Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 13 de dezembro de 2022
Guiné 61/74 - P23873: Agenda cultural (822): A entrevista do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado dada ao programa Mar de Letras, da RTP/África, vai para o ar amanhã, dia 14 de Dezembro, às 21,30 horas
Caros Camaradas,
Vivam, Todos.
Com uma saudação de camaradagem, envio para atempada e eventual publicação.
Paulo Salgado
Por certo, já reparastes: as raízes da minha Terra Transmontana e África – eis a essência, a base, da minha escrita.
Venho, de novo, abusando, informar que na entrevista no programa Mar de Letras, da RTP/África falo dos outros. Do Outro. Porém, todos sabemos que na ficção, seja pura, seja histórica, transparece muito das vivências dos autores. Que o digam Mia Couto ou António Lobo Antunes, Pepetela ou Aquilino, Jorge Amado ou João Tordo…
Por isso, peço desculpa. Faço-o pelas “minhas” personagens, reinventadas, que só terão vida, se delas nos lembrarmos. Uma revivida…
Assim, informo: a entrevista passará na RTP/África, programa Mar de Letras, no dia 14 de Dezembro, às 21,30.
Posição do canal RTP África em Portugal: MEO – 196; NOS – 190; Vodafone – 177.
Para quem desejar, poderá aceder através dos links - https://www.rtp.pt/programa/tv/p41701/e44
Quando o programa for emitido ficará disponível neste link: https://www.rtp.pt/play/p9785/mar-de-letras
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Nota do editor
Último poste da série de 6 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23851: Agenda cultural (821): Diogo Picão, na Lourinhã, sua terra natal, sábado, 10 de dezembro de 2022, às 21h30, para o lançamento do seu segundo álbum, "Palavras Caras"
quinta-feira, 20 de outubro de 2022
Guiné 61/74 - P23724: Notas de leitura (1508): Algumas (breves) notas sobre missionação (V) - Conheci de perto dois padres franciscanos na minha estada na Guiné-Bissau: os padres Macedo e Sobrinho. E, bem ainda, o bispo Settimio Artur Ferrazzeta, padre franciscano, italiano, o primeiro Bispo da Guiné-Bissau (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais
Caros Camaradas,
Ainda mais este texto.
Obrigado.
Paulo Salgado
Algumas (breves) notas sobre missionação - V
Paulo Salgado
Mandou-me o nosso camarada do Blogue, Mário Beja Santos, por especial deferência, a História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, padre franciscano, dado à estampa em 1982 pela a Editorial Franciscana, Braga.
No essencial, este valioso documento refere, com detalhe, o Encontro (expressão de que gosto – já usada por Bartolomé de las Casas) entre dois mundos: um, o invasor, o conquistador pela espada e pela fé, outro, o invadido, o conquistado pela espada e pela fé. E como se manifestou a presença dos missionários na costa da Guiné (no sentido amplo: vai para além do Bojador até ao Cabo Não).
Está referido, entre muitas outras peripécias, o seguinte:
"que por aqui andaram em 1584 uns frades carmelitas descalços, tendo sido uma falhada tentativa de fixar uma missão carmelita na Guiné. Frei Cipriano, carmelita, escreveu de Cacheu ao bispo de Cabo Verde acerca da visita de um rei de Caió, D. Bernardo, juntamente com 300 súbitos, a pedir o batismo e uma igreja no seu reino. André Álvares de Almada, refere no seu Tratado a pessoa de João Pinto, padre preto, natural da Guiné, evangelizando em região hoje pertencente ao Senegal. Almada fala dos negros Jalofos “que começam no rio Senegal”: “Esta nação dos Jalofos é mais dificultosa em receber a fé de Jesus Cristo Nosso Senhor que todas as outras nações dos negros da Guiné, porque quase todos seguem a seita de Mafoma. E ano de 1589 foi um clérigo preto por nome João Pinto àquele reino para os fazer cristãos e não fez fruto algum neles, e por isso se foi para outras nações".
Exactamente por ter tomado conhecimento deste frei Cipriano, sabendo ou imaginando o que os frades penaram num mundo tão desconhecido, ficcionei uma crónica que consta do meu livro “Guiné-Crónicas de Guerra e Amor”.
No entanto, por certo que, se tiver tempo, o Mário Beja Santos se pronunciará sobre esta magnífica obra que incide sobre a missionação no período compreendido entre os séculos XV e XX.
A obra é uma coletânea de cartas de Dom Settimio escritas a partir de Bissau à sua família, desde que veio a esta terra 1943 até partir para o Pai, em 1999.
Para os bispos de Bafatá e Bissau, num texto de apresentação da obra, Settimio é o autentico "homem garandi", o ancião em plenitude por conquistar o coração de todo o povo da Guiné-Bissau, com o seu génio simples de comunicar o Evangelho. (in "Igreja Católica na Guiné-Bissau").
Aqui fica a minha singela homenagem, pois dele ouvi palavras de um verdadeiro missionário.
Paulo Salgado
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Nota do editor
Poste anterior de 18 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23716: Notas de leitura (1507): Algumas (breves) notas sobre missionação (IV) - Fundo Documental do Prof. Santos Júnior, localizado no Centro de Memória de Torre de Moncorvo (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
terça-feira, 18 de outubro de 2022
Guiné 61/74 - P23716: Notas de leitura (1507): Algumas (breves) notas sobre missionação (IV) - Fundo Documental do Prof. Santos Júnior, localizado no Centro de Memória de Torre de Moncorvo (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
Meus caros camaradas,
Temos de nos entreter com algo que fale de aspectos que, de alguma forma, nos dizem qualquer coisa.
Junto mais um texto, pedindo desculpa se estou a enfadar.
Um abraço, camaradas.
Paulo Salgado
Algumas (breves) notas sobre missionação - IV
Paulo Salgado
O meu contributo de hoje sobre este assunto continua influenciado pelas palavras amigas do Mário Beja Santos. Fez-me ele reflectir, repito, sobre o tema missionação – sobretudo os trabalhos que frades e padres, de várias ordens, sofreram até aos limites da sua resistência física, psicológica e moral. Mas, antes, permiti-me, caros leitores deste blogue, um parêntesis: acaba de ser apresentado o livro "A Rua do Eclipse" do Mário Beja Santos, do qual me deu notícia o meu Amigo e conterrâneo Tenente-general Alípio Tomé Pinto, que me relatou este evento e com o qual ficou entusiasmado, quer com os conteúdos do texto e forma de abordagem do autor, quer pelo contributo de um dos apresentadores – Amadu Dafé – um jovem guineense. Este autor, Amadu Dafé, tem uma obra – que ainda não li – mas vou adquirir: "Ussu de Bissau", cujo tema é de uma grande actualidade e que marca um momento histórico grave no âmbito daquela região africana. Encontros fica para depois, noutra crónica.
Bom, volto ao que me propus. Os missionários portugueses e espanhóis, católicos (não me refiro aqui aos missionários de outras nações cristãs) andaram ao longo dos séculos, e andam actualmente, por todas as partes do Mundo. Percorreram todo o Império Português (se Império houve!), por mares, ilhas e continentes em condições de sofrimento: penúria, febres, no meio de guerras, enfrentado a ganância e a cobiça. Morreram em condições dramáticas, pregando, ensinado a língua, transportando consigo a fé em que acreditavam. A grande maioria deles acreditando que à sua fé deveriam juntar os interesses de el-rei, da Coroa, da Pátria (conceito mais tardio). Alguns, uma minoria, seduzidos pela luxúria e pela riqueza, entraram em deboches iníquos, tendo sido devidamente criticados e castigados pelos superiores.
Há dezenas de relatos dignos da grandeza do Homem: de coragem, de abnegação. A leitura de diversas obras – falo especialmente de algumas que constituem o Fundo Documental do Prof. Santos Júnior (insigne médico, antropólogo e ornitólogo, natural de Barcelos e casado em Torre de Moncorvo – com várias andanças por África), localizado na Biblioteca desta Vila – deram-me uma visão alargada, necessariamente incompleta, do que foi a actividade destes missionários bandeirantes.
Igualmente, algumas pesquisas que estou fazendo, bem como dicas do ilustre e ilustrado camarada do Blogue, Mário Beja Santos.
Há um missionário oriundo da cidade de Bragança, de seu nome Carlos Joaquim Gonçalves dos Santos (foto à direita), e outros, designadamente de um tal Padre Manuel Sá , de Peredo dos Castelhanos, portanto ambos do meu distrito que tanto penaram.
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 29 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23653: Notas de leitura (1500): Algumas (breves) notas sobre missionação (III) - Reflexão do Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
Último poste da série de 17 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23715: Notas de leitura (1506): "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494", por Augusto Carias, Adelino Domingues, Aníbal Justiniano; edição de autor, Amares, Julho de 2012 (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 29 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23653: Notas de leitura (1500): Algumas (breves) notas sobre missionação (III) - Reflexão do Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
Caros camaradas,
Por me parecer oportuno, face ao desafio do Mário Beja Santos - que me "empurrou" - fez ele bem - para este tema, aqui vai a terceira parte. Outros andarão bem melhor nesta matéria: historiadores, antropólogos, padres...
Fica este registo.
Saudação camarada.
Paulo Salgado
Algumas (breves) notas sobre missionação – III
Paulo Salgado
Vejo-me compelido, por imperativo histórico, a trazer junto de vós, camaradas que me ledes neste Blogue, sério e participativo, uma reflexão que se deve ao Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa».[1] Mas, antes, não posso deixar de relembrar que «a bula Acquum Reputamos, de Paulo III, conhecida como a "magna carta" do padroado real português, para além dos conteúdos habituais das bulas precedentes concedidas a Portugal, reflecte uma realidade político-religiosa ligeiramente diferente da que se viveu em décadas anteriores».[2] Este documento papal favorecia e privilegiava a missionação portuguesa, concedendo a possibilidade de evangelização, mas igualmente a responsabilidade de zelar materialmente pela manutenção das igrejas fundadas ou a fundar. Também conferia a sede episcopal de Goa. Refira-se que o padroado português sofreu ao longos dos séculos diversos episódios, em especial os relativos ao surgimento de outras igrejas cristãs apoiadas por países não católicos e que fundaram as suas missões, algumas com relevo notável e que se mantêm hoje em actividade. Igualmente, são de mencionar os diversos acordos efectuados e reajustados ao longo do século XIX e mesmo no século XX da parte da Igreja e dos reis de Portugal.
Na missionação utilizava-se o termos “infiéis”. Ainda que não concorde com esta designação (infiéis, porque não pertenciam ao Cristianismo… designação que surge afastada, como defende o Papa Francisco), que surge abundantemente em vários textos desde o século X (ou antes) e por aí adiante, mesmo por Francisco Xavier e outros célebres missionários, tem de fazer-se o seu registo.
Transcrevo, pois:
«A missionação portuguesa desenvolve-se ao longo dos séculos, em torno da obra dos prelados diocesanos e das ordens religiosas que se vão fixando nos territórios de missão: franciscanos, dominicanos, capuchinhos, jesuítas, ursulinas, merecendo uma menção especial os religiosos da regra de Santo Agostinho, cuja acção foi importante na interpelação dos governantes para que agissem, e fizessem agir os súbditos, como cristãos».
E acrescenta:
«Com S. Francisco Xavier, o "Apóstolo das índias", abre-se uma era nova na missionação do Oriente. Para além dos 30.000 baptismos que lhe são atribuídos, de uma acção constante em Cochim, Malaca, Molucas e Cantão, deve-se-lhe uma atitude diferente em relação a povos e culturas, de forma que não se hesita em reconhecer que, com S. Francisco Xavier, começa a missionação moderna. Japão, China e Indochina recebem também missionários portugueses, e, não obstante o sucesso da presença de S. Francisco Xavier no Japão, a missionação aqui acaba por sofrer inclemências terríveis do poder político, de que é símbolo o martírio de Nagasáqui. Mas, significativa é esta exclamação de S. Francisco Xavier, em carta escrita do Ceilão: "Bendito seja Deus, porque tornou tão florescente o nome de Cristo entre esta multidão de infiéis!".
À missionação no Brasil está imperecivelmente ligado o nome do Padre Manuel da Nóbrega, fundador da Província do Brasil e da cidade de São Paulo, o primeiro jesuíta do Brasil e da América, como o designou o Padre Serafim Leite. Nóbrega teve tal actuação, como exímio religioso e verdadeiro homem de Deus, na concertação com governantes, em defesa de autóctones, que o historiador Robert Southey não hesitou em chamar-lhe "o maior político do Brasil". Contudo, a sua figura grada brilha mais como parte dessa tríade de construtores de missão no Brasil: Nóbrega / Anchieta / Vieira».
Notas:
[1] - Janus 1999-2000, Missionação portuguesa. In https://www.janusonline.pt/arquivo/1999_2000/1999_2000
[2] - David Sampaio Barbosa - Padroado Português: privilégio ou serviço (séc. XIX)?
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Nota do editor:
Último poste da série de 27 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23649: Notas de leitura (1499): Algumas (breves) notas sobre missionação (II) - Carta de Inácio de Loyola a Diogo de Gouveia (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
terça-feira, 27 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23649: Notas de leitura (1499): Algumas (breves) notas sobre missionação (II) - Carta de Inácio de Loyola a Diogo de Gouveia (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
Meus caros Camaradas,
Dando cumprimento ao que havia referido, abaixo um segundo texto sobre este assunto.
Uma saudação camarada.
Paulo Salgado
Algumas (breves) notas sobre missionação - II
Carta de Inácio de Loyola a Diogo de Gouveia
Dou continuidade à minha breve referência sobre a missionação, tema que, por certo, outros trabalharão melhor, mas tentarei cumprir o que me propus no texto anterior.
Vale a pena este testemunho prévio para nos apercebermos da necessidade de o Reino enviar frades para a evangelização - a dimensão religiosa, nem sempre bem conseguida, mas preocupada com a palavra de Jesus. De resto, todos sabemos que uma das intenções, um dos objectivos dos descobrimentos era a pregação, a evangelização. Nas naus portuguesas e espanholas seguiam sempre “missionários”. Quem não se lembra dos nossos capelães, já não para evangelizar, mas para “dar força espiritual” às NT - assim era entendido pelos mandantes?
Repare-se, caros leitores, que existia (e existe) a preocupação de respeitar a hierarquia da Igreja - neste caso da parte de Loyola.
Mais uma nota: quem assina esta carta é o braço direito, admirador e seguidor indefectível de Inácio de Loyola, Pedro Fabro, que sempre procurou seguir o pensamento do Padre Superior da Companhia de Jesus - os jesuítas.
Finalmente, o próximo texto incidirá sobre um dos grandes missionários - Francisco de Xavier, e não Francisco Xavier; na verdade, ele era natural da localidade da região de Navarra - Xavier.
IHS. A graça e a paz de Jesus Cristo N. S. estejam com todos!
Há poucos dias chegou o vosso mensageiro com carta para nós[3]. Por ela soubemos notícias vossas e vimos quão boa lembrança guardais de nós, bem como o zelo que vos faz sedento da salvação das almas dispersas por vossa Índia, onde as messes já lourejam[4]. Oxalá pudéssemos satisfazer a vós e às nossas almas que sentem o vosso zelo. Mas existem alguns obstáculos que impedem corresponder não só aos vossos desejos, mas também aos de muitos outros.
Compreendereis isto pelo que vou dizer-vos. Todos quantos estamos reunidos nesta Companhia estamos oferecidos ao Sumo Pontífice, pois é o senhor de toda a messe de Cristo[5]. Por esta oblação lhe prometemos estar prontos para tudo quanto dispuser de nós em Cristo. Assim, se ele nos enviar aonde nos convidais, iremos alegremente. A causa desta nossa resolução, que nos sujeita ao seu juízo e vontade, foi entender ter ele maior conhecimento daquilo que convém ao cristianismo universal.
Não faltaram alguns que há algum tempo se esforçaram para que nos enviassem a esses índios que os espanhóis conquistam diariamente para o seu imperador. Para isso veio interceder em favor dessa causa, principalmente, certo bispo espanhol e o embaixador do imperador[6]. Mas persuadiram-se que a vontade do Sumo Pontífice era que não saíssemos daqui, pois é abundante a messe em Roma[7].
A distância do país não nos espanta, nem o trabalho de aprender línguas. Faça-se somente o que mais agrada a Cristo. Rogai, pois, por nós para que nos faça ministros seus no Verbo da Vida. Porque, embora «não sejamos por nós mesmos capazes de pensar algo como se fosse nosso», pomos a nossa esperança na abundância d’Ele e nas suas riquezas (2 Cor 3,5).
De nós e das nossas coisas tereis notícias completas por cartas escritas ao nosso particular amigo e irmão em Cristo, Diogo de Cáceres, espanhol, que vo-las mostrará[8]. Ali vereis quantas tribulações por Cristo passámos em Roma até agora e como delas por fim saímos ilesos[9]. Tão pouco faltam em Roma muitos a quem é odiosa a luz eclesial de verdade e de vida.
Sede, pois, vigilantes e esforçai-vos tanto em edificar o povo cristão com o exemplo de vida, como trabalhastes até agora em defesa da fé e doutrina da Igreja[10]. Porque, como podemos crer que nosso bom Deus conservará em nós a verdade da santa fé, se fugimos da sua bondade? É para temer que a causa principal dos erros de doutrina provenha de erros de vida. Se estes não forem corrigidos, não se extirparão aqueles. Pondo fim a esta carta, resta-nos pedir que vos digneis recomendar-nos aos nossos respeitadíssimos Mestres Bartolomeu, De Cornibus, Picard, Adam, Wankob, Laurency, Benoit a todos os mais que gostaram de chamar-se nossos mestres e nós seus discípulos e filhos em Cristo Jesus. N’Ele vos saudamos a vós.
Desta cidade de Roma, dia 23 de Novembro de 1538.
Vosso no Senhor, Pedro Fabro e mais Companheiros e Irmãos.
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Notas:
1 - Diogo de Gouveia (1471-1557), teólogo português de rígida ortodoxia católica, contrário mesmo a Erasmo, foi reitor da Universidade de Paris (1500-1501), obteve de D. João III a concessão de bolsas para estudantes nacionais, transformando Santa Bárbara num colégio português da Sorbona, do qual foi principal, durante longos anos. Mal informado sobre os primeiros discípulos de Inácio em Paris, esteve para castigar o Santo publicamente, como sedutor da juventude. Após a defesa de Inácio, reconheceu a sua inocência e pediu perdão de seu erro perante professores e alunos, reunidos para o projectado castigo. Agora, por sua iniciativa e por comissão do rei, escreve aos Companheiros, convidando-os para a missão da Índia (Fontes Narr. 139; Autob. 78).
2 - Um ano antes (Novembro de 1537), Inácio, com Fabro e Laínez, dirigia-se a Roma e, pouco antes de lá chegar, tivera a célebre visão de La Storta, que confirmava o título desses sacerdotes «amigos no Senhor», Companhia de Jesus, e lhe dava o seu significado profundo (Autob. 96). Como diz Ribadeneira sobre esta carta: «Escreveu a nosso Padre se teriam por bem irem todos ou parte dos Companheiros a pregar o Evangelho às Índias Orientais». Responde Fabro em nome dos demais, dizendo-lhe que estavam às ordens do Sumo Pontífice, o qual prefere que por então trabalhem em Roma (Iparr. BAC 668).
3 - D. Pedro Mascarenhas, novo procurador de Portugal em Roma, junto do Papa. Tratou com Inácio e Companheiros sobre a ida de alguns deles para missionar na Índia, a pedido de D. João III. Mais tarde, como Vice-Rei da Índia, apoiará os missionários jesuítas.
4 - Em Goa já havia um bom grupo de cristãos e até um colégio fundado para jovens indianos, chamado de Santa Fé, além da cristandade antiga de S. Tomé e outros núcleos.
5 - Em Maio de 1538, já estabelecidos em Roma, por não terem podido ir à Terra Santa, exercitavam-se em ministérios em favor da cidade de Roma. Levantou-se grave perseguição contra eles movida por Landívar, despedido da Companhia, e por outros espanhóis influentes na Cúria Romana. A defesa de Inácio é levada até à sentença final, que lhes restituiu a fama e os ministérios, muito frutuosos junto do povo (Autob. 98). Pouco antes de escrita esta carta, passado mais de um ano sem navio para Jerusalém, os Companheiros ofereceram-se ao Papa, de acordo com o voto de Montmartre (Autob. 85).
6 - João Fernández Manrique de Lara, marquês de Aguilar, era o embaixador de Carlos V em Roma. «Certo bispo espanhol» é talvez o antigo discípulo de Inácio em Barcelona, João de Arteaga, bispo de Chiapas no México, que oferecera o seu bispado a Inácio ou a algum dos Companheiros, e acabou por morrer na sua diocese (1541), ao beber veneno por engano (Autob. 80).
7 - Palavras do Papa, segundo Bobadilha: «Porquê esse tão grande desejo de ir a Jerusalém? Autêntica Jerusalém é Itália, se desejais trabalhar na Igreja de Deus» (Fontes Narr. III, 327).
8 - Diogo de Cáceres, em Paris, determinara seguir a Inácio. Em 1539, chegou a Roma e interveio na reunião dos primeiros Companheiros. No mesmo ano, voltou a Paris e ordenou-se sacerdote, mas em 1541 abandonou a Companhia (Iparr. BAC 669).
9 - Cf. supra, nota 5.
10 - Diogo de Gouveia opusera-se com toda a força ao primeiro aparecimento do luteranismo na Sorbona. Alguns aderentes à heresia tiveram então de fugir de Paris.
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Notas do editor:
Poste anterior de 8 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23599: Notas de leitura (1491): Algumas (breves) notas sobre missionação (I) - Missionaria Africana - coligida e anotada por António Brásio; Agência - Geral do Ultramar - Lisboa / MCMLXV (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
Último poste da série de 26 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23645: Notas de leitura (1498): "Ussu de Bissau", por Amadú Dafé; Manufactura, 2019 (1) (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23599: Notas de leitura (1491): Algumas (breves) notas sobre missionação (I) - Missionaria Africana - coligida e anotada por António Brásio; Agência - Geral do Ultramar - Lisboa / MCMLXV (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)
1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 3 de Setembro de 2022:
Caros Camaradas,
Atrevo-me a caminhar por matérias de que não faziam parte das minhas preocupações literárias - a Missionação. O que farei é, somente, trazer alguns breves apontamentos.
Uma saudação amiga, Camaradas.
Ver abaixo:
Paulo Salgado
Algumas (breves) notas sobre missionação – I
Paulo Salgado
Fui espicaçado, e bem, pelo Mário Beja Santos, um excelente crítico e historiador atento, ao observar-me, recentemente, ser incompreensível não abordar eu, nas minhas narrativas mais recentes1, aspectos da missionação. Estas minhas narrativas debruçam-se, no essencial, sobre aqueles que não fazem parte das elites e que não constam dos compêndios ou das obras laudatórias e encomiásticas, ou seja, do povo que demandou o Império, se Império houve.
E tendo eu conhecido pessoalmente alguns frades franciscanos que ainda residiam na Guiné-Bissau aquando da minha estada neste País, em 1990-92, em actividade de cooperação, vinte anos depois da minha ida à guerra, tive de meter mãos à obra e ir em busca do que fartamente se produziu sobre a presença dos missionários. É uma faceta humana incontornável.
Eis-me, pois, chegado, à Monumenta Missionaria Africana – coligida e anotada por António Brásio, (Agência – Geral do Ultramar. Lisboa – MCMLXV). O meu objectivo é focar aqui, neste espaço bloguista, aberto a tantas e variadas manifestações memorialistas, alguns breves esquiços sobre a presença de missionários nos territórios d’além-mar, no século XVII, pois é deste período de tempo que trata abundantemente esta compilação.
(No entanto, sei bem que o Beja Santos nos conforta com belas páginas sobre diversos temas, incluindo a referência a actividades missionárias de franciscanos - ver no blogue).
Ora, pretendi referir-me, obrigatoriamente, a um grande estudioso que dedicou uma vida de mais de quarenta anos a um trabalho notável – a abordagem a este tema tão importante da nossa História: o Padre António Brásio. Para minha leitura prévia, e, assim, trazer breves notas para conhecimento de eventuais interessados, é bom relembrar que não sou historiador, mas um curioso escritor/narrador, servi-me do texto do Padre David Sampaio Barbosa2. Aponta-nos este estudioso o caminho da imensa obra de António Brásio. Claro que António Brásio cultivava um enorme respeito pelas culturas tradicionais africanas, ainda que eivado pela corrente política que as décadas de quarenta, cinquenta e sessenta, força ideológica do estado Novo, fossem de feição ideológica marcante na defesa do Império. Admitiu sempre António Brásio que a nossa presença secular histórica houvera sido fundamental para os homens africanos e para a defesa da civilização. Segundo David Sampaio Barbosa, Brásio «acreditou, anos seguidos, na justeza da causa de Portugal e na linearidade duma presença que acreditava benéfica para as populações nativas».
Possivelmente, António Brásio, já nos meados da década de sessenta, sentiu que se aproximava o fim da posição universalista defendida pelo Estado Novo, e que o pulsar da História se converteria, a breve trecho, em mudanças que o processo histórico universal impunha e impõe.
A quantos competirá abalançarem-se a prosseguir o que se contém nesta obra, um manancial para os historiadores interessados na História da Missionação e, a fortiori, pela História de Portugal? A mim, que procuro bases para as minhas narrativas ficcionais, ainda que baseadas em factos e personagens históricas, tão-só me interessam algumas passagens que envolvem encontros e desencontros, problemas e sucessos, de alguns missionários, e como eles, alguns soldados e marinheiros. Delas trarei duas notas, proximamente3.
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Notas:
1 - Que agora me escuso de referir por conveniência própria.
2 - Pe. António Brásio, A Paixão pela História Missionária David Sampaio Barbosa. Missão Espiritana, Vol. 13, n.º 13. Artigo 5.º 2008.
3 - Aliás, no meu livro Guiné – Crónicas de Guerra e Amor abordei as dificuldades que os frades capuchinhos enfrentaram ao logo da costa; no caso, ainda que ficcionalmente, mas atento às vicissitudes da missionação, uma crónica desse livro sobre um frade na região de Cacheu: “Frei Cipriano”.
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de Setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23592: Notas de leitura (1490): Damião de Góis (Alenquer, 1502- Alenquer, 1574): um humanista europeu... Curiosamente, entre os seus ensaios, encontra-se um estudo sobre o povo Lapão (Samiska Folket) e o seu modo de vida.(José Belo, Suécia)
domingo, 28 de agosto de 2022
Guiné 61/74 - P23564: Agenda cultural (822): Convite para a apresentação do livro "O Amor que veio da China e outros contos", da autoria do nosso camarada de armas Paulo Cordeiro Salgado, a levar a efeito no próximo dia 4 de Setembro de 2022, domingo, pelas 15:30h, na Biblioteca Municipal Almeida Garret - Sala Multimédia - Jardins do Palácio de Cristal, Porto
Caros Camaradas,
Vivam, todos.
Parar é morrer. Continuo a escrever. Sina de escritor serôdio, mas ainda rico em memórias. Raízes e vivências muitas, por África. Mas olhar para o futuro. Partilhar é preciso.
Agradeço-vos a divulgação, no nosso blogue, do meu último livro - O amor que veio da China e outros contos.
Podereis, camaradas, visitar o stand D-20 da Feira do Livro de Lisboa, onde está o António Lopes, editor que certamente, terá gosto em conversar com os interessados. Este editor tem o mérito de estar localizado na periferia - aldeia de Carviçais, concelho de Torre de Moncorvo - uma forma corajosa de descentralização.
Recordo, passe, o orgulho deste vosso camarada, que escrevi:
Guiné-Crónicas de Guerra e Amor
Milando ou Andança por África
7 Histórias para o Xavier (a África - a Guiné está lá) - infantil.
4 Fábulas para o Pedro - infantil
A Revolta dos Animais - (fala da ecologia, do ambiente) - juvenil (para todos, claro
Agradeço a divulgação e... vamos ler. A literatura, a pintura, a arquitetura, a dança, a música, sem esquecer a poesia - aquelas que contribuem para o humanismo.
Uma saudação, Camaradas.
Paulo Salgado
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Nota do editor
Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23558: Agenda cultural (821): Filme a não perder: "Montado, o Bosque do Lince Ibérico", realizado pelo naturalista Joaquín Gutiérrez Acha, uma podrução luso-espanhola (2020, 94 minutos). Em exibição nos cinemas.
segunda-feira, 2 de agosto de 2021
Guiné 61/74 - P22424: Passatempos de Verão (25): Uma fábula diferente: o gato Olossato e o cão Maquezão em tempo de cólera (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)
Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > Poilão, árvore sagrada, habitada pelos irãs... Mais uma chapa do famoso poilão de Maqué. Tirada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-Fur Mil da CCAÇ 13 (Os Leões Negros), na sua viagem de 2006 à Guiné-Bissau e à região do Óio.
Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Maqué > 2006 > " O mais belo poilão que conheço da Guiné" (Paulo Salgado) [. na foto, o Paulo Salgado, sentado, e Moura Marques, de pé, ambos antigos militares da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72].
Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (1970/72) > 1970 > O Alf Mil Cav Salgado, dando uma mãozinha ao pessoal dos serviços de saúde. Mais tarde, tornar-se-ia administrador hospital e gestor de saúde (em Portugal, Guiné-Bissau e Angola).
Date: domingo, 1/08/2021 à(s) 21:38
Subject: Uma fábula diferente
Não vou contar uma fábula tradicional. As fábulas que escrevi para o meu neto – 4 Fábulas para o Pedro – levaram-me até a Esopo e, certamente, a La Fontaine. Sempre a ideia da moralidade daqueles autores, carregada de ideias utilitárias...
Aquela de a raposa estar à conversa com o corvo, ou de a lebre apostar com a tartaruga, ou da formiga trabalhadora a dar um raspanete à cigarra, apenas lembraria a fabulistas mais castigadores do que solidários – penso eu. Quis dar uma outra versão ao meu neto. Aos meus netos. (*)
Aliás, é na esteira de Alçada Baptista que se deve entender que as fábulas, mais do que premiar ou castigar, poderão servir para provocar solidariedades…O Zeca (1929-1987), que faria anos neste dia 2 de Agosto, dizia que "a formiga no carreiro ia em sentido contrário"…
O que se passou no Olossato por volta de Setembro de 1970 foi o seguinte: grassou a cólera. Foi preciso andar a proceder a higienizações menos espaçadas, e alargar à tabanca a necessidade de limpeza e de cuidados de remoção de lixos (algo que equipas mistas de militares e população faziam diariamente). E mais: era preciso 'acabar' com alguns cães e gatos escanzelados e cheios de doenças. Uma matança era exigida. O alferes encarregado do feito teve o cuidado de ser ético na 'limpeza' de animais doentes. (Hoje, o PAN revoltar-se-ia…). (**)
Entra aqui uma conversa entre o cão 'Maquezão' e o gato 'Olossato' – duas criaturas que não se davam muito bem, mas que encontraram um forte motivo para se aliarem num momento de visível e tormentosa aflição.
O 'Olossato', gato finório, que frequentava a casa do comerciante abastado, foi procurar o 'Maquezão':
− Sabes, andam a dar cabo de cães e gatos. É hora de nos entendermos. Proponho que nos acoitemos em Cansonco onde está uma tabanca que não ardeu totalmente. E se fugíssemos à mortandade, nós que estamos sadios? É que um humano anda com um instrumento e pode não distinguir os animais doentes dos animais sadios.
− Claro, 'Olossato'. Vamos até perto da floresta. Os dois havemos de arranjar maneira de sobreviver, até que nem precisamos de muito conforto…é claro que tenho um humano que me faz festas e vou sentir a falta dele, paciência – aquiesceu o 'Maquezão'.
E lá foram os dois. De vez em quando, espreitavam ao povoado para ver como paravam as modas. Apesar de terem coelhos e ratos e passarada com fartura, que caçavam com êxito, aliando-se na tarefa de sobrevivência, sentiam a falta de outro convívio…
Um dia, entraram pela entrada que vem de Farim, cortada por causa das minas…o cavalo de pau estava desviado. Bem nutridos, limpos. E os humanos reconheceram-nos…
− Vês, 'Maquezão'?! – segredou o 'Olossato'.
E sorriram…
Nota: 'Maquezão' vem de Maqué – um posto avançado (?) do aquartelamento; 'Olossato', o nome da bela tabanca/aquartelamento Olossato.
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(*) Último poste da série > 1 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22422: Passatempos de Verão (24): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 2: "Ao que parece, nem os macacos se salvaram" (Joaquim Costa)
Alberto: É uma história fabulosa!!!... Manda mais, temos tão poucas referências aos primeiros tempos da guerra... Dá-me mais elementos sobre a tua companhia. E fala-nos da Bambadinca desse tempo. Como sabes, eu estive lá em 1969/71, seis anos depois de ti... No meu tempo tanbém havia muitos cães, famélicos e vadios... Não nos deixavam dormir... Um dia, às tantas da noite, pegámos num jipe, nas pistolas Walther, e matámo-los todos... Ainda hoje essa cena me incomoda... Evoquei-a ou tentei exorcizá-la num dos meus poemas, Esquecer a Guiné (...).
Segundo esclarecimento posterior do Humberto Reis [vd. poste de 17 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - P62 Op Noite das Facas Longas ], meu camarada da CCAÇ 12 e meu companheiro de quarto em Bambadinca, "o cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas. O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino... fui eu".
Acrescento eu: esse tal major era conhecido como o B.B. [hoje cor art ref Jorge Vieira Barros e Bastos],
terça-feira, 29 de dezembro de 2020
Guiné 61/74 - P21704: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (34): Moncorvo resiste; os Moncorvenses resistirão (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Inf)
Meus Caros Camaradas,
Moncorvo resiste; os Moncorvenses resistirão
Ao ler o belo trecho do Mário Beja Santos sobre Lisboa resiste[1], mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós, numa prosa escorrida, como é seu timbre, coberta de sentimentos e de intensas vivências, senti-me um pouco lisboeta, talvez o da arraia-miúda de Fernão Lopes, o do palaciano Eça, o do oriental Cinatti, também o do austero Herculano, o do criativo Garrett, o do imenso Pessoa bebendo o seu café e fazendo de poetas muitos, com os seus heterónimos, e revejo o Teatro Nacional onde o Tiago Rodrigues faz um papel de elevado nível, e ouço as castanhas quentes e boas cantadas pelo Carlos do Carmo, e relembro os bons malandros do Zambujal, e faço a subida, a pé, ao Castelo, e a ida à outra margem num cacilheiro com a minha mulher – decerto pouco é para quem vai a Lisboa pouquíssimas vezes e, quando passam três quatro dias, logo me apetece meter no alfa, de regresso. Cá em cima, depois e de novo, a necessidade de respirar Lisboa. Um provinciano é o que sou…
E vieram-me à ideia, em catadupa, tantas peripécias e tantas sensações e percepções. Com o Beja Santos, algumas de grande intensidade emotiva, as que tivemos na nossa deslocação ao Olossato em 1991, o reencontro do Mário com o Jaquité, o seu arqui-inimigo em Missirá – ali, num abraço, mais de vinte anos depois. Assistimos a este encontro, a minha mulher, Maria da Conceição, a minha filha, de quinze anos, a Paula, e eu…Inolvidável.
O que ajuda os moncorvenses? A releitura do poeta Campos Monteiro com os seus versos fora de moda e romances vários – ele, cujo busto espreita a Praça, poeta, romancista, médico, jornalista e político, a subir do Pocinho para riba.
E o que nos ajuda mais? Sim, passear pela Vila, pela parte velha, mirar a porta do Castelo, o que foi a sinagoga, ir Rua da Misericórdia abaixo, e passar na Porta da Vila, espreitar a Casa da Roda, visitar o museu de fotografia, o museu de arte sacra. E, particularmente, a igreja da Misericórdia, medieval, imponente na sua singeleza. Volver ao centro, descendo as escadas do Castelo, caminhar até à igreja (que era para ser sé), entrar e ouvir o Nelson Campos contar a história do monumento nacional e, tendo vagar, dar uma espreitadela, demorada deve ser, para olhar a história do ferro no respectivo museu, que o mesmo historiador conta meticulosamente. Tempo de encher a ‘alma’.
Mas há mais, meus amigos: a partição da amêndoa, a visita ao museu da oficina vinária. Também é imperioso degustar as amêndoas cobertas da D. Dina (um dos 7 doces de Portugal) e, sendo hora do almoço, ficar pela Taberna do Carró ou ir ao Lagar. Tempo de temperar o corpo. Mens sana in corpore sano.
Um abraço. Quando puderdes, por ausência do bitcho carêto, vinde a Torre de Moncorvo. Sereis bem recebidos. Avisado, serei cicerone. E o Mário Beja Santos tirará, se lhe der a vontade, que dá, algumas fotos que emoldarão a sua prosa sobre esta Vila.
Entretanto, Boas Festas para todos. Neste ano de pandemia. E resiliência.
Paulo Salgado
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Notas do editor:
[1] - Vd. poste de 15 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21647: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (8): Lisboa resiste, mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil)
Último poste da série de 27 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21700: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (33): Desde o ar fresco do Círculo Polar Ártico... (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)
terça-feira, 22 de dezembro de 2020
Guiné 61/74 - P21676: Boas Festas 2020/21 (21): "A Covid/19, a tecnologia e o Natal"; poema de Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721
1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 21 de Dezembro de 2020, com um poema alusivo à quadra que atravessamos:
A COVID/19, A TECNOLOGIA E O NATAL
Hoje não passamos as mãos pelos rostos das crianças
nem beijamos os rostos dos que amamos.
A distância é longa parece perto aqui à nossa frente.
A tecnologia a diminuir o longe ideia enganadora.
Nos écrans vemos os peritos de saúde
e o pai natal entra a medo.
Não é o pai natal que conhecíamos.
No presépio José coloca a máscara
e a Senhora amamenta o menino com mil cuidados.
José pede aos reis: - mandai beijos de longe
e deixai os presentes à entrada da estalagem.
A vaca e o burrito lançam calor, mais afastados.
Esquecemos a piedade pelos que morrem
e vamos visitar os tristes encurralados
que desaparecem e poucos de nós se condoem.
São números longínquos, mas tão próximos.
A árvore de natal ilumina, teimosa, os rostos ansiosos
De meninas e meninos:
ah! os presentinhos!
Os mais velhos espreitam de longe, desejosos
De encantadores sorrisinhos.
Hoje não passamos as mãos pelos rostos das crianças
nem beijamos os rostos dos que amamos.
Apenas ouvimos Bach e Chopin.
Paulo Salgado – Bom Natal de 2020 (apesar de tudo)
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de Dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21674: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (20): A ONGD Afectos com Letras, em nome das crianças, adolescentes e mulheres que apoia na Guiné-Bissau
terça-feira, 1 de dezembro de 2020
Guiné 61/74 - P21600: Blogpoesia (708): Prosema "Novembro neste ano de pandemia" (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Inf Op Esp)
1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 30 de Novembro de 2020, trazendo ao Blogue um "prosema":
PROSEMA – NOVEMBRO NESTE ANO DE PANDEMIA
Em Novembro correm as brisas nas serras mas não correm os homens cheios de vazios olhando o futuro sem futuro vazios de sonhos vazios de esperança.
Gritos para deuses desconhecidos sem gritar oh, deixai-nos lançar gritos, ao menos gritos que ajudem a viver.
E nem o vento liberta sons nem a chuva parece acertar nos telhados nem os gatos espreitam à nossa porta…
Terão medo, adivinharão a tristeza dos que lhes lançam a comida em pratinhos na rua, é assim na minha rua os gatos vivem nos quintais e vêm desconfiados comer à porta.
Vêm os homens vazios de memórias e atravessam a praça, descrentes.
Somos amigos e inimigos não navegamos nos sonhos das distâncias nem sonhamos com mares e montanhas…
Estamos vazios no recolhimento e na poesia que inventamos e nas garças que nos olham nos rios da nossa infância…
Estamos aqui sem olharmos os mortos nem saber os seus nomes só os números que nos lançam como bombardas.
Vens vazio, amigo, só trazes o teu carinho e as cerejas de Junho o vinho malvasia e as castanhas da serra que colheste neste último Outubro.
Vens vazio, amigo, só trazes o teu cuidado e pedaços de pressa ali à porta e um olhar metido nos meus olhos marejados.
Vens vazio, amigo, só trazes o amor... e não trazes a Vila contigo. Trazes a ânsia dos rostos e nem damos conta das crianças e mulheres e homens que estão na ilha grega de Lesbos…
Onde está o nosso tempo o tempo de passearmos pela nossa Vila?
E eu só posso dar-te alguma
Poesia do Jorge de Sena e da Sofia e do Rogério…
Paulo Cordeiro Salgado
Novembro de 2020
____________
Nota do editor
Último poste da série de 29 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21592: Blogpoesia (707): "Hecatombe de estrelas", "A Criação" e "A sobriedade dos gestos", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
domingo, 29 de novembro de 2020
Guiné 61/74 - P21591: Bombolom XXIX (Paulo Salgado): "Dezasseis anos depois", um poema meu, que li em Santarém, no encontro anual da CCAV 2721, em Abril de 1986, onde esteve presente no final do almoço o Salgueiro Maia (1944-1992)
Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier":
Assunto . Um poema
Meu caro Luís Graça,
Meus Caros Editores,
Junto um poema que fiz em Abril de 1986. Li-o em Santarém no encontro anual da minha Companhia - CCAV 2721.
Peço-vos o favor - se for publicado no nosso Blogue - de atender à separação das estrofes. Obrigado.
Um abraço a todos.
E votos de resistência.
Paulo Salgado
Anos de
setenta
de
surpresas e desventuras,
de guerra
e de paz,
de ódio e
de amor,
de
carnificina e fraternidade.
As
viaturas lançando poeira vermelha.
O cigarro
fumado à sombra do mangueiro.
As
crianças atraídas pela nova gente.
Os
velhinhos dizendo chacota e piada.
As casas
cobertas de capim.
O arame
farpado rodeando o imenso terreiro.
Mulheres
e homens de olhar indiferente.
As casas
comerciais antigas.
As
casernas os abrigos
as valas
Os postos
de sentinela o longe mirando
O rio
correndo ao fundo pelos matagais
A
floresta e a bolanha de grandeza nunca vistas
Os
carreiros por entre matas serpenteando
- Pedaços
de Abril de setenta
Anos de
setenta
de
surpresas e desventuras ,
de guerra
e de paz,
de ódio e
de amor,
de
carnificina e fraternidade.
Mansoa,
Bissau, o Pidgiguiti cais
da luta
sangrenta de operários e arrais
lá onde
acostou o “Carvalho Araújo”,
(com nome
do bravo marujo)
trazendo
no seio carne para canhão.
A viagem
foi lenta e segura.
Levar a
bom porto tal gentalha
(que a
guerra há tanto tempo dura)
p’ra
alimentar de novo a fornalha.
Cada qual
chorando os entes queridos,
alguns,
do porão, lançando vómitos repetidos,
outros,
amigos, conversando na amura.
Mar alto,
mar de calma,
muitos
companheiros nunca olharam,
mas
outros antanho navegaram,
fosse Zarco
ou Tristão, Nola ou Gama,
aqueles
que sonharam com impérios
(se tais
sonhos, loucos, ousaram)
de Lisboa
até à Oceânia
vivos,
agora, lançariam vitupérios
à
desordem, à guerra, à infâmia
que de
guerras tantas sofreram.
Anos de
setenta
de
surpresas e desventuras ,
de guerra
e de paz,
de ódio e
de amor,
de
carnificina e fraternidade.
Olossato,
Cansambo, Canicó,
Cansonco,
Fajonquito, Nemanacó,
Amina
Dala, Canjaja, Morés,
Iracunda,
Bissancage, Maqué,
e outra
belas tabancas,
de fulas,
mandigas, balantas
mil
etnias desta Guiné.
Destruídas,
arrasadas, queimadas,
incultas,
nuas, abandonadas,
terras
que deram fruto e vida
agora
chão fratricida.
Irmãos de
raça ou de cor
lutando
no lado de lá
com armas
deitando fogo.
As voltas
que a vida dá.
Já não se
saboreiam cajus,
já não se
cultivam bolanhas
nem se
colhe o bom feijão
apenas se
ouve o obus
e se
contam as façanhas
de cada
guarnição
Quem
imagina um passeio
rio acima
de canoa
ou viagem
a Mansoa
Bafatá ou
Farim?
Não
passará de anseio,
quem
pensa coisa assim?
Mancebo
quer casar
bajuda
formosa, nubente.
Como
podem eles folgar
ao som do
batuque dançar
e
amarem-se no palmar
se a
pobreza está presente?
Mistério
este incompreendido
por deus.
lá no
alto dos céus
bem por
cima dos poilões
ele não
vela
não vê o
que se passa na Terra.
Terra
Negra
Terra
Dura
Obscura
em que os
homens são caminheiros
de
estradas cortadas
esbarrando
no arame farpado.
Com as
mãos sangrando
aos seus
deuses gritando:
Acabaram-se
os sonhos?
Acabou-se
o amor?
Não
vedes, ó deuses,
as
crianças de olhar parado e triste?
Anos de
setenta
de
surpresas e desventuras ,
de guerra
e de paz,
de ódio e
de amor,
de
carnificina e fraternidade.
Troaram
metralhadoras
e
cantaram “costureirinhas”
pelo
tarrafo lá ao fundo
e pelo
rio atá à foz.
E a nossa
voz
é um
grito profundo
Quantos
padeceram
a doença
e o sofrimento
da fome e
da solidão!
Quantos
se picaram
e se
vergastaram
pelo
movimento
dos
corpos suados!
Tristeza
no coração.
Tapámos
os olhos para não ver
o sangue
escorrendo nas carnes feridas.
Tapámos
os ouvidos para não ouvir
os ais
lancinantes de desesperança
que
brotavam das bucas sujas,
cheias de
terra.
Nos dedos
escorre a morte a dor o suor.
Os olhos
choram companheiros
sem
sorte.
Nós
queremos erguer
a
bandeira branca
e cantar
e ouvir
canções
contra a injustiça
contra as
trevas
contra a
infâmia maldita
que
lançaram sobre o nosso destino.
Anos de
setenta
de
surpresas e desventuras ,
de guerra
e de paz,
de ódio e
de amor,
de
carnificina e fraternidade.
Tantos
anos já passaram
desde
aquelas horas
à chuva
ao calor
ao
cansaço
ao
sofrimento…
Dezasseis anos passaram
depois de
tantos homens
e tantas
mulheres
e tantas
crianças
morrerem
sofrerem
no mato
na
bolanha
na
tabanca ardida
incendiada
violada.
Dezasseis
anos passaram
cheias de
mortes,
anónimas,
algumas concretas próximas desesperantes
vivas.
Dezasseis
anos já passaram.
A nossa
memória
paira na
poeira do tempo
e da
história .
Não
esqueceremos
o
capitão,
o
Sebastião
a Kadi
mulher
e os
homens e mulheres
que na
guerra se encontraram.
Tantos
anos depois
não
esqueceremos.
Anos de
Abril de setenta
sonhando
com Abril próximo
Abril sem
ódio e sem guerra.
Com paz e
fraternidade
na nossa
terra.
Paulo
Salgado
Abril de 1986
(nas vésperas do encontro da nossa Companhia – CCAV 2721,
em Santarém).
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21587: Bombolom XXVIII (Paulo Salgado): Saudação e participação