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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21483: Memória dos lugares (415): Béli, Madina do Boé, Dandum...Fotos da última viagem ao sector do Boé, em 30 de junho e 1 de julho de 2018 (Patrício Ribeiro)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé > 2009 >Béli >  Restos do quartel de Béli, retirado pelas NT em meados de 1968, por ordem expressa de Spínola.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Entre 30 de junho e 1 de julho de 2018, o nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, que vive há 4 décadas na Guiné-Bissau, onde é empresário,  fez um  viagem de trabalho  ao setor do Boé,  hoje integrado na Região de Gabu. 

A partir de Bafatá e Gabu, deslocou-se nomeadamente a Béli (onde pernoitou, em 30/6/2018) e a Dandum (passando por Madina do Boé). No regresso, a Bafatá, ficou em Canjadude, onde tinha trabalho.

Já aqui publicámos, no seu devido tempo, as crónicas que nos mandou, acompanhada de belas fotos... Esta é apenas uma das diversas viagens que fez a esta região, "remota e difícil acesso", da Guiné-Bissau. o setor do Boé.

Para a maior parte de nós, antigos combatentes,  é uma região praticamente desconhecida: havia lá poucos quartéis e destacamentos: Canjadude, a norte do Rio Corubal; Madina do Boé, Belí, Cheche, a sul...  Estes três últimos foram entretanto mandados retirar por ordem de Spínola: Béli (meados de 1968), Madina do Boé e Cheche, em 6 de fevereiro de 1969.

Daí termo-nos lembrado de reconstituir e documentar o percurso do Patrício Ribeiro, nesse início da estação das chuvas dw 2018. Publicamos alguns excertos e algumas das fotos, reeditadas e renumeradas (*).

Em 2018,  não havia ainda  sinais, no entanto, da "Montanha Cabral", aqui referida no poste P.21479 (**). 

O memorial ao Domingos Ramos, morto em 1966, é referido no texto, mas não o célebre "marco ali colocado por Amílcar Cabral em 1958 e que mais tarde se torna o local de encontro com os seus homens e onde muita da estratégia militar era definida", e cuja  existência foi aproveitada pela ONGD Afectos com Letras, com sede em Pombal,  para construir,a pedido da população local,  um memorial, "de reconhecimento histórico nas colinas do Boé" (**)

Esse memorial, tudo o indica, ficará nas imediações da Tabanca de Dandum, na colina Dongol Dandum, cota 171, a sul do antigo aquartelamento e da atual tabanca de Madina do Boé  (vd, carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil). É aqui se situaria a tal "Montanha Cabral", de que pouca gente sabia até agora existêcia.

2. A este respeito, o Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, mandou-nos o seguinte comentário (**): 

(...) Se a memória não me falha, a tal montanha está situada a meio caminho entre as localidades de Madina e Dandum, do lado direito para quem vai. Lembro-me vagamente de me terem falado dela, mas francamente, o caminho era tão mau e tantos os solavancos que não me apetecia falar de turismo, mesmo se a região, com as suas mil colinas, é simplesmente, a região mais bonita do pais.

Quanto ao marco geodésico de 1958, não acredito que tenha sido o Cabral a colocá-lo lá. Deve ser mais um mito popular a juntar-se a muitos outros. Sabemos que ele desenvolveu um amplo trabalho de recenseamento agrícola e, talvez estudo dos solos, mas não vejo em que isso estaria relacionado com a colocação de marcos geodésicos. 

Curiosamente, já tinha ouvido a mesma coisa sobre um marco do mesmo ano que tinha sido colocado a entrada da m8nha aldeia, no Leste. A verdade é que a esta data, salvo erro, o Cabral devia estar a trabalhar fora da Guiné.(...)  [, 1958,] 


3. A última viagem de Patrício Ribeiro a Beli, Madina do Boé e Dandum (30 de junho e 1 de julho de 2018):

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.; tem também uma "ponta, junto ao rio Vouga, Agueda, onde se refugiou agora, fugimdo a pandemia de Covid-19: é o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem cerca de uma centena de referências o nosso blogue]


(..) Há poucos dias, fui dar uma volta pela região do Boé. Nos finais de Junho [de 2018], após as primeiras chuvas, como sempre gosto de fazer.

Nesta época podemos encontrar as encostas das colinas todas verdes, como se lá tivessem plantado relva, o terreno muito colorido com as primeiras flores a desabrochar, após a época seca. Com a falta de chuva nos últimos 7 meses, começando as chuvas, a relva cresce 2 a 3 cm por dia ...

Neste mês ainda se pode passar por todos os caminhos e picadas; os rios de água cristalina começam a correr, mas ainda os podemos ultrapassar com as viaturas todo o terreno.

Claro que em alguns locais já temos mais de um palmo de água nas entradas, durante muitas dezenas de metros [,  mas como o solo é todo de pedra, não há o perigo de ficar atolado na lama.

Depois de sair de Bafatá, passamos em Gabú [, antiga Nova Lamego], a caminho de Ché Ché, estrada de terra batida, em muito bom estado até ao rio.

Lá chegamos ao primeiro obstáculo [...], a travessia do rio Corubal. [Foto nº 1], Esperamos pela jangada que estava do outro lado e, depois de algum tempo de espera, lá apareceu ela para nos transportar! Estava a ser puxada à mão por diversos homens, porque o motor estava avariado. (...)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 30 de junho de 2018 >  Margem direita do Rio Corubal > Rampa de acesso, do lado da estrad que vem de Gabu e Canjadude... Do outro lado, na margem esquerda, fica(va)  Ché Ché (ou Cheche, como vem grafado no nosso blogue): vê-se a jangada que faz o transporte de viaturas, pessoas e bens.. Mas neste dia, a travessia é feita por jangada, puxada... à corda, por avaria no motor.   

Recorde-se que, em 6 de fevereiro de 1969, neste mesmo local, houve um trágico acidente com a jangada: morreram, afogados, 46 militares e 1 civil, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).


(...) Ultrapassado o rio [Corubal], lá seguimos por cima da estrada de pedra a caminho de Beli, mais ou menos 40 km, passando por algumas poucas tabancas, que outrora eram bem pequenas, com as casas todas cobertas a palha, mas agora são maiores e com mais casas, quase já não há casas cobertas a palha. Este caminho é muito bonito e difícil.

Ao chegar a Beli, iniciamos o nosso trabalho e procuramos alojamento nas instalações da Chimbo, que tem 9 bangalós para alugar. [Foto nº 2]. São holandeses, da Fundação Chimbo Daribó. Andam a instalar máquinas fotográficas nas árvores, para fotografarem os chimpanzés, muitos, búfalos, alguns e até alguns leões: vd. o sítio na Net,  www.chimbo.org.

Não há Internet, mas na vila há telefone. No resto da região, não. A língua falada corrente é o Fula. Por vezes não é possível uma conversa em Crioulo e Português, língua oficial, só com professores e alguns funcionários. Os jovens entendem um pouco.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 1 de julho de 2018 > Béli > Bangalós da Fundação Chimbo Daribó, baseadas nas casas tradicionais fulas, circulares, e com telhado de colmo, em forma de cone.


Ao outro dia [, 1 de julho de 2018} seguimos viagem para Dandum, voltamos para trás até tabanca de Cobolo e seguimos em direção a Sate; dali por um caminho a corta mato para Diquel, por onde as viaturas ainda passam. [Fotos nº 3 e 4]



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 1 de julho de 2018 > Picada para Dandum, q sul de Madina do Boé, ainda transitável



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 30 de junho de 2018 > Tabanca de e posto fronteiriço de Dandum, 3km a sul de Madina do Boé.


Passamos por algumas pequenas tabancas perdidas nas colinas do Bolé, mas todas têm escolas. Cruzamos alguns rios que começam rapidamente a aumentar o caudal, com a chuva que está a cair.

Lugares muito bonitos e completamente diferentes do resto da paisagem da Guiné (foto 6). Algumas destas tabancas já existiam. (Ver mapa de 1961 da Província da Guiné, e voltaram a ser implantadas na Carta Geológica da Guiné, do Dr. Paulo Alves, em 2011).

Por aqui começam a aparecer algumas hortas de caju nos vales, assim como algumas pequenas tabancas, porque os terrenos são mais férteis. O que obriga os animais selvagens existentes no Parque Natural do Boé a ter de "arranjar" outros locais … Agora são avistados para os lados de Lugajole, mesmo junto à fronteira com a Guiné-Conacri. (***)

Chegamos até perto de Madina do Boé, mas seguimos o caminho para Dandum, 3 km mais à frente.

Dandum, a tabanca é muito grande com muitas casas, tem posto de fronteira [, Foto nº 4]: alguns funcionários públicos, guardas de fronteira, professores; tem um hospital, tudo e todos perdidos na distância para Bissau... O local é uma planície com terra muito fértil, com muitas árvores de fruto.

Verificamos o trabalho que tínhamos realizado no hospital,  há uns meses, está tudo Ok!


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 1 de julho de 2018 > Tabanca de Madina do Boé. 



Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé > Restos do antigo aquartelamento, retitado em 6 de fevereiro de 1969, ao tempo da CCAÇ 1790, do cap inf José Aparício... Estas ruínas parecem ser a da antiga central elétrica...



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  Boé > 1 de julho de 2018 >  A velhinha fonte da "Colina de Madina do Boé",  construída em 1945, ainda já está, operacional... O painel de azulejos já muito degradado...


No regresso pelos mesmos caminhos, mas paramos em Madina do Boé, para as fotos da praxe. A tabanca de Madina do Boé fica em uma planície fértil, com muitos árvores de fruto e tem alguns morros ao longe (Fotos nºs 5 e 6).

A fonte "Colina de Madina do Boé", construída em 1945, ainda lá está, resistindo à usura do tempo e dos homens (Foto nº 7). Há dibversas fotos no blogue.

 Estivemos junto ao Memorial de Domingos Ramos, local onde foi ferido e provavelmente morto (foto 11). Está aproximadamente a uns 500 metros da fonte de 1945 e do antigo quartel, a poucos metros do caminho para Dandum, na planície. (Foto nº 8).

Na pedrta, não havia nenhuma inscrição. O pessoal que me acompanhava,  do Parque Natural do Boé, sabia deste local, indicaram-me talvez porque passamos perto. Das outras vezes que fui a Madina,  não me indicaram este sitio. Do outro lado da picada, perto a 70 metros, já há algumas casas.  



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  Boé > 1 de julho de 2018 >  Monumento à memória de Domingos Ramos, comandante do PAIGC, morto em 10 de novembro de 1966, ao tempo da CCAÇ 1416.


Regresso a Beli, para assistir ao encontro de Portugal / Uruguai, no clube dos jovens, enquanto a trovoada deixou ver, até que o sinal da parabólica deixou passar. A Net por estas paragem não é uma ciência exacta... é muito complicado. Grande foi a festa, quando Portugal marcou o golo.

Depois regresso de Beli até Candjadude (Foto nº 9) onde passamos o resto do dia a fazer trabalhos, antes da chegada da noite, a Gabú.



Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sectir de Boé > 1 de julho de 2018 > Caminhos do Boé, com colinas ao fundo, no regresso a Canjadude e a Gabu (antiga Nova Lamego)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de;


21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Vd. poste de 24 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21479: Memória dos lugares (414): Região de Gabu, setor de Boé, Colinas do Boé: Montanha Cabral... Alguém sabe onde fica, exatamente, essa "montanha" (fello, em fula), que faz parte das "lendas e narrativas" do PAIGC ? 

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20322: Historiografia da presença portuguesa em África (184): Roteiro de Bissau: ainda as velhas e as novas toponímias, depois de 21/1/1975



Fonte: António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,). Com a devida vénia...


Guiné > Bissau > c. 1960/70 > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).

 Legenda:  1=Av República (depois de 1975, Av Amílcar Cabral); 2=Av Alm Américo Tomás (hoje, Av Pansau Na Isna); 3= Av Governador Carvalho Viegas (hoje, Av Domingos Ramos); 4=Praça do Império (hoje. Praça dos Heróis Nacionais)




Guiné > Bissau > c. 1969/70 > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa").  Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

O monumento é da autoria do arquiteto Ponce de Castro. A primeira pedra foi lançada em 1934.  O monumento foi inaugurado em 1941. O granito veio do foram  Porto.  Enquanto a estatuária colonial foi derrubada, a seguir à independência, este monumento, colonialista por excelência, foi o  o único que resistiu às fúria do camartelo do PAIGC.  Ainda lá está, agora encimado com a  a estrela de cinco pontas, que faz parte da bandeira da República da Guiné-Bissau.

Há, na Foz do Douro, Porto, um monumento, datado de 1934,  que terá inspirado o de Bissau, o "Monumento ao Esforço Colonizador Português", da autoria dos escultores Alferes Alberto Ponce de Castro (? - ?) e de José de Sousa Caldas (1894-1965). "Foi construído expressamente para a Exposição Colonial, inaugurada em Junho de 1934 no Palácio de Cristal. Compõe-se de um obelisco encimado com as armas nacionais; na base, seis esculturas estilizadas simbolizam as figuras a quem se deve o esforço colonizador: a mulher, o militar, o missionário, o comerciante, o agricultor e o médico!. (Fonte: Turismo do Porto).

O arquitecto e escultor Alberto Ponce de Castro era natural de Tavira, é o autor do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, situado defronte dos Paços do Concelho de Tavira. Em 1922 o alferes de cavalria Alberto Ponce de Castro era reformado e fez um requerimento, à Câmara dos Deputados, ao abrigo da Lei nº 1244. O requerimento seguiu para a Comissãod e Guerra (Fonte: Debates Parlamentares > 1ª Reoública > Câmara dos Deputados > VI Legislatura > Sessão legislatuiva 01 > Número 101 > 1922-07-12 > Página 4)



Guiné > Bissau > c. 1960/70 > "Av Carvalho Viegas"... Bilhete postal, nº 129, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa"). Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

A antiga Av Carvalho Viegas, um governador da província em 1932-40 (Luís António Carvalho Viegas, 1887-1965), chama.se agora (depois de 1975) Av Domingos Ramos. Terminava na Praça Honório Barreto (hoje, Praça Che Guevara).


1. Saudosistas, camaradas ? Parece que o termo não é "politicamente correto"... Nem este blogue é "politicamente correto"... Pois sejamos saudosistas... das coisas boas. O vocábulo não devia incomodar ninguém. Há outros "ismos" bem piores, que mexem com a nossa liberdade e a liberdade dos outros, como por exemplo racismo.

Toda a gente sabe que o nosso blogue é um sítio onde os amigos e camaradas da Guiné partilham memórias (e, em muitos casos, afetos). Os "tugas" que lá estiveram, em 1961/74, a fazer a guerra e a paz,  continuam a amar aquela gente e aquela terra, que era "verde-rubra" (sem segundo sentido)... Cultivam amizades e solidariedades. Vários guineenses são membros da Tabanca Grande, e parte dos documentos (textos, fotos, vídeos) que aqui publicamos, desde há 15 anos e tal, têm interesse para a história comum dos nossos dois países, Portugal e a Guiné-Bissau.

Como já o dissemos, as paisagens e os lugares não têm dono, não pertencem a ninguém. E muito menos as memórias dessas paisagens e desses lugares. Lisboa não é só dos lisboetas. Bissau não é só dos bissauenses. São também, estas duas cidades lusófonas,  dos seus visitantes, dos que por lá passam ou passaram, ou que lá vivem ou lá viveram, mesmo sendo "estrangeiros"...

Bissau faz parte das nossas geografias emocionais... como muitos outros lugares da Guiné, do Cacheu a Cacine, de Bolama a Buruntuma... O António Estácio, filho de pais transmontanos, nascido em Chão de Papel, em Bissau, e também morador em Bolama, em Angola, em Macau e agora no país dos seus progenitores..., é tão bissauense como tantos outros. Pode até exceder a maior parte dos bissauenses em paixão pela sua terra e suas gentes...

Saudosista, o Estácio ? Pois que o seja... Isto para dizer que ele é tão dono do Chão de Papel como da terra onde eu nasci, Lourinhã, ou como o Cherno Baldé, que veio ao mundo em Fajonquito, mas casou com uma  bissauense, nalu, vive e trabalha em Bissau, os seus filhos são bissauenses como os meus filhos são lisboetas...

As imagens dos lugares vão-nos sobreviver, mesmo dos lugares arruinados como as velhas artérias  e os velhos sobrados  de Bissau Velha. As imagens vão sobreviver, nas nossas memórias, enquanto formos vivos, e depois nos suportes em formato digital que deixamos com o blogue... (Ou em papel, se não forem parar ao caixote do lixo.)

Claro que, para os nossos filhos, netos e bisnetos,  estas imagens já não dizem nada ou muito pouco. Mesmo para os nossos contemporâneos que não conheceram a Guiné, nem antes nem depois da Independência, não dizem nada ou muito pouco. E até os nossos amigos e familiares nos chamam "saudosistas"...

Mas quem nos ler, quem nos visitar (... e já vamos a caminho dos 12 milhões de visualizações),  que faça o melhor uso desta informação e conhecimento que aqui recolhemos, analisamos,  tratamentos e divulgamos.

[Nostalgias de outono, Parque das Conchas e dos Lilases, Lisboa, 5 de novembro de 2019. LG]
______

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20320: Historiografia da presença portuguesa em África (183): o desenvovimento urbano de Bissau, no período em que viveu Leopodina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó" (1871-1959)

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20087: Notas de leitura (1211): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (20) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Seria de toda a conveniência que aqui se vazassem comentários dos confrades que participaram ou que acompanharam de perto a Operação Tridente. A história da Unidade, a do BCAV 490, gentilmente emprestada pelo Carlos Silva, é muito parcimoniosa, remete para um anexo que não tenho. Há o "Tarrafo", de Armor Pires Mota, há este documento que ora se apresenta, temos o depoimento do António Heliodoro, a que se irá fazer referência, apareceu no volume Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 histórias da Guerra Colonial, de Nuno Tiago Pinto, A Esfera dos Livros, 2011. Apelo, pois, a contributos que possam constituir o outro lado do espelho que é a poesia do Santos Andrade.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (20)

Beja Santos

“Morreram dois fuzileiros
muitos rapazes atingidos
precisamente noutra altura
Baía e Ameixa foram feridos.

Foi antes do meio-dia
que os fuzileiros foram ao mato
onde houve o grande contacto,
que com o fogo se estremecia,
lutando com valentia
foram feridos muitos companheiros.
Os bandidos traiçoeiros
deviam ser degolados.
Por causa desses malvados
morreram dois fuzileiros.

Quando o ataque principiou,
daquilo já se esperava,
a retirar obrigava
a força que os enfrentou.
Feridos às costas se carregou
havendo muito gemido.
O helicóptero foi pedido
levando os feridos para Bissau.
Entre Cauane e S. Nicolau
muitos rapazes foram atingidos.

Quando um caça patrulhava,
os bandidos fogo faziam
até que o atingiam
e no chão se despedaçava.
Tudo se incendiava:
gasolina, óleos e pintura.
O piloto sofreu amargura,
ao ficar todo queimado
e foi este caso passado
precisamente noutra altura.

Em S. Nicolau quiseram
resistir dois pelotões.
Como noutras ocasiões
avançar nunca puderam.
Muita rajada lhes deram.
Aquilo foi um castigo,
devido a tantos inimigos
retiraram do matagal,
mas na retirada, às 9 e tal,
Baía e Ameixa foram feridos.”

********************

Em 2019, a editora QuidNovi deu à estampa um conjunto de volumes sobre a guerra colonial. O quinto volume destacava a Operação Tridente, desenhada no maior sigilo. Os comandantes das unidades envolvidas no ataque apenas foram informados de todos os planos escassos dias antes do embarque. Os próprios oficias subalternos só souberam da ordem e do objetivo militar na véspera do Dia D. Foram 71 dias o tempo da operação. Ao fim de 48 dias de combates, as tropas portuguesas intercetaram um estafeta com uma carta de Nino Vieira, escrita à máquina e destinada a dois importantes chefes de guerrilha, Rui Djassi e Domingos Ramos, eram a prosa de aflição, Nino precisava de reforços, e concluía: “Tenho encontrado uma situação muito grave. As tropas estão aumentando cada vez mais as suas forças, tanto como terrestres, aviação e também por meios marítimos. Camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem guerrilheiros aí, já estamos a contar com a baixa de 23 camaradas durante todos estes dias dos ataques”.

Vejamos o essencial deste texto sobre a Operação Tridente, tal como consta neste quinto volume das Edições QuidNovi. Na véspera do ataque, a artilharia portuguesa instalada em Caiar flagelou sem descanso toda a região norte das ilhas de Caiar, Como e Catunco. Os guerrilheiros acreditavam que esse seria o local de desembarque. Enganaram-se. As forças envolvidas na Operação tomaram as ilhas de assalto pelo lado sul. Os desembarques decorreram sem um único tiro. O Dia D, 15 de janeiro de 1964, precisamente às 8.30 horas, os fuzileiros especiais pisaram a zona de combate: o destacamento 7, comandado pelo Primeiro-Tenente Ribeiro Pacheco desembarcou num ponto da ilha Caiar enquanto o destacamento 8, sob as ordens do Primeiro-Tenente Alpoim Calvão chegava a um outro local na ilha do Como. A missão destes fuzileiros era estabelecer cabeças de praia que permitissem o desembarque das companhias de cavalaria, que vinham em três agrupamentos. O agrupamento A, comandado pelo Major Romeiras, tinha ordens para seguir imediatamente para a tabanca de Caiar. O agrupamento B, sob o comando do Capitão Ferreira, tem por objetivo Cauane, aqui se darão os primeiros combates, as tropas portuguesas atacam com fogo morteiro ao mesmo tempo que a Força Aérea bombardeia. A primeira baixa é um T6 abatido pelos guerrilheiros. O comandante do DFE8, Alpoim Calvão, toma uma decisão arriscada: à cabeça de um grupo de fuzileiros entra na mata densa e começa a desalojar a guerrilha. O agrupamento C está sob o comando do Capitão Anselmo, sobe o rio de Catunco, tomam Catunco Papel e Catunco Balanta sem oposição da guerrilha. O agrupamento D, sob o comando do Primeiro-Tenente Faria de Carvalho desembarca na costa leste de Catunco, nas margens do rio Cumbijã. O comandante da Operação Tridente está ainda a bordo da fragata Nuno Tristão. Concluída a primeira fase da Operação, as unidades ocupam posições de combate, inicia-se a segunda fase que se prolongou até ao dia 24, nas ilhas de Caiar, Como e Catunco combate-se violentamente, fazem-se batidas, são feitos alguns prisioneiros, na ilha do Como as forças do PAIGC flagelam severamente, em Catunco não se encontram guerrilheiros mas foram descobertos depósitos de arroz e muito gado. Estamos já na terceira fase, o Tenente-Coronel Cavaleiro desceu ao terreno, as tropas de cavalaria, os fuzileiros especiais, o grupo de comandos, o pelotão de paraquedistas estão todos em ação.


Vejamos o relato dos acontecimentos como são descritos neste livro:
“Os portugueses conseguiram integrar-se progressivamente na mata, pelo sul, pelo norte e pelo lado oeste. A artilharia e a Força Aérea bombardeavam à noite pontos suspeitos na mata. Os militares localizaram e destruíram dois grandes acampamentos das forças do PAIGC. Foram arrasadas as tabancas de Cauane, S. Nicolau, Curcó, Cassaca, Samane, Uncomené, Cachida e Cachil. O mais violento dos combates, na mata de Cassaca, decorreu entre as seis da manhã até às quatro da tarde.
A 24 de Março, ao fim de 71 dias de operação, o Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro podia cantar vitória. Os grupos de guerrilha, incapazes de susterem os ataques portugueses, estavam em fuga. Foram arrasadas praticamente todas as tabancas das ilhas de Caiar, Como e Catunco”.

As forças portuguesas regressam ao continente, é decidido criar um destacamento em Cachil. O bardo irá depois falar-nos de Farim. Por ora, vamos continuar a desfiar a sua lírica em pleno Como.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 16 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20065: Notas de leitura (1209): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (19) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20074: Notas de leitura (1210): A Descolonização Portuguesa, Aproximação a um Estudo, Grupo de Pesquisa Sobre a Descolonização Portuguesa; Instituto Democracia e Liberdade, Lisboa 1979 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19437: PAIGC - Quem foi quem (12): Rui [Demba] Djassi, nome de guerra, Faincam (1938-1964), antigo comandante da região de Quínara, hoje "Herói da Pátria"







Citação:
(s.d.), "Relatório", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40094 (2019-1-24)  (Com a devid avénia...)

Casa Comum > Instituição:Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.056.036
Título: Relatório
Assunto: Relatório remetido a Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, por Rui Djassi (Faincam), acerca da repressão da população daquela zona pelas tropas coloniais.
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos



Transcrição / revisão  / fixação de texto: LG


Camarada Cabral:

A situação está difícil. O povo não pode fazer revolta em grande parte; porque serão massacrados como acontece no Cubisseque [península de Cubisseco, a sudoeste de Empada, vd. carta de Catió].

E de maneira [que], passando mais dias, nem dentro  [, no mato,]  podemos estar .

A lavoura está quase parada,  porque se te virem entrar no mato é logo tiro. Para trazer-nos comida é difícil.

A dificuldade surge dia a dia.

O número dos mortos pode  alcançar 12.

Do camarada Djassi (FAINCAM)



1. O que terá acontecido ao Rui Djassi (Faincam)? - pergunta o nosso editor Jorge Araújo (*)


O seu nome deixou de constar na estrutura da «guerrilha», então aprovada no Congresso de Cassacá, em 17 de fevereiro de 1964,  sendo substituído por Guerra Mendes [que irá morrer em combate, em 9 de maio de 1965, em N'Tuane (Antuane)], conforme se pode ler no preâmbulo das  decisões tomadas então tomadas (*)

 (...) "Todos os responsáveis e militantes do Partido sabem que a zona 8 [região de Quínara]  sofre ainda as graves consequências duma direcção que não esteve à altura das suas responsabilidades e ainda da acção nefasta e dos erros cometidos por alguns responsáveis dessa zona. 

Depois do nosso Congresso, os camaradas Arafam Mané e Guerra Mendes, encarregados de melhorar urgentemente a situação da zona 8, fizeram, juntamente com outros camaradas, o melhor que puderam para cumprir a palavra de ordem do Partido. Mas esses camaradas mesmos são os primeiros a reconhecer que as coisas não vão muito bem na "zona 8", onde a situação é agravada pelo desaparecimento do responsável Rui Djassi, cujo paradeiro ninguém conhece, embora seja certo que está vivo".(...) 


E mais se acrescenta (*):

(...) "Nestas condições, todo o trabalho feito na zona 11 e nas outras regiões do país, está a ser prejudicado pela situação má em que se encontra a zona 8.

Por outro lado, a experiência feita no norte do país em que todas as zonas se encontram sob a chefia e responsabilidade dos camaradas Osvaldo Vieira e Chico Mendes (Té) mostra que é possível fazer o mesmo no sul, enquanto se prepara a nova fase da nossa luta. Quer dizer, todas as Zonas do Sul (11, 8 e 7) devem ficar sob a direcção centralizada dum pequeno número de responsáveis, directamente ligados ao Secretário-Geral do Partido. É portanto necessário fazer uma reorganização da direcção do Partido, da luta no sul do país, com a maior urgência possível.

No Ponto I.8, lê-se (*):

(...) " Os ex-responsáveis de zonas, camaradas Rui Djassi (Faincam) e Domingos Ramos (João Cá) devem vir imediatamente ter com o Secretário-Geral do Partido, passando as suas funções respectivamente a Guerra Mendes e Abdoulaye Barry"  (...).

Terá sido o Rui Djassi mais um "erro de casting" do Abel Djassi (aliás, Amílcar Cabral) ? É possível, mas o líder histórico do PAIGC também não tinha muito por onde escolher... De qualquer modo, um, Rui Dkassi (Faincam) e outro, Domingos Ramos (João Cá), desapareceram cedo, muito antes do "pai da Nação"... Um em 1964, outro em 1966.


2. O Bobo Keita, sobre o seu camarada Rui Djassim  diz o aegyuinte  no seu "livro de memórias" (in Norberto Tavers de Carvlaho - De campo em campo: Conversas com o caomandante Bobo Keita,edição de autor, Porto, 2011, pp. 237/238):

"Parte V - Guerrilheiros caídos no campo da honra (....)

Rui Djassi

O Rui  Djassi comandava toda a zona de Quínara. Tinha a sua base em Gampará. Cheguei a passar por aí quando íamos para o Congresso de Cassacá em 1964 [, de 13 a 17 de fevereiro de 1964; na região de Quitafine e não na ilha do Como, que na altura estava sob ataques terrestres, navais e aéreos das NT, no decurso da Op Tridente].

Na altura, pela maneira como se comportavam na base, notava-se logo que em situação de emergência, havia um perigo certo. Só quem não tivesse nenhuma noção de estratégia e de defesa poderia aceitar aquela situação. Os camaradas procediam a rituais animistas, cantando, dansando, bebendo o vinho do cibe [ou vinho de palma].

A base vivia num constante ambiente de frenesim. Foi assim que foram surpreendidos pela tropa portuguesa. Os tugas lançaram então a ofensiva. Escolheram um momento onde o rio estava na sua fase de plena enchente. O rio separava a base duma grande mata que se situava do outro lado da base. De forma que, quando houve o ataque, apanhados de surpresa, muitos camaradas tentaram ganhar o rio para atravessar e porem-se a salvo na outra margem.

O Rui Djassi tentou os mesmos gestos mas acabou pro morrer afogado no rio. O seu corpo desapareceu nas águas desse rio e nunca mais foi encontrado. Isto aconteceu pouco depois da realização do Congresso de Cassacá, que teve lugar em fevereiro de 1964".



Em suma, tudo indica que o Rui [Demba]  Djassi morreu "sem honra nem glória", contrariamente ao Domingos Ramos.  Ambos são, todavia,  "heróis da Pátria", e existe a sua "campa" (, embora não tenha sido encontrados os seus restos mortais) no Memorial aos Heróis da Pátria, junto ao Mausoléu Amílcar Cabral no interior da Fortaleza de São José de Amura, em Bissau. Lá consta qye nasceu em 1938 e morreu em 1964.


3. E a  propósito do Rui Djassi, recupera-se aqui  o comentário do nosso camarada Manuel Luís Lomba, também ele estudioso da história do PAIGC, feito no poste P13787 (**), onde refere:

"O Rui Djassi era cobrador da Farmácia Lisboa, foi incorporado no Exército Português e desertou como furriel miliciano  para ir com o Amílcar Cabral e mais 29 para a China, tirocinar 'guerra revolucionária' e foi o 1.º a concluir tal formação. 

Residiu na estrada de Stª. Luzia e, quando surgiu na guerra, o pai ofereceu recompensa a quem o liquidasse. Foi o 1.º comandante de Quínara e terá sido o responsável do assassinato do irmão do Manuel Simões [, o Januário Simões], ora evocado por falecimento. Foi o comandante dos ataques a Tite, em Janeiro e Fevereiro de 1963, currículo que o terá safado das penas de morte decretadas por Amílcar no I Congresso de Cassacá, na altura da Operação Tridente". (*)


4. Há vários Djassi no PAIGC,o que pode levar a confundir quem trata a informação do Arquivo Amílcar Cabar (***):

(i) o próprio Amílcar Cabral usava como nome de guerra "Abel Djassi"

(ii) o Osvaldo Vieira tinha, como nome de guerra, "Ambrósio Djassi";

(iii) Leopoldo Alfama era o Duke Djassi (, atuava na região do cacheu);

(iii) aão sabemos qual era o verdadeiro do Rui Djassi, que se assina sempre Djassi (FAINCAM).

(iv) aparace um documento, no Arquivo Amílcar Cabral, datado de 24 de junho  1965, em Madina do Boé, e assinado por Djassi, que  não pode ser atribuído ao Rui Djassi (morto em 1964) mas simn ao Osvaldo Vieira (Ambrósio Djassi); aliás, não é só um documento, são vários, dando o Rui como comandante da base do Boé.

Numa revista académica brasileira, ODEERE (que  "publica trabalhos inéditos e originais desenvolvidos em torno das discussões sobre etnicidade, relações étnicas, gênero e diversidade sexual em diferentes tempos e espaços e abordando diversos grupos sociais, tais como indígenas, negros, africanos, mulheres etc."), encontrámos uma referência a Rui Djassi.

Mais exatamente à sua sobrinha, Nhima Muskuta Turé, nascida em Gampará (Fulacunda, Região de Quínara), em 1954...  Nasceu na "luta de libertação", era filha de combatentes, foi recrutada ("contra a sua vontade"), aos nove anos, pelo seu "tio Rui Djassi". Teve uma instrução rudimentar, foi enfermeira do PAIGC. Foi entrevistada em Bissau em 14/10/2009, era então enfermeira-chefe do centro de saúde de Belém, Bissau (****)-

5. Recorde-se, por fim,  que o Rui Djassi fez parte da segunda leva de militantes do PAIGC que foram enviados para a China, no 2.º semestre de 1960, para formação político-militar como futuros comandantes.

Rui Djassi fazia parte destes 10 futuros destacados dirigentes do PAIGC, hoje todos desaparecidos, uns em combate outros na "voragem da revolução" (com exceção de Manuel Saturnino da Costa)… Aqui vão, mais uma vez os seus nomes, por ordem alfabética:

(i) Constantino dos Santos Teixeira (nome de guerra, “Tchutchu Axon”);

(ii) Francisco Mendes (“Tchico Tê”) (1939-1978);  oficialmente terá morrido de acidente na estrada Bafatá-Bambadinca; mas também há ainda suspeitas de assassinato, em 7/6/1978; foi primeiro ministro e chefe de Estado;

(iii) Domingos Ramos: morto, em combate, em Madina do Boé, em 11 de Novembro de 1966; tem nome de rua em Bissau; foi camarada do nosso Mário Dias no 1º curso de sargentos milicianos  (CSM) realizado na Guiné, em 1959;

(iv) Hilário Rodrigues “Loló”: , comissário político, morreu em 1968, num bombardeamento da FAP, no Enxalé;

(v) João Bernardo “Nino” Vieira (1939-2009): natural de Bissau; ex-Presidente da República; nome de guerrra, "Marga";

(vi) Manuel Saturnino da Costa, o único que ainda é vivo: será 1º ministro entre 1994 e 1997, num dos piores governos do PAIGC, na opinião do nosso saudoso Pepito (1949-2014);

(vii) Pedro Ramos: fuzilado em 1977, às ordens de ‘Nino’ Vieira, ao que parece, no âmbito do chamado "caso 17 de Outubro"); era irmão do Domingos Ramos;

(viii) Rui Djassi: comandante da base de Gampará, n aregião de Quínara, morreu por volta de fevereiro de 1964, por afogamento na sequência de um ataque das tropas portuguesas;  tem nome de rua em Bissau;

(ix) Osvaldo Vieira (1938-1974=; morreu, por doença, em 1974, num hospital da ex-URSS, e com a terrível suspeita de ter estar implicado na conjura contra Amílcar Cabral (ironicamente repousam os dois, lado a lado, na Amura); era também conhecido como "Ambrósio Djassi" (nome de guerra); tem nome de rua em Bissau; o aeroporto internacional também ostenta o seu nome;

(x) Vitorino Costa (morto, numa emboscada n o 2º semestre de 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153 / BCAÇ 237, comandado pelo Cap Inf José Curto; a sua cabeça foi depois levada para Tite, como "ronco"; era irmão de Manuel Saturnino da Costa: e terá sido o primeiro revés de Amílcar Cabral, no plano militar; tem nome de rua em Bissau.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 24 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19433 (D)outro lado do combate (42): A nova estrutura político-militar do PAIGC decidida no I Congresso, de Cassacá, em 17/2/1964: os líderes do 1º Corpo de Exército Popular (Jorge Araújo)


(***) Último poste da série > 25 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19232: PAIGC - Quem foi quem (11): Lourenço Gomes, era uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis ... A seguir à independência era um homem temido, ligado ao aparelho de segurança do Estado (Cherno Baldé, Bissau)

 Vd. postes anteriores da série: 

3 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (10): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)

7 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4473: PAIGC - Quem foi quem (9): Luís Cabral, entrevistado por Nelson Herbert (c. 1999)

4 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4460: PAIGC - Quem foi quem (8): O Luís Cabral que eu conheci (Pepito)

1 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4447: PAIGC - Quem foi quem (7): Luís Cabral (1931/2009) (Virgínio Briote)

12 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

12 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

18 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

6 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

30 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

30 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)

(****) Vd, Patricia Alexandra Godinho Gomes  - "As outras vozes”: Percursos femininos, cultura política e processos emancipatórios na Guiné-Bissau.  ODEERE -  Revista do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade (PPREC), UESB . Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19403: (Ex)citações (350): Ponto e contraponto: calão, crioulo, linguagem obscena, racismo, colonialismo e nacionalismo... (Cherno Baldé / António Rosinha)


Guiné- Bissau > Bissau > Maio de 1997 > "Eu e a minha mãe"

Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Comentários ao poste P19396 (*)


(I) Cherno Baldé [, n. c. 1960 em Fajonquito, setor de Contuboel, região de Bafatá, estudou na Ucrânia e em Portugal, quadro superior na GB, gestor de projetos, vive em Bissau, nosso colaborador permanente, especialista em questões etnolinguísticas]

[...] Convém ter em conta que parte das expressões apresentadas [, no Pequeno Dicionário da Tabanca Grande,]  como sendo "crioulo",  podem ser invenções da tropa metropolitana e seus soldados indígenas,  e que os guineenses dito crioulos nunca ou quase nunca utilizavam por representar caricaturas de crioulo. 

Por exemplo,  "Partir mantenha, partir catota, cabaço, mama-firme", entre outras expressões, podiam representar formas impróprias e pouco respeitosas para com os nativos, vistos como inferiores e pouco dignos do respeito devido às pessoas civilizadas, nesse caso aos portugueses da metrópole.[...] 

O uso do calão ou do baixo calão pode ser normal e existe em todas as sociedades humanas. O que pode chocar é a sua utilização com caracter racista e/xenófobo como era o caso na Guiné durante a guerra. No inicio, até 1970, pareciam-nos expressões normais no convivência com a tropa, sobretudo porque a maioria era originária do Norte de Portugal, mas quando começaram a chegar as mulheres (as senhoras) brancas, esposas de alguns oficiais, constatamos com desagrado que todo o arsenal de obscenidades era só e unicamente reservado a nossa gente e de forma especial as nossas mulheres, sem distinção entre casadas e mulheres grandes. Isto não era só calão, era racismo e abuso do poder sobre os dominados, portanto, inaceitável. Se os militares não tivessem posto um ponto final na guerra em 74, com a nossa geração de jovens escolarizados e nacionalistas, certamente que não seria a mesma coisa. E penso que é isso que explica, entre outras coisas, a adesão do grupo de Domingos


(II) António Rosinha:

(i) beirão, tem mais de 115 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua, ativo, a participar, com maior ou menor regularidade, no nosso blogue, como autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola,  em 1959, sendo fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil, já sem ouro, nem pedras preciosas...), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos';

(x) ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui sabiamente citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]



Não concordo com a ideia do Cherno sobre os motivos de adesão à luta e ao nacionalismo de figuras como Domingos Ramos e Amílcar Cabral, coisas como a falta de respeito pelas mulheres grandes e as mulheres africanas.

A juventude de Domingos Ramos e de Amílcar nunca foi semelhante à vida de "quartel" que o Cherno foi obrigado a conhecer e a viver, não só porque só havia quartéis nas capitais, e a tropa europeia era praticamente reduzida a alguns sargentos e oficiais, e alguns cabos, isto, antes da guerra (1961).

Essa realidade que Cherno conheceu, não existia em 1959, quando Domingos Ramos fez a sua recruta, frequentando o 1º CSM - Curso de Sargentos Milicianos.

Nesse tempo, os mestiços ou brancos de 2ª ou pretos escolarizados (Domingos Ramos), já tinham outros motivos para as suas independências que iam muito além de qualquer descriminação racial, ou complexos de superioridade da parte do branco.

No caso das colónias portuguesas já havia uma convicção absolutamente formada na cabeça dos estudantes da simples 4ªa classe, preto ou branco de 2ª  que eles estavam muito mais preparados para tomar conta da sua terra, do que os «atrasadinhos» que vinham da metrópole. 

Cherno, no minha recruta e CSM (Huambo 1959),  éramos 30 no meu pelotão, dividamos, 10, como eu da metrópole, 10 eram "Domingos Ramos", e outros 10 Amílcares à mistura com dois ou três brancos de 2ª

Cherno, aí já eramos nós,  os dez da metrópole,  as grandes vítimas discriminadas, que nem sabíamos jogar à bola, que vínhamos abanar a árvore das patacas, minhotas com pernas peludas, ainda se fôssemos ingleses ou franceses...e outro mimos  que nem menciono, porque seria uma ladainha que nunca mais acabava.

Até que veio o 15 de Março de 1961, "para Angola e em força" do Salazar, e dos "Ramos" e dos "Amílcares", muito pouquinhos se passaram, e foi ao lado de muitos que eu fiz a minha guerra de 13 anos em Angola.

Embora a realidade de Angola e Guiné fosse diferente, sabemos que o MPLA e PAIGC foram irmãos, de maneira que facilmente encontro semelhanças.

Cherno, a vida que conheceste (tropa e guerra) não tem a mínima semelhança com o sonolência que se passava com os velhos chefes de posto, velhos comerciantes, velhos régulos, a rotina dos fanados e cultura do arroz, tudo ao ritmo de travessias de jangada, passa quando passa,  uma morte lenta, em que além do chefe de posto e do isolado comerciante, muitas tabancas não viam mais qualquer branco ou qualquer alteração da rotina, durante meses, e na própria capital da "colónia" era ao domingo o Benfica x Sporting a maior movimentação de massas.

Claro que houve e há "doutrinações" que podem ser aproveitadas para vários fins, mas não no caso de Domingos Ramos ou  do  Amílcar, creio eu.  (**)

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Nota do editor:


sábado, 21 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18863: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8): Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018: Béli (e a Fundação Chimbo Daribó), Dandum, Madina do Boé, Canjadude...


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1de  julho de 2018 >  Béli > Bangalós da Fundação Chimbo Daribó


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de  julho de 2018 >   Picada para Dandum


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 30 de junho de 2018 > Posto de fronteira de Dandum


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 > A célebre Fonte da Colina de Madina, construída em 1945 (, data já pouco legível), no tempo do governador Sarmento Rodrigues (I)


Foto nº 8A > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 > A célebre Fonte da Colina de Madina, construída em 1945 (, data já pouco legível), no tempo do governador Sarmento Rodrigues (II)


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: restos do antigo quartel abandonado pelas NT em 6 de fevereiro de 1969.


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: tabanca.


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: monumento ao herói do PAIGC, Domingos Ramos, morto em 1966.


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Caminhos do Boé, com colinas ao fundo.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8) > Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018:  Béli, Madina do Boé, Dandum, Canjadude...

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

(Continuação)

Ultrapassado o rio [Corubal] (`), lá seguimos por cima da estrada de pedra a caminho de Beli, mais ou menos  40 km, passando por algumas poucas tabancas, que outrora eram bem pequenas, com as casas todas cobertas a palha, mas agora são maiores e com mais casas, quase já não há casas cobertas a palha. Este caminho é muito bonito e difícil.

Ao chegar a Beli, iniciamos o nosso trabalho e procuramos alojamento nas instalações da Chimbo, que tem 9 bangalós para alugar.

São holandeses, da Fundação Chimbo Daribó. Andam a instalar máquinas fotográficas nas árvores, para fotografarem os Chimpanzés (muitos), Búfalos, alguns e alguns leões: www.chimbo.org (foto 5)

Não há Internet, mas na vila há telefone. No resto da região, não. A língua falada corrente é o Fula. Por vezes não é possível uma conversa em Crioulo e Português, língua oficial, só com professores e alguns funcionários. Os jovens entendem um pouco.

Ao outro dia [, 1 de julho de 2018} seguimos viagem para Dandum, voltamos para trás até tabanca de Cobolo e seguimos em direção a Sate; dali por um caminho a corta mato para Diquel, por onde as viaturas ainda passam. Passamos por algumas pequenas tabancas perdidas nas colinas do Bolé, mas todas têm escolas. Cruzamos alguns rios que começam rapidamente a aumentar o caudal, com a chuva que está a cair.

Lugares muito bonitos e completamente diferentes do resto da paisagem da Guiné (foto 6). Algumas destas tabancas já existiam. (Ver mapa de 1961 da Província da Guiné, e voltaram a ser implantadas na Carta Geológica da Guiné, do Dr. Paulo Alves, em 2011).

Por aqui começam a aparecer algumas hortas de caju nos vales, assim como algumas pequenas tabancas, porque os terrenos são mais férteis. O que obriga os animais selvagens existentes no Parque Natural do Boé a ter de "arranjar" outros locais … Agora são avistados para os lados de Lugajole.

Chegamos até perto de Madina do Boé, mas seguimos o caminho para Dandum, 3 km mais à frente.

Dandum, a tabanca é muito grande com muitas casas, tem posto de fronteira (foto 7):  alguns funcionários públicos, guardas de fronteira, professores;  tem um hospital, tudo e todos perdidos na distância para Bissau... O local é uma planície com terra muito fértil, com muitas árvores de fruto.

Verificamos o trabalho que tínhamos realizado no hospital há uns meses, está tudo ok!

No regresso pelos mesmos caminhos, mas paramos em Madina do Boé, para as fotos da praxe. A tabanca de Madina do Boé fica em uma planície fértil, com muitos árvores de fruto e tem alguns morros ao longe (Fotos 9,10).

Foto junto da fonte construída,  em 1945, que já tem diversas fotos no blog (foto 8).

Estivemos junto ao Memorial de Domingos Ramos, local onde foi ferido e provavelmente morto (foto 11). Está aproximadamente a uns 500 metros da fonte de 1945 e do antigo quartel, a poucos metros do caminho para Dandum, na planície.

Regresso a Beli, para assistir ao encontro de Portugal / Uruguai no club dos jovens, enquanto a trovoada deixou ver, até que o sinal da parabólica deixou passar.

Grande foi a festa, quando Portugal marcou o golo.

Depois regresso de Beli até Candjadude (foto 12) onde passamos o resto do dia a fazer trabalhos, antes da chegada da noite, a Gabú.

Abraço
Patrício Ribeiro

PS - Sobre, o Memorial ao Domingos Ramos: não, não havia nenhuma inscrição. O pessoal que me acompanhava do Parque Natural do Boé, sabia deste local, indicaram-me talvez porque passamos perto. Das outras vezes que fui a Madina não me indicaram este sitio. Do outro lado da picada, perto a 70 metros, já há algumas casas. Na texto que te enviei, descrevo o local.

A Net por estas paragem não é uma ciência exacta... é muito complicado.


Carta da Província da Guiné (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe: a região do Boé

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18623: (Ex)citações (336): Guerra da Guiné: Paixão e Morte em Madina do Boé (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 6 de Maio de 2018, trazendo-nos uma reflexão sobre a Paixão e Morte em Madina do Boé:


Guerra da Guiné: Paixão e Morte em Madina do Boé

Este escrito é motivado pelo P18585, um testemunho da Guerra da Guiné na primeira pessoa do T-General Pilav José Nico, que aqui invoco como resposta a uns “ historiadores e cientistas sociais”, que se têm feito notar pela pretensão de rescrever a nossa História, à revelia do seu curso e carácter - qual “produto tóxico”, susceptível de adulterar Os Lusíadas em “Os Expansíades”. 


Meus caros: 
Primeiro a gesta dos Descobrimentos e depois a saga da Expansão!

De onde vem esse vento? Compare-se a memória descritiva do cubano Óscar Oramas, embaixador e comissário de Fidel Castro junto do PAIGC, com a do então Capitão José Aparício, comandante da CCaç 1790, contidas nesse post e referidas aos mesmos factos acontecimentais e à tropa nomadizada em Madina do Boé.

A região do Boé foi também um dos “amores” da malta operacional do BCav 705, transferido de emergência para o Leste, em Maio de 1965, e calhou à CCav 704 assentar arraiais em Madina e Béli, comandada pelo então Capitão Fernando Ataíde.
Nove meses após essas operações, em Fevereiro de 1966, ia em trânsito de Bissau para Buruntuma no DO do correio, ao levantar voo em Béli o seu lado esquerdo foi cravejada de balas, os vinte e tal impactos sofridos inutilizaram-lhe o rádio, quase arrancaram o ombro e o braço ao seu furriel piloto, este começou a exclamar “maldição! maldição!”, seguiu-se-lhe o desmaio, comigo, ileso mas na maior das aflições, a tentar fazer um torniquete à abundância da hemorragia, a esbofeteá-lo para o manter consciente; e lá sobrevoamos a linha da fronteira e aterrámos em Buruntuma, quase por gravidade, as nossas fardas de caqui muito ensanguentados – a dele pela gravidade das suas feridas e a minha pelo sangue delas.

Três meses depois, a nossa CCav 704 foi rendida pela CCaç 1416, comandada pelo Capitão Mil.º Jorge Monteiro (que será condecorado com a Medalha de Prata de Valor Militar com Palma), com formação agronómica como Amílcar Cabral, o vencedor de Domingos Ramos, ex-furriel mil.º do Exército Português, um dos mais altos quadros do PAIGC, a desempenhar-se como comandante da Frente Leste, abatido no primeiro momento em que desencadeava um poderoso ataque a Madina do Boé, enquadrado por militares do exército regular cubano, já então responsáveis pelos 4 mortos e muitos feridos graves daquela Companhia.

(Fidel Castro foi o único líder mundial a investir militares do seu exército regular em solo português ultramarino, com a missão de matar soldados portugueses. Sem trazer à colação a sua directa prestação no desastre da descolonização de Angola, merece repúdio o facto de, recentemente, S. Ex.ª o PR e Supremo Comandante das nossas FA´s Marcelo Rebelo de Sousa ter movido mundos e fundos, para lhe ir apertar a mão e o reverenciar…).
 
Quem não se sente não é boa gente.

É sabido que a estratégia de correr a tiro a Europa da África começou a ser preconizada pelos americanos e impulsionada por Lenine, a partir de 1916, que foi o armamentismo e o expansionismo ideológico da União Soviética a patrociná-la, mas que Amílcar Cabral optara por tirocinar a estratégia e táctica para a sua Guerra da Guiné na Academia Militar de Pequim, terá bebido do próprio Mao-Tsé-Tung as lições para transformar a Guiné no “calcanhar de Aquiles” do Ultramar português e bebido do generalíssimo vietnamita Giap a escolha de Madina do Boé, para palco dos eventos decisivos à fundação da Nacionalidade bissau-guineense.

Considerado eufemisticamente como o “Algarve da Guiné”, no entanto sem mar mas com chuvas diluvianas, o Boé (Madina, Beli e Lugajole) tornara-se uma “paixão” na Guerra da Guiné, comum aos seus senhores, o General António de Spínola e o Secretário-geral Amílcar Cabral. Mas enquanto este operara na região (mas além fronteira), com pompa e circunstância e nas barbas da guarnição militar portuguesa, que não usou o direito à perseguição, por razões políticas, a transformação da guerrilha nas FARP, uma espécie de exército convencional, estacionava a sua “roulotte” numa das suas colinas – a colina Cabral – passava lá temporadas, premonitória das suas intenções de Comandante supremo, o Comandante supremo de Bissau operará a sua primeira desistência, com a operação da retirada da guarnição de soberania de Madina do Boé, saldada com 46 mortos dos seus militares, no confronto com o general natural – o rio Corubal.
Retirada da maior transcendência e significado político, porque concedeu ao PAIGC o único território “libertado” de facto, para palco da formalidade da proclamação unilateral da independência da Guiné; e como conquistou Madina do Boé e Béli sem o cerco nem o assalto das suas FARP, o PAIGC transferirá tal manobra para Guidaje, Guileje e Gadamael, abortada sobre Buruntuma.

O alto comandante Osvaldo Vieira, inspector das FARP, também ex-furriel miliciano do Exército Português, delfim e herdeiro político e testamental de Amílcar Cabral, primo direito de Nino Vieira, este a mais alta patente da luta militar do PAIGC, no rescaldo do golpe do assassínio de Amílcar Cabral, viu-se desterrado e acabará os seus dias em Madina do Boé, diz-se que fuzilado nas vésperas da crise dos três G´s (Guidaje, Guileje e Gadamael) à ordem dos seus pares do Conselho Superior de Luta, maioritariamente cabo-verdianos.

O General Spínola tirocinou a guerra na Frente Russa, sob a égide do General Paulus e do exército nazi, e Amílcar Cabral tirocinou-a na Academia Militar de Pequim, privando com Mao e com Giap; a diferenciação abissal entre o pensamento e planeamento militar de ambos na Guerra da Guiné decorrerá dessa contingência?
Amílcar Cabral esforçava-se para chegar a toda a Guiné; ao trocar o vencer pelo aguentar o General Spínola contrariou o mundo darwiniano: o mais fraco sobreviveu ao mais forte.
O abandono da soberania em Madina do Boé pelo General Spínola e a retirada de Guileje pelo Major Coutinho e Lima, serão efeito da mesma causa, não obstante escrutináveis como decisões ao arrepio da disciplina e da lógica militar.


Invoquemos a História: 

Nas guerras Fernandinas, o adiantado-mor da Galiza, General Pêro Rodriguez Sarmiento, montou cerco ao castelo de Monção, na fronteira, com o fim de o fazer capitular pela fome. No seu desespero de causa, a alcaideza Deu-la-deu Martins mandou cozer a fornada do último cereal, atirou os pães aos sitiantes, também dele necessitados, a exclamar: 
- “Tomai perros famintos! E mais vos darei, se o pedires!”. E ele viu-se forçado a levantar o cerco.

Em 1949, “Berlim ocidental” estava para a Europa livre, como Madina do Boé estaria para a “libertação” da Guiné. Os Aliados fizeram abortar o cerco montado pelo Exército Vermelho com uma ponte aérea, que durante um ano os abasteceu de tudo, sem descurar as flores de decoração, gosto tão cultivado pelas mulheres berlinenses.
Em 1999, no decurso do 50.º aniversário desse acontecimento, no aeroporto berlinense de Schonefield, colhi um poster de um avião DC 4 Skymaster, cheguei à fala com um dos seus veteranos pilotos, que me concedeu um autógrafo.


Circunstâncias especiais exigem homens especiais. E de Portugueses sempre os houve.

O post do T.-General José Nico evidencia que, em 1968-69, não obstante a sua mais evoluída estratégia e tácticas, o PAIGC estava a ser empurrado para as cordas da derrota – o momento psicológico desperdiçado para a resolução da Guerra da Guiné, sem vitórias nem derrotas e, sobretudo, sem o abandono. António Salazar, que era estadista, cai, derrotado pela cadeira do forte do Estoril e a cátedra da Universidade negara a clarividência a Marcelo Caetano, que era jurista. O ónus da criação das condições à eclosão da guerra ultramarina e de não lhe pôr termo em tempo útil recai sobre um e sobre o outro.

O PAIGC rearmou-se e ganhou fôlego, enquanto a cristalização da estratégia e tácticas militares criava anticorpos na comunidade castrense e a estagnação do governo de Lisboa faziam engordar as oposições, interna e externas, à guerra ultramarina.
Amílcar Cabral passara a frequentar Moscovo em vez de Pequim e, para reforçar a sua expansão ideológica, numa demonstração que as aviações não ganham as guerras, mas que as decidem, a União Soviética prometeu-lhe a construção de um aeródromo-base militar no Boé dotado de MIG´s, no contexto da sua estratégia, que esbarrará na oposição de Sekou Touré, por lição do assalto a Conacri, sob o argumento que se PAIGC detinha dois terços do território da sua Guiné, teria muito espaço para essa base.
Se os generalíssimos Mao e Giap foram boas companhias, Sekou Touré foi uma má companhia de Amílcar Cabral, eventual portadora da sua desgraça pessoal; o facto de a Guiné-Bissau ter virado em destroço da descolonização será o preço a pagar pelo seu erro de ter preferido, para a sua empresa da libertação, o déspota e sanguinário guinéu ao senegalês Leopold Shengor, culto, democrata e humanista. Amílcar Cabral vivia em contacto tanto com as evidências anti-humanas do colonialismo de Portugal como com as do “socialismo real”, imposto e vigorante na China, Cuba, União Soviética, Europa do Leste, Guiné-Conacri, etc.
Poderá ser entendido como futilidade, mas a história e a evolução da Guiné-Bissau seriam certamente diferentes.

Esse post também evidencia a visão míope da Guerra da Guiné, por parte da liderança do governo de Lisboa.
Por investigação publicada pelo tabanqueiro José Matos, sabemos que o Secretário de Estado da Aeronáutica da altura relatou e instou o governo a dotar as FA de aviões e da panóplia de misseis e antimísseis, já objecto de estudo especializado, compatíveis com o arsenal da parceria da União Soviética com o PAIGC, que tardará 5 anos a fazê-lo, apenas em 1974, “já Inês estava morta”. E não foi por falta de oferta nem de dinheiro - que tudo é capaz de comprar -, como se viu, pela disponibilidade da França, Alemanha, África do Sul e Israel. Não estávamos endividados, o Banco de Portugal possuía quase 1000 toneladas de reservas de ouro, e constituíra uma reserva de 12 meses de divisas de cobertura às importações, garantidas pelo suor e o patriotismo dos portugueses na diáspora.

Pela falta de capacidade, de raio de acção e de letalidade da aviação de Bissalanca, o êxito da acção sobre Conacri resultou parcial e, em 1973, a mesma aviação que impediu ao PAIGC a formalidade da declaração unilateral da independência em Guileje, não tinha capacidade para a impedir no Boé.
Por ironia em que o destino é fértil, será a ameaça desses MIG´s nos céus de Bissau, invisíveis porque não existiam, a precipitar o golpe militar do 25A74…

Que os mortos combatentes dos dois campos da Guerra da Guiné descansem em paz, que os sobrevivos estejam descansados e com a melhor saúde e que o encontro de Monte Real tenha alimentado o corpo e robustecido a alma da sua malta grisalha.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18488: (Ex)citações (335): a crítica "agridoce" de Mário Beja Santos ao meu livro "Guiné-Bolama, história e memórias" (Fernando Tabanez Ribeiro)