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domingo, 22 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16977: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte I


Torre de Moncorvo: logo da câmara municipal (cortesia da página do município). O concelho teve 28 mortos na guerra colonial / guerra do ultramar (1961/74)- O município erigiu, em 2013, um monumento aos combatentes da guerra do ultramar.



1. Mensagem, com data de 14/11/2016, do nosso amigo Armando Gonçalves,  professor de História, do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado (pai do nosso camarada Paulo Salgado), em Torre de Moncorvo, e que aceitou integrar a nossa Tabanca Grande, passando a ser o nº 733 (*)

Caro Dr. Luís Graça,

Ao fim de algum tempo reapareço para lhe entregar em primeira mão o resultado de um pequeno contributo (*).

Desiludido, como já transmiti ao amigo Manuel Augusto Reis (**), com a apatia da autarquia sobre tão importante evento (que é o de homenagear os militares e suas famílias e não o meu trabalho, que está bem aquém do merecimento de tão nobres moncorvenses).

Informo-o que recolhi duas fotos do blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné, devidamente citados o autor e a fonte.

Devido à quantidade de correio eletrónico só mais tarde percebi que para fazer parte da Tabanca era necessário foto. Irei a tempo?!

Um abraço,
Armando Manuel Lopes Gonçalves

2. Mensagens anterior, de 18 de maio de 2016, do nosso amigo Armando Gonçalves



Luís Graça,

Muito me honra o seu convite. Terei todo o gosto em pertencer à Tabanca Grande como amigo de todos vós. Tenho recebido provas de consideração e amizade impressionantes muito acima do trabalho realizado.

Há um espírito de solidariedade entre os veteranos, muito genuína, admirável.

Na medida das minhas capacidades e possibilidades darei o meu contributo.

Um cordial abraço,

Armando Gonçalves




Facebook > Página oficial do centenário da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), da responsabilidade da Liga dos Combatentes (Com a devida vénia...)


___________________






















(Continua)
 _______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de  





(...) Há perto de um mês, um professor de História da Escola Secundária de Moncorvo, Armando Gonçalves, solicitou ao Blogue a sua colaboração para que pudesse concluir a sua pesquisa sobre as condições que envolveram a morte do Alf Mil Lourenço da CCAV 8350, falecido na Guiné em 5 de Março de 197373(1).


Este caso englobava-se num projecto mais amplo, respeitante a todos os ex-combatentes de Moncorvo, falecidos nas ex-províncias ultramarinas e nascidos no concelho de Moncorvo. Como se depreende a sua tarefa não foi fácil. O conhecimento das datas de nascimento, filiação, localização dos cemitérios onde se encontram os corpos e a localização de familiares ainda vivos exigiu muito tempo e perspicácia ao Armando. Os locais e as circunstâncias em que morreram foram talvez o trabalho mais complicado. A singela homenagem aos ex-combatentes mortos ser-lhes-à prestada com a colaboração da Câmara Municipal, em data oportuna. 

Quero deixar aqui duas notas: O meu apreço e gratidão pela dedicação do Armando a ex-combatentes, nossos camaradas e amigos. Não basta dizer que houve uma guerra e como em todas as guerras há mortos, feridos e estropiados. É redutora esta visão. Há algo mais para além disso. O meu apreço pela pronta, rápida e eficaz colaboração do Blogue, que acabou por me envolver neste processo e me sensibilizou para avançar na localização da campa do Alf. Lourenço e da da sua família. 

Em pouco tempo se reuniram a maior parte dos elementos que o nosso amigo Armando precisava com a ajuda preciosa do Alf. Gonçalves, outro dos Alferes da CCAV 8350, que vive em Almada e não via há imensos anos. Localizámos a campa do Alf. Lourenço e dois dos seus primos ainda vivos. (...)

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16668: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (104): reencontro, através do blogue, ao fim de quase meio século, de 4 amigos bairradinos e antigos alunos do CNA - Colégio Nacional de Anadia, e que estiveram nos TO da Guiné (Vasco Pires, Paulo Santiago e Manuel Reis) e de Angola (Acácio Conde)... Um deles, Vasco Pires (1948-2016), acaba de nos deixar... Entrou para a nossa Tabanca Grande em 27/9/2012, vivia no Brasil desde 1972


Portugal > s/l > s/d >  O Vasco Pires (1948-2016), fardado, já possivelmente aspirante a oficial miliciano, talvez em 1970, ano em que foi mobilizado para o TO da Guiné, em rendição individual. O pai, a seu lado, era o professor José Martins Pires, licenciado pela Universidade de Coimbra,


Universidade de Coimbra >Faculdade de Letras > 19 de dezembro de 1930 > Cartão de estudante do futuro professor do ensino secundário José Martins Pires, e pai do Vasco Pires (1948-2016).



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 23º Pel Art (1970/72) > A partir da esquerda: fur mil art Oliveira, um graduado da Companhia de Comandos Africana (?), o alf mil art Vasco Pires, cmdt do 23º Pel Art, e o fur mil art Kruz, os seus "furriéis operacionais", que o Vasco estimava muito mas de quem infelizmente perdeu o rasto.

Fotos: © Vasco Pires (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os primeiros contactos do Vasco Pires (1948-2016) com o nosso blogue datam de 5 e 7/2/2012 (*). A apresentação oficial à Tabanca Grande ocorreria mais tarde,  em 27/9/2012 (**). 

Natural da Anadia, aluno do CNA - Colégio Nacional da Anadia, filho do professor José Martins Pires, rapidamente reencontraria, através do blogue, ao fim de quase meio século,  três colegas do tempo do Colégio, que também passaram pelo ultramar, durante a guerra: o Paulo Santiago e o Manuel Reis (Guiné) e o Acácio Conde (Angola). Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande.

Eis aqui os seus comentários originais (2012), que voltamos a reproduzir neste poste de homenagem a um grande bairradino do Brasil e nosso camarada da Guiné, que acabamos de perder (****).

De qualquer modo, estes reencontros vieram comprovar a nossa velha máxima: o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (*****).


(i) Paulo Santiago [ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72]

Foi um "clic" ao ler Vasco Pires. Há muitos anos, alguém me disse que estavas no estrangeiro, e que estiveras na Guiné, não imaginava que tinha coincidido com a minha estadia.

Tu eras filho do professor Pires que era colega do meu pai, viemos de bicicleta desde Anadia a uma festa aqui em Aguada [, Águeda,] estás lembrado?

Este blogue, criado pelo Luís Graça é, na verdade, um grande ponto de encontro.

Não tenho ideia de te ter encontrado após a minha saída do Colégio e ida para a ERA [, Escola de Regentes Agrícolas,] de Coimbra, e, sendo assim, não trocávamos palavras há quase cinquenta (50)
anos... Impressionante!!!

Continuo a andar lá para os lados de Anadia... Estou velho (estamos) mas vou à Moita treinar rugby com os Veteranos do Moita-Rugby Clube da Bairrada... Há quem diga que tenho uma "pancada" mas vou-me sentindo bem.

Não imaginas o bem que foi ter-te encontrado aqui, neste blogue, ao fim de tantos anos... Gostei e fiquei sensibilizado pelo "encontro". Nesta fase da vida, as velhas recordações são um bálsamo.

Vasco, recebe um grande abraço,
Paulo Santiago


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição: LG].


(ii) Manuel Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74]:

Amigo Vasco.

Já deixei o meu comentário no poste do Paulo Santiago, mais à frente. Fiquei surpreendido por te ver neste Blogue. Sabia, no entanto, que estavas no Brasil.

Não fazia a mínima ideia que tinhas passado pela Guiné e muito menos em Gadamael, julgava-te no Brasil no início da Guerra Colonial e os nossos amigos comuns como o Acácio [Conde], nunca a se referiram a tal, quando te recordávamos nos convívios dos antigos alunos do Colégio de Anadia.

Lembras-te do Coronel Beirão (hoje General), nosso Professor de Educação Física e irmão da Drª Maria de Lurdes, nossa digníssima professora de Matemática? Pois bem, encontrei-o lá na Guiné, procurou-me para sacar dados sobre Guileje. Tive de me furtar a almoçar com ele, não estava disposto a abrir-lhe o jogo, sabendo de antemão que pertencia no Serviço de Informações.


 (iii) Acácio Conde [, Aveiro]

Malhas que o acaso tece... Viajando pelas páginas da internete um pouco ao Deus dará, acabo de descobrir contactos de três amigos contemporâneos de juventude que a vida se encarregou de separar. 

A marca comum que nos juntou no Colégio Nacional em Anadia e vos juntou na guerra colonial da Guiné-Bissau sem saberem uns dos outros,  a mim mandou-me para Angola... Tenho-vos encontrado esporadicamente mas desconhecendo no concreto esse elo de ligação das vossas vidas. 

Afinal o mundo continua pequeno e redondo: o Vasco Pires, o Paulo Santiago e o Manuel Reis são os amigos a que me refiro e de quem guardo memórias de juventude. Este blogue que por vezes tenho visitado,  pela sua qualidade e capacidade de mobilização que consegue junto de muitos dos ex-militares que nas décadas de 60 e 70 estiveram em África e que continuam a partilhar entre si memórias e momentos de vida em comum...

A estes amigos em particular envio um forte abraço, com desejo de boa saúde, esperando que nos possamos juntar um dia aqui por Aveiro, onde vivo vai para 40 anos. Seria uma grande alegria que se concretizasse esse encontro. 

Cordialmente,
Acácio Conde
______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



(...) Comentários (posteriores) dos leitores a este poste:

(i) Vasco Pires (ex-comandante do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72, a quem saudamos e convidamos a integrar a nossa Tabanca Grande)

Prezados, com as devidas ressalvas de mais de quarenta anos de distância, não posso afirmar se essas fotos são de Gadamael Porto. O que posso afirmar, é que quando cheguei em Gadamael, penso que em finais de 1970, para assumir o comando do 23° Pelart, os espaldões já estavam prontos, bem como as casas do reordenamento (com teto de zinco), que foram ocupadas pelo pessoal da artilharia, inclusive a primeira casa, junto à cerca do quartel, foi ocupada por mim e pelos valorosos e esforçados Furriéis [Oliveira e Kruz]. Cordiais saudações.

Domingo, fevereiro 05, 2012 7:45:00 PM


(...) vascopires@yahoo.com disse...

Prezado Luis Graça, 

Fico muito grato pela cordial acolhida bem como pelo convite. Sou um desses milhões da multicentenária diáspora lusitana, que em 1972 saiu de Portugal, e por aí ando até esta data.  Há talvez um ano, tive o primeiro contacto com o blogue; quero te parabenizar como a toda a equipe pelo extraordinário trabalho, bem como pelo alto nível da edição do blogue, em assuntos tão polémicos e carregados de emoção, com décadas de distância. Cordiais saudações. (...)




domingo, 11 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16475: In Memoriam (263): Duarte dos Santos Pereira, ex-Alf Mil da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), falecido no passado dia 25 de Agosto de 2016, em Marco de Canaveses (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

Em memória de DUARTE DOS SANTOS PEREIRA, Ex-Alf Mil da CCAÇ 4540, falecido em 25 de Agosto de 2016


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74):

Amigo, camarada.
Partiste.

Caro amigo, fui surpreendido pelo teu desaparecimento do nosso convívio, e é com tristeza imensa e com os olhos marejados de lágrimas que procuro escrever alguma coisa. Quem te conheceu, sabia o homem bom que havia em ti e não é fácil aceitar esta perda. De sorriso fácil, de uma delicadeza rara nos meios militares, fazias amigos em todos os camaradas, que contigo privaram. O teu espírito solidário, a tua piada sempre a propósito, com um ligeiro sotaque abrasileirado, era motivo de boa disposição para os que te acompanhavam.

Dizia-me um amigo comum: "Em 149 camaradas da Companhia tinhas 149 amigos".

Recordo os momentos que partilhei contigo. Uns bons, outros nem tanto, sempre a teu lado, tanto na recruta como na especialidade, no Curso de Cadetes para Oficiais Milicianos. Fomos cúmplices em determinadas situações mais complicadas, durante os seis meses de Mafra. A tua incorporação no serviço militar só acontece por decidires visitar a tua família, após muitos anos de ausência no Brasil, e quando não era previsível a tua chamada.

Perdi-te o rasto durante um mês e foi com grande alegria que voltei a encontrar-te em Lamego, para frequência de um Estágio de Operações Especiais. Eras a alma do grupo, admirado e bem querido por todos. Apesar da dureza da instrução tivemos belos momentos, apenas ofuscados pelo fulminante falecimento de um camarada a quem prestámos rápida assistência, mas infrutífera.

Seguimos para a Guiné em Companhias diferentes, mas colocados em aquartelamentos próximos, onde a vida não era fácil. A guerra, muito agressiva, deixou-te marcas cujas sequelas transportaste contigo o resto da vida e te influenciou negativamente.

Só nos reencontrámos passados muitos anos, quando consegui localizar-te numa aldeia do concelho de Marco de Canaveses, já nas imediações do rio Douro. O nosso reencontro foi efusivo e emocionante e os contactos mensais prolongaram-se durante 4 anos. Recordámos algumas peripécias e revisitámos amigos, mas apercebi-me, de imediato, que algo de errado se passava contigo. Vivias aterrorizado com tudo o que te rodeava e desconfiado de todos. Os problemas monetários não me pareciam prementes, procuravas amealhar, numa perspectiva de resolução de qualquer imprevisto. A ajuda médica era indispensável, mas a tua recusa era peremptória, apesar da insistência da tua mulher. Até os cuidados de saúde mais elementares desprezaste.

Neste primeiro encontro regressei a Aveiro com o coração destroçado e não consegui impedir que as lágrimas me rolassem pela face, no trajecto do Marco ao Porto. As condições de habitabilidade eram impensáveis, apesar da casinha, pequena e humilde, ser habitável. Não queria acreditar! A desordem só era explicada pela tua descompensação emocional e anímica.

Ao fim de quatro ano anos entendeste que o nosso relacionamento necessitava de tréguas. Os contactos telefónicos passaram a efectuar-se esporadicamente, sem perder a ligação. Sei, agora, que começavas a apresentar sintomas graves de saúde e que pretendias esconder.

Partiste sem ter oportunidade de me despedir de ti, tal como muitos dos teus amigos.
Trouxeste do Brasil um termo muito carinhoso com que rotulavas os teus amigos: "BAIXINHO"

Repousa em PAZ, Baixinho.
Manuel Reis
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16421: In Memoriam (262): Mário Campos Marinho, ex-sold trms, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74). O funeral é hoje na Senhora da Hora, Matosinhos, às 14h30 (Sousa de Castro, o grã-tabanqueiro nº 2)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16158: Dossiê Guileje / Gadamael (26): É minha convicção que, se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído (Manuel Reis, ex-alf mil cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74)

1. Comentário de Manuel Augusto Reis [, ex-alf mil  cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74], a  propósito do poste P16152 (*).

O texto foi enviado para a nossa caixa de correio, tendo nós a devida autorização para o publicar como poste, numa série que tem estado  parada há... quatro anos (Dossiê Guileje / Gadamael) e que suscitou muitas dezenas de comentários, nem todos serenos, como deveria ser timbre do nosso blogue.  (***)

O poste do António Martins de Matos foi reencaminhado, mal foi publicado, para um conjunto de camaradas e amigos da Guiné, grã-tabanqueiros, que se têm interessado pelo dossiê Guileje/Gadamael, quase todos protagonistas dos acontecimentos (ou que, em outros tempos, passaram por Guileje e/ou Gadamael, e que têm escrito sobre a guerra no sul da Guiné).

Trata-se, de resto, de um dossiê que nunca ficará encerrado, tão cedo,  por nos  faltar  a competente investigação historiográfica, de base científica, rigorosa, plural, contextualizada e comparada. 

Todos nós, portugueses (mas também os guineenses),  temos "velhas contas por saldar", fantasmas por exorcizar, ganhos e perdas a contabilizar e consolidar, ódios e amores mal resolvidos, histórias por contar, análises de custo-benefício, etc. Não vai ser na nossa geração que a gente vai decididamente "arrumar" esta parte da história pátria...

Mas, enquanto os arquivos continuam em silêncio (e eles nunca falarão se não forem tratados,   disponibilizados e explorados pelos investigadores...) , os protagonistas, de um lado e do outro, vão desaparecendo, vão morrendo ou envelhecendo... Estamos todos cansados (da guerra, da vida, da Pátria, do blogue, etc.) e alguns de nós optaram já por se calar de vez, ao que parece, ou então deixaram-se cair na perigosa armadilha do cíclico nacional pessimismo. De resto, os portugueses são um povo bipolar, dado a euforias e depressões...

O Manuel Reis, no seu mail, via este seu comentário como um mero "desabafo"... Respondi-lhe em tom de brincadeira: "Camarada, o teu 'desabafo' também é para a história.. Vou publicá-lo, se mo autorizares. E dou conhecimento dele, desde já, ao nosso camarada e amigo AMM... Tudo o que se escreveu e a vier escrever  sobre Guileje e Gadamael ainda é pouco... E já não temos muito tempo, que 'a vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugitiva, a experiência enganadora, o juízo difícil',  como diria o médico grego Hipócrates, pai da medicina ocidental  (Aforismos, Séc. IV/V a.C.).

A nós, que fomos protagonistas de uma guerra, depois de fazê-la. mal ou bem, por terra, ar e mar, compete-nos falar dela e escrever sobre ela, mal ou bem... Atores, não podemos ser juízes, mas podemos ter opinião, individualizada...   O  Manuel Reis foi o primeiro a responder  ao nosso desafio. E espero que não seja ele a encerrar de vez o "dossiê Guileje / Gadamael" que tem sido, afinal, um belo exemplo da pluralidade  (em termos de  conhecimentos,  memórias,  perceções, valores, sentimentos, emoções, etc,) que faz a riqueza e a originalidade da nossa Tabanca Grande... Aqui cabemos todos,  com tudo aquilo que nos une e até com aquilo que nos separa... (LG)
_____________________

De: Manuel Augusto Reis  
Data: 1 de junho de 2016 às 14:50

Assunto: Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Caro amigo António Matos,

Gostei imenso do teu texto,  muito esclarecedor,  sobre os tempos complicados de Guileje e Gadamel. Muito conversámos sobre isto nos almoços-convívios da Tabanca do Centro. Algumas discordâncias mantêm-se e assim vai continuar a ser. Só me referi ao que vi, tanto em Guileje como em Gadamael. Tu ofereces-nos uma visão mais ampla e mostras-nos outros métodos de actuação da Força  Aérea  e outras estratégias do PAIGC.

Dizer que Gadamael tinha sido apanhado de surpresa não é verdade. Gadamael, através do seu Comandante, conhecia o dia a dia de Guileje, naqueles dias turbulentos, e o Comandante do COP5 foi-o informando, mesmo pessoalmente, quando se deslocou a Bissau. Inclusivamente assistiu à tomada de decisão do Comandante do COP5, pois estava presente em Guileje, embora muito contrariado.

O Comandante do COP 5 [. o major art Coutinho e Lima,] tudo fez para aguentar Guileje. Deslocou-se a Bissau, em missão arriscada, à procura de ajuda. Regressou de mãos a abanar, mas regressou. Como era fácil provocar uma situação anómala e ficar retido, deixando o odioso para outro que o fosse substituir!. Mostrou um brio profissional invulgar ao não abandonar os seus militares. A tomada de decisão foi devidamente ponderada, a situação que se vivia no aquartelamento devidamente escalpelizada e os riscos de semelhante decisão calculados. Não deixou de referir que a sua vida tinha terminado aí.

Em Gadamael cabíamos todos, não havia falta de espaço e é errado responsabilizar Guileje sobre o sucedido em Gadamael. Novo Comandante [, cor pqdt  Rafael Durão], material humano em duplicado e 9 dias para preparar o embate, previsível.

O que foi feitio? Melhoraram-se as valas e fizeram-se patrulhamentos diários, de resultados nulos, apesar dos contactos frequentes com o PAIGC, de que resultaram alguns feridos leves.

A gravidade da situação de Gadamael foi mal avaliada, como o já havia sido em Guileje. O novo Comandante do COP5, a partir do dia 22 de Maio, parte no dia 31 de manhã para Cufar [. sede do CAOP1,],  julgando que a situação de Gadamael estava controlada. Regressa de imediato, na manhã do dia 1 de junho, mas nada há a fazer. Aliás a presença dele em nada alteraria o rumo dos acontecimentos. Não há homens no aquartelamento, nem material capaz de se opor à violência dos ataques do PAIGC. Algum desespero apodera-se de alguns Comandantes e acontecem desastres imprevistos. (**)

Meu caro amigo, no essencial estou de acordo contigo. Gadamael tremeu mas não caiu e tal se deve à actuação do Batalhão de Paraquedistas [, BCP 12,] e à actuação EFICAZ da Força Aérea. Como homem no terreno, é minha convicção que se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído com estrondo, aprisionando ou matando tudo o que lá se encontrava.

Falei do que sabia, opinei sobre o vi. A tua perspectiva é mais global e interessante e entronca na situação política.  

Um forte abraço,
Manuel Reis.



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição: LG].
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Notas do editor:

(**) Todos os postes anteriores desta série:

12 de dezembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5450: Dossiê Guileje / Gadamael (18): Estive 18 horas em escuta nesse dia fatídico para o Sr.Tenente Pessoa e a FAP, em 25 e 26 de Março de 1973 (Victor Affaiate)

11 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5444: Dossiê Guileje / Gadamael (17): Depois do que ouvimos da boca do Sr. Cor Pára Durão, tudo o que vier a ser dito, soa a elogio (Victor Alfaiate)

9 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5434: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (16): Guileje não caiu, foi abandonado (José da Câmara)

7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4736: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (14): Na minha opinião pessoal, o Major Coutinho Lima foi um Herói! (Amílcar Ventura)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4634: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (13): A desonra da CCAV 8350 ou o direito a contar a minha versão... (Constantino Costa)

14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4344: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (12): Homenagem dos Homens Grandes de Guiledje a Coutinho e Lima (Camisa Mara / TV Klelé)

5 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)

1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4035: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (8): Amigo Paiva, confirmas que fomos vítimas de ameaças e pressões (Manuel Reis

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3982: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (7): Ferreira da Silva, ex-Capitão Comando, novo comandante do COP 5 a partir de 31/5/1973

1 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16105: Blogpoesia (448): Gadamael Porto, eu te amo, eu te odeio (Manuel Augusto Reis, ex-alf mil cav, CCAV 8350, Guileje,Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73), "Piratas de Guileje" > O Alf Mil Manuel Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf Victor Lourenço, dos "Piratas de Guileje", morto em 5 de março de 1973, na explosão de uma armadilha.

Segundo nos conta o J. Casimiro Carvalho, "um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha, e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava".

De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também conhecida por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG.

Foto: © Manuel Reis (2009). Todos os direitos reservados



1. Poema de Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje,Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74), escrito durante a batalha de Gadamael (maio / junho de 1973) (*)


GADAMAEL-PORTO,
EU TE AMO,
EU TE ODEIO



por Manuel Augusto Reis (**)



Na vala recordo os dias alegres da infância,
os tempos da boémia coimbrã, 

e a ti, Catarina.

Chove, troveja.
Não, não é um trovão, alerta o João.
Deito-me na vala, 
o mundo parece desabar.
Outra saída, outra e mais outra...
Ouço gemidos,
o João calara-se para sempre.

É manhã. 
Ai o café quente de Bissau!...
Os rebentamentos não param.
Abdulai, nosso guia de Guileje,
chora os nossos mortos com palavras sentidas e comoventes.

Na vala refilo,
protesto,
com palavras obscenas contra tudo e contra todos.
Abdulai, o nosso guia, o nosso amigo,
morreu.


Manuel Reis, Gadamael-Porto, junho de 1973


2. Comentário do editor L.G.:

Presto, comovido, a minha homenagem aos bravos de Guileje e de Gadamael. Leio, comovido, o surpreendente poema do Manuel Reis, escrito com sangue e raiva nas valas de Gadamael... O Manuel Reis é um dos nossos grã-tabanqueiros que pode pôr no seu currículo que desceu aos infernos e voltou à terra, à terra da alegria... Voltou, mas há memórias do inferno que não se apagam... O João, o Abdulai, o Lourenço, o Branco e tantos outros não regressaram... Às vezes carregamos esta culpa: porquê eles, porque não eu ?

Manuel, bom amigo e camarada: o blogue, se alguma importância tem, não é por ser uma "feira de vaidades", ou muito menos por publicar as narrativas épicas dos heróis... Não é o Olimpo, ou o caminho para o Olimpo. O blogue fala, em primeira mão, das nossas alegrias e tristezas, dos momentos bons e maus que nos calharam naquele tempo e naquele lugar... O blogue é seguramente importante porque procura dar voz e rosto àqueles que a terra já engoliu e comeu: o Lourenço, o Branco, o João, o Abdulai...

Obrigado, Manuel, pela teu poste e pelo teu poema... Terá lugar, por certo, na antologia poética da guerra colonial que um dia ainda haveremos de organizar, se Deus, Alá e os bons irãs nos deram vida e saúde...

PS -Um abraço para o professor Armando Gonçalves, de Torre de Moncorvo, que, ao organizar uma exposição sobre os mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, naturais do seu concelho, como o Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, está também a lutar contra a indiferença e o esquecimento que pesa sobre toda a nossa geração...


3. Outros comentários (*):

(i) C. Martins: A verdade dói. A verdade fere e mata consciências. Tenho a esperança que um dia ainda se vai saber a verdade..nua e crua. Um grande alfa bravo para ti, Manel Augusto.

(ii) Carvalho de Mampatá: É na verdade um poema escrito com sangue, num momento de desesperança e revolta. Está ali a demonstração da nossa impotência face à vontade do inimigo se ver livre de nós e a clara sensação de que éramos, cada vez mais, carne para canhão. Como te compreendo, Manuel Reis !
(iii) Vasco Pires (Brasil): Digo eu hoje : "...ainda bem,que não estamos em Gadamael...". Forte abraço.

(iv) Jorge Araújo:   No Expresso, a caminho de Portimão, acabo de ler esta narrativa do camarada Manuel Reis onde nos conta, em síntese, a sua experiência vivida no inferno de Gadamael, prestando, igualmente, homenagem aos que aí tombaram á sua volta. Porque fiquei comovido com o seu relato, ao qual adiciona referências ao meu amigo e companheiro das lides académicas e desportivas - Artur José de Sousa Branco (ver o meu poste 15904) - seria interessante colocar este novo texto na etiqueta com o seu nome. Obrigado pela atenção. Um abraço para todos vós.

(v) Belarmino Sardinha: A minha homenagem a todos quantos não deixam esquecer o que aconteceu e mais sentida ainda por todos que perderam a vida.  A forma de não os esquecermos é falarmos deles, lembrá-los. A quem não viveu esse tempo, mas procura hoje documentar-se, ajudar a lembrar o que se passou e levar até outros mais distraídos, o meu obrigado. Um abraço ao Manuel Reis.

(vi) Manuel Peredo (França):  Também vivi os acontecimentos de Gadamael como furriel paraquedista da CCP 122 / BCP 12. Quem deu ordens para que este pequeno grupo fosse patrulhar nas imediações do destacamento, deve sentir um grande peso na consciência. A emboscada deu-se a algumas centenas de metros do destacamento e não a cem metros,  como foi relatado no depoimento de Manuel Reis. Eu próprio carreguei os corpos para a Berliet,com a ajuda de outro furriel do meu pelotão e nesse momento houve um forte bombardeamento na zona do cais e com muita sorte não houve feridos.

(vii) Zé Teixeira: Manuel Reis,  tantos anos depois, as lágrimas, teimosamente, voltam...e eu já me tinha "safado"! Abraço!

terça-feira, 17 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16099: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (37): O nosso Blogue e a sua importância (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74), com data de hoje, 17 de Maio de 2016, subordinada ao tema, O nosso blogue como fonte de informação:


O BLOGUE E A SUA IMPORTÂNCIA

Caros Editores
Amigos e camaradas,

Há perto de um mês, um professor de História da Escola Secundária de Moncorvo, Armando Gonçalves, solicitou ao Blogue a sua colaboração para que pudesse concluir a sua pesquisa sobre as condições que envolveram a morte do Alf Mil Lourenço da CCAV 8350, falecido na Guiné em 5 de Março de 197373(1).

Este caso englobava-se num projecto mais amplo, respeitante a todos os ex-combatentes de Moncorvo, falecidos nas ex-províncias ultramarinas e nascidos no concelho de Moncorvo. Como se depreende a sua tarefa não foi fácil. O conhecimento das datas de nascimento, filiação, localização dos cemitérios onde se encontram os corpos e a localização de familiares ainda vivos exigiu muito tempo e perspicácia ao Armando. Os locais e as circunstâncias em que morreram foram talvez o trabalho mais complicado. A singela homenagem aos ex-combatentes mortos ser-lhes-à prestada com a colaboração da Câmara Municipal, em data oportuna.

Quero deixar aqui duas notas: O meu apreço e gratidão pela dedicação do Armando a ex-combatentes, nossos camaradas e amigos. Não basta dizer que houve uma guerra e como em todas as guerras há mortos, feridos e estropiados. É redutora esta visão. Há algo mais para além disso. O meu apreço pela pronta, rápida e eficaz colaboração do Blogue, que acabou por me envolver neste processo e me sensibilizou para avançar na localização da campa do Alf. Lourenço e da da sua família.

Em pouco tempo se reuniram a maior parte dos elementos que o nosso amigo Armando precisava com a ajuda preciosa do Alf. Gonçalves, outro dos Alferes da CCAV 8350, que vive em Almada e não via há imensos anos. Localizámos a campa do Alf. Lourenço e dois dos seus primos ainda vivos.

Prestar uma singela homenagem, junto da campa do Lourenço, no Monte da Caparica, conversar com o Gonçalves e conhecer uma prima do Lourenço era uma razão forte para me deslocar ao Monte da Caparica, o que fiz logo que se deparou uma oportunidade. Foi um encontro emotivo e gratificante.
Durante o almoço recordámos vários amigos, várias situações e alguns episódios. Recordámos a morte dramática do Alf. Branco, em Gadamael, que foi substituir o Alf. Lourenço e que poucas horas permaneceu entre nós.


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. 

Foto: © António Carlos Morais da Silva, Coronel Art Ref.

Assisti, revoltado, na vala, à sua partida para o patrulhamento, desnecessário e sem sentido. Já não o vi regressar.

Ainda hoje dói ao reviver o filme deste episódio. Não é minha intenção responsabilizar ou julgar alguém, o meu relato é factual.

No dia 31 de Maio de 1973 o Coronel Durão ordena-me para fazer um patrulhamento a Ganturé, da parte da tarde. A meio do percurso, perto das 15 horas, rebenta o ataque do PAIGC e ouvem-se as granadas a sibilar por cima das nossas cabeças. Chego ao local e constato que estou a 100 metros de uma boca de fogo do PAIGC. Solicito o regresso ao aquartelamento, conforme combinado, mas é-me negado, e só no dia seguinte de manhã regresso sem autorização superior, por não me ter sido possível estabelecer qualquer contacto, via rádio, com Gadamael. Entro no aquartelamento pelas 11 horas da manhã do dia 1 de Junho.

No aquartelamento sou informado pelo Alf. Seabra de toda a situação. Houve imensos mortos e feridos e não restavam mais de 30 homens, dispersos nas valas. Tinha havido uma fuga desordenada no dia 1 de manhã. Uns conseguiram chegar a Cacine e outros refugiaram-se nas imediações do aquartelamento, onde se sentiam mais seguros do que dentro do aquartelamento. E ainda outros que morriam na travessia do rio.

No dia 1 de Junho, da parte da tarde, o abrigo das transmissões é atingido e são feridos os dois comandantes de Companhia, que acabam por ser evacuados pelos fuzileiros estacionados em Cacine. Poucas horas depois chegam os dois novos Comandantes de Companhia e o Alf. Branco, em substituição do Alf. Lourenço. O novo Comandante da CCAV 8350 teve connosco uma breve conversa, para se inteirar da situação. No dia 2 de Junho ordena um patrulhamento ao Alf. Branco para a zona do antigo heliporto localizado nas imediações do cais. O Alf. Branco não tem homens e caso os tivesse não os conhecia e percorre, vala a vala, a perguntar quem pertencia ao 4.º grupo. Não encontrou ninguém.

Acabou por sair no dia 3, sob pressão do Comandante de Companhia, com 11 homens, voluntários e mal armados. Perante o desespero do Alf. Branco, ainda cheguei a saltar da vala para os acompanhar, mas a protecção divina e percepção da minha inutilidade, aconselhou-me a não o fazer. Mal entrou na mata o pequeno grupo foi fortemente atacado pelos militares do PAIGC, instalados em valas, em missão de protecção avançada aos camaradas estrategicamente colocados no cimo das árvores, para orientar o fogo. Isto acontece a menos de 100 metros do arame fardado. Registaram-se 5 mortos e 1 ferido grave, sendo recolhidos pela Companhia de Paraquedistas 122, recém-chegados.

No ar pairava um misto de dor e revolta. A noite era de breu, alguns comentários ecoaram e  o Comandante de Companhia acabou por exercer algumas represálias sobre mim e sobre o capitão Catarino, ex-adjunto do Major Coutinho e Lima, que também tinha presenciado a saída do reduzido grupo de combate.

Gadamael foi mau demais e só não se transformou num enorme cemitério, devido ao apoio relativamente rápido das três Companhias de Paraquedistas que a partir do dia 3 de Junho passaram a operar em rotatividade.

Recordo algumas palavras escritas na altura.

GADAMAEL-PORTO EU TE AMO, EU TE ODEIO

Na vala recordo os dias alegres da infância, 
os tempos da boémia coimbrã e a ti, Catarina.
Chove, troveja.
Não, não é um trovão, alerta o João.
Deito-me na vala, o mundo parece desabar.
Outra saída, outra e mais outra....
Ouço gemidos. 
O João calara-se para sempre.
É manhã. Ai o café quente de Bissau!....
Os rebentamentos não param. 
Abdulai, nosso guia de Guileje, 
chora os nossos mortos com palavras sentidas e comoventes.
Na vala refilo, 
protesto com palavras obscenas contra tudo e contra todos.
Abdulai, o nosso guia, o nosso amigo,
 morreu.

Um abraço amigo,
Manuel Reis
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Notas do editor

(1) Mensagem de Armando Gonçalves com data de 22 de Março de 2016:

Assunto: Victor Paulo Vasconcelos Lourenço

Boa noite, 
Sou professor da Escola Dr. Ramiro Salgado de Torre de Moncorvo. 
Uma das iniciativas para o 25 de Abril na nossa escola é lembrar os soldados mortos no Ultramar. 
Tenho procurado na Internet informação de todos os nossos conterrâneos caídos, pelo facto encontrei o vosso Blogue e o texto de Hélder Sousa, Fur Mil Transmissões TSF (Piche e Bissau e 1970/72) sobre o Alferes Victor Paulo Vasconcelos Lourenço que muito me sensibilizou. Naturalmente, gostaria de apresentar este texto à comunidade, pois poucos conhecerão este episódio. Além de que seria uma homenagem devida. 
Por este motivo procuro que o autor do texto Hélder Sousa possa compartilhá-lo connosco, com a devida autorização. 

Grato pela atenção que possam dar ao exposto, 
Atenciosamente, 
Armando Manuel Lopes Gonçalves.

Último poste da série de 25 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15900: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (36): quantos quilómetros terá feito, em 9 dias, o valente soldado José António Almeida Rodrigues, na sua fuga, desde o local onde era mantido em cativeiro, na região do Boé, até ao seu porto de salvação, no Saltinho?

domingo, 29 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14415: Agenda cultural (385): Em Aveiro, no passado dia 26 de Março: Apresentação do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas” (Miguel Pessoa)

Com a devida vénia à Tabanca do Centro e ao nosso camarada Miguel Pessoa, reproduzimos o poste versando a apresentação do livro "Nós Enfermeiras Paraquedistas", levada a efeito no passado dia 26 de Março em Aveiro. 


Integrada nas cerimónias do dia da Unidade do RI 10, efectuou-se em Aveiro, no passado dia 26 de Março, a apresentação do livro “Nós, Enfermeiras Paraquedistas”. A sessão decorreu nas instalações do Centro de Congressos de Aveiro, cedido para o efeito pela Câmara Municipal de Aveiro.

Como tinha já sucedido na apresentação original em Novembro, no Estado Maior da Força Aérea, a sessão contou com a presença do Professor Adriano Moreira (autor do prefácio do livro) e do TCor. Aparício, que fez uma apreciação da obra. Igualmente presentes várias enfermeiras paraquedistas co-autoras deste livro.

Na mesa, presentes ainda o Presidente da Câmara de Aveiro, Engº José Ribau Esteves, o Comandante do RI 10, Cor José Carlos de Almeida Sobreira, a Enfermeira Rosa Serra, coordenadora do livro, e o Dr. Vitor Raquel, da “Fronteira do Caos Editores”.

Embora não estivesse exageradamente preenchida, a sala contou com a presença de alguma gente jovem e, naturalmente, de combatentes da guerra de África. Dos envolvidos nas actividades dos blogues, registámos a presença de elementos da Tabanca Grande, vários deles ligados igualmente à Tabanca do Centro – Jorge Picado (capitão miliciano em Mansoa, Mansabá e Teixeira Pinto), José Armando Ferreira de Almeida (então Furriel, contemporâneo do Luís Graça em Bambadinca), Carlos Prata (capitão em Cafal Balanta e Bissorã), Manuel Reis (alferes em Guileje), Miguel Pessoa (tenente na BA12).



Igualmente várias enfermeiras “tabanqueiras” presentes - Rosa Serra, Giselda Antunes e Aura Rico Teles – para além das enfermeiras Eugénia Espírito Santo Sousa, Natércia Pais, Ana Maria Bermudes, Octávia Santos, Natália Santos e Maria de Lurdes Costa Pereira (nomes de solteiras, pelos quais eram conhecidas na época).

Como já tinha sucedido na sessão anterior, os dois convidados fizeram apresentações de grande interesse e qualidade, que foram bastante apreciadas pelos presentes.

E, no âmbito das comemorações do dia da Unidade, os presentes ainda puderam apreciar uma sessão de música que se seguiu a esta apresentação, proporcionada pela Banda Militar do Porto.

A próxima apresentação do livro, inicialmente prevista para 9 de Abril, devido a comemorações que irão decorrer nessa data foi passada para 16 de Abril, às 15H00, nas instalações da Messe da Batalha, no Porto.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14390: Agenda cultural (388): Apresentação do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", dia 26 de Março de 2015, pelas 18h00, no Auditório do Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, Cais da Fonte Nova, Aveiro (Miguel Pessoa)

quinta-feira, 5 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14324: Efemérides (182): 5 de março de 1973, Guileje: a morte de um herói, o alf mil Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, da CCAV 8350, natural de Torre de Moncorvo (Hélder Sousa / Manuel Reis)

Hélder Sousa, Bissau, c. 1970/72
1. Mensagem do nosso colaborador permanente, Hélder Sousaa, com data de 3 do corrente:

Caros camaradas Editores

Em anexo envio um texto em que pretendo recordar a efeméride da morte do Alf. Lourenço, para mim um verdadeiro herói, ocorrida em 5 de Março de 1973.


É, também, um apertado abraço público, solidário, ao Manuel Reis, amigo do malogrado Lourenço e a quem ainda hoje esta recordação 'mexe' profundamente.

Caso vejam que pode ser publicado, seria bom fazê-lo no dia 5 de Março.


Não tenho fotos a acompanhar mas penso que se pode usar a foto n.º13 do "P11908" do cooperante Carlos Afeito e uma foto do Manuel Reis.

Abraços

Hélder Sousa


2. Efemérides: recordando o dia 5 de março de 1973: Homenagem ao alf mil Victor Paulo Vasconcelos Lourenço... Ou quem é ou o que é um herói ?

por Hélder Sousa


Várias coisas me levaram a fazer este texto.

O factor mais recente foi uma homenagem prestada pelo nosso camarada Armando Faria às vítimas das minas em Cufar em 2 de Março de 1974. Mas já há muito que um outro acontecimento, ocorrido um pouco mais a sul mas cerca de um ano antes, concretamente em 5 de Março de 1973, me tinha impressionado e que várias vezes me assaltava à mente. Refiro-me à morte trágica do Alf. Mil. Lourenço, o último Alferes a morrer na Guiné, segundo uma listagem que já vi publicada, pertencente à CCAV 8350, “Piratas de Guileje”, e que foi uma das 9 baixas mortais que essa Companhia sofreu.

O seu nome foi recordado em placa colocada pelos seus camaradas, dando assim o nome de “Parada Alf. Lourenço” em sua homenagem àquele pedaço de chão, conforme se pode ver na foto n.º 13, da autoria de Carlos Afeitos, ex-cooperante na Guiné entre 2008 e 2012 e que se encontra no “P11908”.





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > c. 2011 > Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973.

De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG.

Foto:  © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados



Um outro factor foi a facilidade com que se denominam ‘heróis’. Hoje em dia, por tudo e por nada, e principalmente por questões relacionadas com o desporto, surgem ‘heróis’ como cogumelos. Pois muito bem, há actos relevantes que fazem com que determinadas pessoas se possam distinguir das demais? Tudo bem! Mas, ‘heróis’? Não serão heróis todos aqueles que no seu dia-a-dia lutam enfrentando as enormes dificuldades que a vida lhes (nos) oferece, para conseguirem ter, quantas vezes, o mínimo?

Às vezes, também, restringindo o ‘heroísmo’ a tempos e a acções de guerra, temos tendência para dar essa classificação a quem foi “muito bom a matar”, deixando de lado aqueles que, como eu entendo ser o caso deste Alferes Lourenço, que em vez de tirar deram literalmente a sua vida em prol de outros. Nos registos, a morte do nosso camarada Lourenço ocorreu por “acidente” e não “em combate”, sendo que isso, para o resultado final, não tem qualquer diferença.

A diferença está, isso sim, nas circunstâncias em que ocorreu.

Esse relato está colocado em comentário que o nosso camarada Manuel Reis publicou no acima referido “P11908” (*).  Em traços gerais, o que sucedeu foi que, aquando duma acção para (re)utilização duma picada entre Guileje e Mejo, verificou-se que num determinado local havia uma granada desarmadilhada mas não em segurança, o que o Alf. Lourenço se preparava para fazer, tendo ele dito ao Manuel Reis, que estava junto dele, que haviam duas em cada trilho e que já tinha colocada a primeira em segurança.

Subitamente a alavanca saltou e naquelas fracções de segundo a decisão que o malogrado Lourenço tomou foi a de proteger os seus camaradas que se encontravam próximos, oferecendo o seu corpo para ‘amortecer’ o impacto da deflagração tendo ficado, em consequência, ‘completamente esventrado’, como indicou o Manuel Reis.

O que o levou a tomar essa decisão? Tanto quanto nos apercebemos do relato do Reis, que se encontrava a um passo, havia mata cerrada na envolvente, havia o seu grupo de combate à frente a montar segurança, havia os capinadores e o Régulo atrás, pelo que atirar a granada para longe, fosse para onde fosse, essa tentativa provocaria, talvez, muito mais ‘estragos’. Mesmo com o seu gesto, para além da morte imediata do Lourenço, ainda se produziram 6 feridos evacuados para o Hospital, entre os quais o Régulo em estado grave.

Volto a interrogar-me: o que teria levado o Lourenço a decidir assim? O sentido da responsabilidade? O sentido do ‘peso’ do comando que determinou a necessidade de proteger os seus homens em detrimento da sua possível segurança? Como conseguiu, naquela fracção de segundo, decidir não seguir o ‘instinto de defesa’ e lançar a granada para longe? Será possível alguma vez responder a estas questões seriamente?

Será que classificar o gesto altruísta (e fatal) do Lourenço de “acto heróico” é injusto?

Para mim, não é injusto! É inteiramente merecido! Que mais poderia ter dado, para além da própria vida?

Por isso aqui deixo a minha comovida homenagem, neste dia do 42º aniversário do seu sacrifício, de modo a que a sua memória e a memória do seu gesto possam ser do conhecimento de mais gente. (**)

E também não quero deixar de dirigir umas palavras ao nosso camarada Manuel Augusto Reis, ‘amigo do peito’ do Lourenço, a quem a sua morte, em si mesma e nas circunstâncias referidas, muito abalou, naquele tempo e que ainda hoje fazem “doer”. Companheiros de quarto, confidentes, com cumplicidades cimentadas nos tempos da Universidade onde idealizavam um País mais igual, mais justo, mais solidário, no qual a guerra estivesse excluída, o Reis sabia da intenção do Lourenço casar quando viesse a Portugal (à Metrópole, como se dizia) nas próximas férias. Não veio!

Também calhou ao Manuel Reis a ingrata tarefa de reunir os haveres do Lourenço e tentar estabelecer o diálogo com a mãe dele, tendo ideia de que era filho único. Se relacionarem a data, Março de 73 e os nomes de Guileje e Gadamael (que, dizem, causam ‘cansaço’ a alguns) pode-se perceber que esses contactos através de cartas não seriam muito ‘eficazes’. Tanto quanto sei, as cartas da mãe eram de revolta e choro e que nunca chegou a ‘aceitar’ a morte do filho, pelo menos nesses tempos.

Portanto, na efeméride deste acontecimento, deixo aqui expresso o meu respeito e admiração no gesto heroico do Alferes Miliciano Víctor Paulo Vasconcelos Lourenço, natural de Torre de Moncorvo e sepultado na Caparica e também o meu abraço solidário ao sobrevivente Manuel Augusto Reis que, cumulativamente, é igualmente merecedor do meu enorme respeito pela forma cordata e paciente como tem ‘aguentado’ todas as odiosas ‘observações’ com que alguns ‘heróis de pacotilha’ o tentaram enlamear.

Honra ao Alferes Lourenço!

Um abraço para toda a Tabanca!

Hélder Sousa
Fur MilTransmissões TSF (Piche e Bissau e 1970/72)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73), Piratas de Guileje > O Alf Mil Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf Lourenço, dos "Piratas de Guileje", morto em 5 de março de 1973, na explosão de uma armadilha. Segundo nos conta o J. Casimiro Carvalho, "um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava".

Foto: © Manuel Reis (2009). Todos os direitos reservados

3. Comentário do Manuel Reis [ex-alf mil, CCAV 8350, Guileje, 1972/743] ao poste P11908 (*)


Então aí vai amigo Luís. Já a contei imensas vezes, talvez não o tenha feito no Blogue, e tão pormenorizada. Não vou ocultar qualquer facto, julguem-me como entenderem.

Lourenço era o meu melhor amigo e após a sua perda se tivesse por onde me furtar, em segurança, e com garantia da minha integridade física, adeus, Guiné.

Estava prevista a reabertura da estrada Guileje-Mejo, para posteriormente se reabrir um aquartelamento em Quebo, mais próximo do Cantanhez. A localização do possível aquartelamento já fora por nós visitado, num patrulhamento que Coutinho e Lima comandou. Nesse dia a sorte estava do nosso lado, quando exaustos, descuidámos a proteção. O PAIGC estava no local, mas nunca imaginou que pisássemos aquele terreno, controlado por eles. A maré do rio começou a encher e tivemos de regressar, sem qualquer percalço.

Por volta das 8 da noite, dia 4 de Março, o Lourenço recebe ordem para fazer proteção à reabertura da referida picada ( estava limitada a um pequeno trilho pela imensa mata que a ladeava) no dia 5 de Março, logo que a visibilidade o permitisse.

Como sempre fazíamos, dada a nossa grande intimidade, abordámos a situação da reabertura da estrada e concluímos que aquela picada brevemente se transformaria num campo de minas, o que se veio a concretizar.

Estava de serviço ao aquartelamento, colaborando na limpeza, ajuda na cozinha, recolha de água e qualquer outra tarefa, que se tornasse necessária.

Depois de orientado o serviço,  dei uma saltada à picada que estava a ser reaberta. O trabalho era feito pelos capinadores recrutados na população.

Constatámos os dois que os trabalhos tinham avançado imenso, a que era atribuído à presença, quase permanente, do Coutinho e Lima. Alertei-o para a granada, que estava desarmadilhada, mas não em segurança. Respondeu-me que sabia, cada trilho tinha duas e ele já colocara em segurança a primeira.

Depois de um pequeno bate papo solicitou-me que lhe pegasse na arma e que iria pôr a granada em segurança. Fumava um Português Suave (sem filtro  e pegou na granada para a colocar em segurança. A alavanca saltou e o Lourenço para proteger os outros ficou completamente esventrado.

A situação era complicada e o tempo escasso para decidir. Estava junto dele e o sexto sentido aconselhou-me que a que recuasse um passo (não havia espaço para mais) e me baixasse com a arma dele. Em frente tinha a mata cerrada e o risco de lhe cair junto aos pés era grande. Atirá-la para a frente era arriscado, encontrava-se o seu grupo de combate a montar a segurança. Atirá-la para trás era impensável, lá se encontravam os capinadores e o Régulo que já se encontrava a dois metros de distância de nós.

A situação resumiu-se à morte imediata do Lourenço e à evacuação, para o hospital de 6 capinadores e do Régulo, este em estado grave.

Não cheguei a ver o estado do Lourenço, era fácil deduzir como se encontrava. Fiquei em estado de choque e refugiei-me na messe dos Sargentos.

Com o Lourenço partiu metade de mim. Para agravar todo este estado anímico, nessa hora, fomos visitados por camaradas sediados em Bissau que vinham planificar as obras a realizar no aquartelamento e que acabaram por me melindrar por me encontrarem num estado debilitado e em sofrimento.

Obrigado,  Amigo. Descansa em Paz. Não esquecerei a data trágica de 5 de Março e recordar-te-ei para sempre.

Manuel Reis

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Notas do editor:

(*) 6 de agosto de  2013 > Guiné 63/74 - P11908: Memória dos lugares (243): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte II (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)