normal. Se é que conto a seguir pode entrar nos padrões da normalidade!


64º Capítulo  > A boite Shá Tuá [Chez Toi]


“Deves estranhar só teres recebido dois aerogramas meus neste tempo todo e um apenas dizendo que ia para Bissau e outro com desenhos alusivos à quadra natalícia”.

A realidade é esta: durante um tempo achei que não me safava e decidi cortar com tudo.

- Penso que não devo andar a ficar muito bom da tola -disse eu ao 1º sargento Santos.

“Estive doente e devo voltar para o hospital outra vez em breve parece que será logo no inicio de Fevereiro. Ninguém me diz o que tenho, ou não sabem, ou não querem dizer. Sei que estou a ficar outra vez com pouco peso, se morrer que se foda estou farto disto.

Agora temos de viajar de barco porque derrubam os aviões. Disseram-me que os “turras” tem uma arma nova que se chama RPG 7, decerto é com essa arma que derrubam os nossos aviões. Ou decerto até tem mísseis. Até o Zé Leal que foi passar uns dias a Bissau em gozo de férias, foi no barco que eu vim. Tive pena dele não ir quando eu estava lá.

Ao menos tenho aqui aquele chato do Zé Alves e os outros amigos do costume, mais o tal que conheceu a namorada por carta que também tem nome. É outro Silva.

Durante os dias que estive em Bissau fui a um local frequentado pelas chamadas mulheres da vida fácil é uma boite (diz-se buáte) que se chama Shá Tuá mas fui lá só para ouvir música. Está lá um conjunto formidável cujo baterista é um rapaz chamado Álvaro Azevedo que ainda é primo dos meus familiares de Amarante e que era o baterista dos Pop Five Music Incorporated. Só estive lá mais ou menos duas horas mas nem dancei contentei-me apenas em ouvir musica e em tomar umas bebidas.

Não posso de maneira alguma dizer que naquele ambiente não senti desejo de ter relações sexuais, senti sim até porque as boites existem mesmo para isso, simplesmente sempre que se trate de mulheres que não sejas tu eu não levo ao fim os meus desejos, contigo custa-me resistir mas se não estás a meu lado está a tua imagem e pelo muito que te amo não posso de maneira alguma trair-te. Confesso que nunca fui assim e até era bastante mais volúvel, mas agora sou teu e apenas vivo para ti, portanto podes ter confiança em mim, eu amo-te e apenas os teus braços é que me abrigam pois só envolto neles tenho a certeza dum amor cheio de pureza”.


Que grande burro! Aposto que nenhuma mulher acreditava nesta treta. Então a Amélia é que nem pensar!