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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10919: Memória dos lugares (204): Os meninos do Xime, do tempo da CART 3494 (1972/73) (José Carlos Mussá Biai)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Meninos do Posto Escolar Militar nº 14.... Recorde-se que este batalhão esteve no TO da Guiné entre 28 de dezembro de 1971 (chegada a Bissau) e 3 de abril de 1974 (regresso). A CART 3494 esteve no Xime até abril de 1973, tendo sido depois transferida para Mansambo. E nessa altura a velhinha e cansada CCAÇ 12 passou a ser guarnecer o Xime como unidade de quadrícula.

Foto: © Ricardo Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 81968/70) > População do Cuor (Finete ou Missirá) cambando Rio Geba Estreito. Fopto do álbum do fur mil Lopes, o homem dos reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852.

Foto: © José Carlios Lopes  (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]


1. Mensagem do do nosso amigo José Carlos Mussá Biai:

Data: 9 de Janeiro de 2013 16:15

Assunto: Re: [Luís Graça & Camaradas da Guiné] Guiné 63/74 - P10907: Memória dos lugares (203): Xime, o Posto Escolar Militar nº 14 e os seus meninos, entre eles o José Carlos Mussá Biai, hoje engenheiro florestal a viver e a trabalhar em Portugal (Sousa de Castro) (*)



Meu Caro Luís,
Fico sempre muito emocionado quando vejo fotos da terra que me viu nascer e suas gentes.

As fotos do novo "tabanqueiro" Ricardo Teixeira, não foram exeção, pois levaram-me a reviver a minha infância.

Tempos muito difíceis, pois na minha opinião, as gerras nunca foram e jamais serão fáceis. Mas, apesar da guerra e do sofrimento causado, nós as crianças de então, vivíamos felizes.

Relativamente as fotos, infelizmente, não me encontro em nenhuma delas. Mas é com grande felicidade que vejo o meu irmão mais velho, hoje Juiz, na primeira fila, de camisa branca e alguns amigos da idade dele.
Cumprimentos e um abraço,
José C. Mussá Biai
PS: Muito agradeço o telefonema e como sempre a agradável conversa de segunda feira.


2. Comentário de L.G.:

De facto, já tínhamos falado ao telefone, eu e o  Zé Carlo, a trabalhar no  ex-IGP (Instituto Geográfico Português), agora Direção Geral do Território (, mudam os ministros, mudam as tabuletas dos serviços ministeriais).

Ele já tinha visto a foto do  Ricardo Teixeira e confirmado que não estava no grupo (que era de alunos mais velhos do Posto Escolar Militar do Xime).  Em contrapartida, reconhecia  um seu irmão,  que hoje é juiz em Bissau. É o moço, na primeira fila, à esquerda, de camisa branca. O Zé Carlos, nascido em 1963,  tem hoje 49 anos.

Perguntei-lhe por notícias da sua terra... aonde não vai há 12 anos. Quer levar lá as suas duas filhas, para conhecerem a terra do pai (e julgo que da mãe) mas ele espera por melhores dias...Mora em Odivelas. Naturalmente que ele tem desejo de lá voltar,  ao Xime, mas não quer ser apanhado, com a família portuguesa, no meio de mais um golpe de Estado. Como já aconteceu com amigos dele.

Sobre a família do Xime, diz que está bem. O Xime é que já tem pouco a ver com o do nosso tempo. O cais onde muitos de nós desembarcámos, vindos de Bissau em LDG, já há muito que desapareceu. Como desapareceu o cais flutuante montado pelos alemães, depois da independência. É com mágoa que o Zé Carlos vê o seu belo Rio Geba Estreito fechado à navegação. Dantes, no seu tempo de infância,  navegava-se de Bissau até ao Xime, e daqui até Bafatá. Havia um grande movimento de embarcações nomeadamente até ao porto fluvial de Bambadinca. Xime e Bambadinca eram a grande porta de entrada da zona leste.

Hoje a situação é desoladora: há muito que o Rio Geba Estreito está assoreado, por incúria da administração dos portos. A natureza seguiu o seu curso. E os homens nada fizeram para manter aberta a "autoestrada" fluvial do leste...

O Zé Carlos ficou muito feliz pelo meu telefonema. Já me procurou duas vezes, no meu local de trabalho. E eu já estive com ele uns bons minutos, da primeira vez. Da segunda, eu não estava no gabinete.

Como se vê, pelço seu email, ele continua a  acompanhar  o nosso blogue. Com a saudade e  a paixão de um guineense da diáspora,  e também português, de alma e coração. Um grande abraço para ele e família alargada, em Portugal e na Guiné-Bissau.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10907: Memória dos lugares (203): Xime, o Posto Escolar Militar nº 14 e os seus meninos, entre eles o José Carlos Mussá Biai, hoje engenheiro florestal a viver e a trabalhar em Portugal (Sousa de Castro / Ricardo Teixeira, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)





Guiné >  Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Meninos do Posto Escolar Militar nº 14.... Recorde-se que este batalhão esteve no TO da Guiné entre 28 de dezembro de 1971 (chegada a Bissau) e 3 de abril de 1974 (regresso). A CART 3494 esteve no Xime até abril de 1973, tendo sido depois transferida para Mansambo. E nessa altura a velhinha e cansada CCAÇ 12 passou a ser guarnecer o Xime como unidade de quadrícula. 

Foto: © Ricardo Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]

1. Mensagem que nos chega do nosso camarada Ricardo Teixeira (que vive em França, a avaliar pelo seu endereço de email), através do nosso grã-tabanqueiro º 2, Sousa de Castro. O Teixeira era bazuqueiro, segundo a informação do Sousa de Castro, e fica desde já convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, sendo o Sousa de Castro o seu padrinho.
Enviada: domingo, 6 de Janeiro de 2013 19:44
Para: Sousa de Castro
Assunto: Envoi d'un message : Scan0006

Amigo Castro:

Eu li no nosso blogue um comentário, que José Carlos Mussá Biai era natural do Xime. E que foi
aluno do nosso furiel mézinh
o [, fur mil enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte ,] nos anos 1973. Teria 10/11 anos quando nós estavámoos no Xime.

Aqui vai uma foto que eu tirei em frente à escola do Xime com os alunos desse tempo.
Nunca se sabe se ele está aqui nesta foto.

Se isso for verdade, são dois a ficar contentes, ele e eu.

Um abraço, deste amigo Teixeira.

2. Comentário de L.G.;

O feliz reencontro do José Carlos Mussá Biai com a sua infância no Xime (e com os tugas do seu tempo de menino e moço) já aqui foi contada na I Série do nosso blogue... O Sousa de Castro teve agora a gentileza de reproduzir alguns desses postes no seu blogue, no poste P167, de 3 do corrente. E teve a felicidade de ser lido pelo Ricardo Teixeira. Espero bem que o hoje engenheiro florestal J. C. Mussá Biai, a viver e a trabalhar em Portugal, se reconheça nesta foto. E que nos mande notícias.

De tempos a tempos falo, ao telefone, com o J. C. Mussá Biai (e já nos encontrámos pessoalmente, uma vez, no meu local de trabalho). Ele confirmou-me que o furriel miliciano enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo,em anril de 1973, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.

Pergunta: O que é feito destas crianças que aprenderam a língua de Camões com os nossos camaradas Carvalhido da Ponte e Osório ? A história do José Carlos emocionouu-nos a todos e eu apontei-o na altura como um exemplo extraordinário de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano, "que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence".

Reproduzo um excerto de unm poste que sobre ele escrevi, em 10 de maio de 2005

(...) Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 6 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camarà.

O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo". (...)


Em 2005, o José Carlos Mussá Biai trabalhava como técnico superior no Instituto Geográfico Português (IGP), Departamento de Conservação Cadastral (DCC), Rua Artilharia Um, 107, 1099-052 Lisboa,  terlef. 213819600, ext. 310. (Atenção, que o IGP foi extinto e integrado recentemente na Direção-Geral do Território; mas o contacto telefónico continua a ser este, como acabo de confirmar).

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10868: Memória dos lugares (202): Cacheu, Natal de 1964 (António Bastos)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9251: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (5): Mensagens de Albino Silva, José Mussá Biai e Tabanca de Matosinhos

MENSAGENS DE NATAL DOS NOSSOS CAMARADAS

1. Do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70:


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2. Do nosso tertuliano José Mussá Biai:

Chove. É dia de Natal

Poema de Fernando Pessoa

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.


UM NATAL FELIZ E UM ANO NOVO MUITO PRÓSPERO

José C. Mussá Biai

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3. Da Tabanca de Matosinhos

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9234: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (4): Mensagens dos nossos camaradas Raul Albino, Ricardo Figueiredo, Carlos Rios, Henrique Cerqueira, Manuel Alheira, Rui Silva, Valentim Oliveira e Manuel Maia

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

Guiné > Zona Leste > Mapa do Xime (1955), 1/50000  > Detalhe: O Rio Geba, o Rio Corubal, à esquerda, Poindon, Ponta Varela, Madina Colhido, estrada Xime-Ponta do Inglês, Rio Geba Estreito,  Xime, estrada Xime-Bambadinca, Enxalé (em frente, na margem direita do Rio Geba), Samba Silate, Ponta Coli, Amedalai... Tudo lugares míticos, carregados de emoções para os camarigos que viveram e lutaram no Sector L1 (Bambadinca) ou que desembarcaram, numa LDG, a caminho de outras terras da vasta zona leste da Guiné, via Bambadinca-Xitole ou Bambadinca-Bafatá... (LG)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Dezembro de 2010:

A partir deste dia 21 de Novembro passei a andar às ordens do Fodé Dahaba. Procurei deixar tudo anotado e por ordem. Em vão. Na mesma folha onde escrevi o nome de Demba Embaló, o guarda-costas de Jorge Cabral, pus o nome de Aliu Baldé, Binta Seidi, e para baralhar mais as coisas escrevi os nomes dos comandantes do PAIGC em Madina e Belel: Santiago Mendes, Farazinho Pereira e Samper Mendes.
A partir daqui ainda vai ser pior. Felizmente que me posso guiar pela ordem, dia-a-dia, registada pela máquina fotográfica. Mas falei com tanta gente, perguntei por tanta gente, estou certo e seguro que vou cometer graves omissões.
Nem tudo o que queria ver e que pedi ao Fodé foi possível visitar: a estrada da Amedalai para Moricanhe estava praticamente intransitável, e só conheci muito tarde a solução salvadora, Lânsana Sori e a sua milagrosa motocicleta; chegar ao Buruntoni e ao Baio é muito difícil, e tem que ser a partir da Ponta do Inglês; a mesma coisa com a viagem da Ponta do Inglês até à mata de Fiofioli, onde se situa a tabanca de Tubácuta onde viveu o comandante Domingos Ramos.
O importante é que a viagem nunca acaba. E os sonhos do viandante permanecem.

Um abraço do
Mário
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Operação Tangomau (5)

por Beja Santos

Do Bambadincazinho para Ponta Varela

1. A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado,  muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo.

O panorama que se desfruta é, no mínimo, deslumbrante. O Tangomau vai desfrutar das vistas do amanhecer e do entardecer, são momentos mágicos. De manhã, antes das sete horas, Bambadinca aparece submersa pelo sereno, uma neblina que se evola com o primeiro calor da manhã, deixa ver, em toda a sua majestade, as bolanhas, os palmares e os meandros do Geba estreito. À tarde, é o cerimonial do pôr-do-sol, a bola de fogo tisna-se de todos os tons ígneos, até se esconder entre Mato de Cão e Chicri. Nesta casa onde me acolhera, há muito da traça portuguesa adaptada ao calor tropical, as varandas são indispensáveis, os telhados prolongam-se para dar sombra sobre os alpendres.

O Tangomau e comitiva são recebidos pela Dada e Fernando Semedo, Mio. Há duas crianças (Tuinho e Thierry), uma menina de nome Florinda, a empregada, depois vai aparecer um outro empregado, Alberto Djata. Mostram-lhe o quarto, a casa de banho, a sala onde irão ver os canais franceses mais alguns filmes em DVD.

O Tangomau logo regista a casa, teve mesmo a pretensão de captar as duas bolanhas em sequência, saiu imagem amassada, desbotada, paciência. Vamos agora ao que importa, mentaliza-se que se avizinham emoções muito poderosas, vai rever gente que muito estima, vão ser expostos problemas (para ele) insolúveis, ser-lhe-ão feitos pedidos que não poderá atender, é preciso estar de ânimo forte.

A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena,  onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC e que por isso obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial


2. Para se sentir preparado, veio cedo contemplar a bolanha de Ponta Nova, trouxe “As Palavras”, de Jean-Paul Sartre, uma narrativa autobiográfica muito dolorosa e corajosa, não é qualquer um que se acomete a escrever assim:“Uma manhã, em 1917, em La Rochelle, aguardava alguns colegas que deviam acompanhar-me ao liceu; estavam a demorar; sem já saber o que inventar para me distrair, resolvi pensar no Todo-Poderoso. Logo ele se precipitou no azul-celeste e se sumiu sem dar explicação: não existe!, disse eu a mim próprio com um espanto cortês, e julguei o assunto arrumado. De certa maneira estava, visto que nunca mais, desde aí, senti a menor sensação de o ressuscitar. Mas o Outro subsistia, o Invisível, o Espírito Santo, o que garantia o meu mandato e regia a minha vida por grandes forças anónimas e sagradas. Deste, senti bem maior dificuldade em me livrar, pois que se instalara atrás da minha cabeça, nas noções adulteradas que eu usava para me compreender, me situar e me justificar. Escrever foi durante muito tempo pedir à Morte, à Religião, sob uma máscara, que me arrancassem a minha vida ao acaso. Fui da Igreja. Militante, quis salvar-me pelas obras; místico, tentei desvendar o silêncio do ser por um sussurrar contrariado de palavras e, sobretudo, confundi as coisas com os seus nomes: isto é querer”.

Divago sobre esta capacidade de falar sobre a perda da fé quando se começa a ouvir o motor da Renault Express. Fodé apresenta cumprimentos, não há tempo a perder, os eventos sociais estão marcados. Há só uma curta paragem no mercado de Bambadinca, o Tangomau vai abastecer-se de bolacha Maria, banana-maçã e alguma goiaba. Primeiro, e de acordo com a lei Mandinga, receber cumprimentos dos homens grandes, aparecem capitaneados por Aliu Fuma, mais do que octogenário, trazido pela mão de um genro. Há saudações e depois orações, dá-se graças a Deus por este reencontro. A seguir a família, mulheres, gente mais jovem e as crianças. Sucedem-se as reverências mandingas, o Tangomau é saudado com o profundo respeito da amizade que merecem os velhos. Aliás, o Tangomau vai passar repetidamente a ouvir o cumprimento: “Olá, velho! Corpo?”.

É neste grupo que aparece Mamadu Baldé, filho de Queta Baldé, chegara expressamente de Amedalai apresentar cumprimentos. E temos o último cerimonial, o pessoal da casa, mulheres e filhos. É nisto que o Tangomau acorda para um drama, a terceira mulher do Fodé, a quem chamam a Louca, aparece, profere uma frases ininteligíveis e desaparece. É a mãe de Calilo, Iaguba, Braima, isto só para falar dos machos, é impossível fixar o nome daquele rol de fêmeas a que constantemente Fodé grita para pedir coisas ou dar ordens.

Não fosse o Tangomau um obscuro fotógrafo amador e teria conseguido capturar a deslumbrante extensão das bolanhas de Ponta Nova e Finete, com Mato de Cão lá ao fundo. É o que há, pede-se desculpa por não se ter capturado um panorama magnífico do Geba estreito.


3. Súbito, o Tangomau é avassalado por uma emoção, diante dele, de braços abertos e riso bom aparece-lhe Samba Gebo, sempre jovem, distinto, mal se apresentou e já começa a pedir livros, lápis e papel. No seu caderninho, o Tangomau notou: o Samba trouxe-me a juventude de Missirá, é o porta-voz daquela gente abnegada, leal, sempre pronta a seguir-me.

Chegou igualmente Madiu Colubali, tem a vista turva, desfaz-se em ademanes. Fodé grita, a família Fati, os Sanhá e os Dahaba têm uma recepção à nossa espera em Amedalai. O primeiro choque surge quando o Tangomau pede uma curta paragem na ponte de Udunduma, depois de uma ligeira discussão Fodé condescende. Tiram-se fotografias e o Tangomau precipita-se ladeira acima, à procura do local onde esteve instalado o destacamento mais infecto da Guiné.

Encontrou uma tabanca, foi muito bem acolhido, explicou ao que veio e apanhou um instantâneo e uma festa de mulheres, só fixou que se tratava de um corte de cabelo. Pouco depois, chegaram a Amedalai, a tabanca é enorme, talvez tenha mesmo duplicado ou triplicado. Os Fati, os Sanhá e os Dahaba são uma pequena multidão. Fodé discursa, um homem grande responde e o Tangomau, inexplicavelmente, pede a palavra e conta onde e como nasceu a profunda amizade que nutre por Fodé. Fala-se de Finete, de uma colaboração muito leal, e no fim conta-se aquele desastre brutal no amanhecer de 22 de Fevereiro de 1969. Mudara a vida do Fodé e aquele menino alferes descobria que às vezes uma ordem pode dar um sinistro despropositado, como fora o caso daquele.

O almani presente na cerimónia levanta-se e reza uma nova acção de graças. O Tangomau gagueja: “Deus Todo-Poderoso tem compaixão de nós, perdoa os nossos pecados e conduz-nos à vida eterna”. Procura-se a seguir Mamadu Djau, não está, aproximam-se os familiares e até um homem que se apresenta como primeiro-cabo da CCaç 12, dá pelo nome de José Carlos [Suleimane Baldé], exige ficar numa fotografia para que lá em Portugal saibam que está vivo. E parte-se para o Xime, o alcatroado tem resistido bem ao tempo, o Tangomau viu-o nascer, em 1970. Pelo caminho, despontam as tabancas que surgiram depois da guerra, Taliurá e Ponta Coli, são os manjacos que exploram estas ricas de bolanha.

Uma variante da fotografia que já saiu no álbum, publicada há dias: estamos em Amedalai e alguém que se apresenta como José Carlos Suleimane Balbé [ex-1º Cabo, CCA>Ç 12, 1969/74] , pede para ser fotografado. Ei-lo, ladeado por Samba Baldé (Samba Gebo) e Madiu Colubali. O fundo é dado por membros da família de Mamadu Djau.


4. Chegados ao Xime, a primeira curiosidade é de visitar o porto. Este já existe, está reduzido a miseras meia-dúzia de estacas. Até o capim brota do alcatrão, como se protestasse por tão indigno abandono. Numa elevação, ergue-se uma estrutura monumental, ao que parece um silo para a mancarra, trata-se de uma infra-estrutura que nunca teve uso, quando Luís Cabral caiu em desgraça Nino Vieira votou ao desprezo os projectos do seu antecessor. Há ainda uma visita a fazer a membros da família Fati, aparece a viúva de Mankuma Biai, um guia muito capaz que prestou um óptimo serviço ao Tangomau na operação “Rinoceronte Temível”, tendo mesmo sido louvado.

O Xime é uma mistura de instalações ao abandono e da nova tabanca. Fodé adverte que vamos para o último itinerário da viagem, Ponta Varela. Tomou-se à direita a estrada Xime-Ponta do Inglês, seguiu-se por um estradão mal tratado, ao fim de meia hora entrei num território que percorrera sempre à espera de contacto com o inimigo. O que o levara ali era conhecer o local onde, nesse passado remoto da guerra, as forças do PAIGC desfechavam bazucadas sobre as embarcações civis que, arrastadas pela corrente, se aproximavam do tarrafe, à entrada do Geba estreito.

Nas operações que se destinavam ao Poindom ou Ponta do Inglês flanqueava-se as bolanhas e os velhos trilhos, que o PAIGC minara. Eram viagens que se faziam com luz, temia-se uma sarrafusca nocturna, com a desvantagem do inimigo saber retirar e de novo golpear. O importante é que mal chegados à tabanca, e feitos os cumprimentos da praxe, o Tangomau pediu para ir até à margem do Geba.

Um jovem, de nome Mussá, ofereceu-se mas logo avisou que havia passeata para cerca de 3km, o que não incomodou o Tangomau, ele segue excitado por mangais, picadas, hortas e palmares. Irá guardar a imagem dos fios de luz, uma luz coada a ouro, se ir infiltrando pelos cajueiros, tudo dentro de uma grande serenidade, não há mais presença humana, o passeio não cansa, depois surge o Geba, o terreno amoleceu e Mussá mostra o local, aponta para um pilar de cimento, era dali, dentro dos cajueiros fechados que vinha o fogo mortífero.

Captam-se várias imagens, o que era segredo deixou de o ser. E regressa-se em passo estugado. Dos aspectos essenciais, o Tangomau tomou nota: dentro de dias irá conhecer M’Fon Na Bra, comandante do bigrupo que actuava em Ponta Varela; a memória, vacilante, recuou até ao mês de Março de 1969, foi no HM 241 que o Tangomau conheceu aqueles membros da família Fati que vivem agora no Xime; na nova tabanca de Udunduma gostou muito de ser questionado pelos jovens que pretendiam mais informação sobre o quartel. Ainda havia umas folhas soltas com observações registadas,  perderam-se. E assim findou o primeiro dia organizado pelo Fodé, Calilo vai depositá-lo no Bairro Joli.

Demba Embaló, guarda-costas de Jorge Cabral, do Pel Caç Nat 63. Atenda-se à naturalidade da pose, quando se vêem estas fotografias acorre ao espírito as pessoas naturalmente aristocráticas. O Demba coligiu a folha que já aqui foi publicada com os nomes dos soldados do Pel Caç Nat 63. O Demba vende cola e tabaco no mercado de Bambadinca. Garanti-lhe que uma das razões que me trouxera à Guiné era preparar a compra da casa do Jorge Cabral. O Demba tomou-me a sério: “Fica tão contente, tão contente!”

5. Deixou-se para o fim um pormenor essencial: Fodé vive no Bambadincazinho, não há que enganar. Mal se apercebeu dessa realidade, o Tangomau foi visitar a Missão do Sono, a escassas dezenas de metros. Aí voltará na manhã seguinte, na companhia de Mamadu Djau. Mas não se quer adiantar mais pormenores, amanhã será um dia dedicado a Bambadinca, haverá baba e ranho de todo o tamanho, desde o quartel ao porto, também ele desaparecido. Será aí que o Tangomau, especado, olhará para a bolanha de Finete, exactamente no local onde a canoa de Mufali Iafai o conduzia, perto do fim do dia. Mufali também desapareceu.

Ao longo deste dia perguntou-se por muita gente, foram explosões, umas atrás das outras. Serifo Candé, que o Tangomau tanto ansiava abraçar em Biana, perto de Fá, morreu. Na semana anterior morrera Mamadu Silá, o 108, um gigante de corpo com um fiozinho de voz. O Tangomau chega cabisbaixo, com aquela sensação paradoxal que satisfez a curiosidade de visitar lugares anteriormente interditos mas ter perdido camaradas inesquecíveis. Depois cumprimenta a família Semedo, já anoiteceu, conta o que viu e quem visitou, adormeceu cedo, desta vez não teme só os encontros com as pessoas, teme os lugares que vai rever e que tanto estimou, um afecto que guardará até ao fim dos tempos.

Outra variante da fotografia já publicada sobre Ponta Varela, exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações civis. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascera o Geba estreito, o leito do rio afunila, à esquerda, não muito longe daqui, passa o rio Corubal [. Vd. detalhe da carta do Xime, 1955, acima].

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5909: Os nossos camaradas guineenses (25): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º Cabo, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74), vive em Amedalai e sonha com Portugal, Não tenhas medo, que aqui é Portugal! (Odete Cardoso / J.L. Vacas de Carvalho)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Luís Manuel da Graça Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos... A sua recruta e a instrução de especialidade destes dois militares do recrutamento local foi feita em  Contuboel (Abril/Julho de 1969) (*). O Umaru veio para Portugal, onde morreu, há uns anos, de doença. O José Carlos,  que era ligeiramente mais velho (18 ? 19?), vive em Amedalai, uma tabanca fula do regulado do Xime, na estrada Xime-Bambadinca. Andará hoje na casa dos 60 anos.


Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Regiãod e Bafatá > Xime > Amedalai > 26 de Julho de 2006 > O José Carlos com a família.

Foto: Odete Cardoso (2010). Direitos reservados


Extracto de um carta que o José Carlos mandou à Maria Odete Cardoso, esposa do ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72) e onde transcreve, sob a forma de poema, o sonho que teve, a sua visão de Portugal e o seu desejo, que quer ver concretizado antes de morrer, de conhecer Portugal. Não sei qual a data mas deve ser recente. A Odete corresponde-se com o José Carlos, desde 2000, depois de uma ida à Guiné, com o marido, em 1999, e otro camarada, o José Sobral.


Sonhei com Portugal,
por José Carlos Suleimane Baldé


Era uma noite,
calma,
serena!
Um ambiente bem silencioso!
Vejo os céus de Portugal.
Alguém disse:
- Levanta a cabeça!
Nos céus sem nuvens
vi variadíssimas estrelas
que nunca vira antes!
De repente soou um grito,
dizendo:
- Não tenhas medo,
que aqui é Portugal!

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]



1. Mensagem, de 25 do corrente, do José Luís Vacas de Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, ex-Alf Mil Cav, Pelotão Daimler 2206, e também instrutor de companhias de milícias (Bambadinca, 1970/71) [, foto à esquerda]

Caríssimos: Recebi esta msg, da Maria Odete Cardoso, casada com o ex-alferes Jaime Pereira [, da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72]. Achei muita piada. O Zé Carlos foi soldado das duas CCAÇ 12 [, 1969/71 e 1971/72]. Tem uma filha em Portugal e gostava de a vir ver. O resto está dito pelo Odete.

Um abraço a toda a Tabanca
Zé Luis

2. Mensagem da Odete Cardoso, com data de 25 do corrente, com conhecimento ao Victor Alves (ex-Fur Mil SAM, da CCAÇ 12, 1971/72), residente em Santarém:

Vaquinhas: Aqui vai o que enviei ao V.A. Envio por 2 vezes. Podes usar a foto e o poema no blogue, se considerares adequadas.

Eu tenho uma carta em que ele recorda os militares da CC12 anterior [ 1969/71] (**).

Um abraço. Odete


3. Mensagem, de 23 do corrente, enviada por Odete Cardoso ao Victor Alves:

Contribuir para a realização de um sonho... põe-se a questão:
- Quem é que fica mais feliz? O  que realiza o sonho, ou os que proporcionam a sua realização?

Se o quisermos fazer temos de nos apressar, pois os vossos homens guineenses,  com 60 anos,  já estão na meta da esperança de vida em África.

Eu mantenho correspondência com o José Carlos desde o ano 2000 e, em 2004, quando lhe nasceu uma filha ele deu-lhe o meu nome e daí eu fazer-lhe chegar, via nossa embaixada em Bissau, alguma ajuda.

Penso que se os 2 grupos da CCAÇ 12 quisessem contribuir com uma quantia a partir de 10 euros cada, conseguiríamos o montante para a viagem de avião e assim ele poderia estar presente no almoço de 2010.

Mando-te uma fotografia dele, tirada em 2006, com roupinha from Portugal, a última carta que me enviou, agradecendo um telemóvel e uns sapatos e um poema em que ele sonha visitar Portugal.

Tu é que és o homem das relações públicas.

Um grande abraço. Aparece com a tua Lena.

Odete Cardoso

4. Mensagem enviada por L.G. ao J.L. Vacas de Carvalho:

Meu caro José Luís:

Fico-te muito grato pelas notícias sobre o nosso José Carlos Suleimane Baldé, do 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (1969/71)... Fizemos diversas operações juntos, estivemos em tabancas em autodefesa... Ele foi meu cozinheiro, guarda-costas, intérprete, aluno, bom amigo... Foi o nosso 1º Cabo Africano, promovido depois de ter feito a 4ª classe... Andava sempre de caderninho na mão, e lapiseira... Era humilde, atento, prestável, dedicado... Tenho uma foto dele com o puto Umaru, que já morreu [, tirada em Finete, na margem direita do Geba Estreito]. O António Marques vai também ficar feliz por saber dele e poder ajudá-lo. Vamos combinar como o poderemos ajudar... (Caímos junto, o eu, o Marques, o Umaru, o José Carlos... na fatídica mina A/C, em Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, duas secções da CCAÇ 12, lembras-te...).

Por mim, tudo farei para o ajudar... Podemos mobilizar o blogue. Adorei o poema dele... [ Merece uma análise de conteúdo: devido a uma forte aculturação - ele conviveu com os portugueses desde 1969 até 1974 -, Portugal surge-lhe, no seu imaginário, como um verdadeiro eldorado]. O ano passado, quando fui à Guiné, em Março, falaram-me dele, que vivia em Amedalai (***)... Infelizmente não passei pelo Xime. E por Bambadinca, foi a correr. Vou publicar o teu texto e o da Odete no blogue. Já falei ao Victor, esta manhã. E tentei contactar a Odete. Infelizmente, já não me lembro do Jaime. A sobreposição foi curta. Vim-me embora no princípio de Março de 1971, seguindo de Bambadinca para Bissau, onde aguardei transporte para a Metrópole. Mas espero poder encontrar-me com ele, a Odete, o Jaime e tu, numa próxima oportunidade.

A foto do José Carlos não abre, por que vem em formato dmi. Não tenho programa para a abrir. Não é possivel digitalizarem a foto em formato jpg, que é o mais compatível com a linguagem em html do blogue ? Estou em casa: telef. 21 471 0736. Amanhã vou almoçar à Tabanca do Centro. Depois fico na Lourinhã. Em 29 de Maio ou 5 de Junho faremos o nosso V Encontro Nacional. Não podes falhar desta vez.

5. Mensagem, de ontem, da Odete Cardoso:

Caro Luis Graça:

É muito compensadora esta troca de afectos.

A visita que fiz com o Jaime e o Zé Sobral, em 1999, à zona de Bambandinca,  foi marcante e mostrou a saudade e respeito que os vossos homens guardavam dos portugueses.

Aqui vai a foto do Zé Carlos tirada em 26.7.2006.

Um abraço.

Odete Cardoso

6. Comentário de L.G.:

Odete, obrigado pela sua gentileza. É uma grande emoção, para mim, para o António Marques, para o Joaquim Fernandes, para o António Levezinho, para o Humberto Reis, par ao José Luís de Sousa (funchalense, que espero que esteja bem nestes dias difíceis para a Madeira!), para o Gabriel Gonçalves, para o Abel Maria Rodrigues (o único alferes da velha CCAÇ 12 que faz parte deste blogie!), e outros camaradas da primeira CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) saber notícias dos nossos camaradas guineenses, e em especial do 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé, que era de etnia fula como a grande maioria, e o único - salvo erro - que no nosso tempo conseguiu reunir as condições para ser promovido a 1º cabo. Sempre o estimei, protegi, ajudei e tratei como amigo. (Sobre a nossa CCAÇ 12, 1969/1974, temos pelo menos 95 referências na II Série do nosso blogue, além de dezenas e dezenas na I Série)

Tive notícias do nosso José Carlos, em Março de 2008, aquando da minha ida à Guiné, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (***). Infelizmente não tive tempo de o visitar em Amedalai. Oxalá ainda nos  possamos encontrar em vida... A Odete  como é que faz para o contactar lá ? Tem algum número de telemóvel (que é coisa que se começa a banalizar, mesmo no interior da Guiné-Bissau) ? Já pedi a amigos meus, de Bissau,  para saberem dele,  em Amedalai. Da próxima vez que lhe escrever, fale-lhe do Furriel Henriques...

Odete, gostaria de a conhecer pessoalmente bem como ao Jaime. Os dois estão convidados a ingressar na nossa Tabanca Grande. Vou ver se lhe telefone para nos encontrarmos e falarmos com mais tempo e vagar. (****)

_____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)


(...) Quarto texto do Renato Monteiro, da série de cinco, que intitulei estórias de Contuboel, pequenos apontamentos que o meu amigo escreveu com base na sua experiência de instrutor de recrutas guineenses, em Contuboel, no 1º semestre de 1969. Desses recrutas, metade foram parar à CCAÇ 2590, que mais tarde (em Junho de 1970) passou a designar-se CCAÇ 12. A outra metade deu origem à CART 11, mais tarde CCAÇ 11.

IDADES SEM LEMBRANÇA



 Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.

E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.

Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.

Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.

Opinião igualmente partilhada por Ussumani Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.

Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.

Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado. (...)





Vd. restantes postes da série do Renato Monteiro:

28 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)



4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(**) Vd. poste de:

21 Maio 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

(...) Pode parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés... Não penso o mesmo: pode ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Pode facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...

É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau, outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo!...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo da especialidade de armas pesadas de infantaria, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em Junho e Julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a instustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas.

Tirando o 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé (promovido ao actual posto em 16 de Setembro de 1969),eram, todos,  praças de 2ª classe. Samba Só, Mamadá Baldé, Braima Bá e Quecuta Colubali passaram a soldados arvorados na mesma data, por reunirem qualidades para uma eventual promoção ao posto de primeiros cabos: "ascendente sobre os camaradas, experiência de combate e aprumo militar" (sic). Entretanto, houve mais promoções no final da 1ª Comissão da CCAÇ 12 (a rendição individual dos quadros metropolitanos fez-se a partir de Fevereiro de 1971).

É muito provável que todos ou quase todos os graduados africanos da CCAÇ 12 ( e da CCAÇ 21, para a qual transitaram em 1973) tenham sido fuzilados, em 1974 e 1975 (...). (*****)

(...) 4º Gr Comb

Comandante: Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues [já falecido, em Portugal]

1ª secção

Fur Mil 15265768 Joaquim A. M. Fernandes [membro da nossa Tabanca Grande; saiu para integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões; ferido com gravidade na 1ª mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva

Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2ª secção

Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques [membro da nossa Tabnca Grande; ferido com gravidade na 2ª Mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 17714968 António Pinto

1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (F)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (F) [ferido gravemente  na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]
Soldadado 82110469 Mamadú Baldé (F)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (F) [já falecido, em Portugal, para onde emigrara]
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (FF)
Sold 82119069 Mamadu Balde (F)

3ª secção

1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação [passou a integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões]

Soldado 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82110269 Suleimane Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82111069 Sori Baldé (F)
Sold 82115669 Sherifo Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82115769 Tenen Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117169 Ussumane Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117769 Califo Baldé (F)
Sold 82118469 Califo Baldé (F)

(***) Vd. poste de 11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

(...) Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008 > Caravana do Simpósio Internacional de Guileje... Imaginem quem é que eu deveria encontrar aqui ? O operador de câmara da RTP África, Malam Biai... Nascido em 1965, em Bambadinca, de etnia mandinga, diz que é primo do J.C. Mussá Biai, natural do Xime e membro da nossa Tabanca Grande...

Quando puto, ia ao quartel de Bambadinca, à cata dos restos de comida do pessoal da tropa... Lembra-se bem dos militares da CCAÇ 12, unidade de intervenção que esteve em Bambadinca (Sector L1, Zona Leste), entre 1969 e 1973; dos dois ataques do PAIGC ao aquartelamento; da professora Violete (que dava aulas aos putos da 4ª classe); dos fuzilamentos a seguir à Independência (assistiu, aliás, à execução pública de um agente da polícia administrativa de Bambadinca)... 

Confirmou-me, de resto, a notícia do fuzilamento, na região do Xime, do Abibo Jau, o gigante da CCAÇ 12, e do tenente ou capitão Jamanca, que conheci na 1ª Companhia de Comandos Africanos, e foi depois comandante da CCAÇ 21 (o que vem ao encontro do relato já aqui feito pelo Mussá Biai)...

Diz-me, além, disso que o antigo 1º Cabo da CCAÇ 12, o José Carlos Suleimane Baldé, meu guarda-costas, intérprete, guia, cozinheiro, secretário, está vivo, em Amedalai, perto do Xime... Gostaria de o rever. (...)

(****) Último poste desta série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5520: Os nossos camaradas guineenses (24): Vi matar o meu camarada Lamine Sanha (Braima Djaura)

(*****) Sobre a CCAÇ 12 e os seus soldados africanos, vd. postes de:

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIII: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos nharros da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar dos Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63... No nosso tempo já havia ou dois três soldados arvorados por cada grupo de combate da CCAÇ 12... Mais tarde passaram a cabos e, em segunda comissão, foram promovidos a furriéis, ao que parece na CCAÇ 21, comandada pelo comando Jamanca (...)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIV: Ao Fernando Sousa: Sei que estás em festa, pá  (Luís Graça)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5591: Memória dos lugares (63): O Xime, o Alferes Capelão Puim, os mandingas e o meu tio Mancaman (J. C. Mussá Biai)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 15 de Dezembro de 2009 > O médico e músico João Graça entre os mandingas... Tabatô, a mítica meca da música mandinga, terra natal do grande músico guineense Kimi Djabaté, guitarrista, percussionista e tocador de balafón, que vive hoje em Lisboa (tal como outro grande músico, também mandinga, natural do Bagu, o nosso já conhecido Braima Galisssá).

Tenho dúvidas sobre a actual localização de Tabatô: o João diz-me que fica a 13 km, depois de Bafatá, na estrada para o Gabu. Eu localizeu, na carta 1/50.000 de Bafatá,  uma tabanca, com esse nome, no regulado de Cossé, a sudoeste de Bafatá, portanto em sentido oposto ao Gabu... Será a mesma tabanca, transferida, com a guerra colonial, por razões de segurança ?... Se alguém puder que nos esclareça...

Hoje, Tabatô é um local de visita obrigatória para os amantes da música e da cultura mandingas... O João passou lá uma noite inesquecível com a grande família, de músicos, do Kimi Djabaté... Teve o privilégio de ouvir 20 músicos (kora, balafon....) só para ele e de tocar com eles, o seu violino (o João integra a banda de música klezmer Melech Mechaya) ... Espero que ele em breve nos mande o seu "diário de bordo" para publicação, total ou parcial, no nosso blogue (LG)...

Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados

1. Do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "menino do Xime", do meu tempo (tinha seis anos, quando lá aportei pela primeira vez, no dia 2 de Junho de 1969) (*)...


Assunto - Memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim

Caro Luís

Viva!

Acabo de ler as memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim (**), que me emocionaram bastantante. Estou em crer que já me cruzei com ele a pesar de nenhum de nós recordar, pois eu era um miúdo. Mas lembro-me de ver um Alferes Capelão com o meu pai, que era chefe religioso, na varanda.

Também me lembro de ter ido uma vez a capela, depois das aulas. Mas nunca lá voltei porque o meu pai não concordava, pois era uma religião que não professávamos.

Mas falando do Mancaman, ele era irmão do meu pai. Faleceu há mais de uma década em Xime e deixou quatro filhos.

Conforme disse numa das minhas mensagens, depois da guerra, todos que de alguma maneira fizeram parte do exécito português, tiveram as suas chatices e o tio Mancaman não foi exepção. Lembro-me do filho mais velho dele, o Malam Biai, ter ido juntar-se ao PAIGC, no auge da confusão de caça a(o)s bruxas(os), talvez para de alguma forma servir de protecção ao pai.

Mas, enfim, a vida jamais voltou ser a mesma.

Um abraço,

José C. Mussá Biai
__________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de postes, da I Série do Blogue:


20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

(...) As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei. (...)

9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)

(...) "Dr. Luís Graça:


"Descupe-me roubar o seu precioso tempo, mas tomei a liberdade de lhe enviar este e-mail, porque estive a ler o seu blogue e vi que você cumpriu o serviço militar na minha terra, Xime, e logo nas companhias que marcaram a minha infância, CART 2715 e CART 3494. Isso porque há alguém que me ficou na memória para sempre por ter sido meu professor na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14, e de nos ter feito crianças felizes. Essa pessoa é de Viana de Castelo, era furriel [miliciano]enfermeiro, de nome José Luís Carvalhido da Ponte. (...)

[Resposta de L.G.]

(...) "José Carlos: (...) Deixe-me confessar-lhe que [a sua mensagem] me comoveu mas ao mesmo tempo também me deixou uma pontinha de orgulho. Você não é dos guinéus que diabolizam os tugas (o termo depreciativo que, como deve estar lembrado, era utilizado pelos guineenses, em geral, para se referirem aos portugueses que ocupavam a vossa terra). Penso que esse tempo, em que as coisas eram vistas a branco e preto, já passou. O tempo dos ressentimentos já passou. A histórias e as estórias são sempre muito mais compridas e complicadas do que o tempo que a gente tem para as escrever e contar… Além disso, o meu país e o meu povo estão reconciliados um com o outro, e também com a Guiné e com os guineenses, os quais de resto continuam a ter um lugar especial no nosso coração de tugas.



"Dito isto, eu fico muito orgulhoso por saber que você era um menino do Xime, no meu tempo de furriel miliciano da CCAÇ 12 (Maio de 1969-Março de 1971), e que foi um outro furriel miliciano, enfermeiro, José Luís Carcalhido da Ponte, tuga, minhoto de Viana do Castelo, que o ajudou a aprender a língua de Camões, e que fez de si uma criança feliz. De si e de outras crianças do Xime. A sua mensagem revela uma grande sensibilidade humana, além da gratidão por um homem que, nas horas vagas da guerra, ensinava os meninos da Guiné.


"Claro que eu terei tempo e muito gosto em falar consigo, e daí deixar-lhe os meus contactos. O mais simples é indicar-me o seu número de telefone. Procurei contactá-lo rapidamente. E, se mo permitir, vou pôr o seu nome e o seu endereço de e-mail na minha lista de contactos de pessoas que, por uma razão ou outra, estão ligadas ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole no tempo da guerra colonial. Veja a minha página sobre os Subsídios para a História da Gerra Clonial> Guiné.


"Devo esclarecê-lo que eu não pertenci à CART 2715 nem à CART 3494. Sou mais velho do que os elementos destas companhias. Mas metade da minha comissão passei-o em contacto frequente com a CART 2715 que estava sedeada no Xime. Os camaradas da CART 3494 (que chegou ao Xime por volta de Janeiro de 1972) já não os conheci, mas eles continuaram a trabalhar com a CCAÇ 12 (que era formada por praças africanas, oriundas do chão fula, e em especial dos regulados de Xime, Corubal, Badora e Cossé; todos eles eram fulas ou futafulas, à excepção de um mancanhe, que era natural de Bissau; havia ainda dois mandingas). (...)


"Fiquei hoje a saber, pelo endereço de e-mail e por uma pesquisa rápida na Net, que o José Carlos Mussa Biai trabalha no Intituto Geográfico Português e é co-autor de um ou mais trabalhos de investigação na área de engenharia florestal onde se formou, relacionados com o seu país de origem" (...).

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)

(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Sector L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.


Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.


(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carcalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.


Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 26 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camará. (...)


O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo.


Moral da estória: O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence. (...)


(`**) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz

sábado, 2 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz


Guiné-Bissau > Região de Bafatá ~> Xime > 10 de Janeiro de 2006 > "Os meus irmãos, mais velhos, irmãos de sangue, Fodé Biai, o primeiro a contar da direita para a esquerda, e Bacar Biai, o segundo na mesma ordem e Malam Mané, o quarto, dos que estão de pé, meu primo-irmão. O Fodé e o Malam cumpriram o serviço militar em Farim e depois Bissau, sendo o Malam depois transferido para Bambadinca. O Bacar sempre esteve em Xime" (J. C. Mussá Biai)... Será que algum deles poderá o Mancaman, que nos fala o Arsénio Puim ?


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 10 de Janeiro de 2006 > Rua principal da actual povoação do Xime



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 10 de Janeiro de 2006 >  A escolinha...

"O curioso de tudo isso, quem tirou as fotografias é um colega meu, o Domingos Fonseca, trabalhei junto com ele na Escola do Ensino Básico Preparatório Amizade Guiné Bissau - Suécia, em Bissau. Ele leccionava a língua portuguesa e eu matemática, antes de ele ir tirar o curso de engenheiro técnico agrário na Argélia. Estive com ele no ano 2000 em São Domingos onde ele estava como responsável de AD" (J. C. Mussá Biai).


Fotos: © Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados


1. Mais um texto do nosso camarada Arsénio Puim, açoriano de Santa Maria, a viver na Terceira, antigo Alf Mil Capelão, natural de Santa Maria, Açores, e antigo capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72):



Recordando... VII > Em homenagem de Mancaman: um homem da Guiné defensor da paz 

por Arsénio Puim

Mancaman vivia na tabanca do Xime, contígua ao quartel onde estava estacionada a CART 2715 (**). De trinta e poucos anos, magro e um pouco alto, filho do chefe da tabanca - Mancaman (pai). Era mandinga, do que se orgulhava, por reconhecer a supremacia histórica e cultural desta etnia no quadro guineense e africano.

Não gostava dos Fulas e apreciava o espírito laborioso e a coragem dos Balantas. Falava, com muita graça e expressividade, o português, além do crioulo, o mandinga e o fula. Inteligente, muito humano e sabedor no que toca à guerra da Guiné, nas suas duas faces. Era-nos dedicado, correcto, amigo. E pertencia mesmo às milicias populares, armadas pelo exército português.

Não obstante, era um homem algo complexo e não facilmente transparente aos nossos olhos europeus, atraindo mesmo algumas suspeitas, para as nossas tropas, de que mantinha contactos com o «outro lado» e dizendo-se, até, que tinha «arroz turra» a vender na tabanca.

Nunca galgou a graduado de 2.ª linha; negou-se, certa vez, a ir numa operação para além de Ponta Varela; odeia os militares portugueses que maltrataram prisioneiros «turras» para obter declarações; condena com grande revolta as chacinas praticadas pelas tropas prtuguesas nos primeiros anos da guerra; e sempre que os oficiais de artilharia fazem fogo para o acampamento do Poidon (****), que ele deu a entender estar muito fraco e já não ser o que foi em tempos atrás, ele olha-os com uns olhos de fúria, o que poderia sugerir a presença de membros da tabanca ou mesmo de pessoas de família naquela área.

Na relação que travei, durante as minhas estadias no Xime, com Mancaman, não me pareceu, porém - com certa estranheza minha - que Mancaman tivesse um ideal de revolução e independência. Antes, diz que não sabe ler e não pode desejar a Guiné independente. Que se os portugueses sairem, vai haver manga de guerra entre os Fulas e os Balantas e que, por si, terá que ir para o Senegal (talvez por se achar de algum modo comprometido com o exército português). E receia ainda que os outros países que deram armas ao PAIGC se metam na Guiné.

Mais: não aprecia Amílcar Cabral nem Sekou Touré, da Guiné ex-Francesa. Tem consideração porém, por Senhgor, do Senegal, porque «ele não quer um Estado só de pretos, mas tem muitos brancos a ajudá-lo», referiu.

Para mim, Mancaman é, acima de tudo, um homem que, como confessou, «não gosta da guerra» e «a sua lei (muçulmana) não quer guerra»; um homem que viveu, pessoalmente, o drama da guerra entre Portugal e Guiné; um homem que sentiu na alma o sofrimento, a morte e a destruição de que foram alvo os seus irmãos guineenses por quererem a independência; um homem marcado por uma tristeza impressionante quando fala destes assuntos.
- Para saber o que é a guerra – diz ele – é preciso ver os turras mortos. Num ataque de helicóptoro ao Poidon, cinco mortos: três homens armados, duas mulheres e uma bajuda. Todos picados.
Via-se-lhe no rosto estampado o horror. Ele próprio já perdera um filho na confusão dum ataque ao Xime e um irmão numa mina.
- Então, nós estamos a fazer mal por bombardearmos os turras e fazer operações para lhe destruir os acampamentos e os meios de vida? - perguntei.

Mancaman não hesitou nada em responder:
- Sim. É muito mal. Se as tropas atacam com armas, eles fogem, ficam com medo e atacam com armas.
- Então como é que se devia fazer?
- Mandar lá pessoas da mesma raça dizer que eles venham, que não tenham medo, que a tropa trata bem todos. Fazer que eles tenham confiança na tropa. E quando acabar as chuvas eles vêm.
- E se os turras atacarem o quartel, não se responde com armas?
- Não, se os turras atacarem o quartel temos que nos defender. E se morrer algum turra foi porque eles nos vieram atacar.

Para Mancaman, certamente com uma dose de idealismo, mas não sem uma visão, na essência, válida e humana, o processo para a consecução da paz na Guiné passava pelas conversações directas com os turras - importante para ele, que se realizassem através de elementos da população da mesma etnia - e a aplicação de tácticas defensivas, evitando todas as acções violentas e arrasadoras da parte do exército e das forças portuguesas.

Foi este profundo sentido humano, o seu pensamento e princípios contra a guerra em si, a sua visão clara e dos dois lados da guerra da Guiné, a sua simpatia pela presença portuguesa e a sua inalienável identidade e alma guineenses que eu conheci e admirei em Mancaman, em longas conversas que tivemos, marcadas pelo respeito mútuo e confiança, ainda que sempre com alguma natural reserva da minha parte e que também ficasse com a sensação de que ele sabia mais do que me dizia.

Onde quer que hoje Mancaman se encontre, desejo que ele goze a Paz, que tanto queria,  para a sua terra da Guiné.

Arsénio Puim

2. Comentário de L.G.:

Dos mandingas do Xime, mílícias e guias das NT, lembro-me bem do infortunado Seco Camará,   morto em 26 de Novembro de 1970...  Não me lembro do Mancaman que, a ser vivo, terá hoje perto de 72 anos. Fui muitas vezes ao Xime, ponto de partida de operações, quse sempre guiadas pelo Seco Camará. Não nunca lá fiquei uma temporada como o Arsénio Puim. Talvez o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, e um dos mais antigos membros da nosso blogue, nos possa dar notícias do Mancaman.

Lembro que o José Carlos é natural do Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/71), CART 2715 (1970/72), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... No Xime viu (e viveu) muita coisa, demasiadas coisas...

Teve, como professores, no Posto Escolar Militar nº 14 (Xime),  o furriel miliciano enfermeiro Carvalhido da Ponte, da CART 3494, e o furriel Osório, da CCAÇ 12 (que dava aulas juntamente com a esposa).

O José Carlos aprendeu a ler e a escrever português debaixo de fogo. Nascido em 1963, o José Carlos devia ter já 10 anos, aquando do ataque ao aquartelamento e tabanca do Xime, em 1 de Dezembro de 1973 (segundo relata o António Duarte), do qual resultaram sete vítimas mortais entre a população civil, incluindo dois amigos de infância e vizinhos do Mussá Biai...

Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Por sua vez, o seu pai, um homem grande, mandinga, do Xime, era o chefe religioso da comunidade islâmica local (um almanu).

A vida não foi fácil para eles. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Teve irmãos que fizeram o serviço militar em Farim e que depois foram presos.

Após a independência, o José Carlos foi para Bissau onde fez  o liceu. Foi cinco anos professor, até vir para Lisboa e obter uma bolsa de estudo da Fundação Gulbenkian. Hoje é formado em engenharia florestal. É casado. A sua mulher é natural do Xitole, filha de um comerciante conhecido dos tugas, o Braima.

Trabalha e vive em Portugal, no Instituto de Geográfico Português (IGP),  no Departamento de Conservação Cadastral (DCC), Tel. 213819600 (Ext. 310).

 Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime... Tal como Mancaman, o  José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a que ele continua a pertencer, apesar de ter optado pela nacionalidade portuguesa e de viver em Portugal. (*****)
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5553: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (6): O Geba e as viagens do Bubaque

(**)  Companhias de quadrícula do BART 2917 (Maio de 1970/Março de 1972) (comandado por Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e depois por Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro):

(i) CART 2714, sita em Mansambo (Cap Art José Manuel da Silva Agordela)

(ii) CART 2715, sita no Xime (Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida)

(***) A relação da CART 2715 com os seus vizinhos do Poindon / Ponta do Inglês, não podia ser fácil... Em 26 de Novembro de 1970, uma secção inteira da companhia foi massacrada a caminho da Ponta do Inglês... Era comandada pelo meu amigo Cunha....


25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (1 Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector L1) (...).

Na lista dos mortos do Ultramar, da Liga dos Combatentes, só aparecem quatro dos seis elementos das NT, mortos nesta operação, e cujos restos mortais ajudei a recolher no local:

Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha
Sold Manuel da Silva Monteiro
Sold Rufino Correia de Oliveira
Sold Fernando Soares (...)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

(****) Os militares portugueses sempre escreveram Poidon... Mas a grafia correcta parece ser POINDOM, de acordo com a carta do Xime (1961). Será erro tipográfico ?

(*****) Vd. postes, da I Série do Blogue:

 20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) Luís Graça)

terça-feira, 11 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008 > Caravana do Simpósio Internacional de Guileje... Imaginem quem é que eu deveria encontrar aqui ? O operador de câmara da RDP África, Malam Biai... Nascido em 1965, em Bambadinca, de etnia mandinga, diz que é primo do J.C. Mussá Biai, natural do Xime e membro da nossa Tabanca Grande... Quando puto, ia ao quartel de Bambadinca, à cata dos restos de comida do pessoal da tropa... Lembra-se bem dos militares da CCAÇ 12, unidade de intervenção que esteve em Bambadinca (Sector L1, Zona Leste), entre 1969 e 1973; dos dois ataques do PAIGC ao aquartelamento; da professora Violete (que dava aulas aos putos da 4ª classe) (1); dos fuzilamentos a seguir à Independência (assistiu, aliás, à execução pública de um agente da polícia administrativa de Bambadinca)... Confirmou-me, de resto, a notícia do fuzilamento, na região do Xime, do Abibo Jau, o gigante da CCAÇ 12, e do tenente ou capitão Jamanca, que conheci na 1ª Companhia de Comandos Africanos, e foi depois comandante da CCAÇ 21 (o que vem ao encontro do relato já aqui feito pelo Mussá Biai) (2)...Diz-me, além, disso que o antigo 1º Cabo da CCAÇ 12, o José Carlos Suleimane Baldé, meu guarda-costas, intérprete, guia, cozinheiro, secretário, está vivo, em Amedalai, perto do Xime... Gostaria de o rever...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008 > O Coronel Coutinho e Lima, que irá ser o herói do dia em Guileje, faculta-me informação adicional sobre a situação operacional na zona de Gandembel/Balana, entre 1968 e 1973, ano em que comandava o COP5... Na realidade, a ordem para a fixação da CCAÇ 2317, a que pertencia o nosso camarada Idálio Reis, em Gandembel e Balana, não é do Spínola, mas do seu antecessor, em Abril de 1968... E como eu gostaria que o Idálio pudesse estar aqui hoje!


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Rio Balana, visto da ponte > Uma cena quase idílica, e que nos remete ao tempo da guerra colonial: lavadeiras à beira-rio... Era aqui que os homens de Gandembel se vinham abastecer de água e tomar o seu banho (3)... Na época das chuvas, o caudal do rio é seguramente maior...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana, ou Ponte sobre o Rio Balana, afluente do Rio Cumbijã (?)... No tempo da CCAÇ 2381 (Abril de 1968/Janeiro de 1971), um grupo de combate defendia heroicamente esta ponte, vital para o reabastecimento das nossas tropas... A ponte, outrora destruída pelo PAIGC, foi depois reconstruída pela Engenharia Militar... Do lado esquerdo, há uma pequena elevação do terreno...Foi aí que as NT edificaram um fortim, hoje completamente em ruínas. O pessoal de Gandembel vinha aqui abastecer-se de água...


Do outro lado da estrada alguém vai construir uma casa... Continuam a usar-se os materiais tradicionais, o barro, para fazer o tijolo, seco ao sol...
Não sei quantos anos têm estas travessas de madeira do tabuleiro da Ponte sobre o Rio Balana, na Estrada Quebo-Gandembel... Mas não irão durar muito mais... O desgaste provocado pela travessia de veículos automóveis é já evidente...
Em primeiro plano, o editor do blogue, tendo à esquerda um dos elementos da escolta policial da Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria e à direita o escritor Oscar Oramas, embaixador de Cuba em Conacri, antes e depois da morte de Amílcar Cabral.

Uma cena insólita na Ponte Balana... Não é um batalhão, é apenas um magote de fotógrafos e jornalistas tentando ouvir, da boca do editor do blogue, a história da Ponte Balana e dos seus valentes defensores, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969...
O editor do blogue, em cima da ponte de madeira, fazendo um resumo histórico da Ponte Balana, perante as câmaras da RTP - África e outros órgãos de comunicação social, tais como a televisão comunitária do Bairro do Quelélé, TV Klélé... Na imagem, à direita, de óculos escuros, pode ver-se o Califa Soares Cassamá, jornalista, correspondente da RDP-África em Bissau, que ouço, de vez em quando, ao sintonizar de manhã aquela estação radiofónica, a falar com o Guilherme Galiano... Como o mundo é pequeno e a Guiné-Bissau uma tabanca grande: o Califa é primo do meu amigo e aluno de mestrado, o Lázaro Cassamá, médico, filho de um conhecido comandante do PAIGC em Morés, no tempo da luta de libertação...
O pessoal que veio do Porto (juntamente com os de Coimbra) juntou-se a nós em Ponte Balana, a caminho de Guileje... Na foto, a Alice, de costas, do lado esquerdo; o Paulo Santiago, ao centro, e o Álvaro Basto, à direita. Estão alojados em João Landim, a 30 km ao norte de Bissau...

Os nossos queridos amigos e camaradas da Tabanca Grande: Da esquerda para a direita, o Zé Teixeira; o Paulo Santiago, ao meio; o Álvaro Sousa, de costas, à direita. Em primeiro plano, a Alice, a esposa do editor do blogue...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana / Gandembel > 1 de Março de 2008 > Uma planta chamada matchundadi di branco [ou pila de branco] na expressão bem humorada dos fulas da região (4)...

Fotos, vídeos e texto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados


Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4):

Vd. postes anteriores desta série:

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez


Sábado, dia 1 de Março de 2008. Partimos hoje de manhã, de Bissau, por volta das 7h30. Seguimos a estrada que vai para leste, ao longo da margem direita do Rio Geba, passando por Nhacra e Bambadinca, flectindo aqui para sul, no sentido do Xitole... Chegamos ao Saltinho às 9h20, sem qualquer paragem anterior. No Clube de Caça do Saltinho fizemos a primeira paragem técnica, para tomar o pequeno-almoço, ou o segundo pequeno-almoço, que isto de andar de jipe em África faz fome e sede...

Às 10h15 a caravana - onde se inclui a Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria, senhora Isabel Buscardini e uma escolta policial - arranca para a próxima paragem em Ponta Balana, perto de Gandembel, por volta das 11h00. Na realidade, chegamos lá just in time, em menos de três quartos de hora. Até agora apanhámos estrada alcatroada, sem curvas...
 
Saltinho, rápidos do Saltinho, Mampata, Contabane (reordenamento do tempo do Paulo Santiago, quando era comandante do Pel Caç Nat 53), Sare Amadi, Quebo (a Aldeia Formosa do nosso tempo, formosa pelas suas bajudas futa-fulas e sagrada pela presença do Cherno Rachid, alto dignatário do Islão em África) (5), Mampatá, Chamarra (estas três localidades, bem conhecidas do nosso Zé Teixeira, quando ele era 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381, 1968/70)...

A partir de Quebo, o alcatrão foi desaparecendo e entramos em estrada de terra batida... Começa a maldita poeira e aparecem os primeiros buracões, obrigando as máquinas, os pilotos e os passageiros a prodigíos de equilíbrio... No jipe, conduzido pelo Antero, motorista, balanta, da AD, vou eu, a Alice, o Nuno Rubim e a esposa. O coronel vai à frente. Durante o percurso não tiro fotografias. Observamos a paisagem e pomos a conversa em dia. O Nuno e a esposa, que é natural da Guiné, aonde não vinha há trinta e tal anos, formam um casal de cinco estrelas e são uns óptimos parceiros de aventura.

Ponte Balana... Aqui estiveram os homens-toupeiras, os homens de nervos de aço da CCAÇ 2317 (6). Aqui e em Gandembel. Menos de nove meses, de Abril de 1968 a Janeiro de 1969. O tempo suficiente para apanharem com quase três centenas e meia de ataques e flagelações. Por aqui passaram muitas colunas logísticas, vindas de Aldeia Formosa ... Aqui houve muitos combates, feridos e mortos, entre as forças do PAIGG, as nossas tropas especiais e as unidades de quadrícula de Guileje, Quebo, Gandembel... Aqui um dia uma GMC carregada de bidões foi parar ao rio (7)... Falamos da petite histoire da História com H grande... É preciso escrever as duas... É urgente que os próprios guineense conheçam a sua história recente... Um povo sem história é um povo acéfalo, sem memória, sem identidade, sem raízes...

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 11 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2431: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (15): Oficial e cavalheiro em Bambadinca, às ordens de Dona Violete

(2) Vd. poste de 12 de Maio de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Mussá Biai)

(3) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2326: O Hino de Gandembel e a iconografia do soldado atormentado pelo desassossego (Idálio Reis)

(4) Vd. poste de 22 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P895: 'Matchundadi di branco' e o sentido de humor da nossa caserna

(5) Sobre o famoso dignatário religioso Cherno Rachid, da Aldeia Formosa (ou Quebo), vd. postes de:
4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)
15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

(6) Vd. postes de:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá