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terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

A Guerra estava militarmente perdida?

José Belo
ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70

Liberdade, Democracia...e guerras coloniais militarmente ganhas!

Das potências militares europeias quantas terão militarmente perdido as suas guerras coloniais? A Inglaterra na Índia ou em África? A França na Argélia? A Holanda na Indonésia? Apesar de disporem de recursos humanos e económicos avultados, todas se decidiram pelo abandono. Quer se creia ou não em "ventos da História", essas colónias não foram militarmente perdidas.

Dirão os idealistas que a força de emancipação dos povos é impossível de ser militarmente parada. Dirão economistas serem outras as regras "do Jogo", apesar de convenientemente vestidas com uniformes militares e bandeiras desfraldadas.

Liberdade – Democracia - Guerras Coloniais, é equação de provado não funcionamento histórico. Daí, uma guerra colonial a ser ganha"num Portugal livre, democrático, europeu?

Como participantes activos, como combatentes, numa tragédia histórica que nos ultrapassava, tanto no "tempo" como nas responsabilidades políticas deveremos sentir vergonha? Cito o Coronel de Infantaria David Martelo no seu livro "As Mágoas do Império": apesar de ser norma das guerras exprimirem-se pela destruição, a derradeira campanha em África, terá sido, com toda a certeza, o empreendimento militar português que mais construíu! A própria táctica de captação das populações não consentia outros procedimentos. Por esse motivo, os militares e ex-militares portugueses podem recordar, com justo orgulho, o bem-estar que ajudaram a levar até grande parte das populações autóctones.

Tenho que concordar com o "desabafo" de J. Mexia Alves meses atrás enviado á Tabanca Grande, na sua incompreensão quanto á necessidade de alguns se colocarem literalmente "de cócoras" perante os feitos da guerrilha, na busca de um, muitas vezes demasiadamente forçado pseudo politicamente correcto.

Os nossos antigos adversários são merecedores do nosso respeito, mas não de subserviências. Em verdade, em função dos resultados por eles obtidos não as necessitam! Na guerra que nos obrigaram a travar, e no campo estritamente militar, muito pouco haverá que nos pode envergonhar como Soldados de Portugal.

Mas um debate quanto a guerras passadas não militarmente perdidas? Não é sequer original! O Nacional-Socialismo de Hitler tomou o poder sob a bandeira da traição aos combatentes Alemães da 1ª Guerra Mundial, não militarmente derrotados. Os nostálgicos que na Rússia de hoje lamentam a perda do Império Soviético na Europa de Leste, depois de uma guerra fria não militarmente perdida. A direita civil e militar Norte-Americana afirmando continuamente que a guerra do Vietname estava longe de militarmente perdida!

Humor á parte, tem que se concordar serem interessantes companheiros de caminho nisto de debates quanto a guerras...militarmente perdidas ou não! A não se pretenderem tirar as conclusões políticas inerentes, resta, para este nosso debate estritamente militar soluções de contabilidade aparentemente simples.

Mas não será uma simplicidade enganadora? Um teatro de guerra, por definição é constituído por infindáveis e multi-facetados factores. Esses factores acabam por multiplicar-se "ad infinitum" quando a um Exército Regular se opõe uma força de Guerrilha.

Contam-se as armas de cada campo? Quantas metralhadoras? Quantos canhões? Mas chegará contar os canhões? Quantos estavam em condições verdadeiramente operacionais? (Recordo os imponentes obuses 14 de algumas guarnições, aos quais faltavam os aparelhos de pontaria e tabelas de tiro). Funcionariam todos os inventariados à guerrilha? Quantos especialistas de armas pesadas manuseavam o nosso tão distribuído morteiro 81? Será o rendimento operacional obtido por tais armas contabilizado do mesmo modo, independentemente do voluntarismo dos militares que as utilizavam? Qual a norma para uma contabilização comparativa quando as nossas armas pesadas respondiam a ataque nocturno ás nossas guarnições sem disporem de equipamentos de aquisição de objectivos? Os efeitos "estritamente militares" eram relativos, apesar de por vezes, lá íamos acertando. Por certo, como no caso da guerrilha.

Quatro, sete, vinte navios de guerra que garantem as deslocações nos rios e braços de mar serão contabilizados do mesmo modo que, duas, vinte, trinta primitivas canoas que, na escuridão da noite, permitem á guerrilha transportar os homens e materiais necessários? Como comparar os resultados práticos e estratégicos obtidos por estas armas assimétricas?

O inimigo, por contínua pressão militar, obrigou-nos a abandonar os aquartelamentos, por ex., de Gandembel e Madina do Boé. Na exploração do resultado, a guerrilha decide não ocupar os aquartelamentos, pois o seu interesse estratégico era desimpedir os eixos de infiltração de material, e não o de ocupar terreno, e esperar sentada pelos inevitáveis bombardeamentos.

Como contabilizar os resultados? Vitória na planeada retirada estratégica das força convencionais? Vitória da guerrilha por ter obtido os seus objectivos? Ao objectivo "estritamente militar" em que um exército regular quantifica "a vitória", opõe a guerrilha uma ideia de vitória sustentada pela arma fundamental ao seu dispor que é a propaganda.

Como contabilizar os resultados das diversas operações á ilha do Como? Ao Cantanhez? Vitórias? Derrotas? Quais os resultados estritamente militares perante os objectivos planeados? Ocupação de terreno? Interdição de terreno? Conquista das populações? Destruição de meios humanos e militares inimigos? Em operações das nossas tropas especiais, heli-transportadas, com avultados sucessos em acampamentos destruídos, inimigos mortos e material apreendido, a contabilização é mais uma vez de aparente facilidade, na perspectiva de um exército convencional. Mas as tropas especiais não são nem formadas, nem vocacionadas, para simplesmente ocuparem o terreno. Daí, o passadas horas, dias, ou mesmo semanas, acabarem por ser retiradas dos objectivos destruídos. A guerrilha volta. Apaga as cinzas. E grita vitória por ter obrigado o inimigo a retirar. Mesmo que as forças de guerrilha tenham que acabar por "apagar as cinzas" de uma centena de acampamentos no mato, se gritarem sempre "vitória" de um modo que as populações "vejam" essas vitórias, a nossa contabilidade assimétrica complica-se ainda mais.

Neste tipo de guerra, terá significado militar o quantificar a "vitória" em áreas ocupadas pelas força regulares? Como relacionar estas numa proporção relativa aos quilómetros quadrados em que a guerrilha se movimenta. Ocupação/Movimentação, mais uma das facetas de contabilização menos fácil. Como quantificar em termos estritamente militares, os efeitos psicológicos dos rebentamentos de minas anti-carro sob viaturas pejadas de soldados? Opondo-se-lhes o número de quilómetros de estradas alcatroadas, em que algumas das nossa colunas se deslocavam sem problemas de maior sob a segura protecção das vetustas Fox e Daimler?

A evolução do material de guerra fornecido á guerrilha pelos seus apoiantes, com a crescente aceleração em quantidade e qualidade, nos últimos anos da guerra, foi considerável. Seria suficiente, nos tais termos estritamente militares, para uma vitória frente ao exército convencional com evidentes carências na sua capacidade de renovação, adaptação e aquisição de material de guerra que lhe permitisse acompanhar a par e passo o evoluir da guerra de guerrilha para uma confrontação mais convencional?

Qual o significado real, neste debate, quanto ao facto de o inimigo possuir este, ou aquele tipo de foguetões anti-aéreos, ou anti-campos fortificados? Não se poderá negar que os nossos aviões ainda voavam dentro de certas limitações. Mas facto é que essas limitações não existiram durante um grande período da guerra, com todas as inerentes vantagens para as nossas tropas. Como contabilizar nos tais termos militares esta forçada diminuição de uma situação anterior....óptima? Quantos os aviões abatidos? Quais as nossas capacidades de substituicao? Quais os efeitos psicológicos para os pilotos que sabiam não dispor de contra medidas eficazes contra as armas contra eles utilizadas? Não haverá muito de subjectivo e portanto um pouco fora do campo de uma análise "estritamente militar", ao ser usado como exemplo o facto de utilizarmos os aviões de transporte Norte-Atlas, como plataformas de bombardeamento, lançando as bombas através da porta de carregamentos?

São muitas as dúvidas, as perguntas levantadas, as interpretações, os raciocínios subjectivos. Neste tipo de debate é fácil esquecer que o Mundo não parou no mês de Marco do ano de 74. Quais seriam as condições reais em Portugal sem a revolta militar de Abril? A tal guerra colonial..."a ser ganha"...ou não perdida, ....quantos anos mais?

Estocolmo, 3 Junho 2008

J.Belo
__________

Notas de vb:

1. A Guerra estava militarmente perdida. Era apenas uma questão de tempo. A artilharia do PAIGC ia até Mansoa, Farim, Bolama, Bissau...Os Strella, os pilotos do PAIGC, em formação, preparavam-se para levar os MIGs até Bissau.

A Guerra não estava perdida em termos estritamente militares. À medida que o PAIGC melhorava as máquinas da morte, o Governo Português avançava com os Red Eye e não estava afastada a ideia de novas investidas a Conakry.

A opinião internacional, as Nações Unidas, os aliados de Portugal cada vez menos aliados, a pressionarem o governo Português a aceitar uma negociação para o conflito.
A imperiosa necessidade de salvaguardar a jóia da República, Angola (onde a guerra estava limitada a acções de polícia).

A Família Portuguesa cada vez menos disposta a enviar os seus filhos, maridos e netos para uma guerra que achavam sem sentido. E o brio das Forças Armadas Portuguesas com os melhores soldados do mundo a garantirem que não seria nas bolanhas e nas matas que Portugal iria perder a guerra. ~

O número de refractários e desertores não parava de aumentar. Muitos deles na Suécia, França, Holanda, Bélgica... participavam em acções contra o colonialismo Português. E Tavira, Caldas, Mafra a abarrotarem de milicianos cada vez com menos vontade em lutar por um Império que lhes parecia dizer muito pouco...
Uma questão polémica, infindável.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2230: Questões politicamente (in)correctas (36): RTP: Homens como o Paulo Raposo e o Victor Junqueira não foram ouvidos (Rui Felício)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O Alf Mil Paulo Raposo, da CCAÇ 2405, junto a um dos helicópteros.



Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados




1. Mensagem , de 25 de Outubro, do Rui Felício que, juntamente com o Paulo Raposo, o Victor David e o Jorge Rijo, faz(ia) parte dos famosos baixinhos de Dulombi, os quatro alferes milicianos da CCAÇ 2405 (1)

Lisboa, 25 de Outubro de 2007

Meu Caro Luis Graça,


PREÂMBULO


Como sabes, de cada vez que te escrevo, conto pequenos episódios que se passaram durante a minha passagem pela Guiné, procurando fazê-lo numa linguagem e estilo despretenciosos, leves e o mais possível acessíveis à imediata compreensão (2).

Salvo uma ou outra excepção, tenho escolhido o lado picaresco e às vezes cómico dessas situações e não me canso de te agradecer a honra de publicação que lhe tens concedido. Porventura imerecidamente...mas que me desvanece.

Tal não significa que não esteja atento ao lado sério da guerra que levou a nossa geração a África e que indelevelmente a marcou até ao fim das nossas existências.

Mas tenho preferido não entrar no debate, às vezes polémico, que num ou noutro caso se acende em torno dos mais diversos temas relacionados com a origem, condução e termo dessa guerra.

O espaço do teu blogue, tão participado, activo e bem documentado, tem qualidades que não encontro noutros, de similares objectivos, e esse mérito a ti pertence, pelo sacrifício, trabalho e competência que com a sua organização e condução tens tido.


O PROGRAMA PRÓS E CONTRAS E O PAULO RAPOSO


Vem isto a propósito de, hoje, infringindo essa regra que a mim próprio me impus, te vir falar de assunto mais sério.

Tem a ver com a série do Joaquim Furtado e do Programa Prós e Contras que antecedeu a passagem na RTP do 1º episódio dessa série de documentários [A Guerra, argumento e realização de Joauqim Furtado].

Li nos dias seguintes alguns mails que o Paulo Raposo te enviou (2) e de que me deu conhecimento, tecendo comentários acerca do referido programa televisivo.

Julgo conhecer bem o Paulo Raposo a quem reconheço e garanto, entre muitas outras, duas excelentes qualidades que o caracterizam e se destacam na sua personalidade:

- Uma extrema simpatia e educação, com que fácil e rapidamente estabelece laços de amizade com quem se relaciona;

- Um conhecimento da história contemporânea e uma cultura geral acima da média, predicados que se preocupa em não exibir, o que bem demonstra o seu carácter. Só as pessoas que estão seguras do seu conhecimento resistem à tentação de, por mero exibicionismo, o evidenciarem...

Tenho procurado, sem êxito, no teu blogue, alguma referência a esses mails do Raposo.

Bem sei que os critérios de edição dos textos são da tua exclusiva competência. Nem de outro modo deveria ser.

Mas esperava vê-los divulgados porque as teses do Paulo Raposo neles defendidas revelam uma perspectiva diferente e interessante quanto às causas remotas da guerra e aos motivos e estranhas coincidências que aparentemente, e quem sabe propositadamente, terão originado o seu arrastamento durante vários anos, mantendo uma situação que desaguou na revolução de Abril de 1974.


UMA PERPSECTIVA DIFERENTE DA GUERRA

Foi nessa altura do 25 de Abril que os seus autores definiram e estabeleceram os argumentos “politicamente correctos” que ainda hoje, como no citado programa Prós e Contras, são defendidos a outrance exactamente por muitos daqueles que, por força da sua natureza de militares profissionais, maiores responsabilidades tiveram nesse arrastamento da guerra e na forma ignominiosa como lhe foi posto fim.

Que não se veja neste meu reparo qualquer intransigência na defesa de qualquer tese específica sobre a guerra de África, mas o que me custa aceitar é que nunca seja feito o confronto e o contraponto às teses correntes que é comum ouvir naquele tipo de programas.

Começa a angustiar que os intervenientes nestes debates sejam sempre os mesmos e conhecidos militares que a todo o preço pretendem convencer-nos da sua heroicidade, do seu profissionalismo ( ... foi ali dito por um militar de Abril: “ nós não perdemos a guerra”... ) da sua resistência política ao anterior regime, como se alguma má consciência os obrigue a constantemente se autoelogiarem.

Por tudo isto, considero que as teses explanadas pelo Paulo Raposo deveriam ser debatidas. Daí, certamente muita da luz que tem estado oculta pudesse vir iluminar as consciências...ou pelo menos dar-lhes uma perspectiva diferente e, quiçá, mais verdadeira das razões da guerra.

Não esquecerei nunca o que ouvi da boca do nosso camarada Junqueira que, no almoço da herdade da Ameira, afirmou com orgulho e sem qualquer preconceito aquilo que não se ouve nunca nestes debates televisivos.

Se bem te lembras, ele estava emigrado em França e de motu proprio regressou a Portugal para ser mobilizado para a guerra de África, porque esse era o seu dever (4)...

Bem poderia ele ter ficado em França e ter escapado a esse sacrifício, à semelhança de tantos que a ela fugiram e que agora têm o desplante de se considerarem heróis por terem tido essa coragem de fugir...

Mas o Junqueira era um homem de carácter.. E essa é a diferença... E quantos “Junqueiras” não haverá ?

No Prós e Contras não me lembro de ter sido convidado nenhum . Ou se o foi, não foi ouvido...

Desculpa a crescente azia que a minha escrita revela, mas fi-lo ao sabor do sentimento, sem reconsiderar nas palavras que fui deixando deslizar...

Um abraço do teu camarada e amigo

Rui Felício

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi (Rui Felício)

(2) As deliciosas e picarescas Estórias de Dulombi > vd. posts de:

30 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2073: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (8): O Fula, a galinha e o vestido

8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi (Rui Felício)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

(3) Vd. post de 28 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2227: Questões politicamente (in)correctas (34): RTP: Guerra Colonial, do Ultramar, de Libertação ou de África ? (Paulo Raposo)


(4) Vd. post de 31 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1224: Blogue: não ao politicamente correcto (Vitor Junqueira)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2229: Questões politicamente (in)correctas (35): RTP: o (im)possível debate sobre a guerra (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem recente do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil - e grande fadista! - que, na Guiné (1971/73), pertenceu a três unidades: CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa). Caros Luís e Camaradas da Guiné:

Em 17 deste mês enviei o mail abaixo. Como não obtive qualquer resposta e o assunto me parece ser actual, fiquei na dúvida se o receberam.

Sei muito bem que nem todos os mails que enviamos são objecto de publicação e, seja qual for o critério dos editores, concordo à partida desde já com eles.

Sei que este assunto é polémico mas também sei que se não enfrentarmos as coisas que vivem nas nossas vidas, dificilmente alcançaremos a paz sobre o nosso passado.

Nós não fomos políticos, fomos apenas os soldados que foram chamados a combater pela sua Pátria, independentemente da razão ou não razão da mesma. Em todas as guerras há sempre diversas visões e a maior parte delas colidem umas com as outras. Para termos paz, pelo menos eu, não podemos atribuir virtudes só a um dos lados e o outro ser o condenado.

Por isso falo em termos militares, puramente militares, pois apenas vejo, (parece-me), grandes feitos de um lado, e defeitos do outro, ao qual eu pertencia.

É muito dificil explicar onde quero chegar, e sei, repito, que o assunto é polémico, mas não há dúvidas que falta essa análise sem vergonhas, nem sentimentos de culpa.
Estarei enganado? É possivel, mas a verdade é que sempre me incomodou dar certas coisas como adquiridas, por isso digo que se calhar ainda é cedo para uma análise desapaixonada deste ponto de vista.

Repito que nada disto implica com a condenação da guerra, (esta e qualquer outra), que ainda bem terminou e nunca devia ter acontecido.

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real
Tel: +351 244 619 020 / fax: +351 244 619 029


2. Mernsagem de 17 de Outubro, enviada pelo Joaquim Mexias Alves:

Assunto: Prós e Contras

Caro Luís e Camaradas da Guiné:

Também assisti ao [programa] Prós e Contras, mas confesso que me começou a faltar a pachorra e fui-me deitar.

Como o Luís, também acho que aquele formato de programa, já não dá. Fico sempre com a impressão que o programa se podia chamar "Fátima e os seus convidados", pois a maior parte das vezes ela fala mais que os convidados e constantemente interrompe o discurso e linha de pensamento dos mesmos.

Bem esta é a minha apreciação, outros verão de modo diferente!

Quanto ao debate: Apesar de já ter passado muito tempo, provavelmente ainda é pouco, porque se nota que as paixões estão à flor da pele. Ou seja todo o debate está eivado de política e por isso mesmo muitas vezes carece de objectividade.

Claro que seria difícil falar de uma guerra destas sem falar da política ou do ponto de vista político, mas a guerra não se resume apenas à política.

Passaram a maior parte do tempo a discutir se a guerra era do ultramar, se colonial, se de libertação.Ora, abóbora, conforme o pensamento de cada um ela terá a designação que cada um lhe quer dar: (i) Do ultramar, porque uns acreditavam ou queriam acreditar servindo os seus interesses, que aqueles territórios eram parte integrante do "todo nacional"; (ii) Colonial por aqueles que viam ou queriam ver, servindo os seus interesses, aqueles territórios como colónias; (iii) De libertação por aqueles que, sendo desses países a fizeram, porque aqueles que sendo desses países os apoiaram, mas lembrando que alguns, sendo desses países, com ela não concordavam, e por isso não seria para eles de libertação.

Como foi chamada a guerra das Malvinas? Do ultramar pelos ingleses, colonial pelos argentinos, de libertação pela população, ou alguma população?

Não me parece que isso seja muito importante, pelo menos para mim não é.

Agora pode-se discutir esta guerra do ponto de vista político, do ponto de vista militar e do ponto de vista politico-militar.

Naquele debate parece-me ter-se discutido apenas do ponto de vista político e, como tal, deu em nada. Acaba por se ver e ouvir sempre os mesmos a dizerem as mesmas coisas, citando outros, mas sem grandes provas que eles o tenham dito, servindo-se de frases muitas vezes tiradas de contexto, etc, etc.

E os milicianos? E aqueles que não eram militares profissionais e oriundos de diversos pensares e vivências? O que pensam eles? Alguém viu? Alguém sabe? Alguém quer saber?

Afinal quem fez a guerra, na sua esmagadora maioria, foram os militares de carreira ou os milicianos?

Com isto não estou de modo nenhum a colocar de lado os militares profissionais, que os há e muitos, cheios de competência e dignidade, e que me orgulho de ter servido sob o seu comando.

Mas a verdade, e é a minha opinião, é que a maior parte tenta sempre demonstrar que a guerra estava perdida, e isso cheira-me muitas vezes a uma qualquer justificação!

Claro que a guerra estava perdida! Estava perdida politicamente, como qualquer guerra daquele tipo, e pelo desgaste e a pressão internacional, estaria também perdida militarmente, pois demorasse o tempo que demorasse acabaria na independência daqueles povos.

Mas agora, e era isso que gostava de ver debatido com verdade e sem paixões políticas e outras, verdadeiramente porque se diz que a guerra estava perdida militarmente na Guiné?

É uma afirmação permanente, com a qual eu não concordo, e até agora ninguém me demonstrou o contrário.

Com isto não quero dizer que não fico muito feliz com a independência da Guiné, (gostava de ver um país próspero e um povo feliz), mas sim que se pode analisar a situação, não por dois ou três lugares ou acontecimentos, mas pelo todo.

Vejamos a titulo de exemplo:

Estive de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 na Guiné e durante esse tempo, que eu saiba, não houve nenhuma emboscada ou ataque a qualquer coluna na estrada Bambadinca/Xitole, ou Bambadinca/Bafatá, ou Xitole/Saltinho, ou, julgo eu, Bafatá/Gabu (Nova Lamego)

Não houve, que eu me lembre, qualquer ataque a barcos no Geba, entre o Xime e Bafatá.

Em Mansoa estávamos a abrir a estrada de Jugudul, (salvo o erro), Portogole e a mesma avançava, claro que com algumas acções de guerra, mas nada que a impedisse.

Montei várias vezes protecções a colunas na estrada entre Mansoa e Mansabá, na zona do Morés e as colunas passaram sem incidentes.

Isto são só alguns exemplos que logicamente não retratam também o que se passava em toda a Guiné, mas parece-me que os trágicos episódios de Gadamael, Guileje e Guidage acabaram por determinar essa informação que a Guerra estava perdida militarmente.

Em muitas guerras, em muitos lugares, ao longo da história do mundo, se perderam algumas praças, mas não se perdeu a guerra.

Em Angola a guerra estava perfeitamente controlada e isto penso que é opinião geral. Em 74 e 75 fiz milhares de quilómetros no interior de Angola e nem um pequeno incidente aconteceu. Assim o esforço militar que se estava a fazer em Angola, podia ser desviado em parte para a Guiné, mormente Força Aérea com outras capacidades, o que poderia mudar muita coisa na Guiné.

Com isto não estou a dizer que queria que a guerra continuasse! Não, nem tal me passa pela cabeça, ainda bem que acabou, para todos nós, Guineenses e Portugueses!

Apenas quero dizer que, na minha opinião, a guerra militarmente não estava perdida, ou pelo menos ainda não mo conseguiram demonstrar.

Sei que esta é uma abordagem polémica, e que a análise que aqui faço, (se é que se pode chamar análise a este arrazoado de ideias), não demonstra coisa nenhuma, mas talvez suscite discussão sã sobre os méritos ou deméritos das Forças Armadas Portuguesas, às quais pertencemos, embora alguns dos seus elementos nos queiram esquecer.

Agora, Luís, deixo-te isto escrito para fazeres o que quiseres, no sentido de que só com serenidade, com distância política e emocional é possível fazer uma verdadeira discussão e análise ao que foi a Guerra da Guiné.

Eu sinceramente não sei se tenho essa distância, sobretudo emocional, para me abalançar à discussão. Mas se não formos nós que estivemos no terreno, quem o fará?

Abraço forte do camarigo [camarada e amigo]
Joaquim Mexia Alves

PS - Ah, não revejo o texto, não me apetece, e se calhar se o revir já não o mando.
Perdoem-me também qualquer imprecisão de tempos e lugares, mas a memória já não é o que era.


3. Comentário de L.G.:

O direito à palavra é a regra de ouro da nossa tertúlia! Obrigado, Joaquim, e desculpa o atraso. Deixa-me só dizer-te duas ou três palavras, de amizade e de camaradagem:

(i) Percebo o teu desconforto: como é que vais justificar os três anos da tua vida numa tropa, "tão comprida e tão cumprida", como a tua, como a minha, como a nossa, que até meteu uma guerra pelo meio...

(ii) Concordo contigo: um debate a preto e branco sobre essa guerra só pode levar ao seu enviesamento e emprobrecimento... Debates como os do Prós e Contras são uma armadilha letal, são um espectáculo deprimente... Eu recuso-me, não os vejo, não sou masoquista, não sou maniqueísta...

(iii) Resta-nos fazer as pazes connosco próprios, encontrando entre os velhos camaradas, o maior denominador comum, que são as nossas (contraditórias mas não necessariamente antagónicas) vivências...

(iv) Não escondemos - a generalidade de nós, milicianos e soldados do contingente geral - que partimos com a morte na alma... Parafraseando a letra do teu belíssimo fado da Guiné: Lembras-te bem daquele dia / Enquanto o barco partia / E tu morrias no cais // Braço dado com a morte / Enfrentavas tua sorte / Abafando os teus ais... Impossível esquecer a tua condição de português, mas também acreditando no futuro e na história: Que o suor do teu valor / Que vai abafando a dor / Que te faz manter de pé, // Seja massa e fermento / Desse nobre sentimento / Que nutres pela Guiné.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): O debate dos generais (Inácio Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Inácio Silva, madeirense, ex-1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72), camarada do nosso co-editor Carlos Vinhal, e autor do blogue Relembrar para Não Esquecer ("um instrumento de comunicação entre uma vasta comunidade que se identifica, essencialmente, por ter servido Portugal, quando era detentor da soberania das ex-colónias, hoje, países independentes").


Caros amigos e ex-camaradas:

Presenciei ao debate na RTP1, na passada segunda-feira (15 de Outubro último), sobre a Guerra do Ultramar, de princípio ao fim (1). Salvo as intervenções dos membros das associações de defesa dos ex-combatentes, o resto foi tudo déjà vu: não vislumbrei nenhum interesse, em especial.

Um debate em que a maioria dos intervenientes são ou foram oficiais superiores ou generais, obviamente, só poderia versar sobre as questões belicistas ou político-belicistas. Estes senhores não têm contas a pedir ao Estado, porque, sendo do Quadro Permanente, viram todas as suas regalias satisfeitas, na plenitude. Onde estavam os milicianos e os praças? Provavelmente na plateia. Alguém lhes perguntou alguma coisa? Disseram de sua justiça? Nada!

Todos sabemos que as guerras deixam sequelas de vária ordem: pais que viram desaparecer os seus filhos, esposas, namoradas e amigos que viram partir os seus entes queridos, filhos órfãos de pai, muitos deles nem sequer chegaram a ver o progenitor... Cidadãos deficientes que, com muito esforço, sobrevivem, tentando integrarem-se o melhor possível na sociedade, na esperança de serem reconhecidos e apoiados pelo Estado e por ela. Muitos deles são activos e intervenientes e, graças à sua acção, procuram que o seu presente e o futuro sejam passados com alguma dignidade.

O que é que interessa debater e resolver depois de uma guerra? Não será minimizar os danos e os traumas sofridos, tanto os de ordem material, como os de ordem afectiva, psicológica, moral, social e, até, de cidadania? Nenhuma sociedade viverá em paz consigo mesma se não entender, profundamente, esta realidade! Não é enterrando a cabeça na areia, como faz a avestruz, fazendo de conta que o que aconteceu nada tem a ver consigo que os problemas são resolvidos...

E o Estado Português, representado pelos Órgãos de Soberania, órgãos estes titulados por cidadãos eleitos pela referida sociedade, o que tem feito? Mais de trinta anos decorridos desde o fim da guerra (colonial, do ultramar ou de libertação, como queiram), os ex-combatentes lamentam, diariamente, o divórcio do Estado, relativamente às consequências danosas, de vária ordem, a que foram sujeitos e estão sofrendo na pele, por terem sido OBRIGADOS a combater em territórios que, na altura, os responsáveis por este Estado, entenderam classificá-los como "Províncias Ultramarinas" e, consequentemente, fazendo parte do espaço português!!!

A guerra nunca será esquecida, pelo menos por aquelas que a protagonizaram ou por os que, para ela, foram empurrados. Seria bom que os tais cidadãos, eleitos democraticamente, representantes dos Órgãos de Soberania não agissem com hipocrisia, isto é, reconhecessem o esforço, o sacrifício, a privação, o medo, a dor, a doença, a deficiência, a morte, a perda de empregos, o atraso ou a interrupção dos estudos, enfim, uma panóplia de prejuízos de valor incalculável, e reconhecessem em Lei, perante a sociedade que representam - antes que os ex-combatentes morram - que é necessário eliminar, de uma vez por todas, estas nódoas da guerra, que teimam em eternizar-se...

Se tal não for feito, os ex-combatentes morrerão com a mágoa de terem combatido, em vão, sem o reconhecimento devido, do Estado, a quem serviram. Mas os políticos, titulares dos Órgãos de Soberania, eleitos pela sociedade de que os ex-combatentes são parte integrante, jamais repousarão em paz e serão, sempre, considerados, mesmo pelas gerações vindouras, como políticos incultos, insensíveis, autistas e hipócritas.

Em conclusão: como ex-combatente, não me revejo nesta forma de fazer política. Desejo que fique claro que os políticos a que me refiro são todos os que Portugal, infelizmente, teve depois da instauração da democracia , "sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade". Sou democrata e não sou possuído por nenhum sentimento passadista ou saudosista. Mas fico indignado e triste por assistir a tanta indiferença e insensibilidade...

Cumprimentos a todos.

Inácio Silva

2. Comentário dos editores: Ver o blogue do Inácio Silva Relembrar para Não Esquecer, e em particular o post de 10 de Outubro de 2007 > Email enviado ao Primeiro Ministro de Portugal

(...) Também o Governo, através do Primeiro Ministro já sabe que os ex-combatentes estão indignados com o que aconteceu. Em 24 de Abril de 2007, enviei o email que se segue ao Primeiro Ministro, Eng.º José Sócrates, ao qual anexei a petição feita à Assembleia da República bem como a resposta da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional (...)

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Notas dos editores:

(1) Vd. 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

(2) Vd. post de 16 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2182: Blogoterapia (35): Programa da RTP1, Prós e Contras: Éramos todos bons rapazes (David Guimarães)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2182: Blogoterapia (35): Programa da RTP1, Prós e Contras: Éramos todos bons rapazes (David Guimarães)

RTP1 > 2ª feira, 15 de Outubro de 2007 > Prós e contras, um programa de Fátima Campos Ferreira



1. Mensagem do David Guimarães, o nosso querido tertuliano nº 3, que foi Fur Mil / At Artilharia e Minas e Armadilhas, CART 2716 / BART 2917 (Xitole / Bambadinca , 1970/72). Trabalha no Porto, no Centro Regional de Segurança Social do Porto, e vive em Espinho. Toca viola, desde pelo menos a recruta nas Caldas da Rainha!... Ainda não tivemos o privilégio de o ouvir. Quando ía a Bambadinca, metia a viola no saco... No próximo encontro da nossa caserna, tertúlia ou tabanca grande (é ao gosto do freguês), vamos reunir todas violas e guitarras perdidas mestes útimos cinco séculos de andanças dos tugas pelo mundo, de Alcácer Quibir ao Xitole. Combinado ? (LG).


AMIGOS: parece que vale a pena dizer - estive a ver o programa de Fátima Campos Ferreira.

Estive ontem com muita atenção a ver aquele grande encontro que se deu na Televisão - um debate, uma troca de ideias... Não costumo ser muito dado com os olhos pregados na Televisão pois por norma adormeço - ontem não, não adormeci, estava à espera do resultado, num encontro de gente séria... nisso acredito... NÃO ADORMECI.

E lembrava-me da nossa caserna - mas que lindo termo a nossa caserna, onde andamos há uns tempinhos a dizer muito mais do que aquilo que ontem por lá se disse... Houve um aflorar pela rama da guerra do Ultramar (Colonial, de África), enfim aqueles termos que lhe quiseram chamar... Lembro do termo que as gentes boas da minha aldeia usava: guerra da nossa África.

Não creio que qualquer jovem miliciano ou até Oficial e Sargento do quadro de então desse conotações políticas aos termos usados pelo nosso povo ou pelos políticos de então... Com raras excepções (e sabemos que existiram)... Assim uma coisa ficava bem vincada na nossa cabeça: Guerra...(depois, em África, nas nossas Colónias, Províncias Ultramarinas e finalmente Ultramar, um termo mais genérico).

Afloraram ontem como é que se podia ter evitado a guerra, a inevitabilidade da guerra e até a autenticidade da guerra, ou melhor, o nós tínhamos razão... e hoje ainda lá poderíamos andar... Era mais morto menos morto, porque afinal aquilo era Portugal e na guerra há feridos e mortos... E foram generais, coronéis e um douto Professor que ali se juntaram todos para falarem. E eu fiquei a saber que um era de direita e outro já carregado não sei de que mal - ressaibiado... Por certo um daqueles que ainda pensa em ir conquistar Olivença (não seria ideia inédita!) e que falava à boa maneira da Antiga Assembleia Nacional... Não sei como conseguiu ir até Tenente Coronel... mas foi e deve ser bom homem... pois eu também não sou mau rapaz... e no mundo só há gente boa embora tenham todos o direito de pensar...

E como pensei então no nosso querido Blogue - a nossa casa afinal de discussão que toma o nome de novesforanada... Foi exactamente isso que pensei ontem: novesforanada na base 10 - porque do que se disse ontem sobrou pouco mais que nada, um senhor tenente coronel que cumprimento efusivamente e com respeito, não porque pense como ele, mas porque foi exactamente ele que me manteve acordado... Porque uma das coisas que gosto é de ouvir discursos inflamados e patrióticos [ou patrioteiros ?] como esse - e por ele então NÃO ADORMECI.

Um abraço, David Guimarães

PS - Bom vamos ver o que nos reserva hoje o 1º episódio do documentário sobre A Guerra que parece que está muito bem feito... Um trabalho de Joaquim Furtado... Não me acreditava que não o estivesse, dada a qualidade do jornalista...

2. Comentário de L.G.:

Não vi o programa, nem simpatizo com o modelo, que tem algo de circense. O pão e circo para o povo, do tempo dos romanos, transformou-se nas nossas ciberdemocracias em pão e televisão para o povo. Não alimento a luta de galos nem quem os promove... Este tipo de programas enferma, a meu ver, de um vício metodológico: sem informação e formação, sem investigação e conhecimento não se pode realizar debates sérios... É miserável que o jornalismo de investigação e de arquivo sobre a guerra do ultramar, guerra colonial ou guerra de libertação (ao gosto do freguês) só chegue à televisão pública 46 anos depois do 15 de Março de 1961 (no norte de Angola) e 33 anos depois dos últimos mortos e feridos em combate, de um lado e de outro, em 27 de Abril de 1974, na zona de Canquelifá (Zona Leste, Guiné)... Justamente quando a geração da guerra do ultramar, guerra colonial ou guerra de libertação (novamente ao gosto do freguês) está bater a bota, em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Portugal... Ou já morreu, ou está a morrer, ou está a ver morrer os camaradas mais velhos, ou já se retirou da vida activa, ou anda a passear a sua solidão pelos bancos dos jardins das nossas tristes cidades, ou chora a perda dos verdes anos, ou anda deprimida e não sabe porquê... Quiseram matar a nossa memória, quiseram matar-nos em vida, simbolicamente, pelo silêncio, pelo esquecimento, pela segregação, pela vergonha, pela culpa, pelo medo...

Se temos alguma dívida ainda por saldar não é com a Pátria, é connosco e com os nossos filhos e netos, e essa dívida é a nossa obrigação de contar aos nossos contemporâneos e aos nossos vindouros que houve uma guerra, de 13 anos, muito longe da Pátria, em três territórios de África sob domínio português, e que NÓS ESTIVEMOS LÁ... E que como todas as guerras teve um princípio, meio e fim. E que a leitura dos acontecimentos não é nem nunca será pacífica. E que provavelmente nunca chegaremos a saber quem foram os vencidos e os vencedores, se é que alguém alguma vez ganhou uma guerra... Bom sono e bons sonhos, camarada David, que hoje tens que recuperar o sono perdido. L.G.

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Nota dos editores:

(1) Vd. página da RTP1 > Programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira.

Quarenta e seis anos depois do início da guerra…o debate!
Guerra Colonial!
Guerra do Ultramar!
Guerra de Libertação!
Diferentes olhares sobre o mesmo acontecimento!
O maior debate da televisão reúne testemunhos civis e militares.
Até que ponto a guerra mudou a sociedade portuguesa?
Que sequelas deixou?
O que significou ontem?
E hoje?
Prós e Contras, segunda-feira à noite, na RTP


Fonte: RTP (2007) (com a devida vénia...)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2098: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): Proposta retirada (João Tunes / João Bonifácio)

1. Mensagem do João Tunes (ex-alf mil de transmissões, Pelundo e Catió, 1969/71), com data de 10 de Março de 2007:

Caro Luís e demais camaradas,

Mandam as boas regras das assembleias que cada cidadão, com as quotas em dia e devidamente identificado e não fuja da ordem de trabalhos, possa apresentar propostas à Mesa e depois retirá-las se assim o entender.

Foi o caso com a minha proposta sobre um camarada fuzileiro desertor (1). Li atentamente as posições, requerimentos e moções que ela suscitou (2). E aprendi mais um pouco sobre as permanências emocionais que a vivência de uma guerra ocorrida há quarenta anos ainda desencadeia. E como, em nós, se sedimenta o nosso posicionamento para com os outros.

Também aumentei os meus conhecimentos sobre a relatividade do conceito de desertor ao constatar que é considerado respeitável aquele que desertou do PAIGC para passar a combater nas NT e como já não o é o que das NT se passou para o PAIGC.

Desconto, entretanto, as indignações. Não porque não as respeite, apenas as considero com um saldo de empate com outras que aqui já senti e engoli. Valeu, pois, a pena. Sob todos os aspectos. E só posso agradecer a frontalidade com que se manifestaram aqueles que se exprimiram em repúdio ou até em repugnância.

Face à prática unanimidade das posições expressas, resta-me, com toda a humildade democrática, pedir à Mesa que considere a minha proposta nula de efeitos por falta de liquidez em termos de aceitação. E fica um bem hajam a todos os camaradas.

Saudações amigas do

João Tunes


2. Comentário do editor L. G.:

Na altura (Março de 2007) mandei a seguinte nota para a tertúlia:

(i) O João merece um grande aplauso, não por retirar a proposta, mas pela sua coragem, frontalidade, coerência e honestidade intelectual... Num ponto estamos de acordo: não pode haver dois pesos e duas medidas para os nossos desertores e para os do PAIGC... Os do PAIGC seriam bons, os nossos traidores... Além disso, também tivemos desertores arrependidos como o fuzileiro Alfaiate... que foi a Conacri com o Alpoim Galvão...

(ii) Por outro lado, o João é um grande observador do nosso grupo, ao dizer: “Aprendi mais um pouco sobre as permanências emocionais que a vivência de uma guerra ocorrida há quarenta anos ainda desencadeia”... Bem hajas, João, por teres agitado e animado a caserna... É verdade: isto ainda é uma Caixa de Pandora, cheia de fantasmas e demónios, ainda há muitos esqueletos no sótão da memória... Mas foi um bom ensaio para outros debates.



3. Também o João Bonifácio (ex-furriel vagomestre da CCAÇ 2402, camarada do Raul Albino, vivendo actualmente no Canadá) fez, na altura, um comentário que não chegou a ser publicado:

Meu Caro João:

No assunto a que faz referência, pode dizer-se que todos tiveram a oportunidade de dar as suas opiniões. Este tema desertores teria tido uma reacção diferente se a questão fosse posta nessa altura, mas após todos estes anos, e já com mais experiência e tolerância, e por isso é apenas natural a diversificação de pontos de vista.

Não pense o João que pelo facto de nem todos terem as mesmas ideias, retiram o mérito do tema. A verdade é que pudemos expor as nossas versoes, sem necessariamente estar do lado das mesmas. Não há repúdio, mas pelo contrário o João teve a coragem de trazer a esta caserna um ponto em que houve debate. Quanto às conclusões, pouco há a dizer, pois de um modo geral, e eu tive a oprtunidade de ler todos os e-mails que me foram enviados, não achei que se tivesse chegado a um consenso, para que a chamada moção passasse à fase seguinte.

Por tudo isto, vamos todos pensar que um bom tema para ser discutido abertamente e democraticamente, e se alguns fizeram depoimentos que nos levam a crer que a Guerra onde andamos, ainda os perturba, pois é apenas isso e nada mais.

Através do Luís, desejo agradecer a coragem e a frontalidade e esperar que os desertores não seja o último tema para nos ocupar as horas vagas da caserna.

Um grande Abraço

João Gomes Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato
1968/70

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

(2) Vd. posts de:

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1599: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (11): Paulo Salgado

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1604: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (12): J. L. Mendes Gomes

17 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1606: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (13): Jorge Cabral

sexta-feira, 16 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1599: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (11): Paulo Salgado


1. Mensagem do Paulo Salgado:

Camaradas Tertulianos,

Este tema (1) é, e será sempre, recorrente e com interpretações várias, segundo perspectivas culturais, sociológicas e políticas diferentes.

Antes de me pronunciar - uma vez mais - sobre o assunto, fazendo-o com prudência e muita humildade, quero reafirmar que os meus contributos raramente se têm localizado, temporalmente, no período da guerra; intervim mais sobre as minhas vivências durante as estadias na Guiné-Bissau, em 1990-1992 (segunda comissão), vários meses entre 1996 e 2005, e de Setembro de 2005 a Setembro de 2006 (terceira comissão de apenas um ano). São quase seis anos de Guiné. Este tempo todo - irei lá mais vezes? - deu para reflectir.

Mas, graças à minha ida à guerra, tive oportunidade de rever aquele pedaço de território encharcadiço, mas com tanta riqueza e espiritualidade, com tanto carinho para dar, não teria oportunidade de ver as crianças com o seu sorriso, e todos com muita esperança...

Outra nota: neste blogue - que em boa hora foi consituído com a dimensão e natureza que apresenta, e que não é fácil gerir! (honra seja feita ao Luís Graça, em primeiro lugar) - permite-nos fazer a catarse, contar e recontar episódios (alguns vividos por camaradas em conjunto que, porventura, os recordarão de maneira diferente porque os sentiram de diversa forma - já se abordou este tema, também), pensar nos bons e maus momentos, nas emboscadas, nos golpes de mão, etc. Se é assim, esta questão da deserção deve ser trabalhada com rigor, deve ser abordada com muita humildade intelectual, sob pena de, por um lado, entrarmos em ressentimentos, e por outro, cairmos no facilitismo histórico.

Tenho lido atentamente as intervenções e, confesso, sinto que muitas afirmações têm sido feitas com racionalidade notável, outras, mais emocionadas, demonstrando alguma - desulpai a expressão! - sobranceria.

Conto-vos um episódio, que o Moura Marques (2) me recordou, pois tal me escapava no fundo da memória. Recordava-me ele:
- Olha, Salgado, tu, em Santa Margarida, diante do grupo de combate que estava a consituir-se, disseste mais ou menos o seguinte: se algum de vós sente que ir para a guerra não está correcto, então ainda está a tempo de recuar.

Bom, não sei se foi isto que eu disse exactamente, mas o Moura Marques é que mo referiu (e eu tenho por ele um respeito total, uma amizade infinda, pois ele é um homem grande, um camaradão, e cuja amizade se fortaleceu aqui (já falei dele num contributo neste blogue).

Estou, pois, confrontado com uma realidade: eu estava a sugerir a deserção? Eu estava a apontar caminhos duvidosos? Colocava os jovens em situação delicada? Tinha diante de mim (eu já tinha feito 24 anos!) rapazes mais jovens do que eu, porventura alguns analfabetos e uns tantos desconhecendo as causas e as consequências da guerra. Mas, de todo, inteligentes como eu, sagazes, mais ainda.

Para uma afirmação como aquela, estaria certamente, no subconsciente, a minha passagem por Coimbra em 1968-1969, as fugas à guarda montada junto à escadaria monumental, algo que perpassou por mim em tempos de estudante voluntário de direito.

Fica-me, pois esta dúvida: de alguma forma, eu estaria a colaborar numa eventual deserção.
Mais ainda: estarei eu aqui a sentir-me um pouco desertor?

Pessoalmente, eu equacionei essa hipótese. Ir para Paris, onde o meu Pai tinha um amigo (não digo o nome dessa Figura porque já faleceu) seria um caminho que se me colocou, digo-o com toda a franqueza. Mas, confesso-vos que o não fiz por duas razões: a primeira porque não queria enfrentar a situação de não voltar a ver a rever a minha mãe e a minha namorada- aquela era adorada e ficaria triste se tal acontecesse; esta porque de facto foi e é a minha paixão, o meu amor.

A segunda razão parece infantil e contraditória (embora politicamente eu não acreditasse em soluções militares): eu tinha a ideia que estava psicológica e militarmente preparado (tinha andado em Lamego em Operações Especiais) e, tendo muito medo, como mais tarde vim a sentir imensas vezes, algo me dizia que voltaria.

Hoje, como diz o A. Marques Lopes, ficaria novamente com grandes dúvidas.

Quanto a mim, a palavra poderia ser dada aos desertores, se assim entendessem (fossem quais fossem as razões da sua atitude), eles poderiam dar-nos o seu testemunho, poderiam - penso - ajudar-nos, também com a sua humildade, a compreender melhor este fenómeno da deserção e das suas causas (que aliás, como sabeis, aconteceu com muitos jovens frnaceses na Argélia, e com belgas, no Congo).

Dêmos-lhes a palavra, se assim o entenderem. De outro modo, nunca chegaremos a saber o que os moveu. Tenham eles a humildade de nos contar por que razão o fizeram.

Mantenhas

Paulo Salgado
Ex-Alf Mil Cav

CCAV 2712
Olossato e Nhacra (197o/72)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

(2) Vd. post de 2 de Março 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato

quinta-feira, 15 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

1. Mensagem do Idálio Reis:

Caro Luís e demais companheiros da Tertúlia:

Tentamos fazer com o nosso editor um fraternal grupo que detém uma particularidade comum: o de nos terem coagido a fazer uma guerra, subjacente à prestação de um serviço militar obrigatório. Fomos compulsivamente mobilizados para uma longínqua terra, de que tínhamos conhecimento que por lá morriam ou ficavam estropiados muitos dos nossos contemporâneos.

Mas então, perante a cruel realidade de tais notícias, porque não nos escusámos a tomar parte nessa odisseia?

Mas como? Éramos jovens de 22 - 23 anos, vigiados por uma polícia política com regras de um País fascista, de todo impedidos de sair de Portugal sob qualquer pretexto, o viço da idade a embaçar-nos uma consciência deveras imatura, um forte apego familiar aditado pelo afago das nossas prometidas e amigos, o rincão natal que nos grudava, uma situação financeira que não propiciava qualquer aventura. A fuga à guerra de África estava vedada à grande generalidade da nossa geração. Os factos são bem demonstrativos.

Jamais tive qualque pretensão de fugir à guerra colonial, porque os laços sentimentais que me prendiam a este bocado de terra e aos meus eram demasiado fortes para me ver afastados deles permanentemente. Nada disto está absorvido por um qualquer amor pátrio, porque na verdura da minha idade, conseguia reconhecer que ela me escusava o amparo a que tinha direito.

Fui, porque fortemente esperançado que regressaria ao aconchego dos meus maternos lugares. Fui, e não estou arrependido de assim ter procedido. Mas, se por absurdo, me obrigassem a repetir a façanha, preferiria o ónus da prisão. Sem margem para quaisquer dúvidas.

Mas houve alguns que fugiram? Certo, mas são excepções raras. Aos poucos que o fizeram, nada tenho a apontar, pois quando transpuseram a fronteira, eram conhecedores que jamais poderiam regressar. Depararam-se-lhes facilidades para o fazerem, e felizmente que o 25 de Abril lhes abriu as portas.

Reconheço contudo, que uma substancial parte foi considerada herói. Sempre menosprezei essa aura, porque a dar crédito, aviltava-me. E não o mereci.

Quanto aos que, como no caso em análise (1), se entregaram aos movimentos independentistas, deixando os seus camaradas, merecem o meu repúdio. Saem junto dos seus, e passam para o outro lado da barricada, porque a guerra definia-se somente entre dois contendores. Vão lutar pela parte antagónica, sem minimamente se importarem nos que neles acreditaram.

Eu, que vivi a guerra da Guiné, de uma forma cruenta e dolorosa, nada me move contra o PAIGC. E até tenho uma particular simpatia pela grande figura política de Amílcar Cabral, como pelo enorme guerrilheiro que foi Nino Vieira. E os meus locais da Guiné-Bissau, tenho fé em revê-los, pois o peso acentuado dos anos apela-me a isso de um forma extraordinariamente viva. E esta minha ambição, faz-me sonhar e ... deixa-me feliz.

E este blogue é bem significativo disto mesmo. Como, passadas 4 décadas, conseguimos narrar tão emotivamente esses momentos do desespero e da dor? Porque, fundamentalmente, criou-se um sentido gregário tal que só um acrisolado amor mútuo é capaz de concretizar.

A união faz a força, e o comprometimento que partilhava com o meu companheiro de armas, ninguém o ousasse desfazer. E é numa união similar a esta que aderi com grande entusiasmo à Tertúlia, porque estivemos continuamente do lado que nos competia.

Um cordial abraço para todos.

Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835,
( Gandembel e Ponte Balana 1968/69)

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Nota de L.G.:

(1) Vd post de
3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha
13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

1. Mensagem do Humberto Reis:

Luís:

Ficas desde já autorizado a publicitar, como entenderes, a minha opinião sobre este complicado tema dos desertores, objectores de consciência ou o que lhe queiram chamar (1).

Quando em 1968 cursei no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, o curso de Rangers, constava que os melhores classificados seriam os últimos a ser mobilizados, e no caso de o serem, iriam para melhores locais. Fiz bem o meu papel e no meio de umas dezenas de militares, fiquei classificado em 3º lugar com uma média de 15,23 valores.


Santa ignorância a minha! Então o Estado gastava um pipa de massa a formar militares de elite e depois ia colocar esta gente nos QG e EM ? Só se fosse estúpido ou a minha cunha fosse do tamanho da de um Fur Mil Op Esp. que conheci em 1970 e que estava colocado no SPM no QG em Bissau. Até usava aquele boné redondo (não era a boina) que, julgo, só se usava em ocasiões especiais.


Claro que os 5 primeiros classificados foram os primeiros a ser mobilizados. Infelizmente, sei que o primeiro ficou sem uma perna e o quarto, meu amigo de infância, morreu com uns estilhaços de rocket, ambos lá na Guiné.

Em Fevereiro de 1969 estava a dar no RI 5, Caldas da Raínha, uma recruta ao CSM, quando saiu à ordem o meu nome como mobilizado para o CTIG. Teria de me apresentar no CIM (Campo Militar de Santa Margarida) no dia tal. Perguntei a alguns camaradas o que queria dizer CTIG pois eu não conhecia o termo. Para mim eram Angola, Guiné, Moçambique. Como devem calcular fiquei bastante preocupado.

Reparem que estamos na década de sessenta. Eu, em termos políticos, era - e ainda quase que o sou - um zero à esquerda, como se costuma dizer. Haverá muito boa gente que naquela altura já era desenvolvida politicamente? Eu não era.

Costumo dizer no meu círculo de amigos que fui colaborador do antigo regime. Perguntam-me logo se fui da Pide, ou da Legião. Respondo calmamente que não, mas que não foi preciso a Polícia Militar ir lá a casa procurar-me para me apresentar no dia 24 de Maio de 1969, no cais de Alcântara, para embarcar no Niassa com destino à Guiné. Chamo a isto COLABORAR com o antigo regime, mesmo que mais passivamente.

Não ataco, nem defendo, o que vulgarmente se denomina de desertores. Mas tenho uma opinião muito própria sobre este assunto. Essa é que ninguém me pode tirar por mais direitistas ou esquedistas que sejam. Uma GRANDE PARTE FUGIU POR MEDO E NÃO POR CONVICÇÕES POLÍTICAS.

Medo, eu também tive, pois não sou mais nem menos que os outros. Heróis ptré-fabricados não existem, a não ser nos filmes. Só os que tiveram o azar de estar debaixo de fogo, mas ao mesmo tempo a felicidade de estarem vivos para o contar, podem saber o que é a reacção de um ser humano naquelas circunstâncias. Pode dar-lhe para correr direito às balas e escapar, poderá vir a ser um herói, ou ter o azar de se cruzar com uma e vir a ser enfiado numa caixa de madeira (quando as havia, pois nem sempre assim aconteceu).

Cada um fez a sua opção mas ninguém pode obrigar a outra parte a ter a mesma opinião. Para isso já chegou o que tivemos.

Resumando e concluando, não estou de acordo com regimes especiais para NINGUÉM.

Aquele abraço a TODOS os bloguistas e continuemos a contar as nossa estórias para que a história enriqueça.

Humberto Reis

Ex-Fur Mil Op Espec

CCAÇ 2590/CCAÇ 12


(1969/71)

____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:

quarta-feira, 14 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes


1. Post do A. Marques Lopes > Ir ou desertar

Caro Luís:

Pensei, primeiramente, não entrar nesta discussão da aceitação, ou não, de desertores na nossa tertúlia (1). Mas entro porque me parece que estamos a falar calmos e serenos, cada um com as suas ideias, o que é natural e bom que seja. E eu penso assim:

(i) Os 2.179 mortos na Guiné (centenas dos quais nem de caixão regressaram), os oficialmente reconhecidos como tal (houve mais...), não foram para lá simbolicamente nem eram filhos de reis - sabemos, aliás, que a maioria dos nossos reis da altura nem sequer por uma questão simbólica quiseram enviar os seus filhos.

Todos eles, e nós que regressámos em cima de duas pernas - ou numa só ou em cima de dois cotos - e pudémos abraçar os nossos queridos com os dois braços - ou com um só ou com dois cotos - e conseguimos rever a nossa terra - ou cheirá-la apenas, porque nos tiraram os olhos -, todos nós e todos esses mortos fomos para lá por imposição de serviço. Houve quem terá ido galhardamente para cumprir um dever sagrado, mas a grande maioria foi com o coração apertado de receios e afogado nas lágrimas dos pais e das mulheres, todos obrigados ou para cumprir um dever profissional. O meu grande respeito e consideração por todos.

Os casos que se falam de aproveitamento oportunista da guerra, da guerra no ar condicionado, não podem ser generalizados, meu caro amigo David Guimarães (2), e fazer esquecer os sacrifícios próprios e os dos familiares dos militares profissionais que também deram o litro na guerra. Todos sabemos do Pedro Lauret e do Lema Santos. Os meus respeitos também por eles.

Creio que é todo este panorama que nos faz estar aqui unidos nesta tertúlia, num só sentido de troca de vivências, na recordação de factos com um fundo comum, na recordação de amigos, de dificuldades partilhadas.

(ii) E isto é política, a discussão da vida naquela nossa cidade distante. Mas, mesmo quando lá estávamos, apercebo-me que a maioria de nós já punha em dúvida ou não estava já de acordo com a vivência nela. Já púnhamos em causa a justeza e os objectivos de quem governava a cidade (3) . Começámos a reflectir politicamente, e houve quem decidisse tomar os caminhos que as suas reflexões lhe indicavam. Desertaram, como já tinham desertado outros antes de partir, bastantes mais, porque já tinham antecipadamente reflectido sobre a falta de justeza e maus objectivos dos governantes.

Houve também os que desertaram por medo. E quem, operacional, não teve medo na Guiné? Não posso por em causa os desertores. Até porque, confesso, essa ideia também passou pela minha cabeça quando estava deitado numa cama do HMP. Só que havia outra opção, mais dolorosa e mais arriscada, sem dúvida, e que era continuar lá junto de todos, partilhar e influenciar a vida de todos, falar com todos sobre a falta de justeza da guerra e dos seus objectivos, criando condições para a aceitação da mudança. Foi o que pensei, eu e muitos outros. Generalizando, agora, todos tivémos uma ideia comum: acabar e voltar vivos.

(iii) E a questão fulcral desta discussão: penso que não faz sentido a presença de desertores neste blogue. Não por serem desertores e escorraçá-los por isso, mas unicamente porque acho que não podem minimamente contribuir nesta troca de experiências que só nós vivemos. Não poderão dizer-me: é verdade porque eu também conheci os fulas, os mandingas, os balantas... lembro-me bem porque eu também estive lá... ou também passei por isso... ou não foi bem assim... ou o Pilão, ah!...
Todos nos percebemos porque vivemos uma experiência comum.

Abraços
A. Marques Lopes
Ex-Alf Mil At Inf (Hoje Cor DFA, reformado)
CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro)
1967/69
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

(2) Vd. posts de:

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)

(3) Recorde-se a etimologia da palavra Metrópole: do grego metropolis, que significava cidade-mãe, metrópole, cidade natal > metra (matriz, útero, ventre) + polis (cidade).

Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho


Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos. O João Bonifácio, que pertenceu à CCAÇ 2402, evoca aqui o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné. Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial (1). Na foto, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78) aparece assinalado com um círculo a vermelho .


Foto: © Raul Albino (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do João Bonifácio:

Olá, Amigo LuÍs;

A minha opinião, e em resposta ao nosso amigo Torcato (2), é apenas aquilo que penso à distância de 7 mil kms. A Guerra do Ultramar já passou e a verdade é que apenas nós, os que por lá andamos, compreende a verdade. Compreendo a frustração do nosso amigo Torcato, e também eu desejava que isto não se tivesse passado, mas do mesmo modo também não podemos fazer nada. Afinal, o Ex-Alferes Miliciano Medeiros, hoje Dr. Medeiros Ferreira, uma figura conhecida na política socialista, também não compareceu ao embarque em Julho de 1968, como parte integrante da CCAÇ 2402, a que eu próprio pertencia.

Pessoalmente, acho que cada um de nós tem o direito a demonstrar o seu ponto de vista, mesmo que negativo. Depois do 25 de Abril, penso que todos os que foram obrigados pelo antigo regime de Salazar e Marcelo Caetano, a refugiar-se em certos países da Europa, puderam todos, ou quase todos, regressar a Portugal e restabelecer as suas vidas junto aos seus familiares.

Por isso, penso que este tema, por muito complicado que seja, deverá ser discutido abertamente por todos os que sintam ter as suas ideias quanto aos chamados desertores. Hoje, e depois de ler neste blogue que o Amigo Luís em tão boa hora iniciou, ter lido das dificuldades de tantos militares, que por pouco não foram apanhados à mão e até fugiram para o mato, para não falar do abandono total por parte dos chefes da guerra em abandonar estes nossos irmãos, até já fiz a pergunta se eu não deveria ter feito o mesmo.

Esta foi a Guerra da mentira, e sinto-me envergonhado de que o Governo actual do Eng Sócrates não tenha dado resposta ao e-mail que lhes enviei, para o Gabinete do Primeiro Ministro, em que solicitei que, pelo menos, reconhecesse este erro grave e publicamente pedisse, em nome do Governo da altura, as desculpas a todos os ex-combatentes e seus familiares, pela afronta de uma guerra sem justificação e um fim sem negociações.

Afinal, meu amigo Torcato, quem estará mais em pecado? Um Governo de arrogantes ou uma meia dúzia que apenas demonstraram a sua revolta em não participar nesta guerra, refugiando-se no estrangeiro ? (...).

Um grande Abraço a todos os que lerem esta minha resposta. E, como vivemos em Liberdade e Democracia, e há 33 anos que vivo no Canada, parece que sei o significado da pura igualdade de pensamentos.

Fiquem todos bem.

João Gomes Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato
1968/70


2. Comentário do Paulo Raposo:

Caro Luís: Um bom dia para ti e todos os teus. Podes passar este mail ao Bonifácio?

Meu caro Bonifácio, eu era da CCAÇ 2405, ou seja, fomos juntos no Uíge para a Guiné.

Vivemos em Sociedade, e ela tem regras. Se o bombeiro não apaga fogos, se o médico não executa a cura, se o lixo não é apanhado, mesmo que discorde do chefe então estamos a viver na selva. Na Guiné um rapaz que queria ser homem, tinha de dar provas.

Quem fugiu, foi por medo, conveniência, comodismo, etc. Uma coisa é certa, por política é que não foi. Esta de, à ultima da hora, vir dizer que se era antifacista, não cola. Se havia assim tantos, então no tempo da outra senhora onde andavam? Andavam a mamar à custa do regime e, para se branquearem, viraram resistentes para aranjarem novos tachos. Cambada de oportunistas.

Atenção, não me compete criticar ninguém, mas galos e perús não são todos uns. Bem me custou o embarque, fugir era mais fácil.

Quanto à legitimidade da guerra, a história é outra. Se a nossa não era legítima então, que andam os americanos a fazer no Iraque, os ingleses em Gibraltar, os franceses nas Iguanas, os russos na Mongólia, etc., etc.

O Alentejo e o Algarve também foram conquistados e povoados, então em que ficamos ? África era pertença de todos nós, agora vai ser dos chineses. E por cá somos invadidos por espanhois. Então, no fim tínhamos razão.

Onde está a nossa auto-estima?

Um abraço amigo

Paulo Raposo
Ex-Alf Mil CCA 2405 / BCAÇ 2852
Mansoa, Galomaro, Dulombi (1968/70)
Herdade da Ameira
Montemor-O-Novo

3. Comentário de J.L. Vacas de Carvalho


Carissímos:Tenho lido (e confesso, não muito interessado) os pontos discutidos: Membros honorários e desertores.

Sobre o 1º : O blogue é um local onde se trocam ideias, situações vividas, memórias, encontro de amizades, etc, etc. Os que por lá ficaram ou como se costumava dizer, lerparam, podemos, melhor, devemos, lembrá-los e honrá-los. Lamentamos sempre as suas ausência e somos solidários com as suas famílias. Infelizmente não estão entre nós. Não contribuem para as nossas conversas. Nem sei, como alguns que por aqui já passaram, se gostariam de pertencer à nossa família. Quando muito, e quando algum de nós partir desta para melhor ou pior (quanto mais tarde, melhor, falo por mim) podemos sim, considerá-lo Tertuliano Honorário ad eternum.

2º Ponto: Uma parte da minha consciência diz que não devemos fazer juízos de valor sobre as causas que levaram um português a desertar. Pode ter sido por razões familiares, razões de consciência ou por outras razões que não me compete a mim julgar ou criticar.Outra parte de mim diz-me que eles simplesmente fugiram, tiveram medo, acobardaram-se. Ponto final. Admiti-los no nosso blogue é uma traição a quem lá esteve e que por quem lá morreu. No entanto o nosso Presidente no seu mais alto critério assim o decidirá.
Abraços
Zé Luís

Ex-Alf Mil
Pel Rec Daimler 2206
Bambadinca (1969/71)
Lisboa

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(2) Vd. post de 13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo