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quarta-feira, 2 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23043: Fotos à procura de... uma legenda (161): Transportes públicos de Bissau: nos anos 50, operava a empresa A. Brites Palma (ABP), e os autocarros chamavam-se "ambulâncias"... Depois da independência, formou-se a empresa pública Silo Diata... (Mário Dias / José Colaço / Albertino Ferreira / Carlos Filipe Gonçalves / Cherno Baldé)

 


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Anos 50 > O novo edifício dos correios. Anteriormente os CTT eram no edifício que se encontra do lado direito e onde continuou funcionando a Emissora da Guiné (1º andar ). De notar a curiosa viatura que era um dos “luxuosos” autocarros da época que, pela semelhança, eram conhecidos por ambulâncias

Esta ambulância  que aparece na foto (, assinalada com cercadura a amarelo), pertencia à firma A. Brites Palma. Havia ainda, tanto quanto me recordo, outras duas empresas de transportes que faziam carreiras de autocarros (ambulâncias) para toda a Guiné. Eram o “Costa”, sedeado em Bissau e o “Escada” em Teixeira Pinto (Canchungo). Tenho a vaga ideia de existir uma outra na região de Bafatá-Gabú,  propriedade de um libanês mas não tenho a certeza. Talvez alguém me possa ajudar nesta dúvida. De notar as árvores recentemente plantadas, fruto da alteração do traçado da avenida que referi neste texto. (*)

Foto (e legenda): © Mário Dias (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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Foto nº 2 > Guiné > Bissau > s/d [1971/73 ] > Um autocarro dos transportes colectivos de Bissau, carreira Bissau/Bissalanca!...  A empresa era a  ABP... Foto do nosso saudoso Victor Barata (1951-2021), o "Vitinho". (**)

Foto (e legenda): © Victor Barata (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Foto nº 3 > Guiné > Bissau > 1964 > Um autocarro, que fazia a carreira Bissau-Mansoa,  da empresa A. Brites Palma. As bagagens, incluindo animais vivos (cabras, etc.) iam no tejadilho.  Fotograma de filme de 8 mm feito pelo ten mil médico Rogério Leitão, da CCAÇ 557.

Foto (e legenda): © José Colaço (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Botelho Colaço foi o primeiro a dar uma pista, enviando-nos  uma foto de um autocarro (Foto nº 3), no ano  de 1964 (**)... Embora  com "pouca qualidade"(trata-se de fotograma de um filme de 8 mm, depois digitalizado),  o autocarro pertencia à empresa "Brito Pais ou Brito Palma, com sede em Bissau", e fazia a carreira Bissau-Mansoa. O filme foi feito pelo tenente miliciano médico  Rogério Leitão, da CCAÇ 557, já falecido, membro da Tabanca Grande a título póstumo

O Albertino Ferreira, ex-alf mil da CCAÇ 4540/72 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74), veio acrescentar, também em comenário ao poste P23011 (**):

"Eram os transportes públicos de Bissau, transportavam tudo, desde pessoas até animais, como cabras e galinhas; a sigla quer dizer A. Brites Palma, e não Brito. Algumas viaturas mais antigas traziam este nome estampado na carroçaria (Foto nº 1); tenho pena de não ter fotografias." (*)

O José Colaço trouxe mais uma informação adicional sobre a referida empresa: a  "A. Brites Palma", também "tinha uma escola de condução onde tirei a carta de condução numa Bedford verde velhinha, de caixa aberta" (...) "Ficava numa rua ao centro de Bissau, perpendicular á avenida principal... Quanto aos táxis em Bissau, no seu tempo (1963/65), havia-os já " e prodeminavam as carrinhas Peujeot 404".

No nosso blogue,  no poste P611, de 15 de março de 2006 (*), encontrámos a confirmação: o Mário Dias, que comheceu bem a Bissau dos anos 50, e fez parte do 1º Curso de Sargentos Milicianos, em 1959, tendo sido depois "comando", confirma e documenta a existência desta empresa de transportes públicos (Foto nº 1). E, tanto quanto se recorda, ainda havia mais duas ou três: o “Costa”, sedeado em Bissau,  e o “Escada” em Teixeira Pinto (Canchungo),,,


2. O Carlos Filipe Gonçalves, jornalista aposentado, natural de Cabo Verde (que fez a tropa em Bissau, como furriel mil amanuense, QG/CTIG, Santa Luzia, Bissau, 1973/74, e ficou lá depois da independência, como radialista), deu-nos a seguinte informação:

"Durante o tempo da tropa, 1973/74, nunca utilizei os transportes públicos (que os havia), porque tínhamos o autocarro militar que prestava bom serviço… Utilizei o táxi algumas vezes e claro tinha muitos amigos (guineenses e cabo-verdianos) com popó, logo quando das farras, pela Bissau «by night», eram eles que me davam boleia.

Bem, depois de Setembro de 1974, quando passei à disponibilidade, morava na Rua de Cacheu, aí na zona da cidade… Logo não precisava de transporte público, ia a pé para a Rádio Bissau/RDN e nas farras (poucas) que havia, se era longe ia com amigos que tinham popó!

Quando fui de férias a Cabo Verde, em Outubro de 1973,  beneficiei do pequeno autocarro da agência de viagens, que apanhava a malta na messe e levava a Bissalanca.

Todo este historial, para confessar a minha ignorância a este respeito, mas, perguntei a amigos do tempo de Bissau, disseram-me que havia duas: “Brites Palma”  e “Lulula”, e já antes da independênia.

Depois da independênciam  autocarro da  foto [nº 2] era já da Silo Diata, empresa, governamental que foi fundada (nacionalizada?) depois da Independência, o primeiro director foi Gino Mané."

Em 1979, o nosso amigo Cherno Baldé fez a viagem de Bafatá a Bissau, já não de barco, como no nosso tempo (1961/74), mas por via terrestre, em autocarro da empresa pública, Silo Diata, seguindo por uma estrada tortuosa que atravessa o Óio, passando por Banjara, Mansabá e Mansoa. Nessa altura as vendedeiras de sandes, as "bideiras de rua", enxamevam a estrada de saída para Bissau. (***)


(***) Vd. poste de  22 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23016: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte I: De Bissau a Kiev, como estudante bolseiro ou o poder da "sétima sorte": É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo...

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22633: (De)Caras (178): Viriato Madeira (1938-2011), ilustre cidadão da Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, Açores, ex-alf mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bafatá, Bissau, 1963/65), citado no "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > A contar da esquerda: o açoriano de Santa Bárbara, Ribeira Grande, ex- alferes miliciano Viriato Madeira, comandante do 1º pelotão; a seguir o também açoriano, picaroto, ex-alferes miliciano Mário Goulart, comandante do 3º pelotão que todos os anos faz questão de nos acompanhar no almoço de convívio da CCaç 557; o algarvio, ex-alferes miliciano, Ildefonso Leal, comandante do 2º pelotão; e, em primeiro palno, à direita, o aveirense, ex-tenente miliciano médico, Rogério Leitão [, já falecido, em 2010].

Esta e outras fotos, do Cachil,. 1964, sãoão de fraca qualidade devido aos meios que havia naquele tempo e, além disso, foram reproduzidas de slides de um DVD que tenho da estada, na Guiné, da  minha  CCAÇ 557. 

O quarto alferes miliciano, comandante do 4º pelotão e 2º comandante da companhia (, e que não aparece aqui neste fotograma,)  era o  José Augusto Rocha (1938-2018), destacado dirigente estudantil (em 1962) e depois advogado, defensor de muitos presos políticos sob o marcelismo. (Tinha uma posição radical sobre a guerra colonial, a da denúncia ativa, razão por que declinara, em 2015, delicadamente, o nosso convite para integrar a Tabanca Grande; era um hoem afável mas firme nas suas convicções.).

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados
. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Viriato Madeira foi aqui citado no "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar (**):

Camamudo, 12 de Junho de 1965

Vim a este destacamento de Bafatá en­con­trar-me com o meu amigo Viriato Madeira, que está prestes a terminar a sua comis­são. Esteve anteriormente, com a sua companhia, na Ilha do Como, durante cerca de um ano, rodeado de arame farpado e sem poder sair do aquartelamento de cam­panha, im­plan­tado no chamado reino do Nino, onde ninguém se atre­via a entrar ou a sair. Vie­ram de lá todos bem marcados. 

Foi tal a nossa alegria, que chorámos como duas crianças perdidas que se reencontram e abraçam uma à outra. E, para festejar o nosso encon­tro, preparou-me uma bebida, que ele chama bomba, espécie de cocktail revolu­cio­nário, que me pôs a dormir ou em coma alcoólico quase ins­tan­tanea­mente. Quando des­pertei, já era tarde para seguir para Contuboel. Mandei um rádio a prevenir que passava a noite em Ba­fatá, na sede do batalhão.

2. Comentários ao poste P9360 (*):

José Câmara:

Caro Colaço: Por informação recebida de Carlos Cordeiro, o Alf Mil. Viriato Madeira faleceu o ano passado.

Segundo a mesma fonte, o Viriato mantinha grande actividade cívica. Por isso mesmo granjeou grande simpatia entre a população da Ribeira Grande, Ilha de São Miguel. (***)

Um abraço amigo,
José Câmara

16 de janeiro de 2012 às 04:14

Carlos Cordeiro:

Caros amigos,

De facto, o Viriato Madeira foi uma pessoa de notável intervenção cívica. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pelo seu falecimento:
http://base.alra.pt:82/Doc_Voto/IXvoto354_11.pdf (que se reproduz emnoata de rodapé (***)

Um abraço,
Carlos Cordeiro

16 de janeiro de 2012 às 13:00

José Botelho Colaço: 

O ex-alferes Viriato Madeira era um grande comunicador,  sempre bem disposto, ultimamente os nossos contactos eram menos assíduos devido ao seu estado de saúde segundo me dizia era do foro pancreático-

Estive nos Açores não o visitei porque o programa não contemplava a visita à Ribeira Grande.
A sua deslocação aos almoços da CCaç 557 só uma vez esteve presente, primeiro por motivos de trabalho e ultimamente pelo seu estado de saúde não o permitir, iam ficando sempre adiado para o próximo ano.

O Viriato dizia-me sempre quando eu me deslocasse à Ribeira Grande que não me preocupasse com hotel porque punha a casa dele à minha ordem.

E assim é aqueles que da lei da vida se vão libertando, a roda da vida não pára. (***)

Um abraço, Colaço

16 de janeiro de 2012 às 14:17

_____________



(***) O seu nome foi dado, por exemplo, a um equipamento de grandes prestígio e utildiade público, o Coplezo de Piscinas Viriato Madeira. Entre outras funções cívias, foi presidemte da direção dos Bomabeiros Voluntários da Ribeira Gramnde (2001-2011).

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pelo seu falecimento em 2011:






Disponível em: http://base.alra.pt:82/Doc_Voto/IXvoto354_11.pdf 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21454: (Ex)citações (376): As nossas comuns raízes telúricas, do Nordeste Transmontano à Estremadura e ao Alentejo (Francisco Baptista / Fernando Gouveia / José Belo / José Colaço / Luís Graça)


Lourinhã > Ribamar > Valmitão > 18 de Julho de 2009 > Dia de acender o forno a lenha, amassar a farinha, enfornar e cozer o pão de trigo feito da farinha do moleiro... o delicioso pão de trigo da nossa infância.

Ainda hoje há famílias que cozem o seu próprio pão, no concelho da Lourinhã, Estremadura, como esta, a família do Ramiro Caruço e a Rosa, meus primos da grande família Maçarico... Voz off de Luís Graça, Alice Carneiro, Ramiro Carruço e a neta do casal.

Vídeo (2' 51''): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados


Capa do livro do Francisco Baptista, natural de Brunhoso, concelho de Mogadouro, Nordeste Transmontano,  "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia" (Edição de autor,  2019, 388 pp.)

1. Seleção de comentários ao poste P21429 (*):, da autoria do nosso camarada Francisco Baptista [ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72) (**):


(i) Luís Graça:

Francisco, ainda não tive acesso ao teu livro... Gostava de ter as tuas crónicas de Brunhoso em letra de forma... Mas continuo a adorar os teus textos, aqui publicados, ricos, socioantropologicamente falando... (Só sobre Brunhoso temos quase três dezenas de referências, puseste a tua terra no mapa.)

Só conheci Trás-os-Montes depois do 25 de Abril. Antes, os portugueses não viajavam "cá dentro" , era escassa a mobilidade, a não ser para para as elites, que no Verão faziam as termas ou iam para os Algarves e demais praias do litoral...

Como casei com uma "moçoila" do Norte, tive acesso a algum dos "saberes" (e "sabores") que referes no teu texto (*): em Candoz, na fronteira do concelho de Marco de Canaveses com Baião, Resende e Cinfães, a despensa chamava-se "loja", a parte térrea, mais baixa da casa, muitas vezes escavada na rocha de granito, e com chão de "saibro", sempre fresca no verão...

Era lá que se fazia o vinho tinto verde, no lagar, se pendurava e desmanchava o porco, se guardava o presunto e as demais partes do porco, que era morto em geral no Natal / Ano Novo... (Morto atado no carro de bois, uma espetáculo cruel para os putos!)

O frigorífico chamava-se "salgadeira", uma enorme arca, de madeira de pinho bravo, cheia de sal, responsável por muitas mortes por AVC e cancro no estômago ao longo de gerações... Era lá que se guardava o "governinho" da dona de casa: por exemplo, o "presunto verde", o que não ia ao fumeiro... Era lá que o vinho verde tinto "fervia" nos pipos de carvalho: de baixo teor alcoólico, aguentava-se até maio...O branco, feito em bica aberta, esse, engarrafava-se, era para os "fidalgos" e para os dias de festa...

Fazia-se também o "bagaço", que se guardava em garrafões de 10 e 20 litros, empalhados... Houve uma época em que se produzia e vendia livremente para as tascas do Porto...que o batizavam com água do rio...

Mas no Douro Litoral, o "frigorífico" também eram as "minas", onde durante a II Guerra Mundial se escondia o milho, para evitar as "requisições" do Goveno, na época do racionamento...

Não, não havia o fabuloso pão de centeio e trigo da tua terra, apenas a enome "broa" de milho que se cozia todas as semanas... Também nas "minas" se guardava o sável e a lampreia, na sua época.. (Na minha, zona, Lourinhã, província da Estermadura, cozia-se o pão de trigo, feito da farinha do moleiro; e o melhor era o do trigo barbela.)

Eu vivi a minha infância  na "vila", sede de concelho, mas com contacto regular com a aldeia da minha mãe, que era o Nadrupe, a escassos três quilómetros: os meus tios era pequenos lavradores dores, matavam o porco, fazia vinho, tinham frutas e legumes, criação doméstica, patos, coelhos, galinhas, perús...Um tio, da Quinta do Bolardo, caçava: não nos faltavam coelhos, perdizes e até lebres. Mas também tinham acesso, os da aldeia, aos recuros do mar, ali a escassos quilómetros: a sardinha, o chicharro, o carapau, a "arraia"... E toda a gente era recoletora de moluscos  e mariscos: a lapa, o mexilhão, o ouriço do mar, o polvo, a navalheira, a sapateira...

Não, na minha terram à beira mar, não se fazia presunto, nen salpicões, como em Candoz ou em Brunhoso, porque o clima marítimo era inimigo do fumeiro... Fazia-se, isso, sim os "chouriços de carne", os "chouriços de sangue"...Tal como em Leiria, também se fazia a "morcela de arroz", se bem me lembro... Com sangue de porco...

Todas as casas da aldeia tinham, além da residência da família, uma adega, um logradouro ou quintal com "estrumeira", e anexos agrícolas (com lugar  para a carroça, e os animais de tração: o burro, o macho, o cavalo), barraco para a lenha, etc.... E, claro, dentro ou fora da cozinha, o grelhador e o  forno de cozer pão... (e nos dias de festa, assar o borrego, o cabrito, o perú, o galo...). No inverno, comia-se a batatada com peixe seco, uma tradição mais ribeirinha e piscatória... Mas nas aldeias também se deixava o caparau, o chicharro e a raia a secar, no telhado, ou no estendal da roupa...

Mas cedo, nos anos 60, começou a generalizar-se a mecanização da lavoura: veio a motocultivadora, o trator,a motorizada,  e depois a eletricidade, o frigorífico, a casa de banho, etc. Cozia-se o pão de trigo, todas as semanas, ainda não havia o "pão de plástico",o horrível papo-seco ou o "pão de carcaça" que só tinha alguma graça quando se comprava, quentinho, na padeira da vila... Em todas as aldeias, havia dois, três ou quatro ou até mais moinhos de vento..As "panificadoras" industriais (reunindos os pequenos padeiros artesais) só começam a aparecer em meados dos anos 60..

Depois as grandes vinhas e as grandes searas de trigo desapareceram... E a nossa paisagem rural modificou-se profundamente. A partir dos anos 60, quando fomos para a tropa e para a guerra, nada seria mais como dantes...

Resumindo: temos, Francisco, uma grande dívida para contigo por seres o grande cicerone de Brunhoso do teu tempo de menino e moço, e nos ajudares a redescobrir as nossas raízes telúricas... Muitos de nós, ex-combatentes, nascemos e crescemos em aldeias ou pequenas vilas e cidades, onde a ruralidade ainda estava muito presente... Já lá estive perto de Brunhoso, mas ainda não se proporcionou conhecer a tua linda terra natal... Temos que combinar um encontro...

Saúde e longa vida. Mantenhas. Luís Graça

8 de outubro de 2020 às 22:07

(ii) Francisco Baptista:
 
Luís, o mestre és tu, que fazes uma bela descrição da economia familiar de duas regiões distintas e da forma como conservavam os alimentos.

Na despensa da minha casa, que ainda existe, um pouco alterada, e como menos objectos de museu do que a do meu amigo Zé (*), não se fazia o vinho. O meu pai não herdou nem plantou vinha, bebia pouco mas comprava todos os anos uma pipa em terras de Miranda para dar de beber aos trabalhadores.

Todos os anos se matavam dois porcos, eramos muitos em casa, que eram curados na despensa. Os presuntos estavam algum tempo cobertos com sal grosso e penso que depois com cinza. Quando começavam a ficar rijos eram pendurados do tecto. Nunca se punham no fumeiro como no Minho e Douro Litoral por serem zonas com muita humidade. O frio seco do Inverno e as condições de temperatura permanente da adega "curavam" os presuntos. O tempo de despensa ou adega, o sitio era o mesmo dava qualidade aos alimentos. Recordo -os a todos com gulodice e saudade e quando entro numa ainda guarnecida com alguns desses produtos, como a do meu amigo, parece-me que estou a entrar num lugar sagrado.

Em Trás-os-Montes o clima e a comida dos animais, erva e plantas da horta, davam qualidade aos alimentos, a cozinha transmontana era simples, a posta da vaca. tal como a marrã do porco só precisavam de algum sal quando a assar em boas brasas, as batatas, as cebolas. as vagens e outras hortaliças eram boas e saudáveis. O presunto e o toucinho depois do tratamento inicial ia-se fazendo e melhorando na despensa.

Os grandes pães de trigo e centeio tinham um gosto que já não há, por lá ainda há padarias que fazem grandes pães de trigo, de centeio é raro, com um gosto que se aproxima. O Douro Litoral e Minho têm uma cozinha trabalhada que faz as delícias de qualquer comilão, sei-o bem. a minha mulher é de Viana

A escrita já vai longa, caro Luís, convidava-te para o almoço que talvez te agradasse. Não é trabalhado como gosta a minha cozinheira minhota preferida, é simples à maneira da minha terra. Batatas cozidas com nabiças acompanhadas de alheiras grelhadas. O pão trigo é de Mogadouro. É bom.

Abraço Francisco Baptista

(iii) José Belo:

Caro Amigo e Camarada. (E, ão menos, companheiro na colónia de “férias” que foi a nossa Buba!)

Com os teus textos consegues criar insinuante nostalgia. Não feita das amarguras tão frequentes nos menos jovens como nós, mas antes como calor envolvente surgido de cinzas ainda ardendo.

Sente-se a aceitação, orgulho e interiorização de uma forma de vida que,durante infindáveis gerações acabou por formar mais um dos muito especiais “povos” que constituem a nossa tão diversificada “gente”.

Lisboeta, chico esperto de Estoris e Cascais, vivendo há muitas décadas entre as verdadeiras esquizofrenias que são as abissais diferenças entre as minhas raízes Lusitanas, as tradições e família escandinavas, e a muito especial maneira de olhar (todo o resto!) do mundo desde os Estados Unidos, para mim os teus textos são ...viagens de reencontro.

E,se só por isso,fico-te grato.

Um grande abraço do J .Belo

8 de outubro de 2020 às 07:57

(iv) José Botelho Colaço:

Olá, amigo Francisco Baptista, os hábitos dos nossos antepapassados em parte eram comuns em quase todo o nosso país com pequenas alternativas. DSou um exemplo nas linguíças: a minha mãe era normal não utilizar o azeite, utilizava sim a "manteiga", ou seja, a gordura dos fritos da carne do porco principalmente do lombo e das costelas que,  devido ao colorau ou pimentão,  ficava com um tom rosado a que nós dávamos o nome de "manteiga encarnadinha"... Nessa manteiga metia as linguiças numa panela de esmalte e aí se conservava todo ano sem perder qualidade e até aumentava o paladar. 

Um abraço amigo.

8 de outubro de 2020 às 16:02

(v) Francisco Baptista:

Amigo e Camarada José Colaço: (...) No Nordeste Transmontano, em tempos dei-me conta que nalgumas aldeias davam o tratamento de conservação, que referes aos salpicões e linguiças, penso que nessas terras não se colhia azeite, não sei se seria o caso da tua. 

Tu e grande parte dos que já leram os meus textos sabem que as tradições, os hábitos de vida, a moral e os costumes, os trabalhos duros e a miséria da vida , eram comuns a todas as aldeias por esse Portugal fora. 

Quando falo e valorizo os homens da minha terra, do tempo dos meus pais, será talvez porque cresci num tempo em que Brunhoso teve homens grandes, mas a minha homenagem vai para todos esses homens e mulheres que se sacrificaram tanto para criar a geração de cinquenta, sessenta, setenta
Muito obrigado meu amigo do coração, como dizem os tripeiros.

Francisco Baptista

8 de outubro de 2020 às 19:02

(vi) Fernando Gouveia:

Mais um belo texto,  Francisco. Como deves imaginar, na minha aldeia,  não longe da tua, também tenho uma "adega" semelhante à que tu mostras como a adega do Zé. Muito poderia dizer sobre a minha mas agora foi a tua vez… Só quero referir o que me aconteceu comprovando o que tu contaste em relação ao vinho que,  por não levar conservantes,  se vai estragando e o dono não se vai apercebendo. 

Há uns anos quem me tratava, lá na aldeia, da feitura do vinho, como era normal, parte do vinho era para ele e uma menor quantidade para mim. Nesse ano fui a casa dele, o Sr. Miguel, buscar os garrafões a que tinha direito. Em casa, na primeira refeição, vai de provar o vinho. Era intragável. Peguei nos garrafões e fui devolvê-los ao Sr. Miguel,  adiantando-lhe que o vinho não prestava. Resposta dele: eu ando a bebe-lo e sabe-me bem…

Um grande abraço e continua a escrever.
Fernando

9 de outubro de 2020 às 23:38


(**) 16 de outubro de  2020 > Guiné 61/74 - P21453: (Ex)citações (375): recordando mais trágicos acidentes com minas e armadilhas (Joaquim Sabido, advogado, Évora; ex-alf mil art, 3.ª CART / BART 6520/73 e CCAÇ 4641/73, Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20578: Convívios (914): A festa dos 10 anos da Magnífica Tabanca da Linha: gente feliz, sem lágrimas, mas com saudades dos que já partiram - Parte II (Fotos de Jorge Canhão / Zé Rodrigues / Manuel Resende)


Foto nº 1  >  Em  primeiro plano, o régulo (e fotógrafo) da Tabanca. Manuel Resende, e um dos magníficos tabanqueiros de todas as horas,  o Armando Pires... Em segundo plano, o Virgínio Briote, o Mário Fitas e o Zé Rodrigues

47º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 >

Foto: © Jorge Canhão (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 2 > O Manuel Resende, o régulo, sempre sereno e discreto.

47º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 >

Foto: © José Rodrigues (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 3 > João Parreira e Mário Fitas... Em segundo plano, o Raul Folques e a Maria Irene (de costas)


Foto nº 4 > C. Caria e Domingos Robalo... Seguramente falando de obuses... Em segundo palno, o "Sintra"


Foto nº 5 > Da esquerda para a direita, José Martins, Luís Graça, Francisco Silva e Carlos Silva


Foto nº 6 > Da direita para a esquerda, Jorge Araújo (coeditor do nosso blogue) (Almada),  Arménio Conceição e a esposa, Madalena (Cascais), e por fim o Arménio Santos (Lisboa)


Foto nº 7 >  Aspeto geral da sala... Reconhece-se, na mesa em primeiro plano,  de perfil, o Carlos Silvério (Lourinhã), do lado esquerdo, e o Luís R. Moreira, do lado direito, mais a esposa Irene (Sintra)


Foto nº 9 > Outra mesa; da esquerda para a direita, de costas, a Maria Irene, a Alice Carneiro e Maria Elisabete; em segundo plano, de frente, Zé Carioca (que faz anos amanhã), Mário Fitas, João Parreira e Virgínio Briote.

47º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 >

Fotos: © Manuel Resende  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 10 > O fidelíssio Diniz de Sousa e Faro


Foto nº 11 > Outro artilheiro, magnífico, António Duque Marques... Não falha nos convívios da Tabanca da Linha... mas ainda não pertence à Tabanca Grande...


Foto nº 12 > Hélder Sousa, o régulo da Tabanca de Setúbal, na outra banda,  que, um dia, anda há de ter... tabanqueiros!...


Foto nº 13 > Mais dois alentejanos, felizes, sem lágrimas: Zé Colaço e Mário Fitas


Foto nº 14 > O editor da Tabanca Grande, Luís Graça, que de vez em quando aparece na Tabanca da Linha... 

47º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 >

Fotos: © José Rodrigues  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20432: Notas de leitura (1244): “Missão na Guiné, Cabedu, 1963-1965”, por António José Ritto e Norberto Gomes da Costa, com a colaboração de José Colaço; DG Edições, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é propriamente a história da CCAÇ. 555, são depoimentos soltos e o do então Capitão António José Ritto é de uma extraordinária beleza, lê-se com comoção, é o respigar daquilo que se vincou na sua memória. E o que escreve desvela a Guiné de 1963: a impreparação com armamento adequado, a existência de uma população sujeita ao duplo controlo, a mata do Cantanhez tornara-se num eixo vital para o abastecimento das diferentes bases de guerrilha: lê-se o que foi uma empolgante adaptação ao terreno, cuidando da segurança e de dar mais conforto e assistência sanitária às populações locais.
Tudo escrito sem uma nesga de farronca, prosápia ou a jeito de grandiloquência para basbaque agradecer.
Documentos de grande simplicidade. E quando se lê que foi preciso esperar por Spínola para fazer ação psicossocial a sério, temos que reconhecer que só é novo aquilo que foi esquecido, para alimentar os mitos.

Um abraço do
Mário


Cabedu


A CCAÇ 555 em testemunhos pujantes de fraternidade

Beja Santos

A obra intitula-se “Missão na Guiné, Cabedu, 1963-1965”, escrevem António José Ritto e Norberto Gomes da Costa, a colaboração é de José Colaço, DG Edições, 2018. Lê-se com profunda admiração tudo quanto registou António José Ritto, um oficial octogenário que serviu na Índia, na Guiné e em Moçambique. A CCAÇ 555 era independente, fez a sua preparação só dispondo das Mauser. Logo na mobilização vem uma pincelada de humor: “Aproveitámos estar em Lisboa para arranjar quatro conjuntos de cartas militares de toda a Guiné, e como o nosso médico informou que se ajeitava a arrancar dentes, ainda conseguimos material próprio, que foi muito utilizado nas dores de dentes do pessoal da companhia, no da zona vizinha que era Bedanda, e que ali se deslocou de avioneta, e pela população de Cabedu”.
Chegaram a Bissau e houve que lidar com a G3, após oito dias de treino partiram para Cabedu em barcaça. Cabedu, ao tempo, resumia-se a quatro pequenas casas, sendo uma da Casa Comercial Gouveia e outra da Ultramarina e as duas restantes de dois libaneses que tinham abandonado a região e que a companhia aproveitou.

Mal chegados, encetam os patrulhamentos e as emboscadas, António José Ritto não é parco nos elogios, logo destaca a equipa das Transmissões. Havia igualmente muito a fazer no interior do quartel, lançaram mãos à obra, empreenderam a desmatação, fez-se um cano de aviação, aproveitando-se as palmeiras para criar abrigos. Segue-se uma pincelada de ternura: “Com tanta atividade operacional e tanto trabalho realizado, as energias estavam gastas ao fim de cada dia. Em dois anos nunca houve atritos ou discussões. Só amizade e camaradagem”. Pintou-se a tinta branca no telhado em letras garrafais “Visite Cabedu”. Agora que se fala tanto em descarbonização, veja-se como a tropa era bem ecológica: “Fizeram-se cadeiras com as aduelas das barricas e uma mesa com o tampo suportado por um tronco de palmeira, porque não havia cadeiras, nem mesas”. O diálogo com a população era ativíssimo, vivia-se então uma época em que era usual o duplo controlo. A três quilómetros havia uma tabanca com gente de etnia Nalu e Sossa. Os jovens tinham partido para a mata do Cantanhez, mas o relacionamento com os mais novos foi excelente, davam-se aulas de carpintaria, de mecânica-auto e um intenso apoio médico às populações. O resultado era bem o espelho do estado de espírito daquele povo: confiavam na cooperação da tropa mas davam arroz à guerrilha, a par disso também davam informações à tropa dos locais de passagem dos guerrilheiros. O autor justifica que era a única maneira de se poder manter a população naquela tabanca, sem proteção militar, sem arames farpados, tratando da subsistência. E deixa-nos um detalhe sobre o seu primor de caráter: “Entrámos uma vez numa palhota de onde saía um fumo que não permitia ver nada, mas com lanternas vi que tinha acabado de nascer uma criança e era assistida por uma velha feiticeira, que usava o fumo para anestesiar a parturiente e servia-se das cinzas para cauterizar o umbigo e ia utilizar uma agulha que era só ferrugem para cozer o umbigo. O médico agiu trazendo para o ar puro aqueles seres que já estavam desmaiados, tratou do bebé e da mãe. Comovi-me ao pensar nos meus filhos que tinham um e três anos e que já não via há um ano”.

1963 no Sul da Guiné é o mesmo que dizer acontecimentos explosivos, foi aqui, e na região do Morés, que se instalou o laboratório experimental do novo armamento do PAIGC: “Tivemos a sorte em detetarmos e desativarmos as primeiras minas antipessoal que colocaram na Guiné. Tratava-se das minas POMZ de fabrico soviético, constituídas por uma granada explosiva de fragmentação, fixas ao solo por um espeto de madeira e detonadas através de arame de tropeçar. Tinham colocado seis minas com os arames interligados entre elas”. Com o tempo, foram chegando as beneficiações, construiu-se o cais acostável, veio um pelotão de reforço com três bocas de fogo, e um importante gerador elétrico. Houve tentativas de a administração colonial praticar disparates que podiam deitar por terra todo o diálogo estabelecido com as populações. E o autor conta: “Quase no final da comissão, chega, numa avioneta, um indivíduo acompanhado por dois sipaios. Apresentou-se como o novo chefe de Posto para Cabedu; disse-me que tinha sido Cabo numa companhia que tinha regressado ao continente. Quando lhe perguntei qual era a sua missão, informou-me que queria que a CCAÇ 555 lhe desse proteção, porque queria cobrar impostos na povoação vizinha e não tinha qualquer outro objetivo. Rapidamente pensei que ele iria destruir dois anos de trabalho, realizado num apoio àquela população. Nuns segundos, mandei dizer ao piloto que não levantasse, porque o dito chefe de Posto ia ser recambiado no mesmo avião. Assim, com protestos e ameaças de que se iria queixar, lá se foi”.

Quanto ao episódio de um soldado que desvairou, embrenhando-se no mato, lá se foi no seu encalço e um helicóptero recolheu-o numa ilhota, tinha ganho consciência do enorme disparate que cometera, ajoelhou-se: “Perdão, meu capitão, eu não faço mal a ninguém”. E segue-se um comentário: “Compreendi que o soldado andara, andara sempre e com o tempo as águas subiram uns 200 metros e ele ficou isolado e perdido naquele espaço que a água não ocupou. Teria morrido se não fosse encontrado e eu ficaria traumatizado toda a vida se não o trouxesse de regresso à família”. Tocantes recordações, que serão completadas com as de Norberto Gomes da Costa, ao tempo furriel da companhia, que elenca as ações militares, entre operações e flagelações, enaltece o bom senso do Comandante da Companhia que nunca arrastara levianamente os seus militares para situações que poderiam ser desastrosas. Recorda Seco Aidara, provavelmente a pessoa que o Comandante mais ouvia, dá conta dos jogos de futebol e da caça, os momentos empolgantes da chegada do correio, as avionetas e os barcos de abastecimento, os soldados que completaram a instrução primária, os abastecimentos e a comida, e é bem comovente o que escreve sobre a despedida da companhia, em setembro de 1965: “Vi gente a chorar, parecendo já antever o drama que se haveria de abater sobre eles, a partir de 1974. Aquela comunidade identificou-se muito connosco, provavelmente pela política da companhia, sempre lesta para resolver ou ajudar a resolver as dificuldades e a dar um pouquinho de bem-estar a quem precisava".

Junta-se um conjunto de documentos com o cabeçalho “Cabedu visto do lado do PAIGC” e José Colaço procede à narrativa de uma escolta em que havia um guia que intentou uma traição, foi denunciado e entregue a João Bacar Djaló, em Catió. Colaço escreve: “O João reprimia as traições com bastante dureza. Ele mostrou o pau com que agredia os traidores no estômago, mas a resposta do falso guia foi: - Mim murre… mas não diz nada”.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20420: Notas de leitura (1243): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (35) (Mário Beja Santos)

sábado, 16 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20352: O Cancioneiro da Nossa Guerra (12): "Até p'ró ano outra vez", um "faduncho" do Francisco Santos (ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65; poeta popular de Sarilhos Grandes, Montijo): "Mas nós cá vamos passando, /As lembranças vão ficando, / Conservando alguma fé; / Nem que seja de bengala, / Eu reúno em qualquer sala / P'ra relembrar a Guiné"...


Francisco Santos, um dos bravos do Cachil, da CCAÇ 557 (1963/65), 
e um dos poetas  da nossa Tabanca Grande; nascido em Sarilhos Grandes, Montijo, em 1942.

"Em Sarilhos eu nasci / e fui como outros tantos, / no Montijo, perto daqui, / registaram Francisco dos Santos. // Comecei a ouvir depois, / ainda menino eu lembro, / que nasci em quarenta e dois / no dia quinze de Dezembro. // Sarilhos Grandes me criou, / só para a Guiné eu saí, / sou feliz aonde estou, / tudo o que tendo é aqui. " (...) 









O Francisco Santos, hoje com  77 anos, ex-1º cabo motorista rádio telegrafista, da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), poeta popular, residente em Sarilhos Grandes, Montijo, membro da nossa Tabanca Grande desde 12 de maio de 2009, todos os anos abrilhanta o convívio anual da companhia com uns versinhos da sua lavra. Este ano foi em Alenquer, e mais uma vez não falhou. Aqui ficam, para enriquecer o Cancioneiro da Nossa Guerra (**) . Os ficheiros chegaram-nos por mão do incansável  e sempre leal José Colaço.

O Chico é um notável exemplo, para todos nós, do ex.combatente que se recusa a "arrumar as botas".  Motorista de profissão, agora reformado, além da escrita criativa, está envolvido, tanto quanto sei, nas atividades da sua terra, e nomeadamente tem um grande carinho pela sua banda filarmónica, a da Academia de Música União e Trabalho (AMUT), de cujos órgãos sociais faz ou já fez parte.  Tem colaboração (poética) dispersa pelo nosso blogue. E eu há tempos, em resposta a uns versos de agradecimento ao nosso blogue, respondi-lhe também em verso:

"Foi p’ra connosco gentil / O poeta do Cachil, / Onde foi soldado de aço, / Vive agora em Sarilhos,  / Terra de paz, sem cadilhos, / E é amigo do Zé Colaço."

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Notas do  editor LG:

(*) Vd. poste de 10 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)

(**) Último poste da série > 7 de julho de  2019 > Guine 61/74 - P19953: O Cancioneiro da Nossa Guerra (11): o fado "Brito, que és militar" (Bambadinca, 1970, ao tempo da CCS/BART 2917 e CCAÇ 12) (recolha de Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

domingo, 10 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)



Foto nº 1 - Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 > 1964... "Esquálidos, esgrouviados..."


Foto n.º 2 > 2019 > Alenquer > 55 anos depois (em relação à foto n.º 1)...  31.º Convívio anual da CCAÇ 557... 20 presentes na "foto de família"... (Na  primeira fila, a contar da esquerda, o José Colaço é o 3.º, sentado... o  poeta da companhia, o Francisco Santos, é o quinto, de pé.)


Foto n.º 3 > 2018 > 30.º Convívio anual  da CCAÇ 557, em Sarilhos Grandes, Montijo... Vinte e dois os presentes na "foto de família".


Foto n.º 4 >  2017 > 29.º Convívio anual da CCAÇ 557, Sobral de Monte Agraço, 23 os presentes na "foto de família"...  À porta, do lado esquerdo, de camisola cinzenta, vemos o nosso saudoso camarada Jorge Rosales (1939-2019), que se associou ao evento.

Fotos (e legendas): © José Colaço (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviada pelo José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fidelíssimo membro da nossa Tabanca Grande desde junho de 2008:

Data - 10/11/2019
Assunto - Almoço anual de confraternização da  CCAÇ 557: o tempo e a sua verdade.

No dia 09/11/2019 teve lugar o evento de confraternização do almoço anual de convívio da companhia de CCAÇ 557, cognominada com vários “epitáfios”.:

(i) a começar, foi batizada pelos nativos da Guiné como a "companhia do Como"

(ii)  a seguir também lhe chamaram "os audazes do Cachil", "os invencíveis do Cachil";

(iii) a CCAÇ 728, que nos rendeu no Cachil,  batizou-nos como "esgrouviados e esquálidos". 

Passados cinquenta e cinco (55) anos (!!!),  o tempo desmistifica tudo: se hoje perguntassemos a um qualquer guineense qual era a companhia do Como a resposta seria não sei, ou um encolher de ombros. 

Audazes ou invencíveis hoje mais parecem o antónimo dessas palavras. Por fim esgrouviados e esquálidos comparem as fotos que anexo, uma do tempo de 1964, e a última tirada ontem, em 9 do corrente..

Dá para rir.

José Colaço

PS1- Segue, por outro mail, os versinhos que o nosso bardo, Francisco Santos, nunca se esquece de fazer, antes, durante e depois [, e que serão publicados amanhã, noutro poste]

PS2 - Este ano foi no Carregado, Alenquer, Quinta do Canavial,  restaurante Dom Nuno. Aconselho, estava muito bem servido e confecionado: entradas, prato de peixe e carne, com lanche 30 € tudo sem restrições. E temos um camarada, de nome João Casímiro Coelho, que traz sempre um garrafão de vinho do Porto, bolos, figos para aqueles que chegam mais cedo, além disso traz também um saco de castanhas para o restaurante assar para acompanhar com o lanche e este ano trouxe para todos os camaradas uma garrafa de tinto reserva da quinta da Veiga, ou seja da quinta dele, e para mim, que sou aquele amigo extra.
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Nota do editor:

Último poste da série >  9 de setembro de 2019   > Guiné 61/74 - P20158: Convívios (908): Os "meninos da Linha": estão bem e recomendam-se... Parabéns ao José Miguel Louro e ao João Pereira da Costa, a quem se cantou hoje os parabéns (Luís Graça)

Vd. também poste de:

22 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19221: Convívios (882): Almoço anual da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 10 de Novembro, em Sarilhos Grandes (José Colaço, ex-Soldado TRMS)

6 de novembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17941: Convívios (830): Os "últimos moicanos", o pessoal da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fizeram prova de vida em 4 do corrente, em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço / Francisco Santos)

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?







Lourinhã > Praia da Areia Branca > Vale de Frades > 3 de setembro de 2019 > O Maçarico-das-rochas [Actitis hypoleuco]...


Lê-se no portal das Aves de Portugal:

"Com o seu incessante movimento de balanceamento da cauda, o maçarico-das-rochas é uma das mais irrequietas limícolas, que raramente é vista em repouso. Estatuto de conservação em Portugal:
Vulnerável


"Identificação > Pequena limícola castanha e branca. A cabeça, o peito, o dorso e as asas são castanhas. O ventre é branco, sem riscas, sendo a linha divisória bastante bem marcada. As patas são cinzentas ou esverdeadas. A característica identificativa que mais facilmente permite separar esta espécie de outras limícolas é a pequena “língua” branca que a plumagem forma de ambos os lados do pescoço.

"Abundância e calendário > O maçarico-das-rochas é uma espécie relativamente comum em Portugal e distribui-se um pouco por todo o país, mas como raramente forma grandes bandos não pode ser considerado uma espécie abundante. Frequenta todo o tipo de zonas húmidas, sejam elas de água doce, salobra ou salgada. Pode ser observado ao longo de todo o ano. Na época de reprodução é relativamente escasso e ocorre sobretudo na metade interior do território. Fora da época de reprodução é mais comum, ocorrendo então com regularidade em praticamente todas as zonas húmidas do litoral português." (...)



Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Na tropa e na guerra (colonial), Maçarico era o "soldado que ainda não terminou a instrução militar", o recruta, o novato, o que acaba de chegar (ao teatro de operações) (*)... 

O termo começou a ser usado em Angola, em 1961, depois estendeu-se à Guiné, sendo aqui substituído por "periquito" ou "pira"... Em Moçambique dizia-se "checa"... O termo aparece nas letras de canções do Cancioneiro do Niassa (**)
A razão de ser desta(s) designação (ões), não sei. O único  vocábulo com esta aceção, da gíria militar, que vem grafado no dicionário, é "maçarico".

maçarico | s. m.

ma·ça·ri·co
(origem duvidosa)

substantivo masculino

1. Aparelho com um tubo pelo qual sai uma chama que se faz incidir sobre a peça que se quer soldar ou derreter.

2. [Informal] Pessoa com pouca experiência. = APRENDIZ, NOVATO

3. [Informal] Soldado que ainda não terminou a instrução militar. = RECRUTA

4. [Ornitologia] Ave pernalta aquática.

5. [Regionalismo] Lebracho com malha branca na frente.

"maçarico", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/ma%C3%A7arico [consultado em 12-10-2019].

Talvez algum leitor nos possa ajudar a perceber o porquê destas designações... Porquê "periquito" na Guiné, porquê "checa" em Moçambique ?

O nosso camarada Santos Oliveira já aqui nos deu, em tempos, uma explicação para a origem do termo "Maçarico", usado na Guiné em 1964 (***). Maçarico teria a ver com a cor do caqui amarelo das primeiras tropas. Em comentário o José Colaço dá uma explicação importante para a mudança do nome para "periquito": "Quando apareceram as fardas verdes deixaram de ser maçarico, e foram cognominados de periquitos.Aliás nem fazia sentido um maçarico verde."




Parte da capa do livro sobre a família Maçarico, que tem centenas de descendentes, originários de Ribamar, Lourinhã. Estão hoje espalhados pela diáspora lusitana (por ex., Brasil, Estados Unidos, Canadá). Há um ra,o em Mira, que deve ter emigrado para lá no séc. XIX. Uma das caraterísticas dos Maçaricos é que sempre viverem junto ao mar, e ligados a atividades maritímas (desde a marinha mercante à marinha de guerra, desde a pesca à construção naval


2. No livro "A Vila de Ribamar" (edição  de autor, Ribamar, 2002),  Américo Teodoro Maçarico Moreira Remédio, (n. Ribamar, Lourinhã, 1943,  1º tenente reformado,) reconstruiu a árvore da família (ou clã) Maçarico, cuja origem remontaria, pelo menos, à época dos Descobrimentos.

Nesta época, Ribamar seria um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje antiga a escola primária. E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área,  tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo País, como por exemplo em Mira.

Uma das minhas bisavós, avó materna do meu pai. era Maria Augusta Maçarico  (Ribamar, 1864-Lourinhã, 1932). Caso com um Sousa, família de negociantes de peixe. (LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20237: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (3): 2ª edição, revista e aumentada, Letra B

(**) "Checas" é uma das famosas canções do Cancioneiro do Niassa;

I
Ó checa, amigo checa,
Cacimbado ando eu,
Já estou farto disto tudo,
Aqui em Nova Viseu.

II
Já estou farto de picar,
De fazer operações,
De rios atravessar
Com água até aos calções.

III
Já estou farto de buracos,
Feitos pelas marmitas [, minas,]
Já estou farto de ir ao ar
E sem ver os terroristas.

IV
Ó checa, amigo checa,
Na picada, faz favor,
Tu serás paraquedista
Ou piloto aviador.

V
Comes feijão ao almoço,
Comes feijão ao jantar
E quando não é feijão
É punga para variar.

VI
Uma sopa de mosquitos,
E de formas esquisitas,
Dia sim, dia não,
Lá virão os ciclistas.

VII
Ó checa, amigo checa,
Isto aqui é muito chato,
Aturar a chicalhada
Que nunca saem para o mato.

VIII
Esta guerra é dos soldados
E também dos furriéis,
O resto dos graduados
Faz a guerra dos papéis.

IX
Assim é Nova Viseu
E isto ainda aumenta,
Isto é uma charanga
Na trinta e quatro setenta.


Comentário de L.G.:

 Referência à Companhia 3470, aquartelada em Nova Viseu, na região do Niassa.

Desconheço a proveniência do termo checa, o qual designa, se bem entendo, o soldado que acaba de chegar da Metrópole, sem experiência de combate, em suma, o maçarico, o periquito, como nós dizíamos na Guiné em 1969/71: Checa é pior que turra, é o título de uma obra de ficção, publicada em 1996 por Manuel Maria, que esteve em Moçambique entre 1972 e 1974. O romance, edição de autor (Porto, 1996), tem como subtítulo: Caricaturas da guerra colonial.

Quanto ao termo punga, não sei se está está correcto, no contecto em que é usado: segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, o termo seria de origem suaíli e designaria "uma espécie de samba cantado, marcado por tambor, com versos improvisados e que é dançado em roda"...Mas não me parece que seja nesse sentido que o termo é aqui empregue: "Comes feijão ao almoço,/Comes feijão ao jantar / E quando não é feijão / É punga para variar"..

Quanto ao termo picar, significava detectar minas utilizando para o efeito um pau tendo na extremidade um ferro aguçado ou um prego com que se picava o chão, a picada, os trilhos suspeitos de esconderem marmitas ou minas anticarro ou antipessoal). 

Por sua vez, o termo chicalhada era uma forma de se referir, em termos depreciativos, os oficiais e sargentos do quadro das Forças Armadas, o pessoal da carreira militar, os quais eram em geral muito mais velhos do que os soldados do contingente geral, os furriéis milicianos e os alferes milicianos. Meter o chico era um termo depreciativo, designando uma acção desprezível de um furriel ou alferes miliciano que, no final da comissão, optava pela continuação na vida militar: veja-se por exemplo o Fado do Miliciano que o J.M.AS Santos diz ser a versão do Exército do Fado da Marinha.

(***) Vd. poste de  11 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4173: Humor de caserna (10): Como se caçavam Maçaricos em 1964 (Santos Oliveira)


(...) A Guerra do Ultramar veio criar a necessidade de, aos Militares para lá deslocados, um fardamento adequado ao clima, de caqui amarelo-torrado.Os que haviam seguido pelos anos de 1961 ainda sofreram as agruras da regulamentar farda utilizada no Contingente Metropolitano, inadequada, de fazenda cerdosa, grossa, de cor cinzenta (quentíssima cá, como seria por lá???...).

Estes foram os verdadeiros criadores do termo e apelido que nos era atribuído, pela semelhança de cores com a do Maçarico, um tipo de ave, muito comum na Guiné. Com a evolução e renovação do tal fardamento inadequado, todos ficaram amarelos, pelo que somente aos novatos e inexperientes no Ultramar eram apelidados com tal epíteto. (...)