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sábado, 6 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 1 de Junho de 2009:

Caro Carlos / Luís:

(Com um novo mês não sei bem a quem me dirigir). Com um pouco menos de uma
semana de intervalo junto em anexo a continuação da estória sobre Madina Xaquili
- parte 5. Como está a chegar ao fim, por mim, gostaria de apressar o seu termo.
O editor de serviço fará o que entender.

Gostaria, se for possível, que fizessem duas correcções aos meus textos
anteriores, também para bem do Blog, assim:

1 - Na minha 1ª estória (3 oficiais): No 11º parágrafo:
Cheguei a Bafatá que integravam Bafatá: Ponte Nova, Rocha e
(substituir os três pontos por: Nema)

2 - Na minha 3ª estória (Madina Xaquili Parte 2): No penúltimo parágrafo:
Como era sabido no 1º ataque à tabanca, em 24JUN69
(a data correcta é 24JUL69)

Dois abraços.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

6 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - parte 5.

Preâmbulo

Como tenho vindo a referir, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4429 (7.º, 8.º e 9.º dias dessa minha experiência), relatei o patrulhamento até Cantacunda em que na volta se ouve o primeiro tiro em Madina Xaquili, o aparecimento de um heli e a minha iniciação como consultor sentimental.

Relato do 10.º dia – 21JUN69:

Pela manhã, bem cedo, partiu um grupo de combate rumo a Padada, armado até aos dentes, ou melhor, além das G3 o cano dum morteiro 60 (só o cano). Na tabanca, encarregado da sua defesa, sem o cano de morteiro e com a incumbência de pedir apoio aéreo caso ouvisse restolhada para os lados de Padada, ficou o 2.º Comandante, o Furriel que tinha chegado três dias antes, sim, porque meios rádio não tínhamos para levar. O João Vieira foi comigo, mais por questões de tradução simultânea. Íamos uns 20 africanos e 10 metropolitanos.

A Ordem de Operação determinava que se fosse até à antiga tabanca de Padada distante cerca de 12 Km e já a uns escassos 15 Km do rio Corubal. Aí reunir-nos-íamos com outro grupo de combate que vinha de… (não recordo donde) e, caso houvesse vestígios IN, montaríamos uma emboscada na zona. Os vestígios IN encontrados foram muitos, como descreverei.

De acordo com a miséria, em termos de armamento, que pairava por todos os aquartelamentos, o Cap Jerónimo (recordaram-me o seu nome no último almoço da Tabanca de Matosinhos) teve que deixar ir 8 militares para Madina Xaquili só com um cano velho de um morteiro 60 com 16 granadas, sem sequer disponibilizar uns dilagramas.

Assim, pelo facto de a maior parte do percurso se fazer pela mata e não ter muitas hipóteses de usar o morteiro, congeminei (talvez uma heresia) usá-lo em tiro tenso como se fosse uma basuca. Em Mafra tinha feito muitos disparos com morteiro 60 e tinha verificado que mediavam umas fracções de segundo entre a percussão e o disparo. Assim, e só no caso de emboscada IN, só precisava que no desencadear da mesma me calhasse ficar ao pé dum tronco de árvore para poder encostar a rótula do morteiro. Também sabia que as granadas só activavam ao fim dum certo tempo de trajecto, pelo que, se não baixasse a tempo o cano e a granada batesse numa árvore por cima de mim, esperava que não explodisse. Ademais o apanhado pelo clima fazia esquecer todo o perigo.

Os dois primeiros quilómetros foram percorridos descontraidamente. Seguimos pela picada para Padada cerca de 1 Km, até uma depressão de terreno criada por uma linha de água, local que marquei como ideal para montarmos emboscadas, caso continuasse muito mais tempo na tabanca. Sim, porque não daríamos oportunidade ao IN de nos encontrar dentro do arame.

A seguir a essa linha de água dei ordem para deixarmos a picada tendo atravessado pequenas clareiras, lindíssimas, pejadas de montículos, tipo cogumelo, de formigas que não as baga-baga.

Uma clareira com os montículos das formigas, ainda perto de Madina

Outra clareira

Numa dessas clareiras pedi que me tirassem uma foto em progressão. Sem querer (veja-se a foto) ficou registado o ataque de abelhas que sofremos. Tivemos muita sorte pois só tivemos três ou quatro picadas e ainda não estávamos em zona IN. Continuámos.

O ataque de abelhas. À frente o pessoal foge para a esquerda

A partir de 2/3 Km percorridos nova ordem: Ir sempre pela mata e em silêncio absoluto com a picada sempre à esquerda.

A cerca de 2/3 Km de Padada começámos a cruzar trilhos recentes do IN, desse dia ou do anterior. Como o capim nessa altura tinha cerca de um palmo, facilitava bem a datagem.

Estávamos a chegar a Padada à hora estabelecida e agora a minha grande preocupação era o momento de contacto com o outro grupo de combate, até porque sabia que também integrava africanos. Naquela altura achava que só as armas, G3 ou Kalash, nos diferençavam.

A certa altura vêm-me informar que o contacto tinha sido estabelecido. Respirei fundo.

Momentos depois vim a saber que uns quinze dias antes outro grupo de combate desse destacamento tinha tido ali um encontro, frente a frente, com o IN. Os primeiros elementos de cada grupo encontraram-se, de caras, a acerca de 20m um do outro. Dispararam ambos tendo o nosso soldado recebido um tiro que lhe desfez uma cartucheira que lhe salvou a vida.

Montada a segurança, reabastecemo-nos de água numa fonte de Padada e almoçámos.

A fonte em Padada onde nos reabastecemos de água

Depois do almoço com o João a meu lado

No pressuposto que era a segunda vez que as NT iam a Padada e que ainda não haveria minas, andei livremente (com a segurança montada) pelas ruínas da tabanca onde tirei algumas fotos. Depois desta segunda incursão achava que o IN iria armadilhar a zona. Mais tarde e já no Agrupamento em Bafatá chegaram as notícias disso mesmo.

Junto aos restos de uma palhota em Padada

Restos da antiga tabanca de Padada

Conforme a ordem de operações, montámos uma emboscada na zona de um trilho IN. A meio da tarde, sem que o IN se manifestasse, retornámos a Madina Xaquili, agora uma coluna de uns 80 elementos com mais armamento que um simples cano velho de morteiro 60. Chegámos a tempo de ouvir o relato de um Sporting/Académica.

No relato do dia seguinte vou descrever como vou encontrar o João Vieira a andar de pernas abertas. As mordomias de chefe tinham-no traído.

Até para a semana camaradas.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 27 de Maio de 2009:

Caro Carlos:
[...]
Assim procurando respeitar o intervalo de uma semana, junto em anexo a continuação da estória sobre Madina Xaquili - parte 4, para a série A Guerra Vista de Bafatá.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

5 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - parte 4

Preâmbulo

Como tenho referido, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No meu Poste anterior – 4395 (4.º; 5.º e 6.º dias dessa minha experiência), referi que a minha principal preocupação era o problema da falta de segurança. Descrevi como para isso utilizei canas de milho e como pensei dar destino às granadas M/44, atrás dos troncos dos poilões. Tomei também a primeira decisão considerada controversa.

Relato do 7.º dia – 18JUN69:

Manhã cedo lá saí com um GCOMB, rumo a Cantacunda, conforme as ordens recebidas. Como íamos para uma zona calma nem sequer levei o nosso cano de morteiro.

A caminho de Cantacunda

Deu-se instrução de fogo com G3 embora lá só dispusessem de Mausers, mas ordens são ordens.

Debaixo de um mangueiro, no centro da tabanca, tirei uma foto onde se podem ver o João Vieira e o chefe da tabanca de Cantacunda.

Em Cantacunda. O João, eu e o chefe da tabanca, entre outros

No regresso a Madina, surpresa das surpresas… O Capitão Jerónimo (soube o seu nome no último almoço da Tabanca de Matosinhos) mandou-nos, além de novos géneros, mais sete Praças e um Furriel, passando assim para o dobro, as NT metropolitanas em Madina Xaquili. Deve ter ficado com remorsos por anteriormente só me ter fornecido o cano de um morteiro

A chegada a Madina Xaquili vindos de Cantacunda

Almoçámos mais uma vez a habitual comida enlatada.

Preparávamo-nos para reiniciar os trabalhos quando se ouve um tiro para os lados do sentinela instalado na mata. Tocou-se o alarme. Toda a gente, civil e militar, foi para os abrigos conforme o combinado. Fui acariciar o nosso cano de morteiro. O silêncio era total. Nada acontecia. Pedi ao João para mandar um grupo saber o que se tinha passado. Teria sido o IN?

Em pouco tempo veio a resposta. Tendo passado ao alcance do sentinela um porco do mato, aquele abateu-o.

Com pleno acordo do João, o milícia teria que ser castigado, e foi: Deu metade do porco aos metropolitanos e ficou escalado para os próximos serviços. Tirámos assim a barriga de misérias.

Como íamos outra vez ficar sem pão, decidi fazer um forno. Um grupo arranjou barro logo ali e eu próprio o construí. No dia seguinte, já seco, estava a fazer pão. Uma delícia naquele mato. Quando da sua construção, logo um milícia, o Sajuma, sempre com os seus óculos espelhados, veio ter comigo pedir se podia ser ajudante do padeiro. Para ele iria ser uma altíssima promoção.

À noitinha mais uma vez me inteirava dos problemas da tabanca. Fiquei a saber que a razão de estar atrasada a escavação do abrigo para a população se devia em grande parte ao facto de os milícias terem que fazer a lavra para a plantação de mancarra do João, sim, só do João: Mordomias de chefe. Cabe aqui referir que cavavam a terra com umas enxadas de madeira em tudo idênticas a umas que vi mais tarde no Museu Britânico em Londres, datadas de 1.500 a.C.

A lavra do João feita pelos milícias com enxadas de madeira

A enxada que trouxe de lá (JUN69)

As enxadas, no Museu Britânico em Londres, datadas de 1500 anos a.C.

Relato do 8º dia – 19JUN69:

Penso que foi o primeiro dia em que comecei a ficar descontraído, até porque tinha duplicado os efectivos metropolitanos e o Furriel me dava ajuda a nível de comando. Dei uma volta pela tabanca e o que previa aconteceu. Ouve-se o ruído de um héli. O Coronel Felgas chegava. Inteirou-se da nossa situação e de relevante só me disse, muito secamente como era costume:

- Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos. Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou.

Antes da noite, nova mensagem. Decifrada dizia: Fazer operação (passados dois dias) até à antiga tabanca de Padada onde se reunirão a um grupo de combate que partirá de …(não recordo) e montar emboscada nessa zona se forem detectados vestígios IN.

Relato do 9º dia – 20JUN69:

Ao café comecei a pensar quem iria comigo no dia seguinte. Quanto ao armamento não tinha dúvidas: Todo, ou seja, o cano do morteiro. À noitinha, na reunião debaixo do mangueiro abriria o jogo.

Em determinada altura, a 1.ª mulher do João veio falar comigo e expôs-me o seguinte:

- Alferes (falava relativamente bem português) venho pedir desculpa mas tenho que ir embora da tabanca pois o João nunca está comigo nem come a comida que eu faço; só está com a outra mulher, a Mariema (2.ª mulher, mais nova); estou à espera que o Bonco faça dois anos para ir embora e me juntar com outro homem.

Fiquei a saber que as mulheres para poderem amamentar os filhos estavam dois anos sem ter relações sexuais. Lá tive que falar com o João mas julgo que ficou tudo na mesma.

Nessa noite aprendia mais sobre os costumes locais e mais preocupado ficava com esta população naquela situação de pré-guerra e de isolamento caso o nosso destacamento de 16 homens viesse a abandonar a tabanca.

Claro que o tema principal dessa noite foi combinar a Operação do dia seguinte.
No próximo dia faremos a Operação programada, com um ataque de abelhas e cruzando muitos trilhos IN. No próximo Poste descreverei tudo isso.

Até para a semana camaradas.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________

Nota de CV:

Vd. último episódio da série de 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

1. Terceira parte da segunda história para a série "A Guerra vista de Bafatá", enviada pelo nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, no dia 9 de Maio de 2009:

A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

4 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - Parte 3.

Preâmbulo


Como tenho vindo a referir, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível (*).

No meu Poste anterior – 4305, (3.º dia dessa minha experiência de contacto com a realidade da guerra) descrevi como, depois de recolher pelo caminho água que parecia cal de pintar, cheguei a Madina Xaquili onde constatei que o pelotão de Milícias, ali sediado, não dispunha de um único cartucho. Inacreditável…


Relato do 4.º dia – 15JUN69:

Havia que pôr todas as ideias em prática:

Para ultrapassar o problema da falta de contacto com a sede da Companhia, pedi ao João que mandasse um grupo à mata cortar dois paus para poder montar uma antena dipolo virada para Galomaro.

Dois homens foram desfazer, na zona desmatada, os enormes morros de baga-baga, óptimos abrigos para o IN.

Perguntei ao João se era possível arranjar alguma fruta. Ao fim da tarde já tinha uma cabaça cheia de mangos, embora ainda não fosse o tempo deles.

Com dois camaradas fui à nascente da água e sem muito esforço consegui, escavando, transformar a poça onde se abasteciam, numa pequena bica de água onde já era possível encher facilmente os garrafões.

Fonte da água já renovada e o resguardo do balneário

Junto da fonte criou-se um balneário, com folhas de palmeira, para resguardar das vistas das mulheres que lavavam roupa.

Como era costume, todas as garrafas vazias foram sendo penduradas, duas a duas, no arame farpado.

O fim do 2.º dia em Madina chegou. Antes de dormir, os meus pensamentos centravam-se na preocupação com a segurança.


Relato do 5º dia – 16JUN69:

Um grande amontoado de canas secas de milho autóctone foram espalhadas, junto ao arame, nos locais mais problemáticos. Qualquer aproximação ao arame faria um grande estardalhaço.

Os troncos dos grandes poilões da orla da mata preocupavam-me muito mas não tinha uma moto-serra… Como Maomé não podia ir à montanha…, comecei a congeminar a maneira de dar destino às granadas M/44 (tipo pinha), que trouxera.

Ainda bem que não tive qualquer ataque e não fui responsável pela morte de um qualquer IN atrás dum poilão.

Dezasseis granadas não fariam aquecer muito o nosso cano de morteiro, mas pelo sim, pelo não, fiz-lhe um chumaço com ligaduras.

Um grupo começou a escavar o novo abrigo para a população civil, bem no centro da tabanca. Alguns milícias trataram de ir à mata buscar cibes para a sua cobertura.

Também era urgente construir latrinas. Sabia que os nativos tinham junto de cada palhota o seu WC, um espaço circular com cerca de 1,5 m de diâmetro, conseguido com canas entrançadas. Era aí que faziam as suas necessidades que deixavam a céu aberto. Tal procedimento não me pareceu muito correcto, pelo que não gostaria de o reproduzir para os metropolitanos. Aconteceu que a primeira vez que eu próprio fui à mata escolhi um bom local. Precisamente por isso, usei-o no dia seguinte. Não vislumbrei qualquer vestígio da minha ida anterior. Achei estranho. Passadas uma ou duas horas, fui lá espreitar. Um monte de bichos rastejantes de toda a espécie, cobria o poio. Passado pouco tempo estava tudo novamente limpo.

As latrinas foram adiadas para mais tarde.

Uma tabanca onde se nota, junto de cada palhota, o seu quarto de banho

Entretanto, ao fim do dia, o rádiotelegrafista veio informar-me que, com a antena dipolo instalada, já tinha conseguido estabelecer contacto com Galomaro, embora só em morse.

Debaixo do mangueiro, e antes de ir dormir houve mais uma conversa com o João para fazer o ponto da situação.


Relato do 6º dia – 17JUN69:

O abrigo para a população ganhava forma e já dispúnhamos de alguns cibes

Com um pedaço de ferro velho improvisei um alarme. Quando percutido toda a gente se deveria dirigir aos abrigos. Fiz um ensaio e correu tudo bem.

Em relação à segurança, tudo o que estava feito me parecia pouco. Tomei então uma decisão controversa. De acordo com o João, uns milícias foram escalados de modo a haver sempre um sentinela durante todo o dia, até ao anoitecer, na zona problemática da mata, num raio de 500/700 metros. Como a mata era bastante aberta a visibilidade era grande.

Ao princípio da noite, como de costume, conversei com o João e alguns milícias a fim de me inteirar das suas preocupações. Lamentavelmente havia a barreira da língua mas mesmo assim aprendi muito e comecei a compreender os problemas daquelas pessoas naquele cu de Judas, isoladas durante os piores meses da época das chuvas.

O João aproveitou para me apresentar as suas duas mulheres (tinha mais duas noutras tabancas) e o seu filho Bonco.

A Primeira mulher do João e o filho Bonco

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


A terminar o dia e graças à antena dipolo, recebeu-se a primeira mensagem cifrada. Com a ajuda do livrinho de cifras descodifiquei a ordem para ir à tabanca de Cantacunda municiar os africanos armados (talvez uns 10) com Mauser e dar-lhes instrução de tiro com G3.

Nos três dias a seguir os acontecimentos vão precipitar-se. Irei a Cantacunda e no retorno a Madina irei ter uma boa surpresa. Na mesma tarde ouve-se o primeiro tiro em Madina Xaquili. Nos dias a seguir, como previa, vai aparecer um héli e vou fazer de consultor sentimental, mas tudo isso será tema para o próximo Poste.

Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)
e
8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 2 de Maio de 2009:

Porto: 02MAI09

Caro Luís/Caro Carlos:

Com as agulhas acertadas e já em velocidade de cruzeiro, junto envio em anexo a 3.ª estória, 2.ª sobre Madina Xaquili - Parte 2.

ab
Fernando Gouveia



A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

3 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60 - Parte 2.

Preâmbulo

Como referi anteriormente, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4256 (1.º e 2.º dias dessa minha experiência), passei por Bambadinca, onde tive que ir para cima dum abrigo até à uma da manhã, por se estar à espera de um ataque (que por acaso foi no dia seguinte) e também por Galomaro onde não consegui dormir por causa das rãs.



Relato do 3.º dia – 14JUN69:

Nesse dia, bem cedo, lá seguiu uma coluna de uns três ou quatro Unimogs para nos colocar no último buraco habitado em direcção ao Corubal e a Madina do Boé, então já abandonada [, cinco meses antes, em 6 de Fevereiro de 1969].

Pelo caminho e, por indicação dos meus camaradas, tivemos que ir a uma tabanca, suponho que Umaro Cossé, encher uns garrafões com água, pois não se sabia com o que se contava em Madina Xaquili. Lá fui entabular conversações com o chefe da tabanca no sentido de nos fornecer o precioso líquido.

Cabe referir que duma maneira geral achei os nativos na Guiné sempre muito simpáticos e corteses. Não foi o que aconteceu em Umaro Cossé. Fiquei com a ideia que teriam água boa, mas a do poço que nos indicaram parecia leite, cal de pintar ou coisa assim. Dava a ideia que nos queriam despachar. Foi a água que levámos. Mais tarde, já em Madina e porque dispúnhamos de um filtro, essa água até se bebia. Mas era preciso limpá-lo constantemente.

Madina Xaquili vista de Sul (direcção de Padada). Em 1.º plano a lavra de mancarra do João

Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos.

Um dos abrigos. Em segundo plano vê-se parte da antena dipolo que montámos

A coluna regressou a Galomaro e ali ficámos sós e isolados. O princípio da época das chuvas estava a deixar impraticáveis as picadas e, como não tardámos a verificar, o rádio que levámos, um daqueles que tinham um gerador manual e com os quais até se conseguia ligar de Bissau para Lisboa, só de dia conseguia contactar Galomaro e apenas em morse. À noite nem isso. Coisa estranhíssima, mas real, tendo em conta uma distância de uns 25 Km.

Estava a chegar o fim da manhã e havia muito a fazer.

Comecei por perguntar ao João Vieira que munições tinham para as suas armas, metade Mausers, metade G3. A resposta foi zero, zero. Tinham gasto tudo na caça e não podiam justificar um novo pedido pois nunca tinha havido contacto com o IN. Insólito… Peguei numa das suas armas e espreitei pelo cano. Estava completamente entupido. De acordo com o João, como aliás sempre aconteceu com as decisões a tomar sobre os problemas da tabanca, lá foram limpar as armas e municiarem-se.

Como havia palhotas vazias, o João indicou-no-las e instalámo-nos. O cozinheiro já sabia que tinha que fazer o almoço e o rádio-telegrafista andava às voltas com a instalação de uma antena.

A minha casa. Ao meu lado o Sajuma, que se viria a oferecer para ajudante de padeiro

A primeira refeição foi com o prato nos joelhos (ver foto) mas ao jantar, com umas tábuas, já se tinham improvisado, uma mesa, dois bancos e um coberto com folhas de palmeira.

A 1.ª refeição, ainda sem refeitório

Depois do almoço, acompanhado com cervejas a uns 30 ou 40 graus, dei as primeiras instruções:

1 – (só aos metropolitanos) Não iria tolerar problemas relacionados com sexo, até porque na tabanca só havia as mulheres dos milícias e nada de bajudas. Que fossem criativos, e foram, como mais tarde descreverei.

2 – (para todos) Quando se sentisse o ruído de viaturas ou de helis, toda a tropa se devia apresentar minimamente fardada e em passo de corrida. Imaginava que lá aparecesse o Caco, mas só apareceu o Cor Hélio Felgas, de heli.

3 – Enquanto não se construíssem latrinas dentro do arame, todo o militar que fosse à orla da mata levaria um camarada armado para lhe fazer a segurança.

A par disso, formei um grupo para fazer uma mesa e uns bancos e outro para começar a abrir o abrigo para o nosso precioso cano de morteiro 60 e suas 16 granadas. Ficou perto da minha palhota pois seria eu que o manobraria (em Mafra tinha tido a oportunidade de fazer bastantes disparos para um velho blindado que existia lá na Tapada).

Por mim, decidi, com a companhia do João, ir ver as cercanias e nomeadamente o local, fora do arame, onde as mulheres se abasteciam de água e lavavam a roupa, pois era urgente arranjar água de melhor qualidade.

A nascente de água onde as mulheres também lavavam a roupa

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


Já com o fim do 1.º dia a chegar, havia um turbilhão de ideias na minha cabeça sobre as medidas a tomar urgentemente, tanto mais que o rádio-telegrafista me veio informar que não conseguia estabelecer ligação com a sede da Companhia. Sabia, já do Agrupamento, que o IN estava a uns escassos 10 Km, que vim a confirmar mais tarde quando fiz uma operação na zona de Padada.

Antes do pôr-do-sol tomámos a 2.ª refeição preparada pelo nosso cozinheiro, um rapaz atestado, que já tinha estado na Legião Estrangeira. Já jantámos sentados à mesa improvisada, estando eu de calções. Só depois verifiquei que tinha sido massacrado pelos mosquitos. As minhas pernas tinham muitas dezenas de picadas. Passei um pouco mal.

Ver relampejar ao longe e a conversar com alguns milícias, sentado num tronco constituiu o prelúdio da minha 1.ª noite em Madina Xaquili.

Como era sabido, quase todos os ataques e flagelações na zona Leste, eram feitos invariavelmente ao princípio da noite por causa da retirada IN, como aliás aconteceria no 1.º ataque à tabanca, em 24JUL69. Bambadinca constituiu uma excepção pois a aproximação IN não podia ser feita de dia por causa da população Civil das imediações, afecta às NT. Assim sendo, este alferes, sabendo disso, às nove dez horas da noite, enfiava um pijama e dormia que nem um justo. Acho que nessa altura já estava apanhado pelo clima. Se fosse hoje dormiria de camuflado. Não me estou agora a ver ir operar o morteiro em pijama ou muito menos aparecer em Galomaro na mesma figura, o que poderia ter acontecido, como descreverei no último episódio desta estória.

Nos dois dias seguintes, iriam ser levadas à prática as medidas que não deixavam de fervilhar na minha cabeça, mas isso será tema para o próximo poste onde também contarei que desisti de construir latrinas por causa do meu poio que desapareceu.

Até para a semana, camaradas.
__________

Nota de CV:

Vd. os dois postes anteriores desta série>

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

terça-feira, 28 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)

1. Primeira parte da segunda história para a série A Guerra vista de Bafatá, enviada pelo nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, no dia 25 de Abril de 2009:


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

2 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60. – Parte 1

Preâmbulo:


Como já tive oportunidade de referir anteriormente, com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever, até por qualquer leigo em matérias militares, que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossê, aproximando-se de Bafatá.

Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossê era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro que me asseguraria a logística.

De 12 a 24 de Junho de 1969 foi o tempo que estive fora do Agrupamento.

Por sorte, muita sorte, fui e vim sem nada me acontecer como descreverei neste relato, que em vez de chamar Diário deveria chamar Horário, tal a intensidade com que vivi esta experiência de contacto directo com a realidade da guerra, embora por sorte não chegasse a ter o baptismo de fogo (esse baptismo calhou lá em Madina Xaquili ao camarada Luís Graça, em farda n.º 2, precisamente um mês depois de eu ter saído de lá). Posteriormente e durante uma semana, houve mais dois ataques.

Segundo me contaram, no 1.º ataque teria morrido o militar que enquanto lá estive, fez as vezes de meu ordenança. Gostaria muito, da não confirmação desse facto, pelo que vou identificá-lo na foto em que aparecemos os dois durante uma Operação que fizemos na zona de Padada.

A petiscar na Operação que fizemos (com a segurança montada). Eu estou sentado e o militar em questão de pé, à direita. Padada, 21JUN69.

Relato do 1.º e 2.º dias – 12/13 de Junho de 69:

Nesse primeiro dia segui numa coluna do Esquadrão de Cavalaria (cujo aquartelamento era encostado ao do Agrupamento) para Bambadinca. Quando estava a pôr numa GMC uma mala com roupa e um colchão de espuma, chega o Sr. Cap Campos, Comandante do Esquadrão, dizendo que eu não podia levar o colchão pois eram coisas de mais!!! Salvo algumas excepções, sempre houve uma certa antipatia em relação aos militares de Infantaria por parte dos oficiais do Esquadrão (que se achavam superiores …) Como eu já não era nenhum periquito e sabia o terror que o Cor. Felgas exercia sobre os Oficiais do Quadro, retorqui:
- Foi o nosso Cor. Felgas que disse para levar o colchão.

Engoliu em seco e lá fui até Bambadinca, onde vim a pernoitar. Encontrei lá o Alf Mil Almeida, do Pel Caç Nat 63, que tinha sido meu colega no liceu em Bragança e que me mostrou os cantos à casa e os poucos estragos do 1.º ataque, 15 dias antes. Jantei e a seguir, cumprindo instruções, lá fui com o Chico Almeida sentar-me em cima dum abrigo, à conversa até cerca da uma da manhã, pois o outro ataque tinha sido a essa hora. Aí fiquei a saber que naquele momento estavam a torcer o braço a um possível elemento IN que tinham capturado naquele dia. Nada aconteceu, fui dormir.

Nunca é demais rever Bambadinca de outro ângulo.

No dia seguinte, sem as mordomias do Agrupamento e talvez por as canalizações estarem avariadas por causa do 1.º ataque em 28 de Maio de 69 [, a Bambadinca], tomei o meu 1.º banho à fula.

Um banho não à fula mas de fula

Depois do banho > Bafatá, Setembro de 1968

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


À tarde segui noutra coluna para Galomaro. Sorte e mais sorte, o IN já estaria a fazer a aproximação para o 2.º ataque a Bambadinca, pois foi atacada nessa noite (13Junho de 69).

Cheguei a Galomaro quase à hora de jantar e tomei contacto com outro tipo de Aquartelamento (ainda não tinha sido construído o verdadeiro aquartelamento): As refeições, a cozinha, o comando da Companhia funcionava tudo, ao que me pareceu, numa palhota grande. Todo o pessoal, desde o Comandante até ao último soldado dormiam num barracão, antigo celeiro da mancarra. Foi aí que tentei dormir: Entravam e saíam militares de e para os seus postos e sobretudo centenas de rãs coaxavam num charco encostado ao barracão, sendo o som reflectido e ampliado para dentro pelo entablamento do telhado. Tudo isso era para mim um pouco estranho, mas o que me meteu realmente impressão foi o facto de pensar na possibilidade da entrada de um elemento IN onde dormia toda a Companhia. Seria uma mortandade.

Depois do jantar houve o respectivo breefing sobre a minha ida para a tabanca.

O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar, deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam escolheu, um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista.

Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas. Perante a minha insistência em levar mais alguma coisa, apenas conseguiu desencantar uma caixa de granadas tipo pinha que, pelo aspecto das mesmas e da caixa de madeira toda podre e esburacada das térmitas, dava ideia que as ditas granadas já tinham feito a última Grande Guerra. Como não estavam escorvadas não tive receio de as levar aos saltos pela picada.

Quanto a géneros, levámos os habituais: latas de atum, de chispe, etc.

Entretanto, pelas 9 ou 10 horas lá se ouviu o 2.º ataque a Bambadinca. Sorte a minha...

No dia a seguir, 14 de Junho de 69, o meu 3.º dia dessa já longínqua experiência, vou chegar a Madina Xaquili (**) onde passarei dias com uma intensidade de acontecimentos nunca antes vividos, mas esse relato será incluído no próximo Poste.

Até para a semana camaradas.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. primeiro poste da série de 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(**) Sobre Madina Xaquili, vd. postes de:

26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).

"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.

"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.


Sori Jau, a primeira vítima em combate



"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].

"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.

"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.

"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...

Guiné > c. 1968 > Bilhete postal > No verso lê-se: "Bilhete postal > Mandinga - Guiné Portuguesa > Agência-Geral do Ultramar - Lisboa" (Cortesia de Cristina Allen: faz parte de uma colecção de postais ilustrados da Guiné, enviados pelo seu então noivo e futuro marido, Mário Beja Santos). Podia muito bem ser o retrato de um Soncó, do Cuor... (LG)


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Bafatá > O Alf Mil Rodrigues e o Fur Mil Reis, da CCAÇ 12, posando descontraídos para a posteridade no jardim público de Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba. O Rodrigues, infelizmente já falecido, era o comandante do 4º Gr Comb da CCAÇ 12 que fez, com o Pel Caç Nat 52, a Op Gaúcho, e que é aqui referido neste episódio. É divertida a primeira ideia com que o Beja Santos ficou dos periquitos do 4º Gr Com da CCAÇ 12, e em particular das suas praças africanas, acabadinhos de chegar da instrução em Contuboel: Ora o que aconteceu foi que eu me arrepiei assim que chegou o sobredito 4º Gr Comb, eram crianças desaustinadas, talvez de 14, 15 ou 16 anos, zangavam-se por causa do transporte de munições, pegavam nas armas como enxadas, falavam ruidosamente e teriam uma noção muito opaca da disciplina. O que diria o ex-Alf Rodrigues desta apreciação crítica, pouco abonatória, sobre os seus homens, se ele hoje fosse vivo ? (LG).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviado a 28 de Junho último (e reenviado a 23 de Julho). Por lapso, não foi publicada na semana anterior, devendo por isso corresponder ao episódio nº 55 e não ao 56, já publicado (1). As nossas desculpas ao autor e aos nossos visitantes:

Caro Luís, aqui vai o episódio da semana. Ainda pensei em escrever-te amanhã o episódio da outra semana, já que estarei ausente em férias, mas tenho compromissos inadiáveis até sexta feira ao fim da tarde. Garanto que na semana que começa a 9 enviarei dois textos, muito provavelmente os dois que concluirão o primeiro volume. Mas não haverá pausas, entrarei logo no segundo. Não te posso dar nenhuma sugestão para ilustração, o ideal era mostrarmos o Enxalé, ou o Geba ou até Madina Xaquili. Eu sei que operarás um milagre. Quero felicitar-vos pelo sucesso que tem sido a chegada de novos confrades. Isto ainda não é nada, acho que chegou a altura de se repensar o funcionamento do blogue, é um meio cada vez mais afectivo, todos somos responsáveis pela sua emissão e não percebo porque é que vocês os dois têm que ser os mártires do sistema. Um abraço do Mário.


55º episódio da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Título e subtítulos: autor e editor.

De Enxalé a Bambadinca, de Madina Xaquili a Salá
por Beja Santos


Uma memorável viagem ao Enxalé só para 'partir mantenha'


Pelas 6 da manhã de 19 de Julho de 1969, perguntei ao contigente que ia a Mato de Cão se me queriam acompanhar ao Enxalé. Os nossos motoristas foram o Setúbal e o Manuel Guerreiro Jorge. Tal como eu esperava, houve urras e manifestações de alegria, logo uma adesão espontânea.

Desta vez muni-me de uma garrafa de tinto do Dão Porta de Cavaleiros e alguns víveres que para nós era um luxo: carnes enlatadas, postas de bacalhau da Noruega, latas de pêssego, algumas galinhas vivas. E em clima de festa, sempre a picar de Canturé a Gambaná, aproveitando um cordial dia de sol, chegámos ao planalto de Mato de Cão ainda não eram 11 da manhã.

Felizmente que o comboio de batelões foi pontual, havia gente atónita a ver duas viaturas de combate numa estrada que era sabido estar fechado ao tráfego, e logo que o último batelão se perdeu da nossa vista avançámos a picar até Saliquinhé, avistando as bolanhas esplendorosas e ao abandono à volta de Samba Silate.

A recordar este passeio com Queta Baldé, ele fez questão de referir as casas em ruínas dos ponteiros de Saliquinhé até S. Belchior, com os seus ancoradouros, eram casas assentes em pilares de cimento, com balaustradas onde se enrendilhavam tijolos, agora as portas estavam arrancadas, os telhados esventrados, os utensílios em ferro das destilarias votados à ferrugem.

A picagem acelerou-se e da curva de S. Belchior inflectimos para o Enxalé, aí actuando com muito cuidado, a picada muito arenosa e cheia de sombras dos frondosos paus de conta e bissilões, o capim altíssimo, a propor uma imprevisível emboscada.

Tal como na viagem anterior, a Enxalé civil e militar vem-nos receber, interrogativa, à porta de armas. Escrevi para Lisboa no dia seguinte e referi o nome do alferes Taveira que nos acolheu de braços abertos e mais à vontade ficou quando lhe disse que vínhamos só "partir mantenha".

Como o mundo é pequeno, parentes de Braima Mané, de Abudu Cassamá, paizinhos, irmãozinhos e tiozinhos de soldados mandingas e fulas acorreram a saudar gente de Missirá com água fresca e papaia. O camarada Taveira falou vezes sem conta em solidão, isolamento, dificuldades tremendas para aquele pelotão defender a população com segurança. Respondi-lhe na mesma moeda, olhei para o sol por altura das 3 da tarde, pedi-lhe compreensão para os 25 km que iríamos percorrer a picar até Missirá e fizemos meia volta.

A seguir a S. Belchior ouvimos o troar de morteiros, a gente de Madina dava-nos a saber que não gostavam de ouvir viaturas naquela estrada onde carcaças de vários Unimogs e pneus estrilhaçados lembravam aos incautos que aquela terra estava interdita às nossas tropas.

Quando passámos por Gambaná, seriam 5 da tarde, ouvimos uma tempestade de fogo de reconhecimento, morteiros e rockets anunciavam o descontentamento. E ao findar da luz do dia entrámos em Missirá com o mesmo ar de festa com que partíramos.

Vale a pena aqui referir que na conversa havida com o camarada Taveira ele concordara na lógica de juntar o Enxalé ao Cuor, e daqui proteger melhor a navegação de Mato de Cão e até mais abaixo junto ao Xime. Mal houvesse oportunidade, tentaria sensibilizar os comandos para uma evidência que se perdera na criação do extenso e absurdo Sector L1, onde poucos se identificavam com o mesmo inimigo, com excepção óbvia de Xime/Mansambo.

Acima de tudo, guardava desta viagem os lindos panoramas do Geba, as intermináveis bolanhas que vão dos Nhabijões até Ponta Varela, um alucinante silêncio só cortado pelo pio das aves. Nessa noite, houve muita narrativa oral, Missirá estava a ser informada do que se passava no Enxalé, os militares-correio transmitiam lembranças, saudades, estados de saúde, esperanças e desesperanças.


A força de um tornado e uma conversa com o novo Comandante de Bambadinca


A 21 de Julho [de 1969], uma coluna de Finete informou-nos que o soldado milícia Sadjo Candé tinha falecido em Bambadinca e que antes de morrer pedira para ser acompanhado por nós até à sua última morada. Sabíamos que ele estava a sofrer de uma virose, pensávamos que era uma malária, foi uma surpresa para todos nós. Pedi a Bacari Soncó que levasse o corpo para a Capela de Bambadinca, pedisse ajuda do Cabo Costa, da CCS, que o vestissem com a sua farda, ao amanhecer metade de Missirá e de Finete iriam levá-lo a Madina Xaquili.

Assim foi. Saímos de madrugada, não havia meio de amanhecer, surgiu depois uma nesga de luz, era um fenómeno estranho, parecia que a abóbada celeste se transformara numa câmara escura. A manhã luminosa a que nos habituáramos com o fim da época das chuvas dava assim lugar a lusco-fusco, uma ventania que punha as copas das árvores a sibilar baixinho. Em Canturé, já passava das 7 horas, a ventania anunciava tempestade. E à entrada da rampa de Finete desabaram dois relâmpagos tão fulgurantes que enquanto a terra tremia o lusco-fusco criou a ilusão de uma câmara clara, um dia de tons eléctricos, um dia feito no estúdio de cinema. E depois voltou a semi-escuridão.

O burrinho dançava na picada, em direcção ao Geba, com o Setúbal a remoer palavrões com aquele tempo danado. É quando grito por Mufali Iafai, o nosso canoeiro, que o tornado se anunciou. Com ronco, ergueu-se um redemoinho sobre o cais de Bambadinca e saltaram as primeiras chapas dos telhados. Do céu escuro estalavam mais relâmpagos, víamos os animais a fugir, e depois as árvores, as de grande, médio e pequeno porte a querer saltar, a desprender-se pelas raízes. Os militares no cais gritavam a pedir a clemência de Deus ou, desorientados, fugiam para dentro dos armazéns. Os civis fugiam das árvores, certamente com medo dos raios. Do lado de cá do Geba, Bambadinca estava espectral: formavam-se e desapareciam os redemoinhos, as águas saltavam o cais, os arbustos voavam, as crianças fugiam, os adultos procuravam dar-lhes protecção.

Estávamos a ser recebidos por um desses tornados que tornam o dia, noite, que destroem casas, revolvem as florestas, despedaçam os bissilões, os poilões, o pau de cabaceira e o pau de mandjamdjan. E de repente, tudo se aquietou, como se a natureza tivesse cansada daquele grande grito de revolta, dos soluços e das imprecações dos sofredores. O temível espectáculo acabara, caminhámos para a Capela de Bambadinca. O morto não estava fardado, não foi fácil amortalhá-lo com o corpo em rigor mortis. Fardado e aprumado, fechámos a urna, revestimo-la com a bandeira, subimo-la para um Unimog 404. E fez-se a viagem para Madina Xaquili, não sem que antes o Comandante me dissesse que queria falar comigo antes de eu regressar a Missirá.


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do Edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971 (1). A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, nem menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... (LG)

Foto: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


Em Madina Xaquili [, a nordeste de Duas Fontes, vd. carta de Cansissé, ] entregámos com honras militares a urna à família, seguiu-se a cerimónia religiosa, regressámos emocionados. Era assim a dura guerra. Não sabíamos que dentro de dias, e por três vezes ainda nesse mês de Julho, esta tabanca iria ser duramente flagelada (4).

O novo Comandante, [do BCAÇ 2852, tenente-coronel Pamplona Corte Real,] pedia-me alguns comentários ao memorando que eu lhe enviara sobre o primeiro ano em Missirá. O que eu pensava da evolução do Cuor? Eu não tinha ilusões de que mesmo que tivesse mais disponibilidade para patrulhamentos ofensivos, o inimigo estava instalado no outro lado do rio Passa e do rio Gambiel, policiava os trabalhos da população civil, eu podia lá ir e atemorizá-los mas nada mais. No rio Gambiel, em 5Km a linha recta de Missirá, corria sempre o risco de ser recebido à morteirada, como acontecera em Janeiro. Os de Madina não atacavam Mato de Cão pela simples razão de que lá íamos diariamente, e sempre por itinerários diferentes, nos horários mais estrambólicos.

Acrescia que tínhamos indícios seguros que mesmo com patrulhamentos regulares as colunas de abastecimento aos Nhabijões, a Mero e a Santa Helena não só persistiam como se acentuavam. Sem actuar nos Nhabijões e na região de Fá, era tudo um jogo do gato e do rato, com algumas mortes de premeio. Voltei a insistir na questão do Enxalé, chamando a atenção para o redobrados ataques em Ponta Varela que podiam ser melhor dissuadidos na estrada entre Mato de Cão e Enxalé. Pensava que era indispensável rever-se todo o contigente do Enxalé a Finete e daqui para Missirá.

Relembrei que havia muita gente de Canturé a viver em Galomaro que aceitava voltar mas que o Comandante de Bafatá não considerava prioritário a criação desta tabanca em autodefesa.
- É assim, meu Comandante, estamos ali para aguentar, para que o rio Geba seja navegável até Bambadinca, para que o inimigo não se assenhoreie de toda a outra margem do Geba, é um aguentar sem população civil e com baixo nível de resposta. Aqui tem a verdade.

O Comandante Corte Real agradeceu, voltei para Missirá. À despedida, gentilmente, e como eu já me habituara a um ano de Guiné, ouvi a proverbial frase "Vou ver o que é possível fazer".


A Operação Gaúcho, com os putos do 4º Gr Comb da CCAÇ 12

Há sempre uma larga distância entre o que se escreve e o que se passou no terreno. O que se escreveu na história da CCAÇ 12 foi o seguinte:

A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 um patrulha de nomadização na região de Sancorlã/Salá até à margem esquerda do rio Passa (limite a partir do qual começa a zona de intervenção do comandante-chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandim por onde o inimigo fazia o seu reabastecimento de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas.

Ora o que aconteceu foi que eu me arrepiei assim que chegou o sobredito 4º Gr Comb, eram crianças desaustinadas, talvez de 14, 15 ou 16 anos, zangavam-se por causa do transporte de munições, pegavam nas armas como enxadas, falavam ruidosamente e teriam uma noção muito opaca da disciplina. Pela primeira e última vez em 25 meses completos de comissão reinventei o programa da operação. De Missirá seguimos para Sancorlã, tudo na mesma, ninguém esperava novidades, a não ser a possibilidade de, em 15 de Julho passado, o inimigo ter vindo de Quebá Jilã até Sancorlã.

Havia capim alto, o mato tomara conta da velha picada, nenhum indício de presença humana. O dia estava festivo e começou um momento glorioso deste patrulhamento. É uma floresta-galeria que vai de Sancorlã até Salá, um cheiro a trópicos, o grasnar dos pássaros surpreendidos pelo avanço da coluna, as gazelas e os javalis em fuga quando os nossos passos desvendam a terra virgem.

O que guardo nos meus olhos são os raios de sol a infiltrar-se na floresta, ouvem-se tiros espaçados seguramente de caçadores furtivos para lá do rio Passa. O Sol cai a prumo, escaldante, inebriante, quando chegamos ao rio. Aqui Queta comenta:
- Nosso alfero não acreditava no que dizia Queba Soncó, o rio é mesmo fundo, quem não sabe nadar desaparece. Tinha aqui acontecido uma desgraça, em 1963, logo no início da luta armada, gente de Badora, Ganadu e Joladu viera com o régulo do Cuor tentar apanhar a gente do PAIGC que se refugiara em Sarauol. Não conseguiram passar, houve gente que morreu. Nosso alferes despiu a farda, nadou e confirmou, o rio estava cheio de água. Levávamos o morteiro 81, dispararam-se duas granadas em direcção a Mansoná. E descemos para o rio de Quebá Jilã. Não havia trilhos, não havia culturas, chegámos a Cossarandim e aqui descansámos.

E foi aqui que tomei uma decisão de não avançar sobre Quebá Jilã onde seria provável haver uma confrontação com uma patrulha que policiasse os cultivadores desta enorme bolanha entre Quebá Jilã e o rio Passa. Metemos a corta-mato e avançamos para o coração do Cuor, como se descêssemos para Sinchã Corubal. Os jovens mostravam cansaço, o dia caminhava para o seu termo, não havia vestígios de trilhos, Quebá, à sorrelfa, atraía-me para Mato de Cão. E foi entre Mato de Cão e Chicri que pernoitámos.

Por ironia, não havia nessa manhã embarcações para vigiar. Subimos então de Chicri sempre à volta do rio de Biassa, aqui encontrámos os sinais da passagem da gente de Madina que viera flagelar-nos a 15 de Junho: ligaduras, cartuchos, invólucros de RPG2. Ao princípio da tarde chegámos a Missirá, o alferes Rodrigues e os seus homens insistiram em partir prontamente para Finete. O Teixeira, com o seu ar sempre comprometido, trazia uma mensagem com a hora da nossa próxima presença em Mato de Cão... Amaldiçoei não dispor de um rádio para evitar mais 12,5 Km em escassas horas.


Uma semana dedicada ao papa João XXIII... e ao policial


Com o processo de Abudu Cassamá e sua mãe Fatumana a acelerar, com a vinda do David Payne a Missirá (ainda o vejo a caminhar entre os destroços da casa de Quebá, cuja mulher se sinistrara em 15 de Julho) escrevi pouco e mal. Estou consciente do desgaste físico, aguardo a qualquer momento a chegada de resposta ao meu recurso, recordo que do SNI (o órgão de propaganda do regime) recebi uma carta a dizer que vai chegar uma pequena biblioteca dedicada aos grandes cultos da História de Portugal.

Capa do livro Papa João XXIII, de Erneto Balducci Lisboa: Portgália Editora, 1969 (Colecção Documentos Humanos, 24)(tr. do italino, Papa Giovanni, 1964).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


A minha mãe mandou-me A Torre de Barbela , do Ruben A. e o Carlos Sampaio O imoralista, de André Gide. Não sei por anda a minha fé, mas leio com alegria o Papa João XXIII, de Ernesto Balducci, um dos livros que vieram na lembrança do meu padrinho. Este é o papa que mudou o meu pensamento sobre a sinceridade, a serenidade, a espontaneidade. Balducci organizou com tacto e afecto extractos do diário do Papa, procurando extrair ensinamentos desse homem simples, "O bom Papa João", como ele visionou o concílio Vaticano II, como ele sonhou o diálogo universal, a reinterpretação dos evangelhos, a aceitação da modernidade e se investiu de alma e coração na Paz na Terra aos homens de boa vontade.

Leio devagar, regresso amanhã ao lido anteontem, tiro notas, rezo enquanto leio. Estão ali frases que me mudaram a oração. Por exemplo, continuo hoje a dizer antes de adormecer: "Aguardo com simplicidade e alegria a chegada da irmã morte e recebê-la-ei seja qual for o momento em que aprouver ao Senhor enviar-ma". O seu sorriso ilumina-me a existência , quando ele escrevia "queridos irmãos" e dizia que se dirigia a todos sem excepção, eu penso nos povos de Missirá e Finete, no optimismo que instalaram na minha vida, a despeito de todas estas contrariedades, escassez de recursos, promessas que ninguém cumpre, a minha exaustão física que já não sei controlar.

E, claro está, leio policiais, tudo quanto me cai à mão e serena o espírito. Ofício de Matar de Frank Gruber é uma grande diversão e tem uma grande capa de Lima de Freitas. Desta vez a dupla Johnny Fletcher e Sam Cragg estão sem um tostão em Chicago e vão trabalhar num fábrica de coiros onde se dá um assassínio. Claro que os miolos deslumbrantes de Fletcher irão resolver tudo num final feliz, depois dele ter conseguido vender contrafortes a um cliente que até agora recusara negócios com a firma Towner. Mal sabia eu que essas páginas hilariantes iriam, muitos anos mais tarde, ser comentadas por meus alunos.


Capa do romance policial Ofício de Matar, de Frank Gruber. Lisboa: livros do Brasil, s/d. (Colecção Vamprio, 159). Capa de Lima de Freitas.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados

Li também Knock-out de Sapper, pseudónimo de Herman Cyril McNeile, um escritor britânico muito popular nos anos 20 e 30 que se consagrou em policiais de acção à volta do detective Ronald Standish, exímio jogador de criquete e golfe. Desta feita, Standish recebe um telefonema alarmante, o seu interlocutor grita, ele vai lá a casa e ele está morto com um olho brutalmente desfiado. É tudo pura acção, viagens trepidantes até se conseguir matar o horrível Demonico, um chefe de quadrilha que recorre ao terrorismo para angariar fortunas. Mas sente-se que os escritos de Sapper estão ultrapassados, estão hoje nos umbrais da literatura moderna, serão clássicos de estudo e nada mais. A literatura que triunfa tem a ver com problemas, desvendar soluções incríveis à volta de montagens perfeitamente tenebrosas ou engenhosas. Esta literatura do policial problema vai ajudar-me imenso em todo o ano que vem por aí.

Agosto está à porta. O [Fur Mil] Casanova voltou, mas sinto que sofre imenso. Ele vai ficar aqui com o [ Fur Mil] Pires, vou cumprir os meus deveres em Finete. É aqui que vai acontecer em 3 de Agosto uma história que me abalará da cabeça aos pés. Mas tenho que a contar com todo o sofrimento disponível (1). E até o indisponível.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!

(2) Vd. posts:


6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé

13 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa


(3) Vd. post de 15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1595: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (3): minas, tornados, emboscadas, flagelações e acção... psicossocial

(4) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).

"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.

"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.


Sori Jau, a primeira vítima em combate


"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].

"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.

"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.

"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Julho de 1969 > O pelotão do Alf Mil Torcato Mendonça (na foto, à esquerda), pertencente à CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esteve aqui em reforço da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70).

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça , de eperfil, em segundo plano, à conversa com os Alf Mil Rui Felício, à esquerda, e Jorge Rijo, à direita, de cigarro na mão. Estes dois úlimos oficiais pertenciam à CCAÇ 2405.

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça e os homens do seu pelotão, todos já velhinhos, a pensar no regresso a casa.. (Em Outubro deixariam Mansambo)... Nesta última foto, à esquerda, reconhece-se o Alf Mil Rui Felício, de bigode, que pertencia à CCAÇ 2405.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

6. Galomaro > Julho de 1969

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira.

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Legenda do T. M.:


Talvez em Julho ou Agosto de 1969. O meu Grupo de Combate esteve lá em reforço à CCAÇ 2405. Era a Companhia do Cap Mil Jerónimo [e dos alferes Rui Felício, Victor David e Paulo Raposo, membros da nossa tertúlia]. Estivemos em Galomaro e Cansamba. Os Paras estavam em Bafatá [vd. carta geral da província e depois a carta de Bafatá] e faziam-se operações na zona – COP7.

Creio que nessa altura escoltei (para trazer as viaturas de volta) a CCAÇ 12 para Madina Xaquili [, a nordeste de Duas Fontes, vd. carta de Cansissé]. Aqui na foto só reconheço a minha malta. Talvez os da CAÇ 2405 se lembrem do meu grupo.

O Capitão Jerónimo foi buscar-me a Cansamba. Estava com o meu 5º ou 6º ataque de paludismo. Em Galomaro estava um médico (do COP 7?) e estive dois ou três dias num barracão, sempre com um africano - de dois que vieram comigo... São outras vidas...

Comentário do Paulo Raposo (depois de ver as fotos):

Nas tuas 3 fotos estão os Alferes Felício e Rijo e os Furriéis Esteves e Fereira, da minha CCAÇ 2405.
O Cmdt do Cop 7 era o Major Parquedista Pardal, que mora em Cascais. O nosso médico de Galomaro era o Carlos Pereira Alves, hoje cirurgião famoso e Director do Hospital dos Capuchos. São ambos da corda, são grande e bons amigos nossos (da família da CCAÇ 2405). O Jerónimo Cap 1000 - Miguel Novais Jerónimo -, mora em Lisboa, em Benfica, na Rua Cláudio Nunes. Está velhote. Foi operado à vista nos Capuchos, com a protecção do Carlos.

Comentário de L.G.:

Torcato, foi em Julho de 1969. Confirmei na história do BCAÇ 2852 (1968/70), Cap. II, pag. 90, bem como na História da Minha Unidade, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

As coisas andavam bravas lá para aqueles lados (vd. carta de Duas Fontes ou Bangácia, nome do sede do posto administrativo que, com a guerra, terá perdido importância, em detrimento de Galomaro): Na madrugada de 30 de Julho de 1969, eu estava em Candamã, ainda as armas dos defensores da tabanca fumegavam ... Eis o filme desse mês (só registo a actividade da guerrilha que, haveríamos de saber mais tarde, era comandada pelo Mamadu Indjai, na zona de acção da tua CART 2339, Mansambo):

(i) No dia 1 de Julho, às 20h00, um Grupo IN , estimado em 30 elementos, flagelou à distância o destacamento de Dulombi [, a sudeste de Galomaro / Duas Fontes]... durante duas horas (!). Os  "camaradas" do PAIGC utilizaram Mort 60, LGFog , Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas. Causaram 1 morto e 7 feridos, todos civis. Retiraram na direcção Norte...

(2) Em 10, um outro grupo IN (não se sabe quantos) emboscaram um grupo de 4 civis de Dulombi, a partir de uma árvore, em Paiai Numba [, a sul de Padada, vd. carta da Padada]. Só dois dos civis consequiram regressar a Dulombi, para contar o sucedido...

(3) Quatro dias depois, a 14, por volta das 16h05, um bigrupo (cerca de 60 elementos) - que presumivelmente se dirigia a Dulombi - reagiu a uma emboscada nossa em (PADADA 2E4), com Mort 60, LGFog e armas automáticas durante cerca de 35 minutos... Antes de retirar para Sudoeste, o IN causa às NT 1 morto, 2 feridos graves (1 civil), 3 feridos ligeiros, além de danos materiais num rádio CHP (de mal o menos)...

(4) No dia seguinte, às 20h00, um grupo IN (estimado em cerca de 40 elementos) atacou as tabancas de Cansamba e Madina Alage, durante 60 minutos, com Mort 60, LFog e armas automáticas mas, desta vez, felizmente, sem consequências... O IN retirou na direcção da tabanca de Samba Arabe, levando consigo um elemento da população...

(5) A 20, pelas 20h00, tocou de novo a vez a Cansamba, flagelada por um grupo de 30 guerrilheiros, durante 20 minutos, sem consequências... Retirou na mesma direcção (Samba Arabe)...

(6)A 24, às 00h45, é atacado o destacamento de Dulombi, da direcção SSW. O IN, estimado, em 60 elementos, utiliza LGFog e armas automáticas.

(7) Nesse mesmo dia, às 17h20, o aquartelamento de Mansambo é flagelado, a grande distância, com Mort 82, a partir da direcção sudoeste. Sem consequências. Na outra ponta do Sector L1, o Xime é flagelado, às 19h45 por canhão s/r.

(8) Meia hora depois, a sul de Madina Xaquili, a cerca de 1 Km, um grupo IN não estimado reagiu a forças da madeirense CCAÇ 2446 , causando 6 feridos ligeiros, entre os quais 2 milícias. Simultaneamente, este destacamento é flagelado à distância, com Mort 60 e LGFog. Há apenas danos numa viatura GMC. O IN retira na direcção de Padada. Três Grupos de Combate da CCAÇ 12 (na altura, ainda CCAÇ 2590) tiveram aqui, nesse dia, o seu baptismo de fogo... em farda nº 3 (!) (*)

(9) No dia seguinte, à 1h20, é atacado o destacamento de Quirafo, durante 3 horas (!), por um grupo estimado em mais de 100 elementos, que utilizam 3 Canhões s/r, 3 Mort 82, vários Mort 60, RPG 2 e 7, Metr Lig e outras armas automáticas... Felizmente, há apenas 1 ferido, mas as instalações do destacamento ficam praticamente destruídas, bem como os rádios DHS e AN/RC-9 e quatro G-3... O arame farpado fora cortado em vários pontos...

(10) A 26, há uma nova flagelação do Xime, às 17h45, da direcção Sul, com Canhão s/r e Mort 82. Durante 10 minutos. No Xime está a CART 2520, com menos dois pelotões (um destacado em Galomaro e outro - duas secçõas - na Ponte do Rio Udunduma).

(11) No dia seguinte, 27, às 16h50, Mansambo volta a ser flagelado, à distância, durante 10 minutos, com Mort 82. Sem consequências.

(12) Em 28, por volta das 22h30, o dcstacamento de Madina Xaquili vai conhecer o inferno: durante 1 hora e meia, é atacado de todas as direcções, por um grupo de cerca de 60 elementos, com Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas. Há dois feridos. (**)

(13) A 29, às 10 da manhã, um grupo IN reagiu, durante 10 minutos, a um patrulha nossa, a 200 metros a SW de Dulombi, que acabava de sair na sequência do rebentamento de uma mina A/C. O IN, que utilizou Mort 60, LGFog e armas automáticas, causou 2 feridos civis.

(14) A 30, às 18h00, Mansambo sofre nova flagelação à distância, da direcção SW. Durante 20 minutos, com Canhão s/r e Mort 82. Sem consequências.

(15) A fechar o mês (quente) de Setembro, é a vez da tabanca em audodefesa de Candamã [, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo, ] conhecer o inferno: a 30, às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas, causando um 1 ferido grave e 4 feridos feridos às NT e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil... Valeu o comportamento heróico dos homens - menos de um pelotão - de Mansambo! (****).

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Notas de L. G.:

(*) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

(...) "Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau](...)".

(**) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono de) Madina Xaquili

"Por outro lado, o 1º e o 2a Gr Comb seguiam para o sub-sector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

"A 28, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos, tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (hoje inoperacional) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP/Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

"Na reacção ao ataque, o apontador de mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

"A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7 [Bafatá] e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população" (...)

(***) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)


(...) "Ataque de duas horas a Candamã

"E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).

"Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.

"Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.

"Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

"Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2.

"Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].

"O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

"A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará" (...).

(****) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa