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quinta-feira, 25 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22038: Ser solidário (237): Consignação do IRS - uma ajuda à ONGD "Ajuda Amiga", NIPC 508617910 ...Foi fundada por um grupo de antigos combatentes...Vamos ajudar a acabar a construção da escola de Nhenque, Bissorã


Foto nº 1 > 2010 – Armazém da Ajuda Amiga na Amadora: orrganizando e embalando livros escolares: da esquerda para a direita, Carlos Silva, Helder Pereira, Bernardes, Armando Pires, António Ortet e Ilídio.
 

Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Nhenque [, a nordeste de Bissorã, na margem direita  do Rio Mansoa].  > 23 de março de 2021 > Construção da Escola da Ajuda Amiga de Nhenque,  em progresso


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Nhenque > 2020 > Faia Djaló, filho de pai português


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Nhenque > 2019 > Crocodilo aguarda oportunidade


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Nhenque > 2020 > Pequeno crocodilo capturado na bolanha.


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Nhenque > 31 de março de 2019  > As crianças pedem ajuda 

Fotos (e legendas):: © Carlos Fortunato (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem dp Carlos Fortunato, ex- ao Carlos Fortunato (ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71, e presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga) [, foto à direita]:

Assunto - Ajuda Amiga

Data - 24 mar 2021, 13h33

Amigo e Camarada Luís Graça

Envio-te um post pedindo o favor de o publicarem. É um post na continuação de outro que foi publicado em 13-04-2019.

O projeto está a avançar de acordo com o planeado, começamos a preparação em 2020 e vamos terminar esta fase até Abril, para podermos abrir a escola em Outubro.

Darei noticias quando da conclusão desta fase.

Um abraço, tudo a correr pelo melhor e muito obrigado pela vossa colaboração e apoio.

J. Carlos M. Fortunato
Presidente da Direção da ONGD Ajuda Amiga
E-mail jcfortunato2010@gmail.com | E-mail jcfortunato@yahoo.com
Telem. +351 935247306

Escritório > Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento
Rua do Alecrim, nº 8, 1º dtº
2740-007 Paço de Arcos

Sede > Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento
Rua Mário Lobo, nº 2, 2º Dtº.
2735 - 132 Agualva - Cacém

Armazém > Centro de Atendimento da União das Freguesias do Cacém e São Marcos
Rua Nova do Zambujal, 9-A, Cave
2735 - 302 - Cacém

NIPC 508617910
ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento
Pessoa Coletiva de Utilidade Publica

Telemóvel +351 937149143


SER SOLIDÁRIO > AJUDA AMIGA CONSTRÓI ESCOLA 
EM NHENQUE, BISSORÃ

por Carlos Fortunato 

A Ajuda Amiga foi constituída em 2008 por um grupo de antigos combatentes que estiveram na Guiné, sensibilizados pela situação daquele povo e dos seus antigos camaradas que por lá ficaram.

A Ajuda Amiga enviou e distribuiu desde 2008 até 2020 154,4 toneladas de artigos, entre os quais 208.290 livros, que beneficiaram mais de 300.000 alunos. Os elementos da Ajuda Amiga que acompanham os projetos pagam as suas despesas.(Foto nº 1)-

Em 2018 o principal objetivo da Ajuda Amiga passou a ser apoiar a construção de uma escola, pelo que todos os donativos passaram a ser canalizados para esse fim. O projeto será realizado por fases em função das receitas que se consigam angariar. (Foto nº 2) 

Em 2021 ficará construída uma sala polivalente, com uma pequena arrecadação que servirá de secretaria, biblioteca, sala de reuniões, etc., duas salas de aulas e duas latrinas, uma para as meninas, outra para os meninos. A escola entrará em funcionamento no inicio do ano letivo 2021/2022.

O Faia Djaló é o mestre-de-obras que está a construir a escola, não sabe quem é o seu pai, segundo a sua mãe foi um militar português que passou por Bissorã em 1965 ou 1966. (Foto nº 3)

A criação desta escola permitirá as crianças mais pequenas deixarem de ter que atravessar uma perigosa bolanha.

Os alunos do primeiro e terceiro ano irão ter aulas de manhã e o segundo e o quarto ano à tarde. As próximas estruturas a construir serão um poço, uma terceira sala de aulas para o quinto e sexto ano, uma cozinha e um refeitório.

A componente alimentar tem aqui grande importância, pois através do PAM – Programa Alimentar Mundial é possível conseguir alimentos e dar uma refeição às crianças, o que tem um impacto enorme.

Nhenque (localizada no setor de Bissora, fica perto de Binar e a uns 14 kms de Bula) foi escolhida pelo drama que as crianças vivem para ir à escola, pois têm que atravessar uma bolanha com crocodilos para lá chegarem. (Fotos nºs 4 e 5). 

Ao fazerem a travessia as crianças vão acompanhadas pelos familiares mais velhos para as proteger, vão armados com paus com os quais afastam os crocodilos, é uma tarefa arriscada e difícil, pois quando o crocodilo mergulha é impossível vê-lo naquela água castanha. 

O Sambu Utna Sanha,  de 22 anos. que estava a proteger as crianças foi apanhado pela perna por um crocodilo, valeram-lhe os restantes elementos que, ao baterem na cabeça do crocodilo com os paus,  o convenceram a largar o jovem

As crianças de Nhenque pedem ajuda e agradecem através da Ajuda Amiga todos os donativos (Foto nº 6), pois é com base neles que conseguimos cumprir esta nossa missão, eles são totalmente utilizados nos projetos, neste caso no projeto de construção da escola, as despesas de funcionamento da Ajuda Amiga são suportadas pelas quotas dos sócios. (**)

No site da Ajuda Amiga, na página “Noticias” estão mais textos, fotos e vídeos da nossa atividade como associação ao longo destes anos e na página “Atividades” os nossos Relatórios e Contas.

Vd aqui: http://www.ajudaamiga.com

Conta da Ajuda Amiga

NIB   0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC   MPIOPTPL




2. Comentário do editor LG:

Carlos, parabéns pela tua/vossa abnegação!... E mais: persistência, generosidade, solidariedade, credibilidade...Temos que falar mais destas resistentes e heróicas ONGD...

Zero vírgula cinco por cento do nosso IRS é como um afluente de um afluente do rio Geba... Não é muito, ajuda a aumentar o caudal que desagua no estuário...

Infelizmente não tenho notícias da AD - Acção para o Desenvolvimento, desde que o Pepito morreu... (e nos deixou um grande vazio e muita saudade).

Está o pedido publicado, estávamos justamente à espera de elementos informativos da Ajuda Amiga... Vamos também divulgar no Facebook da Tabanca Grande.

Mantenhas. Luis


3. Resposta do Carlos Fortunato:

Obrigado pela rápida resposta, disponibilidade e empenho.

Relativamente à AD, depois do falecimento do Pepito continuámos a colaborar com a AD e enviámos dois contentores com a sua colaboração, contudo houve falta de informação da parte AD, bem como o envio de documentos, fotos, etc., não podemos aceitar um buraco negro onde as coisas desaparecem, até porque sem elas também não podemos dar conta aos nossos doadores.

Depois de quase um ano à espera de respostas, perante a nossas insistência responderam que não eram nossos criados.., isso levou a deixarmos de colaborar com a AD e passámos a colaborar com a FED - Fundação Educação e Desenvolvimento, que é do Alexandre Furtado.

Presentemente não enviamos contentores, o que enviamos de bens é muito, muito pouco e essa colaboração no envio e distribuição deixou de ser importante.

Não há pessoas imprescindiveis, mas o Pepito faz muita, muita falta.

Aquele abraço

Carlos Fortunato
______________

Notas do editor:


(*) Vd. postes de 8 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20711: Ser solidário (227): Vamos ajudar a "Ajuda Amiga", consignando-lhe 0,5% do nosso IRS... Recebeu em 2019 a importância de 2.240,48 euros... Vamos utrapassar esta verba este ano.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21963: Antologia (76): Os Homens Lobos, um conto por Artur Augusto Silva (Ilha Brava, Cabo Verde, 1912 - Bissau, 1983), da coletânea "O Cativeiro dos Bichos" (cortesia de João Scharz da Silva)



Guiné-Bissau > Bissau > Capa do livro de contos, de Artur Augusto Silva, "O Cativeiro dos Bichos", Bissau, 2006 (Edição de autor).


Trata-se de uma  colectânea de 25 contos, seleccionados pelos seus filhos (Henrique, João e Carlos Schwarz), alguns dos quais escritos na prisão de Caxias, em 1966, outros em Lisboa, entre essa data e 1973.

Preso em 26 de agosto de 1966, à chegada ao aeroporto de Lisboa, por motivos políticos ["actividades contra a segurança do Estado"], libertado quatro meses depois, sem culpa formada, foi-lhe fixada residência em Lisboa, ficando assim impedido de voltar à Guiné onde residia e exercia a advocacia desde 1948 e onde a esposa era professora do ensino liceal. A decisão só foi revogada em 1970, por ordem de Marcelo Caetano, seu antigo professor. Montou escritório de advogado na baixa lisboeta, e só voltou à Guiné-Bissau em 1977. 

Artur Augusto Silva (Ilha Brava, Cabo Verde, 1912- Bissau, 1983) foi um homem de leis e de cultura, amante da justiça e da liberdade. Falava as línguas fulas e mandinga. Era casado com Clara Schwarz da Silva (1915-2016). descendente de judeus polacos, e durante largos anos a decana da  nossaTabanca Grande. De entre os seus filhos, Pepito e João são membros da nossa Tabanca Grande. O Pepito, infelizmente, também já falecido, em 18 de fevereiro de 2014. Teria hoje 72 anos, se fosse vivo.

A esta colectânea de contos pertence este, "Os Homenns Lobos", que vamos  agora reproduzir,  por cortesia do filho João Schwarz da Silva. Outros dois já aqui foram divulgados em tempos no nosso blogue (*)

1. Mensagem, com data de ontem, 2 de março, 10:58,  de João Schwarz da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2018, irmão do nosso querido e saudoso amigo Pepito, que nos deixou no dia 18 de fevereiro de 2014, prematuramente aos 63 anos:
Olá, Luís:

Espero que esteja tudo bem consigo e que tenha conseguido superar a Covid. Junto envio um pequeno conto que o meu pai escreveu em Maio de 1973 e que relata as desventuras de um homem num tribunal de Bissau. Pode publicá-lo se achar que ele se enquadra no seu site.

Um grande abraço

Joao Schwarz da silva

Os Homens Lobos, 

por Artur Augusto silva

(Maio 1973)

PRIMEIRO QUADRO

O juiz ordenou:

— Senhor oficial, recolha as testemunhas !

E o oficial de diligências começou encaminhando-as para a sala contígua à dos julgamentos, com certa dificuldade.

As testemunhas, incluindo o réu e o ofendido, eram da raça balanta e no seu ar bisonho e desconfiado denotavam logo pouco convívio com o branco.

— Levante-se o réu — disse o juiz — e o intérprete traduziu, o que provocou por parte do arguido um salto brusco, não fosse o branco pensar que não queria obedecer.

— Nome?

— Uaná Nhante.

— Casado ou solteiro?

— Tem mulher.

— Em que se emprega? Em que trabalha?

— Lavrador.

— Nome dos pais?

— Bidjane e Najá.

— Já alguma vez respondeu ou esteve preso?

— Esteve preso na Administração de Mansoa, por ter morto um homem.

— Há quantos anos?

— Não sabe.

—Então não sabe há quantos anos esteve preso?

Aqui o homem embaraçou-se, começou contando pelos dedos, repartia três de uma das mãos e três da outra e ia falando para o intérprete que, a espaços, aprovava com um aceno de cabeça.
Por fim traduziu:

— Ele diz que há mais de seis chuvas.

O juiz, voltando-se para o delegado, observou:

— Não consta do certificado...

O agente do Ministério Público depois de uma leve hesitação, explicou :

— Dantes, as administrações não mandavam os boletins. A justiça lá feita lá morria.

Dirigindo-se ao intérprete. o juiz informou:

— Diga-lhe que até aqui ele era obrigado a responder sob pena de desobediência. Daqui por diante só responde se quiser. Pode delegar a defesa no seu advogado oficioso. Quer responder?

— Quer.

— É verdade que ele quis matar o irmão com uma catana?

— É verdade.

— É porque estava bêbado?

— Não, não estava bêbado.

— Então, porquê?

Repetida a pergunta ao réu, este falou, fazendo gestos estranhos, avançando com os braços estendidos e as mãos encurvadas, agachando-se e abrindo os olhos desmedidamente, emitindonsons guturais, como se estivesse representando uma pantomima.

No final da cena, o intérprete explicou:

— Ele diz que o irmão, ao anoitecer, se vira em lobo e vem perseguir as pessoas da tabanca que se atrasam nos trabalhos do campo.

O juiz deu um salto na cadeira e, com ar severo, de quem não admite graças, disse:

— Advirta o réu de que neste tribunal não se brinca.

Nessa altura o advogado oficioso, mais filósofo do que advogado e que a filosofia levara a exilar-se em Africa havia mais de vinte anos, pediu a palavra para explicar que não havia, por parte do réu a mais pequena intenção de falta de respeito ao tribunal. Era assim: ele acreditava e todos os nativos acreditavam. Desconhecia S. Exa que nas aldeias, lá na Metrópole, o povo também acreditava em lobisomens?

O juiz, mais sereno, só comentava:

—É estranho! É estranho ! E isto em pleno século vinte! !...

— E tem V. Exa, Sr. Dr. Juiz, a certeza de que um homem não se pode transformar em lobo?!

— Mas há quaisquer dúvidas a esse respeito? — inquiriu o juiz, pasmado.

— Tenho-as eu, e grandes mas são contos largos que não vêm ao caso... Se V. Exa perguntar lá no seu íntimo o que é a realidade, talvez encontre um princípio de resposta para esta questão.

— Então o Sr. Dr. acredita...?

— Eu não disse que acreditava; eu conjecturei, quando muito.

— É o mesmo!

— Talvez...

E o advogado filósofo sorria, com um sorriso miudinho que mal lhe aflorava ao canto dos lábios, e parecia conferir-lhe um ar de superioridade e desdém.

O juiz suspendeu a audiência por um quarto de hora e, já no seu gabinete, mandou chamar o advogado. Este apareceu, ainda de toga, uma toga velha, a tornar-se ruça, atestando idade e má qualidade da fazenda. Sem mais preâmbulos, abertamente, o magistrado disse-lhe,

— Sou novato nestes casos de África. Estive quatro anos, como delegado, em Luanda, e lá, mal contactamos com os indígenas. Nunca vi nem ouvi falar destas superstições. O que mais me espanta é que o doutor, com a sólida cultura que me dizem ter, acredite nestas balelas populares...

Ia a continuar, mas o filósofo interrompeu-o:

—Perdão, Sr. Dr. Juiz. Eu não disse que acreditava. Pois, se nunca sei em que hei-de acreditar; se não consegui uma revelação que me afirme «isto é», como posso acreditar? Aceito as coisas, procuro encontrar a sua razão profunda e, até hoje, não a encontrei. O que existe é tudo o que vemos, sentimos e cheiramos, e só isso, ou antes: o que vemos, sentimos e cheiramos, não será uma ilusão dos nossos sentidos? A ciência com «c» pequeno. Bom arrimo para os que só gostam de trilhar os caminhos já percorridos...

E voltando-se de frente para o juiz:

— O que interessa neste caso é sabermos se o réu acreditava ou não que seu irmão se transformava em lobo e vinha comer as pessoas da tabanca. Se isso era uma realidade para ele,
tão real como a sua presença neste julgamento. Se, psicologicamente, ele agiu nessa convicção,
agiu em legitima defesa própria e colectiva ou então é juridicamente um inimputável: um caso de psicopatia a definir pelos médicos.

E acrescentou:

— Sr. Dr. Juiz: para mim, neste caso interessa a certeza da verdade do réu, desde que ela coincida com a certeza da verdade das testemunhas.

— Mas, então, vamos comtemporizar com a barbária?

—Dois mundos paralelos que, por mais que se prolonguem, não se encontram. — comentou o filósofo.

A audiência reiniciou-se passados momentos, com a audição do ofendido. Este explicou que
havia muitos anos, já, seu irmão o via com maus olhos, que o mataria porque era feiticeiro. Que o homem que o irmão matara fora grande amigo e companheiro dele, ofendido. Que não existia qualquer razão de inimizade entre ambos.

As testemunhas afinaram pelo mesmo diapasão, acrescentando que o réu era pacato, bom pai
de família e trabalhador. Matara um homem há anos, mas esse homem transformava-se em lobo e fazia mal à tabanca.

A instâncias do advogado declararam, ainda, que não havia dúvida de que o homem que ele
matara se transformava em lobo. Quanto ao irmão, não podiam afirmar, mas era voz corrente que também se transformava em lobo. Um pouco mais apertadas, vieram a confessar que toda a gente sabia que o homem se transformava em lobo e era um elemento perigoso na povoação.

Perguntados como é que um homem se podia transformar em lobo, foram unânimes em dizer
que bastava que ele fosse inteligente e tivesse nascido no primeiro tornado depois da primeira
chuva do ano.

O delegado e o advogado limitaram-se a pedir justiça. Um porque “crime era evidente”, outro,
porque era impossível refazer as consciências. O réu foi condenado em três anos de prisão maior.


SEGUNDO QUADRO

Na tabanca, à hora em que o Sol se esconde no horizonte e as pessoas velhas, de autoridade e
conselho, se reúnem para comentar os acontecimentos do dia. E nesse dia havia acontecimentos graves a comentar, porque tinham regressado as testemunhas do julgamento do Uaná. Mesmo aqueles mais velhos, que pela sua extrema idade já mal andavam, tinham vindo para se inteirarem de como tudo correra e saber da justiça do branco.

Taná, que fora como testemunha e, no consenso geral, era o mais avisado dos presentes, encarregou-se de contar o feito. Taná preparou o ambiente, mandando que os circunstantes se sentassem em círculo, por forma a que, no meio, pudesse falar para todos. Acenderam-se uns molhos de palha sobre os quais puseram uns troncos de árvores e Taná começou:

— Casa onde branco faz justiça é grande e bonita. Tem muitos bancos mas ninguém se senta neles. Numa mesa veio sentar-se um branco velho, de boa cara, mas vestia um fato com saias, como as mulheres deles, e pôs-se a escrever. Depois entraram dois brancos — com uma capa preta e logo a seguir outros dois brancos novos, também com saias de mulher. Todos se
levantaram : um deles era o dono da justiça dos brancos. O dono da justiça falou e nós fomos
levados para outra casa. Eu fui o primeiro a sair dessa casa e a voltar para onde estava Uaná. O
dono da justiça falava para um balanta que eles lá tinham e este perguntava-nos o que ele queria. Nós respondíamos. O dono da justiça não acreditava que um homem se pudesse transformar em lobo e perguntou-me multas vezes se era verdade. O tal branco que entrou primeiro, esse acreditava. Perguntou-me como era e eu dei uma resposta qualquer. Depois vi que o branco falava balanta — falava mal, mas eu percebi-o. O diabo até conhecia a nossa tabanca. Disse-me que já caçara um cavalo marinho na bolanha das palmeiras. Vocês lembram-se?

Houve uma pausa e um velho recordou que há muito tempo estivera ali um branco a caçar. Assim alto e forte, com uns vidros no nariz, até lhes tinha dado a carne do cavalo marinho...

— Já me lembro, já me lembro! — comentaram diversas vozes.

— Pois devia ser esse — aquiesceu Taná, que continuou contando as diversas cenas do julgamento, procurando imitar a voz e os gestos das pessoas.

Por fim, contou que Uaná, iria ficar preso durante três anos. Fez-se um silêncio geral em que se poderia ouvir um zumbido de um mosquito. Então o mais velho dos presentes comentou:

— Estes brancos são pessoas crescidas, mas têm coisas de meninos... Então o dono da justiça dos brancos não sabia que Uaná tinha razão?

E a pergunta ficou em suspenso porque ninguém podia imaginar o que o dono da justiça dos
brancos pensava.

Artur Augusto Silva (***)

[Originalmente publicado na separata Artes e Letras do "Diário de Noticias", de 24 de Maio de 1973: Sobre o autor, ver aqui a belíssima e exaustiva evocação feita pelo seu filho, João Schwarz da Silva, no seu sítio, Des Gens Intéressants]

2. Relembrando o Pepito (Bissau, 1949 - Lisboa, 2012)

Lisboa, campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 7 de setembro de 2007 > 

Neste rosto luminoso e fraterno, havia carisma, afabilidade, determinação, coragem física e moral, visão estratégica e capacidade de liderança, seis qualidades pessoais que eu identificava e admirava no engº agrº Carlos Schwarz da Silva (1949-2014), mais conhecido por Pepito ("nickname" que vem dos tempos da meninice: segundo o irmão João, o Carlos tinha um herói, uma das figuras de banda desenhada do "Cavaleiro Andante", o Agapito, um nome com 4 sílabas, difíceis de pronunciar por uma criança, e que ele abreviava, chamando-lhe "Pepito"). A foto foi tirada em 2006, sob uma pequena palmeira, que foi crescendo junto à fachada do edifício da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa, na Av Padre Cruz, onde então trabalhava.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > 

A palmeira cresceu, cresceu até gaklgar o segundo piso, estava vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... 

Sempre que passava por ela, lembrava-me do Pepito e da sua face luminosa, e continuava a sentir o vazio da sua ausência. Há uns meses atrás, em plena pandemia de  Coiviod-19, voltei lá e, para grande desgosto meu, tinham cortado a palmeira, possivelmente com o argumento de que, quando foi desenhado o edifício (pelo arquiteto Pardal Monteiro), ele não quis lá pôr nenhuma palmeira. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O Edifício da Escola Nacional de Saúde Pública, integrado no conjunto das instalações do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. 

O projecto do edifício inicial foi desenvolvido pelo Arq António Pardal Monteiro e ficou concluído em 1972. Teve uma ampliação em 1985. Como se vê não há nemhuma palmeira. Foto s/d.

Foto: cortesia do sítio Pardal Monteiro Arquitectos



Portugal > Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > Casa do Cruzeiro > c. 1957 > O pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), com os filhos, da esquerda para a direita, João, Iko (já falecido)  e Carlos (1949-2014). Cortesia de João Schwarz da Silva, que nos diz que a data deve ser "provavelmente 1957"... Teria então o Pepito (, nascido em Bissau, em 1949) os seus oito anos...

Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



(***) Último poste da série > 5 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9000: Antologia (75): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (8): Ilha do Como, 15 de Março de 1964: E Deus desceu à guerra para a paz (Último episódio)...

sábado, 30 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21825: (In)citações (180): Fotogaleria do José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2021), enquanto membro da efémera Tabanca de São Martinho do Porto (2010-2012) (Luís Graça)

Alcobaça > São Martinho do Porto > 13 de Agosto de 2011 > Convívio da Tabanca de São Martinho do Porto > O nosso mui querido Jero (o alcobacense José Eduardo Oliveira) e a sua filha, Eduarda Oliveira (Chefe de Divisão de Turismo e Gestão de Eventos na Câmara Município de Oeiras)


Alcobaça > São Martinho do Porto > 13 de Agosto de 2011 > Convívio da Tabanca de São Martinho do Porto > O Pepito, a mãe Clara, o Jero e a sua filha...

 O Jero trouxe consigo dois exemplares de uma obra sobre a baía de São Martinho do Porto, que ofereceu , um, ao Pepito e outro à Tabanca Grande, na pessoa do Luís Graça. Aqui fica referência bibliográfica: Maria Cândida Proença (ed lit) . "A Baía de São Martinho do Porto. Aspectos geográficos e históricos". Lisboa, Colibri, 2005.

Fotos (e legendas):© Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O João Graça, médico e músico, e o JERO.


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O JERO fez questão de tirar uma foto com o João Graça, com quem teve o prazer de conversar com algum tempo e vagar... 

O JERO na altura estava um pouco afastado  das nossas lides bloguísticas, por razões de saúde...  Ele veio acompanhado da sua filha Eduarda Oliveira que, no entanto, não pôde ficar para o almoço-convívio que se prolongou pela tarde dentro...

Fotos (e legendas):© Luis Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tabanca de São Martinho do Porto > Casa de férias da família Scharwz da Silva > 21 de Agosto de 2010 > Convívio, já obrigatório, anual, com membros da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, o régulo da nova Tabanca, o Pepito; o JERO (que tem casa em São Martinho há mais de 40 anos, foi nesta pérola da Costa de Praia que arranjou a sua "bajuda", professora do ensino básico); e eu, dono da máquina fotográfica que tirou esta foto (...mas o fotógrafo foi o Xico Allen, o seu a seu dono!).

Fotos (e legendas):© Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > 7 de Agosto de 2008 > Casa do Cruzeiro, a casa de verão de Carla Schwarz da Silva (1915-2016), mãe do nosso saudoso amigo Carlos Schwarz (Pepito) (1949-2014)...

Uma vista fabulosa da baía de São Martinho do Porto, a partir da janela do quarto que era, na altura, do Pepito e da Isabel Levy Ribeiro.

Foto (e legenda):© Luis Graça (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Alguns amigos  e camaradas do nosso blogue reuniam-se aqui, na Tabanca de São Martinho do Porto,  todos os anos em agosto, quando o Pepito (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014) vinha de férias, no período de 2008 a 2012. 

Alguns de nós tiveram o privilégio de conhecer um pouco melhor  o Pepito e a sua família   a começar pela matriarca, a dra. Clara Schwarz da Silva ( durante vários anos, desde 20010 até à sua morte, aos 101 anos,  em 2016, a "decana da Tabanca Grande").

Estamoa falar da famosa "casa do Cruzeiro", em São Martinho do Porto, no sítio do Facho, uma casa  que o pai da Clara (e avô do Pepito), o engenheiro de minas Samuel Schwarz (1880-1953), judeu de origem polaca, lhe comprara quando ainda solteira, antes da II Guerra Mundial...

Por seu turno, o pai do Pepito, Artur Augusto Silva (1912-1983)  tinha sido  advogado em Alcobaça e em Porto de Mós no pós-guerra. O casal viveu em Alcobaça entre 1945 e 1949, antes de partir para a Guiné (ele, em finais de 1948 e o resto da família em 1949). Foram amigos pessoais e visitas de casa do pintor Luciano Santos (Setúbal, 1911-Lisboa, 2006), que vivia então em Alcobaça.

Bom, o JERO interessou-se por estas histórias e outras  relacionada com os seus vizinhos de praia (que ele não conhecia)  (incluindo as crianças refugiadas austríacas acolhidas, no pós-guerra,  por algumas famílias alcobacenses, e com quem o JERO brincou)  e escreveu um belíssimo texto nos 100 anos da dr.ª Clara Schwarz. (*). 

Mas primeiro é preciso explicar como é que o JERO conheceu a dona da "Casa do Cruzeiro" (, que o Pepito, esse, já conhecia de nome,  da sua participação no nosso blogue)... 

O JERO participou nos  três históricos convívios da Tabanca de São Martinho do Porto (2010, 2011 e 2012),  conforme documentam as fotos que aqui republiicamos, em sua homenagem póstuma. (**)

Mas já agora tenho que voltar a contar como é que eu tomei a liberdade de o convidar, não sendo eu o "dono da casa"... Expliquei-lhe isso  em tempos, em comentário ao poste P6895 (***)

(...) Surpreendentemente tive um neurónio que se me acendeu,  ao passar, de manhã [, em 24 de agosto de 2010,] perto da tua casa, em pleno São Martinho do Porto (que eu ainda não sabia que era a tua, e cujas portas depois, de tarde, me franqueaste)... 

Tinha a ideia de te ter visto, de relance, há um  ano [2009] ou dois atrás  [2008], em Agosto, quando me dirigia á casa da Clara Schwarz / Pepito [, a "Casa do Cruzeiro", no Facho]...

Afinal tu já fazias parte da paisagem balnear e da iconografia de São Martinho do Porto há mais de 4 décadas!...

É obra!... Foi em honra do Pepito, de sua mãe e de ti, que passámos a ter [, em 2010,] uma nova tabanca, a Tabanca de São Martinho do Porto, com convívio (obrigatório) pelo menos uma vez no ano, em Agosto...

Eu sei que estamos a roubar gente à Tabanca do Centro, do régulo Joaquim Mexia Alves, mas é por uma boa causa... Por outro lado, nada impede ninguém de ter várias moranças em vários sítios... (como é o caso do Zé Belo, que é um verdadeiro "nómada", ou do Xico Allen, cujo sonho é ser régulo de Empada)...

Só é preciso que o coração seja grande e generoso como o teu, o do Joaquim Mexia Alves, do Xico Allen, do Manuel Reis, do António Pimentel, do Zé Teixeira, do Zé Belo, do Teco, do Pepito, da Isabel Levy, da Clara Schwarz, e dos demais 400 e muitos tabanqueiros da Tabanca Grande. 

Para o ano [, 2011], temos que "programar" a coisa... E nos 100 anos da Clara, em 2015, vai ser ronco dos grandes!... Ela prometeu-me que alinhava!!! (...)

Infelizmente os nossos convívios terminaram em 2012 ( a 3ª e última edição), não se tendo realizado o de 2013, por impossibilidade do Pepito vir a Portugal (, se bem, me lembro)... E em 2014 ele vem morrer subitamente em Lisboa, em 18 de fevereiro, quatro dias depois da sua querida mãe completar os 99 anos...

Afinal, são três grandes amigos que aqui recordo, ao "revisitar" a nossa fotogaleria: o JERO (****), a  Clara Schwarz e o Pepito!...  (LG)

(**) Vd. postes de:


terça-feira, 16 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21080: Fauna & flora (13): Leopardo ou onça são sinónimos na Guiné-Bissau... A subespécie "leopardo-africano" tem o nome científico "Panthera pardus pardus" (José Carvalho / Cherno Baldé / Luís Graça)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Iemberém > 2 de março de 2008 > A "onça" [, leopardo-africano],  um animais desenhados nas paredes exteriores das instalações da AD -Acção para o Desenvolvimento. Era abundante em tempos,  foi sobrecaçada, por causa da beleza da sua pele... E hoje o seu habitat vai-se degradando... Fotografia de Luís Graça, por ocasião de visita ao sul, no ãmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > s/l> s/d> c. 1943/73> O caçador de "onças" e empresário de cinema ambulante Manuel Joaquim dos Prazeres, ou "Manel Djoquim" (como era popularmente conhecido das gentes guineenses)

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72) > "Um felídeo, que tropeçou numa das armadilhas das NT, nas imediações do destacamento" [de Bironque ou Madina Fula]. Foto do álbum do alf mil José Carvalho.

Foto (e legenda): © José Carvalho (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário do José Carvalho, ao poste P21068 (*);

Caro Luis,

Na altura e durante algum tempo, influenciado talvez pela informação dos locais, julgava que se trataria de um onça.

Na realidade estou também convicto que se trata de um leopardo-africano (panthera pardus pardus).

Abraço, do José Carvalho

[ex-alf mil inf, CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), e hoje médico veterinário, a viver no Bombarral]

2. Comentário do Cherno Baldé, nosso colaborador permanente (Bissau) (*):

Caro Luis,

De facto, pela imagem da foto, vê-se que não é uma onça, normalmente de menor porte físico e com manchas mais grossas e carregadas. Isto quererá dizer que estas duas espécies de felinos coexistiam nas matas da Guiné em meados dos anos 60/70.

Lembro-me que, ainda criança, tínhamos a incumbência de pastorear o gado da familia, sempre em grupos de 3 u 4 crianças e, às vezes, os animais nos enganavam e nos levavam para zonas pouco frequentadas, ricas em pasto, mas também perigosas em outros sentidos. 

As instruções prévias sobre riscos de ataques de felinos ou dos guerrilheiros [do PAIGC], nesses casos, era fugir ao primeiro sinal de alerta vindo dos animais que nos acompanhavam. Digo acompanhavam,  porque,  em muitas ocasiões e completamente desorientados, confiavamos na capacidade de oruentação dos mesmos e seguiamos atrás até à hora do regresso que nunca falhava.

Durante esse tempo, nunca vi nenhum felino de perto, mas fugimos várias vezes sem saber qual era a real ameaça. Os mais velhos diziam-nos assim: Se os animais fogem em grupos organizados e param depois de 1/2 km, quer dizer que é uma Onça (de notar que poucas pessoas podiam diferenciar uma Onça de um Leopardo), mas se fogem dispersos, em grande velocidade e não param antes dos 7/10 km, então saibam que é o "Ngari Djinné", um Leão.

Uma vez, aconteceu que, durante a noite, a maior parte das vacas arrancaram os postes com as amarras que as mantinham presas e vieram refugiar-se junto à aldeia. Depois soubemos que um felino, provávelmente um Leão ou seu grupo,  teria passado por perto, a caminho das matas do Oio ou vice-versa.

Com um abraço amigo, Cherno

3. Comentário do Carlos Vinhal:

Acho que me lembro deste episódio porque me ficou na memória um destes animais ter caído numa das nossas armadilhas e o pessoal civil ter esquartejado e dividido os pedaços entre si. Aconteceu que ao fim do dia, quando retirámos, era vê-los, todos contentes, carregando aqueles nacos de carne (e osso) envolvidos por folhas de palmeiras, e a serem perseguidos por enormes quantidades de moscas atraídas pelo já menos bom estado de conservação da carne.


4. Comentário de César Dias:

 Carlos, foi este episódio, quando andávamos a verificar as armadilhas, encontrámos uma enorme onça junto a uma delas, cheirava muito mal, mas mesmo assim os africanos que nos acompanhavam tiraram-lhe a pele, a pedido, e dividiram-na entre eles, eu levei a pele para Mansabá, ainda lá esteve em tentativa de secagem, mas eram tantas as moscas que desisti daquilo, não tinha muitos furos de estilhaços, mas algum lhe deve ter tocado em orgão vital.

Só passaram 50 anos, são coisas que não esquecem. Um abraço.

5. Nota do editor LG:

Na Guiné-Bissau, a subespécie leopardo -africano (panthera pardus pardus) é conhecida por "onça"... Tal como a hiena é conhecido por "lubu" (em crioulo)... 

Não confundir com a "onça-pintada"  ou "jaguar" da Amazónia ou do Pantanal, no Brasil (panthera onca) que, de facto, só existe ns Américas, no Novo Mundo... O jaguar distingue-se do leopardo: fisicamente são semelhantes, mas o jaguar exibeum outro padrão de manchas na pele e é de maior tamanho do que a "onça" da Guiné...

Nem o leopardo africano nem o jaguar podem ser confundidos com a onça-parda (ou puma, em português europeu) (Puma concolor): são os três da família Felidae, mas o género é diferente:  Puma, nativo das Américas. (Portanto, também não existe em África.)

No portal Triplov > Guiné-Bissau > Mammalia, há uma referência (e foto) deste animal (Panthera pardus pardus ou Panthera pardus leopardus)... Referência, Monard, 1940. Local: Bissau; Bafatá; Cacheu; estrada de Barro para S. Domingos.  Já o leão  (Panthera leo senegalensis) também foi visto (, na zona do Corubal e em Buba, ) mas já era mais raro nessa época.

Albert Monard (1882-1956) foi um naturalista suiço, que fez várias expedições científicas em África, incluindo Angola (1928,  1932) e a  Guiné-Bissau (1937). 

MONARD, Albert
Résultats de la mission scientifique du Dr. Monard en Guinée Portugaise : 1937-1938 / Albert Monard. - [S.l. : s.n., 193-]. - 11 v.. - Separata dos Arquivos do Museu Bocage. - 1º v.: Primates. - 2º v.: Ongulés. - 3º v.: Chiroptères. - 4º v.: Scorpions. - 6º v.: Batraciens. - 7º v.: Poissons. - 8º v.: Reptiles. - 9º v.: Carnivores. - 10º v.: Rongeurs. - 11º v.: Dytiscidae et gyrinidae.

Fonte: Memórias de África e do Oriente

Citada pela agência Angop, em notícia de 13 de dezembro de 2007, a bióloga e conservacionista do Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP), da Guiné-Bissau, Cristina Silva, usava o termo local "onça";

(...) De acordo com a especialista, os "grandes mamíferos" como o leão, a onça e o elefante, são hoje espécies "extremamente ameaçadas" de extinção devido à acção dos seres humanos.

Por exemplo, os poucos elefantes que restaram são vistos esporadicamente nas florestas de Boé, no leste e em Cantanhez, no sul, explicou Cristina Silva, sublinhando que estes apenas aparecem nas épocas chuvosas.

"O último recenseamento apontava para a existência de apenas três casais de onças na zona do Boé", declarou Cristina Silva, um registo que contraria os dados de há dez anos, indicando que havia entre 50 a 100 seres dessa espécie. (...)


A Cristina Silva aqui citada é  a "Cristina Ribeiro Schwarz da Silva (Pepas, para os amigos e familiares), filha mais mais velha de Carlos Schwarz da Silva [, o nosso saudoso amigo Pepito, 1949-2014], guineense, e Isabel Levy Ribeiro, portuguesa.Tem [, tinha, em 2009,] 35 anos, é licenciada em biologia marinha. Trabalha no IBAP- Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau. É Coordenadora para o Seguimento das Espécies." (**)

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segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20407: Agenda cultural (717): Homenagem a Samuel Schwarz: Belmonte, Museu Judaico, 19 e 20 de dezembro de 2019





Cartaz do programa de homenagem que Belmonte vai prestar, nos dias próximos dias 19 e 20, ao engenheiro de minas, arqueólogo, bibliófilo, poliglota, escritor,  investigador e historiador da comunidade judaica portuguesa,   Samuel Schwarz (Zgierz, Polónia, 1880 - Lisboa, 1953), "cidadão do mundo, português por opção", e que foi, além disso:

(i)  avó dos nossos amigos Pepito  (1949-2014)  [, tem 230 referências no nosso blogue] e João Schwarz da Silva [, autor do sítio "Des Gents Intéressants"];

(ii) pai da nossa "Mulher Grande", Clara Schwarz  (1915-2016) [, tem meia centenas de referências no nosso blogue];

(iii)  e bisavô (paterno) da nossa jovem amiga e grã-tabanqueira Catarina Schwarz que vive em Bissau.

O cartaz chegou-nos por email de João Schwarz da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, nº 768, desde 30 de março de 2018. (Recorde-se que o João nasceu em Alcobaça em 1944, e foi para a Guiné pela primeira vez com 4 anos. Depois da morte do seu avô Samuel Schwarz em Lisboa , em 1953, voltou para Bissau onde frequentou o Colégio Liceu Honório Barreto, onde a mãe era professora,  até à sua vinda para a universidade, em Lisboa, em 1960.)

Informações adicionais:

Museu Judaico de Belmonte:

Aberto de Terça a Domingo
Horário de Inverno  (15 de Setembro a 14 de Abril)
das 9h00 às 12h30m e das 14h00m às 17h30m

Sinagoga de Belmonte:

Rua da Fonte da Rosa 41, 6250 Belmonte


Na sua página na Net, "Des Gens Intéressants", João Schwarz, membro da nossa Tabanca Grande, tem uma detalhada, extensa  e bem documentada nota biográfica, em francês, com alguns excertos em português,  sobre o seu querido avô, Samuel Schwarz.  (Na foto acima, que reproduzimos com a devida vénia, podemos ver avô e neto, em Lisboa, em 1952, um ano antes de o Samuel morrer ; na época, ele vivia no 1º andar do nº 118, da Av António Augusto de Aguiar.)

O João vive, de há muito,  em Paris. Mandou-me o programa de homenagem ao seu avô, dizendo-me que gostaria muito de me ver por lá..., em Belmonte.  Eu, também, gostaria, mas vai-me ser impossível deslocar-me a Belmonte, nessa data,. por compromissos de agenda: tenho de acolher os outros avós da minha neta, que acaba de nascer, e que vêm do Funchal passar o Natal connosco. Desejo ao João um feliz regresso a Belmonte, terra com a qual o seu avô tinha uma relação muito especial, única. Afinal, foi ele quem descobriu a comunidade cripto-judaica de Belmonte, nos anos 20 do século passado.

E,  a propósito, relembro algumas das conversas que tive o privilégio de manter, na Tabanca de São Martinho do Porto,  com a saudosa mãezinha do Pepito, do João e do Henrique, a Clara Schwarz, que foi, durante anos, a decana da nossa Tabanca Grande. Como os nossos leitores sabem, a nossa querida Clara morreu em 2016, com 101 anos: aliás, "não morreu, simplesmente desistiu de fazer anos"... Era uma grande senhora e tinha pelo pai um amor incondicional, uma admiração imensa... Não posso deixar de reproduzir o comentário que ela escreveu, em janeiro de 2011, na véspera de fazer 96 anos (!), a respeito do seu pai, Samuel:

 "Como não sentir uma forte emoção, ao dar-me conta de que o meu pai é ainda hoje lembrado e os seus trabalhos continuam a ser editados, passadas que são quase seis décadas depois da sua morte?

"Recordo-o como uma personalidade forte e empreendedora, um homem de uma cultura vastíssima, um hebraísta reconhecido, um militante sionista, que falava correntemente nove línguas e possuía uma valiosa biblioteca. Engenheiro de minas de formação, era também um estudioso e um escritor, tendo feito a primeira tradução, directamente do hebraico para o português, do 'Cântico dos Cânticos' de rei Salomão.

"Para além de 'Os Cristãos-Novos em Portugal no Século XX', uma investigação sobre a comunidade marrana da vila de Belmonte e os seus rituais secretos, o seu livro mais conhecido, publicado em 1925 e de que aqui se apresenta a tradução em língua francesa, cito de memória dois outros escritos seus: a monografia 'As inscrições Hebraicas em Portugal' e o livro editado postumamente sobre 'A Moderna Comunidade Israelita de Lisboa'.

"Graças a ele, foi possível recuperar a Sinagoga de Tomar, a única que se conserva posterior ao decreto da expulsão dos judeus de Portugal, de Dezembro de 1496, mandada construir por Henrique, o Navegador, no século XV. Adquiriu-a, com o intuito de nela se vir a estabelecer um Museu Luso-Hebraico e, nesta condição, doou-a em 1939 ao Estado português.

"Lembro-me dele como uma pessoa tolerante, que com todos se relacionava, sem distinção de raça, cor da pele ou religião, um homem de uma grande bondade, mas sem disso fazer qualquer alarido. Soube, por exemplo, ainda há pouco tempo, com total surpresa, lendo o livro 'Mémoires', recentemente publicado em França, da autoria do irmão dele, o pintor e escultor Marek Szwarc, que foi o meu pai que lhe sugeriu a ida para Paris e o ajudou materialmente nos primeiros tempos da vivência nesta cidade.

"Nascido numa família de judeus polacos, sionista convicto, o seu sonho era o de poder um dia ir viver para Israel. Algo que se transformou numa intenção firme, sobretudo após o falecimento da mulher. A doença que o atingiu nos últimos anos da vida, impediu-o infelizmente de concretizar este desejo.

"Em 1953, estando junto dele com os meus dois filhos mais velhos [, Henrique e João]
, perdi-o para sempre. Ele foi para mim também um irmão, um amigo e um querido mestre, alguém por quem tinha uma adoração profunda e que permanecerá para sempre na minha memória.

"Clara Schwarz da Silva."


[Fonte: Página de João Schwarz >  Des Gens Intéressants >  Samuel Schwarz ] (com a devida vénia...)]
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Nota do editor:

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20287: Agenda cultural (707): Curso “A Herança Judaica em Portugal” pela Universidade Lusófona: dias 9, 16, 23, e 30 de novembro, Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa, Oeiras


Guiné > c. 1954/55 > Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), entºao  com "seis/sete anos",  e Clara Schwarz da Silva (Lisboa, 1915- Lisboa, 2018).

Foto do arquivo de João Schwarz da Silva, que vive em Paris, e que edita a página da Web, "Des Gens Intéressants". São três membros da mesma família que fazem parte da nossa Tabanca Grande e têm ascendência judaica, como muitos outros portugueses que ignoram completamente esse facto, a herança (genética) hebraica...

Fonte: Página "Des Gents Intéressants", de João Schwarz da Silva (2017) (com a devida vénia...)


1. Mensagem de Maria José Rijo, técnica superior da CM Oeiras:

Data: 29 out 2019 13:52



Assunto: Curso “A Herança Judaica em Portugal” pela Universidade Lusófona:

Sinopse:

Potenciada pela recente lei que permite aos descendentes dos sefarditas obter a nacionalidade portuguesa, a procura e reencontro com a memória e identidade judaica é hoje um forte ponto de interesse em Portugal. Verifica-se uma intensa dinâmica cultural em torno desta temática com a proliferação de museus e centros interpretativos.

Que lugar dão os portugueses a esse património quase desconhecido que hoje se começa a vislumbrar?

Este curso proporcionará uma abordagem aos aspetos mais importantes e significativos da cultura sefardita, neste reencontro fundamental com a nossa História.



Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa, Oeiras


9 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (1ª sessão) – "A herança judaica em Portugal: A antiguidade da presença na Península Ibérica", por Paulo Mendes Pinto.

16 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (2ª sessão) – "A herança judaica em Portugal: Sinagogas, Judiarias e Comunidades",  por António Caria Mendes.

23 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (3ª sessão) – “A Inquisição no património mental”,  por Susana Bastos Mateus


30 Nov, sáb, 11h: Curso Lusófona (4ª sessão) – “As cosmopolitas comunidades da diáspora: Amesterdão e Nova Iorqu",  por Susana Bastos Mateus e Carla Vieira


Preço: 15€ (para todas as sessões)

Informações e inscrições: galeria.verney@cm-oeiras.pt;


Maria José Rijo

Técnica Superior
Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa
Divisão de Bibliotecas e Equipamentos Culturais
Câmara Municipal de Oeiras
Rua Cândido dos Reis, nº90-90 A
2780-211 Oeiras

Tel: 21 440 83 29/ Ext: 51505

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20269: Agenda cultural (706): III Encontros Literários de Montemor-o-Novo, a levar a feito na Biblioteca Municipal Almeida Faria, entre os dias 24 e 27 de Outubro (José Brás)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)



Guiné-Bissau > Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008 > Visita, no dia 2, ao Cantanhez, na região de Tombali. Reconstituição do antigo acampamento ("barraca") Osvaldo Vieira. O nosso saudoso Pepito (1949-2014) fala com um antigo guerrilheiro do PAIGC, sentado à sua esquerda,  sobre o início da luta aramada em 1962.

Vídeo Guné. Cantanhez. Acampamento Osvaldo Vieira5. Alojado no You Tube > Nhabijoes (*)

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guné]


1. Guiné-Bissau, Região de Tombali,  Mata do Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, domingo, de manhã, 2 de março de 2008... Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, à Baraca  (acampamento) Osvaldo Vieira, outro dos momentos surpreendentes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

Neste vídeo (**), um dos homens grandes da região conta como foram os primórdios da luta aramda... Trata-se de um excerto, há informação que perdi...  Infelizmente não consegui fixar o nome do entrevistado. Creio que é nalu. 

"Entrou no mato", como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir a (ou ser aliciado por) o PAIGC, ainda antes do início das hostilidades... Recorde-se que, para o PAICC e para a historiografia portuguesa, a guerra começa oficialmente com o ataque  Tite a 23 de janeiro de 1963.

A designação deste acampamento corresponde à verdade fática, histórica, não é  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (, de resto, controversos...) do PAIGC, o Osvaldo Vieira  (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional)... Ao que parece, o Osvaldo Vieira não actuou só na região do Óio (Frente Norte), também terá andado pelo Cantanhez (Frente Sul).

"Quando começou a mobilização, quando entre no mato, foi em 1962. Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...

O entrevistado fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o que diz ou quer dizer o entrevistado...

E a narrativa continua: 

"Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto".  (Aqui o  Pepito acaba por baralhar a audiência, maioritariamente estrangeira, ao falar em dois capitães Curto,  um dos quais teria andado a espelhar o terror no chão manjaco; ora, o capitão a que o antigo guerrilheiro se referia era o cap inf José Curto, comandante da CCAÇ 153, com sede em Fulacunda, e reportando ao BCAÇ 236, que estava em Tite.)

Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça, ninguém podia dar um passo… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Alguns mais novos conseguiram-se escapar e pedir socorro ao grupo do Nino, que estava na "barraca".

O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. "Tu não vais. Vão lá saber o que se passa com a populaçãi"...

Quando os camaradas lá chegaram, o cap Curto já não estava lá. Foram informar o Nino. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Cantanhez)…

2. O vídeo, ou pelo menos este excerto, é omisso sobre a data em que acorreu o cerco de Darsalame, e suas consequências em termos de baixas (mortos, feridos ou prisioneiros). Mas tudo indica que tenha sido em julho de 1962 e que foi na mesma ocasião em que, às tantas da madrugada, houve mortos entre um grupo de alegados simpatizantes e militantes do PAIGC, entre eles o 'comandante' Victorino Costa (1937-1962). (Já cadáver,  terá sido reconhecido por um cipaio ou guia que acompanhava o grupo de combate do cap Curto.)

Enfim, não tive, no Cantanhez, e em Bissau, em 2008, oportunidade de confirmar esta história  dos "anos de chumbo", em que se cometerem muitas arbitrariedades e ações de terror de um lado e do outro... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, entre homens que tinham combatido de um lado e do outro, para aprofundar a história (macabra) da cabeça do Vitorino Costa que terá sido levada para Tite.

Por outro lado, tanto o Nuno Rubim como o José Martins me confirmaram, na altura, em 2008, que no TO da Guiné, em 1961/63,  só havia um oficial com o apelido Curto....

Escreveu-me então o Nuno Rubim:

 "Só há dois [ com esse apelido,] que poderão ter comandado companhias: (i) José dos Santos Carreto Curto, oriundo de Infantaria, mais tarde com o curso de EM [Estado Maior,], promovido a Major em Jul 1966; e (ii) Luís Manuel Curto, Cap de Artilharia, promovido a este posto em Ago 1969. (...) 

Quanto à "companhia manjaca do Bachile", o José Martins esclareceu o seguinte:

(...) "A unidade que esteve em Bachile foi a CCAÇ 16, criada em 04Fev70 com elementos Manjacos enquadrados por graduados e praças especialistas metropolitanas. Em Bachile colocou 2 pelotões em substituição da CCAÇ 2658 em 04Mar70. Em 30Abr70 assumiu e responsabilidade do subsector, então criado. Em 26Ago74 entregou o quartel de Bachile ao PAIGC recolhendo a Teixeira Pinto, sendo extinta a 31 desse mês. Não consta nenhum Capitão de nome Curto, no seu historial." (...).

Sobre o cap Curto, falecido há dias (com o posto de ten gen reformado), escreveu  ainda o seu camarada George Freire (radicado na América há 5 décadas e meia, e membro da nossa Tabanca Grande desde 29/12/2008):

(...)  Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Servi na Guiné de 26 de maio de 1961 a 26 de maio de 1963 (...) A companhia de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante, e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia.

(…) Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 [, deve ser  153, e não 164], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç  [, Indígena, mais tarde, CCAÇ 6].  Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...)
_____________


(...) De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (...), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).(...)


(***) Vd. postes de:

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

12 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1962