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quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)


João Seabra, hoje advogado;  foi alf mil, CCAV 8350 (1972/74). Tem apenas 15 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 3/2/2009.


1. Carta ao Director do Público, enviada pelo João Seabra, advogado com escritório em Lisboa, ex-alf mil, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73); não sabemos se chegou a ser publicada naquele jornal, nem quando. 

Ele facultou-nos uma cópia, que publicámos em 27/1/2009, sob o poste P3801 (*). Por ocasião da morte do cor art ref Coutinho e Lima (Viana do Castelo, 1935 - Lisboa, 2022), justifica-se plenamente voltar a dar a conhecer, sobretudo para os mais novos, alguns dos acontecimentos de maio / junho de 1973, relatados na primeira pessoa do singular por aqueles que os viveram. No próximo ano comemoraremos os cinquenta anos da chamada batalha dos 3G (Guidaje, Guileje e Gadamael) (**).

Escusado será lembrar as regras do nosso blogue: as opiniões aqui expressas, sob a forma de postes ou de comentários, assinados, são da única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, não podendo vincular o proprietário e editores do blogue e demais colaboradores permanentes. Mantemos o subtítulo original: "Cobarde num dia, herói no outro"... E quem o ler percebe que é um documento para a história, desassombrado,  frontal e corajoso.. 

Senhor Director,

Tendo lido as peças de Eduardo Dâmaso “A nave dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos” e “Ninguém entregou a condecoração ao coronel”, publicadas no “Público de 26/6/2005”, achei conveniente pôr à sua disposição as tardias considerações que se seguem, às quais dará o destino que bem entender.

Fui alferes miliciano na CCav 8350, retirada de Guileje, em 22/5/73, por sensata decisão do comandante do então COP5, sr. major (coronel) Coutinho e Lima.

Nunca estive a bordo da “fragata Orion” (não seria uma LFG – lancha de fiscalização grande?), pela simples razão de que nunca me ausentei de Gadamael na sequência dos ataques dos dias 1/6/73 (uma quinta-feira) e seguintes.

Escreve-se numa das peças em causa: “os três ou quatro soldados que sobraram da tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva, ficaram sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem posto de rádio ...”.

Não foi assim. Para além de mim próprio, permaneceram no interior do destacamento, o alferes Luís Pinto dos Santos, comandante do pelotão de artilharia do Guileje e o alferes Rocha, comandante de um pelotão de canhões sem recuo 57 mm (e já vão três oficiais), e ainda, pelo menos, um furriel, e algumas (poucas) praças desta mesma unidade e da CCaç 4743 (a companhia originariamente de guarnição a Gadamael).

Além disso, encontravam-se em patrulha próxima do aquartedamento um pelotão da CCaç 4743 (com o seu alferes) e outro da CCav 8350 (alferes Reis).

Sou portanto uma das raras pessoas, que reúne em si a dupla qualidade de “cobarde” que, sob as ordens do major (coronel) Coutinho e Lima, retirou do Guileje,  e de pretenso “herói” de Gadamael. Nesta última condição fui louvado por despacho do General Comandante-Chefe de 28/8/73.

E não saímos de Gadamael por razões de decência básica (havia mortos e feridos que não podiam ser abandonados) e de elementar sensatez (uma retirada, devidamente comandada, é uma manobra militar, mas não consigo imaginar nada de tão perigoso como uma debandada).

Acontece que, na situação que se gerou em 1/6/73, só por comodidade de expressão se poderá falar em “tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva”.

Para o perceber, há que retroceder às peripécias que determinaram a retirada de Guileje, e às que se lhe seguiram.

Ao contrário de Guileje, Gadamael era uma posição sustentável, com poços de água potável muito próximos do perímetro exterior do aquartelamento, dotada de um cais acostável, acessível por via fluvial através de LDM, que na praia-mar navegavam sem dificuldades no braço do rio Cacine em cuja margem se situava.

Já Guileje era um destacamento absurdo, necessitando de organização de colunas escoltadas para reabastecimento de água a 3,4 Km, dependente, para o seu aprovisionamento, de complicadas colunas rodoviárias múltiplas, de e para Gadamael, com uma pontualidade que poderia servir de exemplo à CP, e que ficava completamente isolado na época das chuvas.

O inimigo (termo convencional pelo qual designarei a entidade que nos pretendia matar, estropiar ou capturar, e a quem, se tivéssemos oportunidade, faríamos outro tanto) conseguiu conjugar duas vastas operações, praticamente simultâneas, ao norte sobre Guidage e ao sul sobre Guileje.

A primeira dessas operações, quase esgotou a chamada reserva do Comando-Chefe, em tropas especiais.

Os meios utilizados pelo inimigo, tanto em artilharia como em infantaria, eram quantitativa e qualitativamente muito superiores aos das nossas guarnições de quadrícula.

A este propósito, tem interesse a leitura do artigo, publicado no Público, de 26/7/2004, pelo comandante Osvaldo Lopes da Silva do PAIGC, se bem que a desenvoltura com que este oficial transita da astronomia para a geografia e da geografia para a topografia, me sugira não ter sido ele o autor do plano de fogos na operação sobre Guileje.

Seja como for, dada a prioridade à defesa de Guidaje, Guileje foi isolado mediante a interdição dos seus acessos rodoviários a Gadamael e à água potável, através de emboscadas permanentes, por unidades de infantaria do inimigo, numerosas e dotadas de superior poder de fogo, minagem em profundidade dos itinerários, e sujeito a contínuo bombardeamento por todas as armas pesadas de que o inimigo dispunha.

Retirada a guarnição, e população, de Guileje, através de um itinerário ainda não reconhecido pelo inimigo, foi recebida em Gadamael, pelo então coronel (agora brigadeiro na reserva) Rafael Durão 
 [Comandante do CAOP 1, e não 3 (lapso do autor) ], com sede em Cufar). Esclarecido oficial, cuja primeira medida consistiu em promover uma formatura da CCav 8350, para ademoestar os respectivos oficiais, sargentos e praças, em bom vernáculo militar. O major Coutinho e Lima foi enviado para Bissau, onde permaneceu detido, pelo menos até ao 25/4/74.

Ainda hoje estou para perceber por que razão, confirmada a sua evacuação, o aquartelamento de Guileje não foi imediata e intensivamente bombardeado pela Força Aérea. Provavelmente havia quem acalentasse a fantasia de uma reocupação imediata. Certo é que o inimigo continuou a flagelar a posição após a nossa retirada, e só nela entrou dois a três dias depois (como diria Alves a C.ª: “ que coisa prudente é a prudência!”).

Dir-se-ia que, naquela conjuntura, se afigurava, pelo menos, bastante provável que o inimigo procurasse balancear, sobre Gadamael, os abundantes e sofisticados meios que tinha reunido para a operação de Guileje.

Nessa eventualidade – e sem prejuízo do indispensável patrulhamento em profundidade – eram necessárias providências urgentes.

Antes de mais – porque em Gadamael não havia obras ou abrigos adequados a uma guarnição entretanto duplicada – impunha-se a necessária actividade de organização do terreno, fortificando o destacamento, reforçando os espaldões de armas pesadas, abrindo trincheiras eficientes, enquadrando as subunidades, dotando-as de postos de combate defensivos bem determinados e interligados entre si e com o comando.

Em vez disso, o pessoal da CCav 8350 foi caoticamente disperso, em alojamentos de ocasião, pelos cerca de 40.000 m2 do aquartelamento, sem contacto com os seus oficiais e com o comando. Não se iniciaram quaisquer obras defensivas.

Por iniciativa de alguém que não consigo identificar, nas semanas anteriores operou-se uma radical alteração do material à disposição dos pelotões de artilharia de Guileje e Gadamael: as peças 114 mm (Guileje) e 105 mm (Gadamael), foram substituídas por obuses de 140 mm.

Ora, tanto as peças de artilharia de campanha como as próprias armas pesadas de infantaria, quando instaladas numa dada posição, necessitam de regulação do tiro, mediante a observação dos respectivos pontos de impacto, geralmente através de observação aérea, que já se sabia ser impraticável a partir do momento em que o inimigo passou a dispor de misseis solo-ar Strela-SA7.

As causas da desregulação são variadas, tendo a ver, designadamente, com choques sofridos pelas armas durante o serviço, com as condições meteorológicas, com insuficiências de cartografia, etc..

Os nossos obuses 140 mm (modelo 1943), tinham portanto a interessante função de fazer barulho e, nos casos em que abriam fogo de noite, de fornecer indicações de ajustamento do tiro do inimigo.

Nesta prometedora situação, o coronel Durão – certamente a benefício do brio e da disciplina – pôs de parte qualquer trabalho de organização defensiva, determinando um patrulhamento que se pretendia agressivo e que envolvia, em permanência, dois a quatro pelotões de entre as duas companhias.

De tal actividade resultaram dois contactos com pequenos grupos de reconhecimento do inimigo (os quais, por definição, evitam empenhar-se em combate), a quem foram capturadas três espingardas automáticas Kalashnikov.

No dia 31 de Maio de 1973 (uma quarta-feira), de manhã, o coronel Rafael Durão, retirou-se para Cufar, tendo chegado à lúcida conclusão que o inimigo, em consequência dos nossos “sucessos”, tinha retraído o seu dispositivo, sendo improvável um esforço sério da sua parte sobre Gadamael. Tratou-se evidentemente de uma bazófia só comparável com a sua idílica ignorância das intenções e do sistema de forças do inimigo.

Em sua substituição deixou o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva. Nesse mesmo dia, à tarde, iniciou o inimigo uma forte flagelação sobre Gadamael, utilizando, sobretudo, morteiros 120 mm, mas também foguetões Katyusha de 122 mm e peças de 130 mm, com uma qualidade de tiro surpreendente.

No dia 1 de Junho, o fogo da artilharia do inimigo intensificou-se qualitativa e quantitativamente e, entre as 10 e as 13 horas, uma área de 20.000 a 30.000 m2 do destacamento de Gadamael encaixou, seguramente, entre 350 e 400 impactos de morteiro 120 mm, provocando consideráveis baixas na guarnição.

Os dois capitães (comandantes, respectivamente, da CCaç 4743 e da CCav 8350), foram evacuados entre as 10,30 e as 11,00 horas, e não “ao princípio da tarde”.

Apercebendo-me de que se estava a gerar uma debandada, tentei impedi-la, pelas razões acima expostas, com resultados muito limitados.

O pessoal estava completamente entregue a si próprio e a falta de condições de comando era total: só conseguíamos transmitir ordens a quem nos passasse ao alcance da voz.

Dois dos três espaldões das peças de artilharia receberam granadas de morteiro 120 mm, que feriram, mataram ou dispersaram a totalidade das respectivas guarnições.

O pessoal que ia debandando dizia-me que o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva tinha dado ordens para se “sair do quartel”.

Dirigindo-me a uma das posições da artilharia, encontrei o alferes Luís Pinto dos Santos, que sobreviveu, com ferimentos ligeiros, e resolvemos ambos procurar o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, para lhe perguntar se tinha ordenado a evacuação do aquartelamento. Respondeu-nos que tal não era a sua intenção, tendo apenas recomendado ao pessoal que se deslocasse temporariamente “para fora do arame”, isto é, para o exterior do perímetro do destacamento, uma vez que o seu interior estava a ser intensamente batido pela artilharia inimiga.

Fizemos-lhe saber que tal “deslocação temporária” tinha degenerado em debanda incontrolável.

O alferes Pinto dos Santos, com a minha ajuda, conseguiu improvisar um mínimo de serventes (entre os quais o furriel de transmissões da CCav 8350) para activar um dos três obuses 140 mm, à cadência de um tiro de quarto de hora em quarto de hora.

Tudo visto, recolheram-se os mortos, evacuaram-se os feridos por via fluvial, e garantiu-se, com fogo esporádico de obus 140 mm, de morteiro de 81 mm e de canhão sem recuo de 57 mm, uma aparência de capacidade de reacção que dissuadisse um eventual reconhecimento em força por parte do inimigo (que aliás não se mostrou muito afoito).

Enfim: o trivial. As munições para as armas pesadas eram transportadas do paiol em uma viatura Berliet temerariamente conduzida por um cabo escriturário (Raposo) da CCaç 4743, o qual, na volta, também transportava feridos para locais de embarque.

Nesse mesmo dia 1 de Junho à tarde:

Reentraram no quartel os dois pelotões que estavam em patrulha exterior; desembarcaram, de helicóptero, dois oficiais de confiança do Comando-Chefe (capitães Caetano e Manuel Soares Monge) e o coronel Rafael Durão (pessoa dotada de coragem física em proporção inversa à do respectivo discernimento).

No dia 3 de Junho (Sábado), desembarcou a companhia 122 de paraquedistas (capitão Terras Marques), e no dia seguinte a 123 (capitão Cordeiro).

Uns dias mais tarde chegou a companhia de paraquedistas nº 121 (comandatada pelo então tenente, e hoje tenente-general, Hugo Borges), o que significa que foi deslocado para Gadamael um batalhão completo de paraquedistas (BCP 12).

Entre sexta-feira, dia 2/6/73 e o domingo seguinte, a presença do major Pessoa, do BCP 12, pôs termo ao efémero comando do capitão (coronel /dr.) Ferreira da Silva) no, assim chamado, COP5.

Um verdadeiro e próprio comando das forças de Gadamael foi estabelecido no domingo (4/6/73) na pessoa do tenente-coronel Araújo e Sá (comandante do BCP 12).

Nesse mesmo dia – por razões que, para mim, permanecem obscuras – o major Pessoa (era o 2º comandante do BCP12) retirou-se de Gadamael.

Apesar de não figurarem habitualmente como “heróis de batalha de Gadamael”, as operações das diversas companhias paraquedistas, em cerca de duas semanas, desarticularam o dispositivo inimigo, sofrendo baixas moderadas (uns 25 a 40 feridos, na maior parte ligeiros, com estilhaços de RPG 7).

Nunca será demais sublinhar a qualidade destas tropas de elite. Recordando os contactos que mantive com os seus oficiais (designadamente os capitães Terras Marques e Cordeiro), anoto, como curiosidade, que se mostravam extremamente críticos (no limiar do humor negro) em relação aos fundamentos e à condução da guerra, sendo a sua considerável eficiência, fruto exclusivo de um extraordinário brio profissional.

O corpo de tropas pára-quedistas – das melhores que se poderiam encontrar, inclusivé a nível da NATO – foi destroçado, como unidade combatente, em 1975. Ao que me consta o brigadeiro Rafael Durão e o major Pessoa tiveram, nessa meritória obra, a sua função, cada um do seu lado, respectivamente, no “11 de Março” e no “25 de Novembro”.

Não sei se o tenente-coronel Fabião tinha condecorações para atribuir. Recordo que o alferes Pinto dos Santos e eu próprio fomos ouvidos como testemunhas num processo de averiguações para atribuição de condecoração militar ao capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, pelo major (brigadeiro) Manuel Soares Monge, no quartel general do Comando-Chefe, em Bissau.

A nenhum de nós dois pareceu que fosse caso de condecorações a propósito do que se passou em Gadamael no dia 1 de Junho de 1973 (excepção feita ao cabo Raposo, atentos o seu posto e especialidade).

Recordo-me que, na altura, o então capitão Caetano me disse que tinha chegado a “fase dos baldes de plástico” (brinde comercial muito apreciado à época). Temíamos o aproveitamento de tal “fase” para transformar o capitão Ferreira da Silva numa espécie de contra-exemplo, em relação ao major Coutinho e Lima.

A serem atribuídas condecorações, deveriam elas ser, obviamente, atribuídas a oficiais, sargentos ou praças das tropas paraquedistas.

A partir da chegada do BCP 12, a CCav  8350 e a CCaç 4743 não tiveram qualquer actividade operacional de relevo.

Aliás nem poderiam ter, uma vez que não tinham treino, nem armamento, para se defrontar com a infantaria inimiga em reconhecimento avançado, do que foi feita a (desnecessária) demonstração no dia 4 de Junho, quando um pelotão da CCav 8350, reduzida a uma dúzia de elementos, caiu numa emboscada a menos de 1 km do aquartelamento, sofrendo quatro mortos (entre eles o respectivo alferes) e cinco feridos graves.

Será a este episódio que o dr. Ferreira da Silva, por equívoco, se quererá referir quando alude a “seis paraquedistas mortos no mesmo dia” (os cadáveres foram efectivamente recuperados por um pelotão de paraquedistas).

O objectivo desta pretensa patrulha era o de “descongestionar” o aquartelamento da sua, por assim dizer, densidade humana, face à eficiência do tiro da artilharia inimiga. Em suma: a CCav 8350 e a CCaç 4743 tinham passado a desempenhar a proverbial função de carne para canhão.

Note-se que a nossa tropa de quadrícula (companhias tipo caçadores), nem sequer estava dotada de uma metralhadora ligeira decente (a nossa inacreditável HK-21 encravava ao fim de cinco ou seis tiros).

As tropas especiais usavam as metralhadoras ligeiras MG 42 e, em considerável quantidade, equipamento capturado ao inimigo: metralhadoras ligeiras Degtyarev, lança granadas RPG 2 e RPG 7, espingardas automáticas Kalashnikov. Excelente material que, ainda hoje, está ao serviço, do Iraque ao Afeganistão, do Sudão à Libéria.

Tive a inspiração de selecionar, de entre os meus pertences, que carreguei de Guileje, um grande livro: Bouvard et Pécuchet, de Gustave Flaubert.

Quando saí de Gadamael, faz agora trinta e dois anos, tinha chegado a uma passagem célebre: “alors une faculté gênante se développa dans leur esprit, celle de percevoir la bêtise e de ne plus pouvoir la tol
érer.” [“então uma faculdade embaraçosa se desenvolveu em suas mentes, a de perceber a estupidez e não mais ser capaz de tolerá-la.” [tr. do editor LG ]

Dê a este enfadonho relato, Sr. Director, o destino que bem entender.

João Seabra

Antigo Alferes Miliciano da CCaV 8350 (1972/74)

P.S. - Porque, em certos aspectos factuais, confirma algo do acima relatado, junto segue extracto da minha folha de matrícula. 

[Revisão e fixação de texto / Negritos , para efeitos de publicação deste poste: LG]



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art ali destacado.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012).   Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

__________

Nota de L.G.:

 (*) Vs. poste de 
27 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

)**) Último poste da série > 21 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23633: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (13): Cumbamori, uma das mais violentas acções das NT em território estrangeiro e um dos maiores desaires do PAIGC... Mas falta-nos a versão do outro lado...

domingo, 28 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23563: Camaradas, referidos no blogue, que estiveram em (ou passaram por) Bedanda, na 4ª CCAÇ (1961/66) e CCAÇ 6 (1967/74)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > Reabastecimento do aquartelamento e povoação através do Nordatlas e do lançamento de géneros por paraquedas, durante a época das chuvas. Fotos do Álbum de Amaral Bernardo, ex-alf mil médicoCCS / BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72)... Esteve em 1971 em Bedanda, onde foi rendido em Dezembro de 1971 pelo Mário Bravo.

(...) "Estive em Bedanda, durante 13 meses, sob o comando do capitão de cavalaria Ayala Botto [, CCAÇ 6]. Um grande comandante, um verdadeiro oficial de cavalaria... que nos derretia com mimos: ovos liofilizados e outras delícias, que vinham de Lisboa, de uma fábrica da família...

"Estive primeiro em Cacine, que era deslumbrante... Percorri todo o sul, acabando em Bolama, depois de passar por Bedanda, Gadamael, Guileje, Tite... A CÇAÇ 6 tinha fulas e um pelotão de balantas... Em Bedanda, os tipos do PAIGC apareciam nas minhas consultas, nas calmas, disfarçados com a população...

"Bedanda, no tempo das chuvas, era inacessível por terra, transformava-se numa ilha. Ficava entre dois rios, o Cumbijã, a oeste e o seu afluente, o Ungariol, a leste e a norte... Era abasteciada pelos fuzileiros e pela força aérea...

"Em 2005 falei com o Nino sobre os ataques a Bedanda, quando ele era o comandante da região sul... Havia malta na tabanca que lhe fazia sinais de luz (com uma lanterna) para orientação do tiro... À terceira, eles acertavam todas...

"Os melhores abrigos, à prova do 120, eram os de Guileje... Mas o Spínola proibiu a construção de mais bunkers, queria que o pessoal fosse todo para as valas... Foram tempos muitos duros, tive uma [grande] actividade como médico... e eu próprio cheguei a desejar secretamente ser ferido para poder ser evacuado dali" (...) (Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande, desde Fevereiro de 2007; 
poste P7802).

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art, que dependia da BAC 1 (Bissau).


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 127/199 > Invólucros de munições deixadas em anteriores ataques do IN ao aquartelamento.

Escreveu o João Martins  no poste P9947: (...) Terminada a instrução que fui dar ao BAC  [Bateria de Artilharia de Campanha, nº 1], em Bissau, fui colocado em Bedanda onde já se encontrava um pelotão com três obuses 14 cm. 

Tive que fazer novamente as malas e apanhar uma aviioneta Dornier [DO 27] que, passando por Catió onde tirei algumas fotografias que já não sei identificar, acabou por aterrar em Bedanda. Sem dúvida um dos locais da Guiné que me deixou mais saudades.

Fazia a sua defesa a Companhia de Caçadores 6, do recrutamento da Província, um pelotão de milícia, e o pelotão de artilharia. A população era particularmente simpática e notava-se que tinha tido muito contacto com portugueses da metrópole. Aliás, a casa colonial existente, a do chefe de posto, era imponente.

Bedanda fica numa colina bastante elevada, atendendo aos padrões de altitude que normalmente se encontram na Guiné. Não sendo uma fortificação inexpugnável, não oferecia quaisquer vantagens ao inimigo que se colocaría sempre numa cota inferior. Por isso, os ataques eram pouco frequentes o que nos permitia respirar…

Atendendo ao “clima” relativamente ameno que se fazia, visitava com muita frequência a tabanca e cheguei mesmo a ir à pesca e a tomar banho no rio Ungariol, afluente do rio Cumbijã, na esperança de não me tornar um isco para os jacarés. (...)

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto B113


Foto B117

Guiné > Região de Tombali > Bedanda >  CCAÇ 6 >  Fotos do álbum do António Teixeira, "Tony",  ex-alf mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863,  Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda (1971/73) , 

Fotos (e legendas): © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Lista, por ordem alfabética (e não exaustiva),  dos "bedandenses", referidos no nosso blogue (e em geral, membros da Tabanca Grande), ex-combatentes que estiveram em (ou passaram por) Bedanda, na maior parte dos casos integrando a 4ª CCAÇ (1961/66) ou a CCAÇ 6 (1967/74). É pena que não haja nenhum dos camaradas do recrutamento local. 
  • Amaral Bernardo, ex-alf mil médico, CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), esteve na CCAÇ 2726, uma companhia independente, açoriana, que guarneceu Cacine (1970/72); passou também cerca de um ano (1971) em Bedanda (CCAÇ 6); tem cerca de meia centena de referências no blogue;                                                                                                           
  • António Teixeira, "Tony" (1948-2013), ex-alf mil, CCAÇ 3459/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda (1971/73);António Henriques Campos Teixeira, nascido em 21/6/1948, falecido em 25/11/2013); era professor de educação física, reformado; vivi ame Espinho; tem mais de meia centenas de referências no blogue.                                                     
  • Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, cmdt,  4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, julho 1965/julho 1967), hoje ten gen ref, autor de (sob o pseudónimo Manduel Andrezo) " Panteras à Solta! (ed. autor, c. 2020, 447 pp.;                                                                                 
  • Artur José (Miranda) Ferreira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 6, Bedanda, 1968/70;                   
  • Belmiro da Silva Pereira (1946-2022) ex-alf mil, CCAÇ 6, Bedanda (1969/71); , natural de Peniche, era médico reformado;    tem 4 referências no blogue;                                                                                                         
  • Carlos (Pinto) Azevedo, ex-1º cabo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72); contemporâneo do Fernando Sousa e do Dr. Amaral Bernardo; "tive dois Capitães na Companhia em Bedanda, o Sr. Capitão Carlos Ayala Botto e o Sr. Capitão Gastão Silva, dois Homens com um H Grande";                                                                                                                                                              
  • Carlos Ayala Botto, ex-cap cav, cmdt, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72), ajudante de campo do General Spínola, hoje cor cav ref;   "Soube do seu blogue e aqui estou a apresentar-me: Carlos Ayala Botto, estive na Guiné entre 1970 e 1973 e actualmente sou Coronel na Reforma. Na altura era capitão de Cavalaria mas mesmo assim fui nomeado Cmdt da CCAÇ 6 em Bedanda onde estive cerca de 20 meses." (Poste P1407);                                                                                             
  • Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º cabo, CCAÇ 6, Bedanda (1970/71); DFA, autor
    autor de "Quatro Rios e um Destino” (Chiado Editora, 2014); tem 30 referências no blogue;                                                                                                                                                             
  • Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1621 (Cufar) e CCAÇ 6 (Bedanda) (Novembro de 1966 / novembro de 1968); tem 60 referências no blogue;                                                     
  • João Martins, ex-alf mil art, Pel Art / BAC1 (Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69);  tem mais de 60 referências no blogue:                                                                                                                                                      
  • Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, CCAÇ 3398 (Buba, 1971/72) e CCAÇ 6, Onças Negras (Bedanda, 1972/73); foi redator-coordenador do  jornal de caserna "O Seis do Cantanhez", criado e dirigido pelo Cap Gastão e Silva, cmdt da CCAÇ 6, tendo entre outros membros da redação, o saudoso alf mil António Teixeira , "Tony"(1948-2013); natiual do Cadaval, é advogado, e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã; tem 60 referências no blogue:                                                                    
  • Jorge Freire, ex-cap inf, CCaç 153, e 4ª CCaç, Bissau, Gabu, Bedanda, 1961/63); vive nos EUA, tem cerca de 20 referências no blogue, onde é conhecido como George Freire; nome completo, Renato Jorge Cardoso Matias Freire;                                                          
  • Jorge Zacarias Rodrigues da Rocha, 2ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Jugudul (1972/74);  engenheiro técnico civil na REFER-EP, esteve em Bedanda entre junho e setembro de 1974;    presumimos que foisse alf ou fur mil:                                                                                                                                       
  • José (Conde) Figueiral, ex-alf mil, CCÇ 6, Bedanda (1970/72);tem 10 referências no blogue;                                                                                                                                                          
  • José Vermelho, ex-fur mil, CCAÇ 3520, Cacine, CCAÇ 6, Bedanda, e CIM Bolama (1971/73);   tem 8 referências no blogue;                                                                                                                                                       
  • Manuel Mendes, ex-sold.  CCAÇ 728 (Catió, Cachil, Bedanda e Bissau, 1964/66); conhecido como o  "Lisboa", era o "soldado 29", do 3º pelotão;                                                 
  • Mário Silva Bravo, ex-alf mil médico, CCAÇ 6, Bedanda, e HM 241, Bissau (1971/72); O Mário Bravo, ortopedista reformado, tem 55 referências no blogue;                                             
  • Mário (José Lopes) de Azevedo, ex-fur mil art, Pel Art, CCAÇ 6, Bedanda (1970/72); tem um dezena de referências no blogue;                                                                                                            
  • Rui Santos, ex-alf mil, 4.ª CCAÇ, Bedanda e Bolama (1963/65); tem mais de 3 dezenas de referências no blogue;                                                                                                                         
  • Tibério Borges, ex-alf mil inf MA, CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda (1970/72); tem 10 referências no blogue; sobre Bedanda escreveu: "Em Bedanda a companhia era de africanos com excepção da maioria dos graduados. Fui encontrar, imaginem, o Zé Cavaco, que é meu conterrâneo. O mundo é pequeno. Apenas fui tapar um buraco durante um mês. Alguém que foi de férias ou que chegou ao fim da comissão. Quem sabe se doente! Pode ser que um dia saiba mais coisas através do Zeca. Sei que o Comandante era o Capitão Ayala Boto. Nesta unidade havia um padre."(Poste P15059);                                                                                                                                                           
  • Vasco Santos, ex-1º cabo op cripto, CCAÇ 6, Bedanda (1972/73); tem 38 referências no blogue; foi, com o Hugo Moura Ferreira, o organizador do 4º encontr0 dos bedandenses (Mealhada, 2014); nome completo:    Vasco David de Sousa Santos.                                                                                                                                                                                                        
Há mais "bedandenses" da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6... Aparecem em fotos do blogue, em postes relativos a encontros da malta mas não têm postes específicos a eles dedicados. Nem são ainda membros da Tabanca Grande.  Caso, por exemplo, de: 
  • Lassana Jaló (ferido em combate e a viver em Portugal); 
  • Gualdino José da Silva (ex-fur mil, de 1967/69);
  •  João António Carapau (que foi alf mil médico em 1967/68,  hoje conceituado pediatra, reformado do Hospital da Estefânia, vivendo na Portela); 
  • Renato Vieira de Sousa (ex-cap inf, cmdt, 1967/68, hoje cor inf ref, vivendo em Lisboa); 
  • Victor Luz (fur mil, 1967/68); 
  • Eduardo Cesário Rodrigues (de alcunha, "Salazar") (ex-alf mil, 1967/68); 
  •  Aníbal Magalhães Marques (1972/74); 
  • Amadeu M. Rodrigues Pinho (ex-alf mil, 1967/68); 
  • António Rodrigues (O Capitão do Estandarte: o último Alferes / Capitão, fiel depositário do estandarte e da Cruz de Guerra da CCÇ 6); 
  • Carlos Nuno Carronda Rodrigues (ex-alf mil, hoje cor 'comandpo' ref; membro da Magnífica Tabanca da Linha) 
  • e    outros... Ver lista dos inscritos e dos participantes no encontro de Peniche em 2013 (Poste P12109).

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23559: Notas de leitura (1480): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte II: "Homem gosta de ter mulher na cama, quando vem da guerra", lembra a "Tia", a mulher grande...

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 ("Onças Negras") > Agosto de 1972 > O obus 14

Foto (e legenda): © Vasco Santos (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem comlementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 125/199 > Casa do chefe de posto... Em 1965, o chefe de posto era o Fernandes, cabo-verdiano. A localidade tem possuía um posto de rádio, permitindo fazer ligações telefónicas com Bissau e Lisboa.


Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Imagem à direita: capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, 1965/67. ]



1. Sobre Bedanda, no sul da Guiné, região de Tombali, temos cerca de 160 referências. Mas apenas uma vintena sobre a 4ª CCAÇ, também conhecida por 4ª CCAÇ I (4ª Companhia de Caçadores Nativos ou Indígenas).  

Segundo informação do Jorge Araújo, foi criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959, tendo-se mudado em julho de 1964 para Bedanda, por necessidades operacionais.  Três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta unidade é renomeada, em 1 de abril de 1967, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6, "Onças Negras"] (vd. postes  P18387 e P18391) (*).

Segundo a CECA (2002) (**), era uma subunidade da guarnição normal, com existência anterior a 1jan61, sendo constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, e estando enquadrada nas forças do CTIG então existentes. Em 1jan61, estava instalada em Bolama, com um pelotão destacado em Bedanda.

Em 8abr61, iniciou o deslocamento para Buba, onde foi colocada temporariamente, a partir de 6mai61. Em 3jul61, foi transferida para Bedanda, mantendo um pelotão em Buba, até à chegada da CCaç 152, em 28jul61.


Entretanto, iniciou a instalação de forças em várias localidades da zona Sul, nomeadamente em Bolama, Bedanda, Cacine, Aldeia Formosa, Gadamael e Tite, as quais foram recolhendo à sede após substituição por outras forças, ou sendo deslocadas, para outras localidades, como Catió, Chugué e Caboxanque.

A partir de 25jul61, foi integrada no dispositivo e manobra do BCaç 237 e depois sucessivamente no dispositivo dos batalhões e comandos instalados no sector. Tomou ainda parte em diversas operações realizadas nas regiões de Caboxanque, Chugué, Bochenan, entre outras. 

Lamentavelmente, não tem história da unidade. Teve pelo menos 10 comandantes, até 1abr67 (quando passou se designar-se por CCAÇ 6):


2. Estamos agora a ler as memórias (em parte ficcionadas) do capitão Cristo, "alter ego" do cap inf Aurélio Manuel Trindade (hoje ten gen ref), de acordo com o livro cuja capa publicamos acima, da autoria de Manuel Andrezo (pseudónimo literário),  "Panteras à solta",  edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. (**).

Segundo informação do seu amigo e camarada cor inf ref Arada Pinheiro (que me emprestou o seu exemplar autografado), o livro não está à venda em Portugal, foi impresso na Alemanha. Pelo menos um exemplar foi doado à biblioteca da Academia Militar. 

Mas falando das "aventuras e desventuras" do cap Cristo, que vivia em Bedanda, nas barbas do "reino do Nino"... (Já no final da comissão irá conquistar e  destruir Calobol Balanta, até então um dos baluartes da tropa do Nino: vd.  "Reino do Nino", pp. 396-409).

O cap Cristo chegara a Bedanda, em rendição individual, em 6 de julho de 1965, e a sua primeira preocupação foi ganhar a confiança e o respeito dos seus subordinados bem como da população da localidade, que era sede de circunscrição administrativa (ou apenas posto administrativo ?), mas estava então  rodeada de "guerrilheiros" por todos os lados (curiosamente nunca usa o termo, pejorativo, "turras", mesmo sendo inplacável para eles).

 Parte da população sobre o controlo do PAIGC (nomeadamente as "mulheres do mato", que viviamm em Cobumba) vinham, em meados de 1965,  a Bebanda fazer compras (cana e tabaco),  e vender também os seus produtos (arroz, etc.). 

Cabolol, Cobumba e Chugué, na margem norte do rio Cumbijã, eram alguns dos pontos fortes controlados pela guerrilha. Na margem sul, destacava-se  Caboxanque (em pleno Cantanhez), Incala,  Nhai e Salancaur... O aquartelamento das NT, mais próximo, era Cufar. Bedanda tinha um problema demográfico: havia mais homens do que mulheres. E, alegadamente por razões de segurança, ninguém cultivava a rica e extensa bolanha. 

Uma das medidas que o capitão vai tomar,  é.. a "reforma agrária" (pp. 85-92). As ricas bolanhas de Bedanda eram outrora cultivadas pelos balantas. Em 1965, a população era predominantemente fula, e não produzia nada para comer.  Os homens viviam da guerra: eram guias, picadores, milícias... 

As mulheres, por seu turno, eram lavadeiras, "lavadeiras para todo o serviço" (sic)  (pág. 85): "Lavavam a roupa dos militares e iam para a cama com eles", coisa que o capitão até nem via com maus olhos: "Nada tinha contra o facto dos soldados terem a sua lavadeira para todo o serviço". 

(...) "Os militares eram quase todos nativos, mas havia alguns brancos, cabos especialistas, e quase todos os sargentos. Brancos eram todos os oficiais. Todos tinham a sua lavadeira, Por vezes havia problemas com os militares e a população que o capitão tinha que resolver em ligação com o régulo Samba" (...).

Veremos oportunamente como o capitão, beirão e de origem camponesa, vai resolver o difícil problema de ter uma população sob o seu controlo que vivia pior (passava fome) do que a população do "mato"...

(...) "Do lado deles [da gente do mato]  não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo.  Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau. e o arroz que compravam às mulheres  dos guerrilheiros" (pág. 87).

A solução encontrada  pelo cap Cristo (de tipo "topdown", de cima para baixo, mas contando com a cumplicidade da Tia, das mulheres  e do régulo, este último a princípio renitente) foi acabar com a "malandragem" que, em Bedanda,  só vivia da guerra...e pôr toda a gente a lavrar arroz, mancarra, mandioca...

Os abastecimentos eram  feitos por via fluvial, por barcos civis com apoio da marinha e da força aérea.  Bedanda tinha dois portos fluviais, o "interior" (rio  Ungarinol, afluente do rio Cumbijã, a 200 metros da povoaçao) e o "exterior" (rio Cumbijã), a cerca de 4 km. O abastecimento mensal, feito através do porto exterior, equivalia a uma verdadeira operação a nível de companhia. O porto interior deixara, há muito, de ser utilizado por razões de segurança, e oposição da Marinha.  O cap Cristo vai quebrar, por fim, o mito de que não era navegável o rio Ungarrional ("A Marinha reabastece Bedanda", pp. 93-103). 

O livro tem apontamentos saborosíssimos (e de interesse documental)  sobre a situação étnica, social, económica e militar de Bedanda, bem como sobre as tropas (uma companhia e um pelotão de milícia, para além de um pelotão de artilharia) que defendem a povoação, outrora parte do chão balanta, Em 1965, a maioria da população era fula, oriunda de várias partes da Guiné, e "principalmente da mata do Cantanhez onde o domínio dos guerrilheiros tem sido evidente" (sic) (pág. 17).

Samba Baldé, o régulo, ele próprio fugiu do Cantanhez, "deixando terras, gado e casa, para não ser obrigado a colaborar com os guerrilheiros".  Bedanda tinha, nessa altura, 4 casas comerciais, sendo as duas mais importantes a Ultramarina e a Gouveia, A Ultramarina tinha à sua frente o Zé Saldanha, "um mulato muito inteligente", e que se dava bem com a tropa. A mulher, Inácia, balanta, era uma excelente cozinheira, a cujos serviços o cap Cristo irá recorrer várias vezes (nos seus dois anos passados em Bedanda). 

O encarregado da Casa Gouveia, por sua vez, era  "um cabo-verdiano mal encarado", de seu nome Fernandes. com fama de jogar com pau de dois bicos (de resto, como quase todos os comerciantes da Guiné)... A sua secretária também era a telefonista: havia um posto de rádio permitindo fazer ligações a Bissau e a Lisboa. 

O cap Cristo teve a preocupação de, logo no início, e ainda na presença do anterior comandante que ele veio substituir, o cap Xáxa, de ir "partir mantenhas" (apresentar cumprimentos) com todas as forças vivas de Bedanda, incluindo a "mulher grande", conhecida por a "Tia" (pág. 19). 

Merece uma página de antologia a sua apresentação e as primeiras "trocas de galhardetes" entre os dois... Veja-se só este diálogo, delicioso e pícaro, em português acrioulado, entre a Tia e o cap maçarico (ainda não se usava o termo periquito) (pág. 19):

− Então, nosso capitão é maçarico. Eu já gosto do nosso capitão maçarico. Se precisar de alguma coisa pede à Tia. Tia arranja tudo para nosso capitão. Se nosso capitão gostar de alguma mulher da tabanca não fale com ela pois o marido e o pai pdoem desconfiar. Fale comigo e eu depois trago mulher a minha casa para nosso capitão.

− Está bem, Tia, mas desconfio que não vai ser preciso  responde  o capitão Cristo.

 Vai, vai, nosso capitão não tem mulher e não pode viver aqui sem sem mulher. Homem gosta de ter mulher na cama quando vem da guerra. Nosso capitão vem até minha casa. Se quiser mulher eu arranjo, se não quiser fica aqui a descansar" (...)

(Continua)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


8 de março de  2018 > Guiné 61/74 - P18391: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - II (e última) Parte (Jorge Araújo)


quarta-feira, 25 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23289: In Memoriam (437): Belmiro da Silva Pereira (1946-2022), natural de Peniche, morreu aos 75 anos, em 12/2/2022; foi alf mil, CCAÇ 6 (Bedanda, 1969/71); era médico reformado do SNS


Belmiro da Silva Pereira ou só Belmiro Silva Pereira (1946-2022), natural de Peniche,  morreu aos 75 anos, em 12 de fevereiro de 2022. Foi alf mil, CCAÇ 6 (Bedanda, 1969/71). Depois de passar à disponibilidade, completou a licenciatura em medicina, e integrou a carreira de medicina geral e familiar do SNS, tendo chegado a diretor do centro de saúde de Peniche. Foto: Cortesia da Agência Funerária de Peniche, 12/2/2022 (seguramente, do álbum de família).


Peniche > O 1º encontro dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Um artista português, do tempo dos Beatles... Ao fundo, ao canto esquerdo, um dos bedandendes de 1972/73, o Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, hoje advogado, natural do Cadaval, e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Lourinhã


Peniche > O 1º encontro dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > O "patrão" da casa, Belmiro da Silva Pereira, dando as boas vindas.


Peniche > O 1º encontro dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Algures no promontório do Carvoeiro, onde atacámos a sardinhada... Da esquerda para a direita, o Hugo Moura Ferreira, e o Belmiro da Silva Pereira (ex-alf mil, CCAÇ 6, Bedanda, 1969/71), médico, e a alma daquele encontro na sua adorada terra, Peniche). Com o Belmiro, está o seu filho. Foi o 4º encontro dos bedandenses.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Lu
ís Graça & Camaradas da Guiné.]

1. Mensagem do José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 (BráBironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), nosso vizinho, amigo e camarada, médico veterinário, e agricultor, residente no Bombarral:


Data - 23/5/2022, 16h30
Assunto - Belmiro Silva Pereira

Caro Amigo Luís,

Desejo que te encontres bem.

Tomei hoje conhecimento, por informação de um familiar que reside perto de Peniche, que o Belmiro faleceu recentemente. (*)

Fui seu colega no Liceu de Leiria e, depois ao longo das nossa vidas encontrámo-nos várias vezes em Peniche, a sua terra natal, onde era adorado pela sua simpatia, popularidade e também pela competência na actividade de Médico.

Recordo o Belmiro, como um amigo irradiando alegria e boa disposição.

Embora me pareça que não fazia parte da nossa tertúlia, lembrava-me de um encontro de bedandenses, que ele organizou em sua casa (P12102) (**) e assim aqui vai mais uma triste notícia.

Um grande abraço do José Carvalho

 

2. Resposta do editor LG:

Obrigado, José, pela partilha desta dolorosa notícia de mais um camarada da Guiné que se despede da Terra da Aegria.

Conheci o Belmiro Pereira da Silva nessa altura, no convívio dos bedandenses, de 28/9/2013 ... Estou desolado.

Temos dois postes referentes a esse convívio (P12102 e P12109) (**), com fotos minhas e do Hugo Moura Ferreira. São, de resto, as únicas referências que temos no blogue ao seu nome, Não temos nenhuma foto dele em Bedanda. Gostava que ele entrasse a título póstumo para a Tabanca Grande, se a família (esposa e filho) não se opuser. Seria uma justa homenagem.

Foi um belo convívio, esse, do final do verão de 2013, de que ainda hoje guardo gratas memórias...

Bom, esse 4.º encontro do pessoal que passou por Bedanda, realizou-se Peniche, o 1.º em terras do sul,  sob organização hopsitaleira e calorosa do Belimiro da Silva Pereira, que só então vim a saber que tinha sido alf mil da CCAÇ 6, em 1969/71. 

Esse convívio, num sítio secreto, junto ao Cabo Carvoeiro, juntou três dezenas e meia de bedandenses, familiares e amigos.

Vim a saber, em conversa com ele, que já estava no 2.º ano de medicina, creio que em Coimbra, quando foi chamado para a tropa. Na altura não deu as habilitações académicas corretas, pelo que foi parar ao contingente geral. Mas alguém (se não erro, o capitão) descobriu a marosca e o nosso Belmiro lá foi, contrariado, para a EPI, para o COM, em Mafra. 

Quis o azar que, depois, fosse parar com os quatro costados ao então tão temido TO da Guiné. De rendição individual, como os demais graduados e especialistas metropolitanos das companhias africanas, lá foi fazer a guerra em Bedanda, na CCAÇ 6.

Quem foi do seu tempo, ou que ainda o apanhou em Bedanda foi o nosso grã-tabanqueiro João Martins, ex-alf mil art, comandante de um Pel Art. Dos bedandenses do blogue, ou meus conhecidos, estiveram presentes, o Hugo Moura Ferreira, o Rui Santos e João Martins, eu, a Alice, o Joaquim Pinto Carvalho  mais a esposa, Maria do Céu, e ainda o Belarmino Sardinha e a esposa.

O grande ausente, por razões de saúde, foi o nosso querido (e já saudoso) Tony Teixeira, de Espinho.  

Eu já conhecia o Belmiro de Peniche, meu vizinho portanto. Tínhamos amigos comuns na Lourinhã (a quem dei explicações quando putos ...),  e sei que estudara em Leiria com amigos meus do tempo da escola primária. Estava longe de o imaginar na Guiné na mesma altura que eu, em 1969/71, e também numa companhia africana: ele na CCAÇ 6, eu na CCAÇ 12, ele bedandense, eu bambadinquense... Mas uma vez concluí, nesse já longínquo dia 28 de setembro de 2013,  que o Mundo era Pequeno e que a Nossa Tabanca era... Grande.

O Belmiro, como diz o José Carvalho,  o nosso "barão do K3", era de facto uma figura muito popular em Peniche, como homem e depois como médico, mas confesso que não era pessoa das minhas relações pessoais. Creio que estivemos juntos em encontros (profissionais) dos médicos de clínica geral e familiar, nos anos 80/90. Ele foi diretor do centro de saúde de Peniche. Mas não voltámos mais a encontrarmo-nos depois de 2013. Sei que o pai era também uma figura popular na sua terra, conhecido como o Chico Futuro, dono de um traineira que andava na pesca da sardinha, segundo imformação do nosso camarada Joaquim Jorge, de Ferrel.

É mais que justo este IN Memoriam no nosso blogue (*). Descobri entretanto, uma notícia da agência funerária local, no Facebook, das poucas referências que encontrei: afinal, o nosso camarada Belmiro da Silva Pereira já fora a enterrar há 3 meses, em 14 de fevereiro de 2022. 

Segundo a sua página no Facebook, nasceu em 22 de setembro de 1946.

Já dei conhecimento à malta de Bedanda e a outros que o conheceram, da Lourinhã e de Peniche. E pedi ao Joaquim Pinto Carvalho, ao Rui Santos e ao Hugo Moura Ferreira para darem a triste notícia aos demais bedandenses, de quem não temos o endereço de email. As nossas condolências, embora tardias, à esposa, ao filho e demais amigos e camaradas que lhe eram mais próximos. LG


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 125/199 > Casa do chefe de posto


Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Guiné 6/74 - P21885: A Nossa Marinha (2): Em louvor dos bravos da Reserva Naval (1961/74) (Luís Graça / Manuel Lema Santos)


Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > Setembro de 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >  Peças de artilharia 11.4. ao lado de garrafões de vinho...

Foto nº 68/199 do álbum do João José Alves Martins (ex-alf mil art, BAC 1,Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69; membro da  Tabanca Grande desde 12 de fevereiro de 2012). (*)



Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Cais de Bissau. 

Foto nº 63/199 do álbum do João Martins.



Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Chegada ao porto fluvial de Bambadinca (... quando as LDG ainda navegavam pelo Geba Estreito até a Bambadinca, passando por Mato Cão)... 

Foto nº 73/199  do  album do João Martins. 

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21843 (**):


(i) Luís Graça:

Manuel, camarada: Espero que não leves a mal por ter citado o teu preciosíssimo blogue [Reserva Naval
: "Espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa".]...

Chegou-me às mãos uma foto da LDM 203, a navegar algures (presumo que entre Bissau e Catió), em 1964, no "Mare Nostrum"... Penso que a podes utilizar, foi editada por mim, o original pertence ao Rui Ferreira, filho de uma camarada nosso, infelizmente já falecido...

Aproveitei para relembrar a epopeia da LDM 302.

Não preciso de te dizer para te cuidares e poupares. Vejo que o teu blogue continua de vento em popa... Criei, no nosso (onde tens cerca de 60 referências e a "Marinha" 140...) uma nova série, "A Nossa Marinha"... Pode ser que apareçam mais fotos das nossas sempre queridas unidades navais [e surjam mais camaradas da Reserva Naval: o último foi o Carlos Moreno, hoje arquitecto,  2º tenente RN, oficial imediato da Esquadrilha de Lanchas do CTIG (1968/70) (***)].

Li também o teu poste sobre as (des)venturas da LDG Bombarda, de saudosa memória... Andei nela e vi-a várias vezes no Xime, que era a porta de entrada no Leste, como sabes...

Tenho uma história passada com a LFG Orion, nos anos 1969/70, quando esteve atracada ao cais, em reparação, e era então o melhor restaurante de Bissau... Um dia destes mando-ta.

E vamos a ver quando é que chegamos ao 1º ano da era pós-Covid (de que Deus nos livre!)... Só oiço malta a chorar a perda de amigos e familiares. Ou gente que apanhou um "cagaço" dos antigos... Que a doença, como diz o povo, vem a cavalo e vai a pé...

Um alfabravo, Luís

 de fevereiro de 2021 às 11:57

(ii) Manuel Lema Santos
 
Caro Luis Graça,

As minhas primeiras palavras são para o filho de um Camarada falecido que, pese embora o desgosto que tão pesada carga negativa arrasta para família e amigos, estará certamente em descanso. Entre os melhores, porque cumpriu o que lhe foi exigido.

Grato pelas referências feitas que, infelizmente, correspondem a um trabalho a "solo", o que não deveria suceder em qualquer situação. Há responsabilidades históricas colectivas institucionais que me não pertencem ainda que, pessoalmente, pudesse ser um colaborador entre tantos que poderiam manter viva a chama da Marinha que, tal como nos restantes ramos das Forças Armadas parece em vias de extinção.

Como é do conhecimento generalizado fui "apenas" um oficial da Reserva Naval (1TEN lic) entre 1.712 admitidos pela Briosa entre 1958 e 1975 a que se adicionaram mais 1.886 entre 1976 e 1992. 

Dos primeiros que desfilaram enquanto esteve no palco a Guerra do Ultramar, cerca de 1.000 daqueles camaradas estiveram nos vários teatros de guerra, especialmente em Angola, Moçambique e Guiné. Vou mesmo mais longe nos meus considerandos já que, mesmo em Macau, esteve um oficial RN e, em Timor, outros dois camaradas completamente ignorados. 

A LFG «Orion», 1966-1968, num teatro difícil, complementou a minha formação social e humana, pouco atractivo para jovens recém-saídos da Casa Paterna, universitário IST  [, Instituto Superior Técnico] e com 24 anos de percurso na vida. Contudo, repetiria aquela rota tendo em conta o caminho que me foi permitido percorrer, com as opções que tive de fazer como qualquer comum mortal.

Sobre as LDM, tema sobre que tenho divagado bastante,  disfrutem. A nossa Linha de Horizonte de vida, contrariando Eduardo Galeano, está a ficar bastante mais próxima cada dia que navegamos.
Cuidem-se!


(***) Vd. poste de 10 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21244: Tabanca Grande (500): Carlos Moreno, 2º tenente da Marinha, oficial imediato da Esquadrilha de Lanchas do CTIG (1968/70): senta-se no lugar nº 814, à sombra do nosso poilão