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sábado, 25 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22570: Casos: a verdade sobre... (28): a CCAÇ 1546 e o Mareclino da Mata: uma mentira colossal (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)


Guião da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta
1966/68):


1. Memsagem de Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68):

Data - 24 set 2021 16:17


Assunto - CCaç 1546 / Marcelino da Mata


Prezado Luís Graça;

Tomo a liberdade de enviar este pequeno texto, que poderá ser publicado, caso se enquadre nos objectivos editoriais do Blog

A publicação, pelo colega Carlos Silva do livro sobre os "Roncos de Farim", e a não inclusão no mesmo da referência ao recambolesco, despudorado e inventado episódio, da libertação dos homens da companhia de caçadores 1546, presos pelo PAIGC no Senegal, trouxe para a ordem do dia a personalidade do Marcelino da Mata.(*)

Sobre a mentira colossal em causa só posso dizer que a mesma constitui um ultraje para os homens da citada unidade militar, como para a generalidade do exército português. (**)

Com efeito, quer na Guiné, quer em Angola e Moçambique, penso que ninguém apanhou soldados portugueses à mão.

Soldados portugueses aprisionados houve-os sim, em Goa, mas num processo que lhes permitiu uma rendição digna, e um tratamento de acordo a lei internacional



(Lisboa, Oficina do Livro, 2012. 192 pp.)


Claro que a medalha da vida humana tem duas faces. No caso do Marcelino. uma dessas faces está, de facto, vheia de actos valorosos. Mas, infelizmente, a outra face está vazia. Nessa face vazia falta o humanismo, o respeito pelos vencidos, o respeito pelos direitos humanos, pela verdade, etc.

Com tudo isto pretendo só louvar o colega Carlos Silva, que conseguiu manter o rigor dos factos, mantendo o seu trabalho limpo ao não mencionar a façanha em causa, inventada pelo suposto Rambo da Guiné, e que faz parte do muito lixo informativo que circula na internet. 

A designação "O Rambo da Guiné" aparece no livro "Heróis do Ultramar" (de Nuno Castro), onde o Marcelino da Mata, mentindo, descreve essa façanha. (***)

Domingos Gonçalves
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Notas do editor:

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22548: (Ex)citações (392): Vamos lá pôr os pontos nos iii... “Exageros de Marcelino da Mata?“ (Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879)

1. Comentário do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71), publicado no Poste P22539 em 14 de Setembro de 2021:

Amigos e camaradas:

Vamos lá pôr os pontos nos iii...

“Exageros de Marcelino da Mata?“

No livro agora recenseado pelo nosso camarada Mário Beja Santos,[*] é referido a páginas 71/72 que os “Roncos de Farim” foram chamados de urgência para tentarem resgatar a CCaç 1546/BCaç 1887, que fora apanhada à mão pelos guerrilheiros quando efectuava um reconhecimento em força na fronteira, mencionando:

"Em Agosto de 1967 …
[Pediram-me que os trouxesse de volta à Guiné Portuguesa. Sabia-se que tinham sido levados para um aquartelamento onde estavam foças do PAIGC e um batalhão de paraquedistas senegaleses. E nós lá fomos, 19 homens para resgatar 150!

Os do meu grupo iam todos fortemente armados, mas eu não. Levava apenas uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Foi assim que consegui chegar perto do arame farpado. Os presos portugueses estavam todos sentados na parada, descalços e em cuecas. Um deles reconheceu-me e avisou o capitão.

Depois passaram palavra entre eles e esperaram pela acção“



“Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e no meio de grande tiroteio gerou-se confusão. Os “páras” senegaleses desataram a fugir e aproveitamos para tirar dali os nossos.

Foi assim que fugiram - descalços. Fizeram 40 quilómetros até à fronteira escoltados por nove homens do meu grupo, enquanto outros 10 ficaram para trás a aguentar os tipos do PAIGC.

Quando finalmente chegaram à Guiné Portuguesa, voltámos para trás para dar porrada aos guerrilheiros. Foi uma operação em que ganhei a Torre Espada, recorda Marcelino .” ]


O Autor não refere a fonte de onde extraiu este episódio, que nos faz lembrar os filmes de cowboys.

A
CCaç 1546 pertencente ao BCaç 1887 comandado por um grande combatente Ten Cor Agostinho Ferreira, seguiu em 13Maio66 para Piche, a fim de efectuar a instrução de adaptação operacional, sob orientação do BCaç 1856, até 02Jun66.

Seguidamente foi colocada em Nova Lamego, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe e orientada para actuação na Zona Leste, onde foi atribuída ao Agr 24. Inicialmente, foi utilizada em operações realizadas nas regiões de Bucurés/Camajabá, Madina do Boé, Ché-Ché e Beli, entre outras, em reforço do BCaç 1856.

De 20 a 22Set66, foi utilizada numa operação realizada na região de Madina-Enxalé, em reforço do BCaç 1888.

Em 20Out66, transferiu a sua sede para Fá Mandinga, mantendo-se em reforço do BCaç 1888, tendo realizado várias operações nas regiões de Xitole, entre outras.

Em 16Dez66, foi substituída em Fá Mandinga pela CCAÇ 1589 e recolheu seguidamente a Bissau, onde se manteve até 27Dez66, após o que seguiu para Binta. Em 28Dez66, rendendo a CCaç 1550, assumiu a responsabilidade do subsector de Binta, com um pelotão destacado em Guidage, ficando então integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão, BCaç 1887.

Em 13Jan68, foi rendida pela CArt 1648 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

[In, Estado-Maior do Exército – Comissão para o Estudo das Campanhas de África ( 1961-1974 ), 7.º Volume – Fichas das Unidades - Tomo II – Guiné – 1.ª Edição – Lisboa 2002]

Ora, face à experiência de combate desta Unidade CCaç 1546, como decorre do seu pequeno historial, qual é o Combatente de boa fé que acredita nesta história que nos faz lembrar os filmes de cowboys?

Não vi, não ouvi e nem li e nem acredito que algum dos gloriosos Combatentes desta UNIDADE pertencente ao glorioso BCaç 1887, comandado por um Comandante de gabarito, Ten Cor Agostinho Ferreira, que alguma vez tenham omitido uma tamanha humilhação resultante do episódio descrito no mencionado livro intitulado "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", págs 71/72 da autoria . da autoria de Jorge Monteiro Alves.

O nosso camarada bloguista Domingos Gonçalves, ex-Alferes da CCaç 1546[**], que esteve sediada em Binta com um Pelotão destacado em Guidage, e que por duas vezes esteve a comandar o pelotão destacado em Guidage, não faz qualquer alusão no seu diário composto por 3 volumes a um episódio de semelhante natureza.

Eu também nunca ouvi da boca de vários elementos dos “Roncos de Farim“, inclusive do próprio Marcelino da Mata, tamanha façanha, caso contrário teria mencionado no meu livro “Os Roncos de Farim“, na medida em que tratava-se de uma intervenção do grupo e por certo teria de ser comandado pelo Alf Filipe Ribeiro, à altura comandante deste grupo aguerrido, que não era e nunca foi comandado por Marcelino da Mata.

Vamos lá desfazer as mentiras, nem oito, nem oitenta.

Carlos Silva

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Notas do editor

[*] - Vd. poste de 13 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22539: Notas de leitura (1381): "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", por Jorge Monteiro Alves; LX Vinte e Oito, 2021 (Mário Beja Santos)

[**] - Vd. poste de 20 DE DEZEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P14057: (Ex)citações (255): O Marcelino da Mata, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género (Domingos Gonçalves)

3. Esclarecimento do camarada Domingo Gonçalves.

Prezado Manuel Luís Lomba:
Respondendo ao teu pedido de esclarecimento tenho a referir o seguinte:
Quando se realizou a operação em causa eu estava a comandar o destacamento de Guidage pelo que acompanhei muito de perto a operação Chibata.
Os Comandos de Farim - os Roncos -, como eram conhecidos, participaram na operação, comandados pelo Marcelino da Mata, que teve, uma intervenção importante no desenrolar dos acontecimentos.
Participei, aliás, em várias ações levadas a cabo pela CCAÇ 1546, reforçada pelo citado grupo. O Marcelino era um combatente arrojado. Teve influência decisiva em várias ações de combate. Ele e o grupo, claro.
Contudo, sobre o episódio da libertação de prisioneiros, pertencentes à minha Companhia, apenas posso referir, que é mentira. Quer a minha Companhia, quer as outras duas, a 1547 e a 1548, que integravam o BCAÇ 1887, fizeram, ao longo da sua permanência na Guiné, prisioneiros, mas não sofreram prisioneiros.
Vi, também, na Net, a descrição do episódio que referes. Uma libertação, aliás, de prisioneiros, de forma bastante simplória. Como disse, é pura mentira.
O Marcelino, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género.


Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22538: (Ex)citações (391): Ainda não sabemos a proveniência da foto de capa do livro do TCor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África" (Guerra e Paz Editores, 2021), escolhida pela editora (António Bastos / Carlos Vinhal)

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22539: Notas de leitura (1381): "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", por Jorge Monteiro Alves; LX Vinte e Oito, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Quando se pretende biografar uma figura denominada herói lendário, um combatente cumulado pelas mais altas condecorações portuguesas, impõe-se ponderar uma consulta a documentos probatórios, irrefutáveis, socorrer-se do contraditório, ir aos arquivos, quando se pretende uma biografia histórica, não é o caso do livro de Jorge Monteiro Alves que enveredou por uma biografia informal, aqui correm-se inúmeros riscos, suscitam-se imensas dúvidas, é sempre o herói quem comenta as suas façanhas, e persistem as lacunas, é indispensável que a historiografia entre em ação. Mas não se pode retirar o mérito, é o primeiro trabalho jornalístico sobre um complexo personagem sobre o qual há muito a investigar.

Um abraço do
Mário



Biografia informal de Marcelino da Mata, um projeto para entender um herói guineense

Mário Beja Santos

Uma biografia, por definição, pauta-se pela evidência científica: arquivos, consulta de toda a documentação disponível, audição de relatos apaixonados, desapaixonados, sob o efeito do contraditório; contextualização do biografado no seu tempo e pela sua obra; extensa bibliografia, notas das consultas, etc. O trabalho do jornalista Jorge Monteiro Alves sobre Marcelino da Mata, intitulado "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", LX Vinte e Oito, 2021, é uma biografia informal, discorre sobre o personagem, o autor marca as suas distâncias, procura mesmo contextualizar o guineense mais condecorado do Exército Português no quadro da luta armada; mas, como é evidente, é trabalho lacunar, reconheça-se o mérito de procurar retratar o herói no seu tempo, saúde-se a primeira obra sobre alguém que suscita incomensurável admiração ou infindáveis reprovações e repulsa pelos métodos adotados na atividade de combatente.

O contraditório é elementar, tão elementar como a investigação. Julião Soares Sousa, o importante biógrafo de Amílcar Cabral, ousou desfazer lendas, contestar a data da fundação do PAIGC, pôr a nu as pesadas contradições na ideologia do líder que bem procurava camuflar a existência de uma discordância histórica entre cabo-verdianos e guineenses. Tendo Marcelino da Mata pensado em aliar-se ao PAIGC, fruto das represálias que este exerceu na sua família (mataram-lhe o pai e a irmã, grávida de 8 meses), era indispensável apurar a verdade dos factos, confirmar as execuções da primeira e segunda mulher, seguramente que houve testemunhos. Os depoimentos da sua vida são dados por ele próprio. Parece que a ebulição subversiva surgiu de modo espontâneo, e por obra e graça de um acaso tudo começa em Tite em 23 de janeiro de 1963. Ora Marcelino da Mata foi incorporado em Bolama, fez a tropa pelo irmão, será que não há nenhum testemunho sobre este tempo, e depois como condutor-auto e depois no BCAÇ 356?

Monteiro Alves dá-nos uma súmula do dispositivo militar, notas sobre a economia da província ultramarina, e assim chegamos aos efetivos. Temos o general Spínola a reivindicar mais meios (parece que os dois comandantes-chefes procederam igualmente assim, mas foram menos felizes na contemplação, fala-se no novo conceito de guerra trazido por este homem providencial, faz-se o contraponto com o triplo de poder de fogo do PAIGC face a uma unidade militar portuguesa, enfim, nada ficamos a saber sobre o comportamento das nossas forças até 1968. Providencialmente, ficamos a saber como atuavam as nossas forças tudo por causa do que diz Marcelino da Mata: a Batalha do Como, onde ele fez o tirocínio com os Comandos; o herói Marcelino da Mata está em Brá no Centro de Instrução de Comandos da Guiné Portuguesa, em julho de 1964, o Governador e Comandante-Chefe chama-se Arnaldo Schulz, Marcelino colabora com os Comandos, os Gatos, os Fantasmas, os Panteras. E no final do ano engendram um modo de operar, quer fazer operações com um escasso número de militares. Monteiro Alves entende que deve interpolar permanentemente o que faz o herói com as ofensivas do PAIGC e o que se passa na cena internacional. Temos depois a criação dos Roncos de Farim, uma tropa especial lendária a que ele se agregou, tinha à frente um alferes destemido, Filipe José Ribeiro, e Marcelino da Mata fazia parceria com um Mandinga não menos destemido, Cherno Sissé. Chovem as condecorações. Os Roncos chegam a Cumbamori, em dezembro de 1967, estava lá Luís Cabral, viveu uma grande inquietação, mas safou-se. Monteiro Alves vai citando Marcelino da Mata em exclusivo, não dá guarida a outros depoimentos.

Foi várias vezes ao Senegal, em agosto de 1967 resgatou os homens da CCAÇ 1546, que tinham sido apanhados à mão, o prémio foi a Torre e Espada. É 2.º Sargento, criou o seu próprio grupo, os Vingadores. Anda numa completa dobadoira, Schulz parte, Spínola chega e o autor desenvolve as alterações introduzidas pelo novo Comandante-Chefe, os Vingadores sempre no ativo. Cria-se a primeira Companhia de Comandos Africana, a africanização da guerra conhece novos desenvolvimentos. Dá-se a Operação Mar Verde, Marcelino da Mata participa, ataca o quartel da Guarda Nacional em Conacri, é pouco económico no autoelogio:
“Eu arranjei uma metralhadora e comecei a fazer fogo. Aquilo era como disparar contra carneiros. Só à minha conta, numa contagem oficial, ficaram lá 94 estendidos, mas devem ter sido muito mais. Quem ficou aborrecido comigo foi o Calvão, pois alguns dos mortos eram oficiais superiores que simpatizavam com a FLNG e que se deviam juntar à revolta. Mas eu não sabia de nada disso. Nem ninguém do meu grupo. Quem me levava essas instruções era o alferes. Mas como ele foi abatido logo à entrada do quartel…”.
Nova condecoração para Marcelino da Mata, graduado em alferes com a especialidade de Comando. Monteiro Alves há ocasiões em que mostra que não teve acesso a fontes documentais, refere calmamente que o PAIGC derrubou um helicóptero no rio Mansoa em 25 de julho de 1970, que vitimou quatro deputados, não foi nada assim, o helicóptero foi metido no golfão em pleno rio, o piloto não conseguiu a manobra correta para dali sair, foi tudo puro acidente.

O autor volta a espraiar-se sobre a cena internacional, Marcelino tinha sido enviado para Cabora Bassa em 1971, Spínola mandou-o regressar, veio para o Centro de Operações Especiais, foi nessa altura que nasceram os Vingadores, Marcelino da Mata conduz uma verdadeira máquina de combate. Estamos chegados a 1973, entram em cena os mísseis Strela, Marcelino tinha anteriormente colaborado na Operação Grande Empresa, a ocupação do Cantanhez, soma louvores e cruzes de guerra. São referidas as ofensivas do PAIGC e a nova ida de Marcelino da Mata a Cumbamori. A 28 de abril de 1974, Marcelino da Mata cai ferido e é mandado para o Hospital de Bissau e evacuado para Lisboa a 2 de maio. A Guiné caminha para ser um país independente. Segue-se uma frase descabelada do autor:
“As últimas tropas portuguesas saíram da antiga província. Mas não trouxeram consigo os Comandos e os Fuzileiros Africanos. A traição portuguesa equivaleu a uma pena de morte para milhares de homens que deram tudo pela bandeira verde rubra”.
Se acaso tivesse consultado a documentação, verificaria que foram efetuadas diligências para trazer todas as tropas especiais, recusaram, quiseram ser remunerados até dezembro. Está-se em crer que um jornalista sabe que existe o Direito Internacional, não se pode interferir na vida interna de um Estado autónomo, pergunta-se que mais diligências poderiam ser feitas a não ser protestar pela diplomacia. Insiste-se na tónica do abandono sem minimamente querer apurar a verdade dos factos.

A biografia informal de Marcelino da Mata certamente que irá despertar novos trabalhos que permitirão abrir luz sobre a complexidade do personagem, já que o seu heroísmo foi incontestável, como o seu destemor, o melhor será aprofundar recorrendo às fontes documentais e aos testemunhos de todas as latitudes. Enquanto é tempo, que já é muito escasso para quem conheceu e combateu ao lado do herói da lenda.


Imagem retirada do Diário de Notícias, com a devida vénia
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Notas do editor

Vd. postes de:

24 de Agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22481: Notas de leitura (1374): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte I (Luís Graça)
e
4 de Setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22513: Notas de leitura (1377): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte II (Luís Graça)


Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22533: Notas de leitura (1380): "Um caminho de quatro passos": temos um novo escritor, o António Carvalho passa o teste, e espero que seja com louvor por unanimidade e aclamação dos seus leitores (Luís Graça)

sábado, 4 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22513: Notas de leitura (1377): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte II (Luís Graça)

1. O
"making of" deste livro já terá, seguramente,  mais de seis anos. Em 10 de agosto de 2015, o Jorge Monteiro Alves mandou-me um mail, pedindo a indispensável colaboração do blogue:
 
(...) "Caro Senhor Luís Graça;

Em colaboração com a editora Verso da História, estou a finalizar um livro sobre o TC Marcelino da Mata, tendo como pano de fundo o conflito na antiga Guiné Portuguesa.

O seu blogue contém relatos muito interessantes sobre a matéria e o senhor dispõe igualmente de uma extensa lista de contactos. O trabalho que estou a elaborar, já em fase de finalização, carece de três ou quatro testemunhos de antigos combatentes que tenham privado ou combatido com o TC Marcelino.

Poderá o senhor Luís Graça fazer o favor de me fornecer alguns nomes e respectivos contactos (telefónico ou via e-mail, preferencialmente da região de Lisboa, onde resido) que me permitam atingir o que proponho? (...)"

Esta mensagem foi de novo colocada, como comentário, no poste P823, em 8/10/2015 6:03 da tarde. da I série do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


2. Para além do seu nº de telemóvel, o Jorge Monteiro Alves deu-me uma extensa lista de nomes com quem  gostaria de poder falar, entre eles, alguns alguns antigos militares dos Comandos do CTIG, tais como o Virgínio Briote, o João Parreira, o Mário Dias, o Vassalo Miranda, e outros.  Dissemos-lhe que gostaríamos de saber algo nais sobre o autor. Respondeu-nos logo a seguir, reproduzimos um excerto:
 
(...) Boa tarde, Luís Graça

Antes de mais, obrigado pela sua amável resposta.

Em relação a conhecer algo mais sobre mim, posso dizer-lhe que tenho 55 anos e, como depreende devido à minha idade, felizmente não fiz a guerra do Ultramar. Cumpri o serviço militar como alferes miliciano na EPAM (nos "padeiros" do Lumiar), mas esse, tal como muitos de vós, foi apenas de carácter obrigatório.

Profissionalmente, fui jornalista do JN durante 25 anos e fui editor de Política Internacional, tendo no desempenho dessas funções andado nove anos a cobrir as guerras da ex-Jugoslávia, da Croácia à Bósnia e ao Kosovo. Para mim, chegou-me de guerra, de angústias e medo. Posteriormente, fui jornalista do jornal Público.

Actualmente trabalho como autor e revisor para editoras como a Presença, entre outras. Sou autor dos livros "Nunca Passes Além do Drina" (basicamente sobre as guerras na ex-Jugoslávia), "Carmencita" (um pequeno romance de carácter iconoclasta do século XVIII) e "A Generala" (um romance do início do século XIX sobre as Invasões Francesas).

Relativamente ao trabalho que estou a fazer sobre o TC Marcelino, permita-me que lhe faça o seguinte enquadramento – tenho o maior respeito pelos ex-combatentes, designadamente pelo TC Marcelino. Politicamente, poderá definir-me como um livre-pensador. O facto de estar a tentar encontrar ex-combatentes que privaram com o TC Marcelino penso que demonstra o esforço em recolher depoimentos que tornem esta biografia o mais factual possível. O trabalho em si está praticamente concluído, embora faltem limar algumas arestas.

Já tentei mais do que uma vez contactar o TC Marcelino, mas este infelizmente nunca respondeu. Tentei igualmente recolher o depoimento do Cor 'Comando' Folques, mas também este não respondeu.

A Verso da História, que vai editar esta obra, já elaborou múltiplos trabalhos sobre a Guerra Colonial, tendo contado com a colaboração de múltiplos ex-combatentes para a elaboração, por exemplo, de "Os Anos da Guerra Colonial" (não participei neste trabalho).

Resta-me mais uma vez agradecer-lhe a amabilidade da sua resposta e com certeza que autorizo que coloque o tal post no seu blogue. Fico à sua inteira disposição ou de qualquer ex-combatente caso me queira conhecer para tomarmos um café na zona de Lisboa (eu moro em Santo Amaro de Oeiras) antes de prestarem qualquer declaração sobre o TC Marcelino e a guerra na ex-Guiné Portuguesa.

Mais uma vez obrigado e um abraço,

Jorge Monteiro Alves


3. Mostrei disponibilidade para ajudar o autor a completar o seu livro. No dia 15 de agosto de 2015, às 20:35, escrevi-lhe o seguinte;

Jorge:

Vi o seu mail, estou de férias, mas vou procurar responder ao seu pedido... Gostaria de saber algo mais sobre a sua pessoa, presumo que seja jornalista. Gostaria inclusive, se mo autorizar, de publicar um poste no nosso blogue de modo a poder contactar com mais ex-combatentes, que passaram pelo TO da Guiné, e que conheceram o Marcelino, como homem e como militar.

Um dos dos nomes, incontornáveis, é do ex-alf mil 'comando' Virgínio Briote, comandante do grupo Diabólicos, a que o então 1º cabo Marcelino pertenceu, por volta de 1965/66.... Vou-lhe dar conhecimento do seu pedido de colaboração, Ele é um dos nossos colaboradores mais ativos. Outros camaradas desse tempo a que envio esta mensagem são o Mário Dias e o João Parreira... Os três moram na região de Lisboa...

Mas há mais camaradas e amigos do Marcelino, por exemplo os camaradas da Tabanca da Linha que o Marcelino costuma frequentar: cito três, os animadores da Tabanca da Linha, Jorge Rosales, José Manuel Matos Dinis, Manuel Resende...

Outros nomes que referiu, nomeadamente guineenses, já não estão infelizmenetentre nós...Casos do João Bacar Jaló e do Saiegh (que eu conheci pessoalmente na Guiné, na 1ª Companhia de Comandos, em Fá Mandinga e em Bambadinca)... 

Sobre o Marcelino, não tenho qualquer informação relevante a dar-lhe, já que nunca o conheci na época em que estive no TO da Guiné (1969/71)... Só o conheço, e mal, de dois ou três convívios na Tabanca da Linha. Em todo o caso, há mais de 3 dezenas de referências ao Marcelino da Mata, no nosso blogue (que já existe há 11 anos).

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Marcelino%20da%20Mata

Desejo-lhe boa sorte na elaboração e publicação do seu trabalho. Espero que contribua, tal como o nosso blogue, para preservar e partilhar as memórias de uma época complexa mas historiograficamente rica como foi aquela em se desenrolou a guerra, na Guiné, entre 1961 e 1974.

Sabia, por alto, que havia alguém a trabalhar numa biografia do Marcelino, por informação do próprio. Espero que a obra, a publicar, nos honre a todos, e não seja uma mera hagiografia. O Marcelino merece um trabalho isento, bem documentado e intelectualmente honesto. O desafio é grande, mas os riscos também, e o maior deles é sempre a "ideologia" (qualquer que seja o seu quadrante ou matriz) que enviesa a recolha, o tratamento e a interpretação dos dados. Desejo boa sorte e ofereço-lhe as páginas do blogue para levar a bom porto o seu projeto.

Dou ainda conhecimento deste mail aos meus camaradas Mário Beja Santos, Jorge Cabral e Miguel Pessoa (outra fonte privilegiada que deve procurar contactar).

Saudações bloguísticas. Luís Graça


4. Em 25 de junho de 2020 começou a 

Marcelino da Mata 
(Ponta Nova, Guiné, 1940 
- Amadora,
 2021)
circular pelas redes sociais um texto, em pdf, com 171 pp., da autoria de Jorge Monteiro Alves, com o título "O último soldado do Império". O José Torres fez-mo-lo chegar por email com a seguinte nota: "Aqui vai a história do combatente Marcelino da Mata".

O texto começava assim:

(...) O tenente-coronel comando Marcelino da Mata fez mais de mil missões de combate na Guiné. Das matas do Morés ao Corredor da Morte, passando pelo Senegal e por Conacri Apesar de este livro pretender ser uma singela homenagem ao tenentecoronel Marcelino da Mata e, por inerência, aos Comandos e a todos os soldados Portugueses obrigados a abandonar as suas aldeias, vilas e cidades para irem perder lá longe a inocência, quantas vezes a vida, o autor não pretende, de forma alguma, fazer a apologia da guerra, mas tão-só traçar o retrato possível de uma página da História de Portugal. (...)

E terminava assim:

(...)  Hoje, tantos anos volvidos, o tenente-coronel Marcelino da Mata olha com alguma amargura para o presente. Sente-se esquecido e injustiçado. Também ele perdeu duas pátrias. Mas daquilo que sente mais saudades é dos seus companheiros, traídos pela bandeira verde-rubra à qual tanto deram e que jazem hoje esquecidos numa vala qualquer nas matas da Guiné. (...)

Eu descomhecia esta versão. Depois da morte do Marcelino (em 11 de fevereiro de 2021), falámos ao telefone uns tempos depois. O Jorge Alves falou-me do seu projecto literário, em "stand by",  e das suas dúvidas sobre a oportunidade da publicação do livro em cima do luto. 

Incentivei-o a não desistir, sugerindo-lhe que desse mais atenção ao contexto histórico em que viveu o nosso camarada luso-guineense. Foi o que ele fez, aumentando e melhorando o texto que, entretanto, saiu publicado, sob a chancela de outra editora, a Livros Horizonte, em julho passado, com outro título, mas com os mesmos 15 capítulos e mais duas dezenas de páginas.(*)

A nova versão começa assim (cap I, pág. 17):

(...) Portugal teve o seu Vietname na Guiné. li, ao longo de 11 anos, num território do tamanho do Alentejo, morreram mais de três mil soldados portugueses, vítimas de um adversário temível e de um clima impiedoso. Muitos mais ficaram estropiados e com feridas na alma para toda a vida. Lutaram em condições pavorosas e, apesar de tudo, muitos foram além do que exigia o dever. De entre estes, um distinguiu-se dos demais, Foi, como quase todos, para a tropa porque  a isso o obrigaram. Ali aprendeu o ifício da guerra. Depois ficou porque goatou do que fazia. O seu nome ? Marcelino da Mata. (...)

 E termina assim (cap XV, pág.191):

(...)  Muitos anos volvidos, já no fim da vida, o tenente-coronel Marcelino da Mata olhava com alguma amargura para o que o rodeava. Sentia-se injustiçado. Havia até quem o acusasse de não passar de um criminoso de guerra. Também ele perdera duas pátrias. Mas daquilo que sentia mais saudades era do mato e dos seus companheiros, traídos pela bandeira verde-rubra à qual tanto deram e que jaziam esquecidos numa vala qualquer nas matas da Guiné. (...)

(Continua) (**)
___________

Notas do editor:

(**) Último poste da série >  3 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22507: Notas e leitura (1376): "Posfácio" ao livro "Um caminho a quatro passos", de António Carvalho. Apresentação da obra na Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, sábado, 11 de setembro, às 11 horas

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22481: Notas de leitura (1374): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte I (Luís Graça)

Ficha técnica:

Título: No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português
Autor: Jorge Monteiro Alves
Edição: 07-2021
Editor: Livros Horizonte, Lisboa
Idioma: Português
Tipo de Produto: Livro
Páginas: 192
Dimensões: 155 x 235 x 15 mm
Encadernação: Capa mole
ISBN: 9789899984837
Classificação Temática: Livros em Português > História > História de Portugal
Preço de capa: c. 15 euros


Nota de leitura, por Luís Graça >  Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne; Guiné, o Vietname português” (Lisboa,  Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte I


“Portugal teve o seu Vietname na Guiné” (pág. 17), começa por escrever o autor, logo na primeira linha do primeiro parágrafo do Capítulo I (sem subtítulo, tal como os restantes, quinze ao todo).

É já um “lugar comum” a tentativa de comparar-se a guerra da Guiné com a do Vietname, mas isso poderia (e deveria) começar por ser uma “pergunta de investigação” , aceitável por exemplo num trabalho académico, uma  dissertação de mestrado ou uma tese de doutoramento.

Não sei se alguém, mais habilitado para o fazer, com formação em ciências militares (, cultivadas, por exemplo, na Academia Militar), já se abalançou à tarefa de responder a esse desafio. Não é questão para ser respondida, com seriedade, nas redes sociais.

São comparáveis as duas guerras ? Nâo me parece, dado o contexto geopolítico e os meios logísticos, humanos e militares envolvidos, a par do número de baixas, tanto militares como civis. Enfim, seriam, ambas, guerras de "baixa intensidade", comparadas com as guerras convencionais, envolvendo dois ou mais Estados ? 

Deixemos isso para os peritos militares, mas em geral a guerra da Guiné cabe na definição de Conflito de Baixa Intensidade (, em inglês, low-intensity conflict) melhor do que a guerra do Vietname. O que não quer dizer que na "nossa guerra" não tenha havido cenas de grande violência e horror como as do Vietname. Muitos de nós já aqui o testemunharam. Num caso a televisão mostrou, no outro omitiu.  Historicamente a guerra do Vietname foi a primeira a ser mostrada em direto nos ecrãs de televisão,  afetando o moral das tropas e minando o patriotismo dos americanos que ficaram na retaguarda... O que teria em Portugal em maio/junho de 1973 se a televisão estatal, a única que existia, tivesse mostrado imagens em direto de Guidaje, Guileje ou Gadamael ? Impensável. ..

Não é o caso deste livro, que de facto não pretende comparar a guerra do Vietname com a da Guiné. Não é, nem pretende ser, um trabalho académico, com as exigências próprias do género, a começar pelas referências bibliográficas e pelo "estado da arte" (ou revisão de literatura). Não é sequer um ensaio de história, ou muito menos uma obra biográfica. Mas também não é ficção, mesmo que o autor nunca posto os pés no território....Era muito novo ou estava para nascer....

Li o livro num fôlego, com agrado, estilo incisivo, frase curta,  à Hemingway, mas vejo-o apenas como um trabalho de investigação jornalística. Que, acrescente-se desde já, tem méritos e alguns erros, omissões ou falhas, a serem objeto de correção, se for caso disso, numa 2ª edição, aumentada e melhorada. 

“No mato ninguém morre em versão John Wayne” seria, em todo o caso, um bom título para uma obra de ficção sobre a guerra, em geral, e a guerra de guerrilha e contraguerrilha, em particular, se não fora o subtítulo, “Guiné, o Vietname português”.

Mas a bota não bate com a perdigota, isto é, o continente com o conteúdo: o leitor pode ser induzido em engano se levar à letra o subtítulo da obra do Jorge Monteiro Alves. Na realidade, nas 191 páginas e nos 15 capítulos deste trabalho literário ou jornalístico, o autor deixa cair, logo à primeira, o topónimo “Vietname”. Não se fala mais da guerra onde o exército norte-americano parece ter perdido tanto na linha da frente como na rectaguarda (, tendo em conta o clima de grande hostilidade, impopularidade e contestação que a guerra do Vietname provocou no seio da sociedade americana e na própria Europa)…

Na realidade, não são sequer realidades comparáveis, a Guiné e o Vietname, Portugal e o EUA, o PAIGC e os vietcongs e os seus aliados… O único termo de comparação com a nossa “guerra do ultramar” que se pode encontrar no livro é da “guerra da Argélia”, muito embora a Argélia francesa fosse uma verdadeira colónia de povoamento, o que a Guiné portuguesa não era (nem nunca foi):

(…) “Ali, na luta armada contra o movimento de libertação argelino (Frente de Libertação Nacional, FLN), Paris chegou a colocar 500 mil homens, efetivos destinados a combater num área de 300 mil km2 (o restante da Argélia é deserto). E contava com todo o apoio logístico-militar da própria França, situada a apenas 700 km. Tudo em vão. Portugal, pelo contrário, empregava 150 mil homens em permanência para lutar numa área de dois milhões de km2, com o apoio logístico-militar da Metrópole, situado a cinco mil e seis mil quilómetros (casos de Angola e Moçambique. (…) O regime não só obrigou centenas de milhares de portugueses a um esforço inaudito durante 13 anos de guerra, como também esvaziou os cofres do Estado” (pág. 56). (…)

Já antes, no início do livro, se escrevia, a seguir à frase “Portugal teve o seu Vietname na Guiné”:

“Ali, ao longo de 11 anos, num território do tamanho do Alentejo, morreram mais de três mil soldados portugueses, vítimas de um adversário temível e de um clima impiedoso. Muitos mais ficaram estropiados e com feridas na alma para toda a vida. Lutaram em condições pavorosas e, apesar de tudo, muitos foram além do que exigia o dever” (pág. 17).


Guiné > Bissau > Brá > Setembro de 1965 > Grupo Comandos Diabólicos > "Foto de finais de Set 65, tirada em Brá, quando começaram os "ensaios" com as boinas vermelhas... Da esquerda para a direita: Marcelino da Mata, Azevedo, Virgínio Briote , Carlos Faria "Black") e Valente"...

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mas este pequeno preâmbulo serve apenas para introduzir a figura de um combatente excecional, o luso-guineense Marcelino da Mata, cuja história de vida, devidamente contextualizada, vamos acompanhar ao longo das 191 páginas do livro, E, no entanto, não se trata de um biografia deste combatente em que o mito e a realidade se misturam, e muito menos uma biografia autorizada. Como escreve, no prefácio, Francisco Gomes de Oliveira

(…) “Para os seus homens. Marcelino da Mata foi um líder e um herói. Para o PAIGC, um temível inimigo. Para nós, Portugueses, alguém cuja memória merece uma análise desapaixonda e contextualiza” (pág. 14).

Na realidade, é uma pena que o Marcelino da Mata, que a morte, por Covid-19, surpreendeu, aos 81 anos, nunca tenha querido escrever ou ditar (a um “copy desk”) as suas memórias, contrariamente a outro combatente guineense, comando, Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), autor de “Comando, guineense, português” (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp.). 

Neste caso, o Amadu teve mais sorte que o Marcelino, graças a inestimável ajuda de um camarada de armas, igualmente 'comando', o Virgínio Briote, cuja sensibilidade, solicitude, solidariedade e competências nunca são demais evocar e exaltar aqui... Para mais, o Briote chegou a ser comandante operacional do Marcelino da Mata (**), facto que é omitido no livro do Jorge Monteiro Alves.

Em mail que nos enviou no passado dia 10 de julho, o Jorge Monteiro Alves transmitiu-me, entretanto,  algo que é importante para se peceber o "making of" desta obra e os seus limites, e de que aqui reproduzo uma parte (, com a devida vénia):

(...) "Tentei estabelecer ene contactos (telefónicos, pessoais, etc.) com o TC Marcelino, inclusive através do núcleo da Bataria da Lage (Comandos, cujo restaurante frequento, e ele também frequentava). Tudo em vão. Ele sempre se esquivou. " (...)

O ten cor Marcelino da Mata provavelmente tinha em mente outros projetos e quereria, porventura, obter algumas legítimas compensações financeiras, provenientes dos direitos de autor de um livro de memórias, sucetível de se tornar um "best-seller". Terá sido isso que deu a entender ao Jorge Monteiro Alves, mas também a mim, há uns anos atrás. 

De facto, as poucas vezes que estive com o Marcelino da Mata não foi no CTIG, mas em convívios da Tabanca da  Linha. Mas raramente falámos, Houve, porém,  um vez em que ficámos frente a frente, à mesa. E conversámos ainda um bocado. Mas fiquei com a ideia de que ele era melhor operacional do que conversador. Na altura insisti com ele para escrever e publicar as suas memórias em vida, sob pena de ele as levar para  cova e nunca mais se chegar a saber exatamente onde começava a lenda e acabava a história. 

Disse-me que tinha um jornalista encarregue dessa tarefa (sic). Não me disse quem. E muito menos me falou em editoras eventualmente interessadas. O seu mundo não era esse. Depois da sua morte, até pensei que fosse o Jorge Monteiro Alves o tal jornalista que estava a tratar da edição das suas memórias, mas vejo agora que estava errado. Enfim, pareceu-me, o Marcelino da Mata, um homem com mais admiradores do que amigos do peito. 

Mas voltando ao email do Jorge Monteiro Alves, do passado dia 10 de julho. Que fique clara a intenção do autor: 

"Tal como já tive oportunidade de referir ao Luís Graça, este livro não pretende ser uma bio do Marcelino, mas sobre a guerra da Guiné tendo o Marcelino como fio condutor." (...)

Antes de avançarmos, entretanto, na análise nais detalhado do livro, falemos um pouco do autor e deste seu projeto: Jorge Monteiro Alves, natural do Porto, vive em Paço de Arcos, Oeiras, é jornalista com 30 anos de carreira e com provas dadas em teatros de operações, nomeadamente nos Balcãs (Krajina, Bósnia, Kosovo).

Foi editor de “política internacional” no JN – Jornal de Notícias, mas do que gosta mesmo, confessa, é a “reportagem de guerra”. Foi o primeiro português a entrar na cidade cercada de Sarajevo no período mais quente dos combates, em 1992, diz a sua nota biográfica, 

Com este é o seu quinto livro publicado, depois de "Nunca passes além do Drina" (Papiro Editora, 2006, 238 pp. ), "Carmencita" (Chiado Books, 2014, 88 pp. ), “A generala" (Chiado Books, 2014, 160 pp. ) e "O meu Deus é melhor que o teu" (Chiado Books, 2021, 184 pp.).

 Ao terminar esta primeira nota de leitura, refira-se que, ainda antes da morte do ten-cor Marcelino da Mata, circulava nas redes sociais um projeto de livro, ilustrado, e em formato pdf, com o título "O Último herói do Império", e era justamente da autoria do Jorge Monteiro Alves. Tinha 172 págimas, menos vinte que o livro que ele acaba de publicar, sob a chancela editoral dos Livros Horizonte. Falámos sobre ao telefone sobre o que o impedia de avançar com a edição do livro, um projecto já com meia dúzia de anos. A verdade é que o Jorge retomou o fôlego, e venceu alguns receios e algumas reservas conjunturais, decorrentes da dramatização da perda ainda recente do Marcelino da Mata.

Na lista dos agradecimentos, há uma palavra para o nosso blogue. Mas a gratidão maior vai para "todos os ex-combatentess da então Guiné Portuguesa que entrevistei e que lutaram ao lado do Marcelino da Mata." E esclarece: "Os relatos em primeira pessoa registados neste livro resultam de múltiplos depoimentos feitos nas décadas de 70 e 80 do século XX a orgãos de Comunicação Social Portuguesa" (pág, 9)", e que o autor nunca ou raramente cita, como deveria. Mas isso é já assunto para a segunda parte desta nota de leitura. (***)

(Continua)
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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22454: Notas de leitura (1371): "Os Roncos de Farim", por Carlos Silva; editora 5 Livros, 2021, a ser apresentado amanhã na Tabanca dos Melros (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2021:

Queridos amigos,

Carlos Silva tinha guardado este acervo de apontamentos em que trabalhou durante anos até 2007. Dá-os agora à luz do dia com um conjunto apropriado de imagens, depoimentos e bibliografia junto até esse tempo. Continua a mexer nos papéis e promete para breve surpresas. 

O que ele aqui rolou tem a ver com o início e o desenvolvimento da história dos Roncos de Farim, falta esclarecer como é que este mítico grupo de combate arrumou as botas e quem o dirigiu depois do grave acidente de Cherno Sissé. 

Também não fica esclarecida a saída de Marcelino da Mata que mais tarde aparece como fundador de um grupo especial, Os Vingadores. Inquiriu os diferentes responsáveis pelo grupo de combate ao mesmo tempo que compendiava os sucessivos anos de atividade operacional desenvolvida. 

Temos aqui uma peça de extrema utilidade, se bem que focado numa região, Farim, onde a presença do PAIGC era constante, e presta-se a justa homenagem aos valorosos combatentes guineenses que sacrificaram a vida não só durante a guerra, como foram enxovalhados e executados no período da pós-independência.

Um abraço do
Mário



Aquele que foi o mais mítico grupo de combate português da guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Começo por uma declaração de interesses: há anos que reúno uma estreita amizade e cooperação ao Carlos Silva. Vezes sem conta lhe bati à porta para lhe pedir livros emprestados (é possuidor de vastíssima biblioteca alusiva à nossa guerra), emprestou-me a história do BCAV 490, que eu não encontrava em parte nenhuma, ele atravessou o país para ir a um quartel e fotocopiá-la, foi obra indispensável para tudo o que escrevi no livro "Nunca Digas Adeus às Armas"; e o seu precioso dossiê sobre os "Roncos de Farim" já aqui foi alvo de recensão[*] e consta de um outro livro meu. 

Chamo a atenção do leitor que este livro, "Os Roncos de Farim", 5 Livros, 2021, reporta-se a um trabalho que estava concluído em 2007 e que hibernou até aos dias de hoje.

Surpreende-me a tenacidade deste nosso confrade que combateu em Farim, em 1969/1971, acompanhou o período terminal deste audacioso grupo de combate e conheceu os protagonistas, desde oficiais superiores, líderes do grupo de combate, com todos contatou para elaborar o documento, profusamente ilustrado, é uma verdadeira homenagem aos vivos e aos mortos que fizeram tremer os combatentes do PAIGC.

Carlos Silva começa por precisar a criação dos Roncos, falou com o alferes Filipe Ribeiro que postulou que foram constituídos na Operação Cigarra, que ocorreu em 10 de outubro de 1966, intervieram secções de milícias comandadas pelo 1.º Cabo Marcelino da Mata e por Cherno Sissé, Filipe Ribeiro contava com a sua colaboração e ficou satisfeito pelo valor militar demonstrado. 

O Tenente Coronel Agostinho Ferreira, comandante do BCAÇ 1887, concordou com a criação do grupo especial de tropa de choque. Filipe Ribeiro terá pensado nalguns nomes e considerou que os Roncos era a melhor designação que correspondia literalmente ao comportamento daqueles combatentes. 

Na ordem de serviço o grupo é criado formalmente em 15 de novembro de 1966, na dependência do BCAÇ 1887, sediado em Farim e com unidades militares disseminadas em Bigene, Guidaje e Binta, localizadas a Oeste, Jumbembem e Cuntima a Norte e Canjambari a Leste, bem como a zona de Bricama e Saliquinhedim-K3, a Sul, na outra margem do rio Cacheu. 

O comandante dos Roncos era o alferes Filipe Ribeiro coadjuvado por Marcelino da Mata e Cherno Sissé. Carlos Silva faz o historial de outras unidades a quem o grupo de combate esteve ligado, refere que participaram em mais de 30 operações desde a sua criação até ao final de 1967, com destaque à Operação Chibata, que decorreu em Cumbamori, já no Senegal. 

Ainda não está esclarecida a data de saída de Marcelino da Mata deste grupo de combate e o percurso percorrido por este, nos anos seguintes. O autor releva a atividade operacional no âmbito do BCAÇ 1887, há sempre louvores para o alferes, para Marcelino e Cherno, e descreve minuciosamente a Operação Chibata, de que, curiosamente, Luís Cabral, virá a ser primeiro dirigente da Guiné-Bissau depois da independência também relata no seu livro "Crónica da Libertação", pois nessa data ele e Chico Té estavam em Cumbamori. 

Os Roncos seguiam no primeiro dos três destacamentos da força operacional, entraram no acampamento de forma surpreendente, infligiram ao PAIGC um elevado número de mortos, capturaram armamento e documentos, mas na refrega perderam-se quatro vidas, Cherno Sissé foi ferido. Vale a pena destacar o que escreve Luís Cabral: 

“A surpresa tinha sido total. Depois de mais de quatro anos de luta armada, era a primeira vez que as forças colonialistas se aventuraram a entrar em território senegalês para, a partir daí, atacar uma base no interior deste país. Antes do romper da aurora, tinham-se aproximado cautelosamente do local onde estava instalada a nossa base. Até chegar à enfermaria, não tiveram nenhum contacto com a nossa gente. A barraca onde se encontravam os médicos e os técnicos cubanos foi a primeira a ser avisada. Um técnico cubano de artilharia deu o primeiro tiro que alertou toda a gente. Pela primeira vez eu estava presente num encontro entre as nossas Forças Armadas e o exército colonial”

Cherno Sissé contará mais tarde ao autor, chegou a haver luta corpo a corpo com recurso ao emprego da faca de mato.

Noutro capítulo, Carlos Silva destaca a atividade operacional no âmbito do BCAÇ 1932, estamos já em 1968, os atos valorosos sucedem-se e preparam as condecorações de Marcelino da Mata e de Cherno Sissé como Cavaleiros da Ordem Militar da Torre e Espada, para além das suas promoções. 

Nesta sequência, também o autor faz sobressair a atividade operacional dos Roncos com outra unidade militar, o BCAÇ 2879, estamos em 1969, ocorre um acontecimento histórico, numa localidade chamada Faquina foram apreendidas várias dezenas de toneladas de armamentos e munições. Os Roncos já são comandados pelo Furriel Cherno Sissé. 

A documentação oficial e as investigações apresentavam números díspares sobre a quantidade de armamento apreendido e foi neste contexto que Carlos Silva escreveu ao Major General Agostinho Ferreira para que este confirmasse o resultado da Operação Faquina, foram 24 toneladas. Mais tarde, os Roncos ficaram adstritos à Companhia de Caçadores 14, também sediada em Farim, o seu comandante, o então Capitão José Pais, irá contar no seu livro "Histórias de Guerra" o drama de Cherno que ficou, por razões de combate, sem uma perna e um olho e com um braço retorcido e mais curto, a viver em Lisboa em condições manifestamente degradantes. Foi assaltado em casa, reagiu disparando um tiro à queima-roupa, matou um dos gatunos. 

“A polícia desarmou-o e, enquanto saía à rua pedindo reforços e uma ambulância para o morto, a populaça atacou Cherno e com um varão de ferro vazou-lhe o único olho que lhe restava. Cherno Sissé ficou cego e foi preso. Lá fui à Boa-Hora e lá tentei explicar ao meritíssimo juiz o que é ter servido o Exército Português, o que é ter sido combatente operacional na Guiné durante nove anos seguidos, o que é ser ex-combatente desprezado e o que representa para um homem destes a perda da dignidade pessoal, face à vida. O meritíssimo parece ter entendido e aplicou-lhe três anos e meio”.

Carlos Silva junta anexos, referências, por exemplo, a Bodo Jau, um bravo do pelotão dos Roncos de Farim que posteriormente fez parte do grupo Os Vingadores, que foi fundado por Marcelino da Mata.

Uma obra de profundos afetos, insista-se. E dou comigo a pensar como a atividade operacional destes bravos veio de um passado que historicamente parece inexistente, lê-se a atividade operacional de 1966 a 1968, há todos estes atos de bravura que o autor aqui regista e em quase tudo quanto se tem publicado sobre a História da guerra da Guiné há um manto diáfano de silêncio sobre tudo o que foi combater com denodo e bravura até Spínola ter surgido e merecer em exclusivo as honras do heroísmo e da combatividade. Mistérios da historiografia.


Tenente Coronel Marcelino da Mata
Alferes Miliciano Filipe José Ribeiro e o 1.º Cabo Cherno Sissé (CCAÇ 1585)
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Notas do editor

- Este livro vai ter amanhã, dia 14 de Agosto de 2021, a sua primeira apresentação na Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, durante o habitual convívo dos segundos sábados de cada mês.

[*] - Vd. poste de 25 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12199: Notas de leitura (528): "Os Roncos de Farim - 1966-1972", por Carlos Silva (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22445: Notas de leitura (1370): Prefácio de Ricardo Figueiredo ao livro "Um caminho a quatro passos", de António Carvalho

sábado, 10 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22356: Agenda cultural (775): "No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português" (Livros Horizonte, Lisboa, 2021, 192 pp.): livro de Jorge Monteiro Alves, jornalista e repórter de guerra... Uma biografia não autorizada de Marcelino da Mata, o último herói do império.

 

Vídeo promocional do livro em pré-venda, "No mato ninguém morre em versão John Wayne:  Guiné, o Vietname português", de Jorge Monteiro Alves, publicado sob a prestigada chancela "Livros Horizonte", editora de Lisboa.


Ficha técnica:


Título: No mato ninguém morre em versão John Wayne; Guiné, o Vietname português
Autor: Jorge Monteiro Alves
Edição: 07-2021
Editor: Livros Horizonte, Lisboa
Idioma: Português
Tipo de Produto: Livro
Páginas: 192
Dimensões: 155 x 235 x 15 mm
Encadernação: Capa mole
ISBN: 9789899984837
Classificação Temática: Livros em Português > História > História de Portugal
Preço de capa_: c. 15 euros



Autor: Jorge Monteiro Alves:

(i) natural do Porto, mora em Paço de Arcos, Oeiras;
(ii) foi jornalista, editor de Política Internacional no “Jornal de Notícias”, embora a sua verdadeira paixão fosse a reportagem de guerra;
(iii) cobriu os conflitos da Krajina, da Bósnia e do Kosovo;
(iv) foi o primeiro português a entrar na cidade cercada de Sarajevo no período mais quente dos combates, em 1992;
(v) é autor dos livros “Nunca passes além do Drina” (Papiro Editora, 2006), “A generala” (Chiado Books, 2014), "Carmencita" (Chiado Books, 2014), “O meu Deus é melhor que o teu” (Chiado Books, 2021).

Sinopse:

UM LIVRO SOBRE MARCELINO DA MATA e os ex-combatentes da Guerra da Guiné 1961-1974

«Portugal teve o seu Vietname na Guiné. Ali, ao longo de 11 anos, num território do tamanho do Alentejo, morreram mais de três mil soldados portugueses, vítimas de um adversário temível e de um clima impiedoso. Muitos mais ficaram estropiados e com feridas na alma para toda a vida. Lutaram em condições pavorosas e, apesar de tudo, muitos foram além do que exigia o dever.»

«O contexto adverso deste relato é o que ficará para a História. Para os seus homens, Marcelino da Mata foi um líder e um herói. Para o PAIGC, um temível inimigo. Para nós, Portugueses, alguém cuja memória merece uma análise desapaixonada e contextualizada.»


Francisco Gomes de Oliveira,  in Prefácio.
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de julho de 2021 > uiné 61/74 - P22351: Agenda Cultural (774): A segunda decoração d’A Brasileira: Lembranças de José-Augusto França e de bela azulejaria no Corpo Santo, ao Cais do Sodré (Mário Beja Santos)

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21929: E os nossos assobios vão para... (3): O moderador e os intervenientes do debate da TVI sobre o Marcelino da Mata... (Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM)

1. Mensagem do nosso camarada  Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 18 de Fevereiro de 2021, com um artigo onde expõe o seu ponto de vista ao modo como foi tratada, na TVI, a memória do TCor Marcelino da Mata, recentemente falecido. Recorde-se que o Belarmino Sardinha, membro de longa data da Tabanca Grande, conviveu com muitas personalidades da nossa vida literária e cultural, por ter trabalhado uma vida inteira na Sociedade Portuguesa de Autores,


Sobre Marcelino da Mata e
outros que entretanto vieram a público


Tenho acompanhado minimamente todo o desenrolar do processo sobre a morte de Marcelino da Mata e lamentavelmente tenho lido ou ouvido algumas barbaridades iguais às que se diz terem sido feitas por ele.

Conheci pessoalmente Marcelino da Mata só depois do ano 2000, mas reconheci neste camarada de armas um homem vertical, directo e afável sem fantasmas ou queixumes como não vejo ser o caso dos seus detractores.

Estive na Guiné, na Arma de Transmissões do STM entre 15 de Junho de 1972 e 20 de Julho de 1974. Andei por Mansoa, Aldeia Formosa (Quebo), Bolama e Bissau e inevitavelmente ouvi falar e contar muitas histórias de Marcelino da Mata.

Lembro-me de alguns dos operacionais dizerem “hoje podemos dormir descansados, o Marcelino anda por aqui”, curiosamente não me lembro de nenhum referir que o Marcelino era um assassino ou que era um traidor, como me parece haver alguns depois do 25 de Abril de 1974, por opções e/ou oportunidades políticas.

Sempre foi falado o facto das tropas africanas, em especial os Comandos Africanos terem uma actuação mais radical por onde passavam, é um facto, em especial com as bajudas, mas isso tinha muito que ver com a idade… Não ficaram também lá filhos de militares brancos do continente?

O porquê da gota de água que faz transbordar o copo?

Assisti a uma conversa, não chamo debate e muito menos esclarecimento sobre Marcelino da Mata, na TVI 24 pelas 23H00 do dia 16 do corrente. Reconheço à TVI o papel de ter sido a única que, ao que se me deu saber, lembrar que tinha havido o funeral do militar mais condecorado do Exército Português, logo um militar ao serviço de Portugal. 

Não foi feliz a escolha dos intervenientes, um, honestamente, confessou algum desconhecimento sobre a figura que iam debater, enquanto o outro assumiu-se como um verdadeiro conhecedor da matéria.

Considero o que vi lamentável. Não posso deixar de manifestar aqui a minha opinião sincera e desinteressada sobre os protagonistas.

Conheci Fernando Rosas, sem que com ele privasse, mas conheci-o e tinha por ele, enquanto historiador, alguma admiração e até simpatia, já enquanto político parece-me medíocre. Filiado num partido que lhe proporcionou ser figura pública, parece-me tê-lo levado a voos para os quais não está preparado e ao esgrimir argumentos sem conhecimento e de forma politicamente tendenciosa, torna-se incompetente e suspeito nas suas análises históricas.

Não sei se Fernando Rosas fez o serviço militar, e se o fez, quando e onde. Como político desviou sempre a conversa dizendo que estavam a falar de Marcelino da Mata e dos seus crimes. Como o fazem os políticos, aproveitou-se de uma publicação, no Facebook, feita por um outro camarada que prestou serviço no gabinete jurídico militar em Bissau, Mário Barbot Costa, que na qualidade de escritor assina como Mário Cláudio, para dizer que tinha havido vários processos contra Marcelino da Mata, mas que todos tinham sido arquivados por ordem não se sabe de quem. É estranho não se saber de quem, mas enfim, isso serve para outro tema. Contudo mostrou total desconhecimento e ignorância sobre Marcelino da Mata, aproveitou-se e recorreu a outros para fazer o seu papel político e desenfrear um ataque torpe e mesquinho a quem nunca conheceu.

Sem qualquer pedido ou necessidade de defesa, uma vez mais e em minha opinião, conheci e privei por mais que uma vez com Mário Cláudio por questões profissionais e já fora da instituição militar, não digo que o conheça de forma a poder afirmar o que pensa, mas estou em crer que apenas disse o que disse para não endeusarem Marcelino da Mata, tanto assim que, segundo Fernando Rosas, começou por escrever que respeitava o combatente Marcelino da Mata, referindo depois ter havido processos arquivados. Não li o que escreveu Mário Cláudio.

Na qualidade de historiador e político, de forma séria, competia-lhe fazer um enquadramento histórico sobre as etnias guineenses e o seu relacionamento para depois falar da actuação de Marcelino da Mata. Talvez então pudesse falar sobre o ataque de que foram alvo e barbaramente assassinados três majores e um alferes, quando desarmados se deslocaram ao que seria um encontro com tropas do PAIGC, combinado secretamente e que visava o início de um cessar fogo…

Ribeiro e Castro ainda lembrou o que fizeram a Marcelino da Mata, depois de 25 de Abril de 1974 os esbirros políticos ligados a alguns partidos ditos de esquerda ou extrema esquerda e que em nada eram e foram diferentes dos seus antecessores da PIDE/DGS, mas não obeve qualquer reacção do seu interlocutor nem do moderador que, à deriva e sem mostrar conhecimento dos factos,  deixou navegar sem norte. Nada é comparável? Falamos depois de 25 de Abril de 1974. Talvez só não o tenham morto por receio, pois acredito não lhes faltar vontade e muito menos prazer.

Não quero deixar transparecer que Marcelino da Mata não fez ou não possa ter feito coisas execráveis e não merecesse até punição dentro da instituição que representava. Até para clarificação da posição de Portugal, mas tal como muitos outros processos foram, mesmo hoje em dia, arquivados.

Depois, não podemos e não devemos estar hoje a julgar procedimentos com 40 e muitos anos e fora do seu enquadramento. É verdade que um crime é sempre um crime, mas, como em todos os processos, algumas razões podem ter servido como atenuantes e, neste caso em concreto, a guerra, as etnias, a adrenalina ou calor vivido no momento, mas isso só quem os viveu realmente pode falar, para todos os outros não passa de filme.

Quando 'Nino' Vieira foi assassinado, num passado recente, talvez por ter chegado a presidente da Guiné, correu por aqui muita tinta a lembrar que tinha sido assassinado e falando sobre como ele tinha sido como aguerrido guerrilheiro que lutou pela sua terra e pelo seu povo etc. etc. etc. Ninguém se lhe referiu como assassino e ninguém falou sobre a bárbara forma como ficou retalhado. Isto só para comparação com Marcelino da Mata…

Também, quando Jonas Savimbi foi assassinado e nos foi apresentado como morto fez igualmente correr muita tinta nos nossos jornais, mas o politicamente correcto impede que isso se faça com Marcelino da Mata.

Estas duas notas servem para lembrar que se podia e devia falar sobre história e sobre as formas brutais e bárbaras como lutam entre etnias e até aproveitar para falar sobre temas como a mutilação genital feminina e outras práticas e tradições do povo africano no seu estado puro.

Há quem defenda que os anos passam por nós e nos tornam mais sábios e tolerantes, que os impulsos da juventude são corrigidos pelo passar dos anos etc. etc. etc. Não sei se será o que acontece com todos, a necessidade dos holofotes sobre si, a vaidade, ou outras razões de necessidade levam muitos a não conseguirem estar tranquilos e a obrigarem os outros a deixarem de estar.

Eu, e estou crente que muitos outros que passaram pela Guiné no período da Guerra, estão agradecidos à TVI por lembrar e falar sobre a morte de Marcelino da Mata, só lamento que não tenha sabido escolher melhor os elementos do painel e melhor preparado o moderador. Poderiam ter escolhido melhor as figuras do painel, mantendo as que quisessem, mas procurando outra ou outras figuras com conhecimento da operacionalidade de Marcelino da Mata, como, por exemplo, o Coronel Matos Gomes, igualmente figura pública com obra publicada, operacional em acções conjuntas, conhecedor e por certo, muito mais isento e assertivo nas palavras.

Resta-me desejar que Marcelino da Mata, finalmente, descanse em paz.

Um abraço,
Belarmino Sardinha

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20461: E os nossos assobios vão para... (2): A Liga dos Combatentes... O nome do infortunado ex-alf mil pilav Francisco Lopes Manso (1944-1970) ainda não consta do sítio da Liga dos Combatentes... Morreu em 25/7/1970, quando o heli AL III se despenhou nas águas do Rio Mansoa, transportando 4 deputados e um oficial do exército. O seu corpo nunca apareceu (António Martins de Matos / Luís Graça)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21913: Tabanca Grande (513): Os últimos cinco camaradas de armas que ficam no talhão dos que da lei da morte já se libertaram: João Cupido (nº 831), Mamadu Camará (nº 832), Manuel Amaral Campos (nº 833), Marcelino da Mata (nº 834) e Paulo Fragoso (nº 835)


João Cupido (1936-2021), natural de Mira
ex-cap mil art, CCAÇ 2753, 
"Os Barões do K3" (1970/72) (*)



Mamadu Camará (c.1940 - 2021), 
ntural da Guiné-Bissau, 
ex-sold 'comando', 
 Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 
1966/70,  e 2ª CCmds Africanos, 
Bissau, 1970/74)
(**)


Manuel Amaral Campos (1945-2021), 
natural de  Vieira do Minho,
ex-Sold Rec Inf , 
CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69) 
 (***)



Marcelino da Mata (1940-2021),
natural da Guiné-Bissau,
ten cor inf, reformado, (****).
Tem cerca de meia centena 
de referências no nosso blogue.




Paulo Fragoso (c. 1947-2021), 
natural de (ou residente em) Lisboa,
ex-Sold At Inf , CCAÇ 2616 (Buba, 1969/71) 
(*****)

Fonte: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné (2021)

1. Vários antigos combatentes da Guiné, nossos camaradas de armas, tombaram, recentemente, vítimas da pandemia de Covid-19 que está a ser o maior desastre sanitário  e demográfico do séc. XXI, tal como  o foi a pneumónica ou "gripe espanhola" em 1918/19. Ou a epidemia de cólera de 1833, em plena guerra civil.

Sabemos da morte de alguns, aqui já evocados no nosso blogue, na série In Memoriam, por camaradas, membros da Tabanca Grande, que os conheceram, que com eles combateram, ou quem conviveram nas nossas Tabancas. Só nas últimas semanas foram cinco. Recordeamos acima  os seus nomes, por ordem alfabética.

Outros mais  terão morrido,  sem o sabermos, vítimas de Covid-19 ou de outras doenças, nestes dois terríveis meses do ano de 2021.Todos estes nossos cinco camaradas, enquanto antigos combatentes no TO da Guiné, entram a título póstumo para a Tabanca Grande, sendo  devidamente lembrados no respetivo talhão, que dedicamos justamente àqueles de nós que "da lei da morte já se foram libertando", pelo lhes atribuímos os seguintes lugares, à sombra do nosso poilão, respeitando a ordem alfabética: 

João Cupido, nº 831; Mamadu Camará, nº 832; Manuel  Amaral Campos, nº 833; Marcelino da Mata, nº 834: e Paulo Fragoso. nº 835.

O último poste da série "Tabanca Grande", foi o P21875, de 9 do corrente (******).

Que Deus, Alá e os Bons Irãs nos protejam.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de: