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domingo, 24 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24694: Manuscrito(s) (Luís Graça) (235): o fim do verão, o princípio de outono, as vindimas da nossa alegria... E o que nós andámos para aqui chegar!...



















Quinta de Candoz, fim de verão, princípio de outono, 21, 22 e 23 de setembro de 2023, as últimas vindimas, a alegria do (re)encontro, da festa, da partilha... E pela primeira vamos fazer um vinho, com apoio de enólogo , e que será de homenagem à nossa querida "Nita", a Ana Carneiro (faz hoje meio ano que nos deixou mais sós e tristes)...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
(Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)


O que nós andámos para aqui chegar…

  

Há quase cinquenta anos (vai fazer em  2025) que venho a Candoz, lembrei  eu há dias no poste P24676 (*).  E deixei, por outro lado,  algumas reflexões avulsas sobre "mudanças" no nosso país, de que fomos todos sujeitos e objetos, atores e espetadores, nomeadamenmte no campo (por oposição à cidade). 

Respondendo de resto ao meu desafio, o despretensioso texto mereceu alguns calorosos comentários de alguns amigos e camaradas, a quem fico reconhecido, porque vieram valorizar o tema, complexo, das transformações (económicas, sociais, culturais, mentais, etc.) por que passou a nossa geração, grande parte dela de origem rural... (Na década de 50, metade da população portuguesa ainda vivia dependente do setor primário da economia e, segundo o censo de 1960, um em cada três portugueses ainda era analfabeto!)

E, como eu disse, "foram muitas, essas transformações", para não dizer "profundas, radicais, estruturantes", em todos os domínios, a nível do indivíduo, da família, do habitat, do território, da economia, da sociedade, das organizações e instituições, etc. Da saúde à educação, do trabalho aos transportes, do lazer à cultura, da sexualidade à religiosidade, da política ao futebol,  etc., etc.

Utilizei Candoz, por mera conveniência,  como ponto de observação e de reflexão, por estar situado a 400 km de Lisboa a capital deste país que ainda é macrocéfalo); longe do litoral, a 340 km da minha terra natal, Lourinhã, a 70 km do Porto; enfim,  no “país profundo”, onde o povoamento era (e ainda é) disperso e a predomina(va) o minifúndio,  e onde eu ainda apanhei tantas “coisas do antigamente” (ou que ainda estavam frescas na memória das gentes do vale do Tâmega, que pega com o vale do Sousa, berço do velho Portugal, e por onde passa uma fabulosa rota do românico, que poucos portugueses conhecem)…

E cito ainda Candoz porque a elegi também como minha segunda terra... E por aqui andou o Zé do Telhado... E está rodeada de serras, com o rio Douro a fazer fronteira entre o distrito do Porto e o distrito de Viseu: Montedeiras, Aboboboreira, Montemuro, Meadas, Marão, Alvão...

Listo apenas algumas dessas "coisas do antigamente" que, umas felizmente já desapareceram (ou são  "peças de museu"), outras ainda estão enraizadas nos nossos "usos e costumes"... São umas cinquenta (para arredondar) as que me acorreram, ao sabor do teclado e no decurso desta época de vindimas (em que vim passar 18 dias a Candoz,   já tendo hoje regressado ao Sul). 

Aqui váo, de 1 a 50, sem qualquer ordem de precedência, importância ou relevância;

(1) a luta dos rendeiros contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros (em em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);

(2) a estratificação social nos campos:”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);

(3) os salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância;

(4) as juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;

(5) a criação, em cortes, do gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco (de Canaveses);

(6) a cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerrra);

(7) a vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "utramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gazeificado e rotulado como "vinho verde branco");

(8) o vinho verde tinto, o tal "berdinho",  bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;

(9) as “serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;

(10) os grandes cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e solcalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente);

(11) a matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):

(12) o valor comercial da madeira de carvalho, castanho e pinho (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);

(13) a água de consortes,  as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e  de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde);

(14) os “montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incèndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata);

(15) a “esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco);

(16) as longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho,  mas também ao médico e o hospital da misericórdia);

(17) a escassez de meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel;

(18) a “venda” que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto, a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos  leva à albufeira da barragem do Carrapatelo);

(19) a sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até ao Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para très");

(20) o caldo moado, as cebolinhas do talho, os salpicões feitos em vinho tinto verde, o anho com arroz de forno, as papas de farinha de pau, o arroz de cabidela, o bacalhau “lascudo” no Natal, a aletria, etc.

(21) só os homens usavam calças (!);

(22) a virgindade (feminina) antes do casamento;

(23) o medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança, desamores, etc.;

(24) a importância das feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);

(25) as “tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados");

(26) a luz do candeeiro a petróleo ou querosene;

(27) o caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);

(28) o “varapau”  como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):

(29) a fraca monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro);

(30) a autossuficiência da economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e  a “ranchada de filhos”  era garantia de mão de obra abundante e gratuita;

(31) a emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França (muitas vezes "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;

(32) o obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);

(33) as “grandes mulheres” que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos,  etc.);

Mais mudanças

Era tempo em que ainda…

(34) se andava descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);

(35) se batia forte e feio nos filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");

(36) se começava a trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela der"):

(37) havia o “baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa;

(38) ouvia-se o carro de bois a chiar pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!);

(39) se cultivava o milho e o centeio;

(40) se cozia a broa de milho e centeio (três “quartos” ou partes de milho e um de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);

(41) em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];

(42) as crianças se habituavam, cedo, às “sopas de cavalo cansado” e eram “sedadas com bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;

(43) as “parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);

(44) não se conhecia a contraceção nem o planeamento familiar (mesmo a “pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);

(45) só se bebia leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);

(46) o fatalismo dos provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...);

(47) se jogava ao pião (os rapazes) e se brincava às bonecas de trapos (as raparigas);

(48) não havia saneamento básico, água potável (a não ser  o das minas) nem banheiro com duche;

(49) a electricidade, a televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);

(50) e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

É bom não esquecer, para a gente dar valor ao esforço (individual e coletivo) dos portugueses na melhoria das suas condições de vida, de saúde, de alimentação, de trabalho... 

Parafraseando, a canção do Zé Mário Branco, acrescentamos: "o que nós andámos para aqui chegar!"...

E dito isto, continuo a gostar de cá vir, em épocas emblemáticas, festivas, do Natal à Páscoa, da festa da Senhora do Socorro às vindimas... Claro, aos batizados, casamentos, festas da família, enterros… (E há perdas recentes, que nos deixam dor profunda e eterna saudade.)

E gosto de continuar a fotografar Candoz, ao longo das quatro estaçõesm e de preferència com a luz matinal... E em particular nesta época do ano em que aparecem as primeiras cores outonais e os primeiros cogumelos (os "sentieiros").

E continuo a eleger Candoz como tema da minha escrita (em prosa ou em verso, e nomeadamente nos meus/nossos blogues) (**). Afinal, sou um pobre "citadino"...

Que o leitor desculpe esta obsessão... É como a Guiné: estivemos lá menos de dois anos, e o blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné já vai a caminho dos vinte.  (**)

_____________


(...) Comentrários;

(i) Luís Graça;

Fico triste quando oiço "açularem os cães" do nortismo contra o sulismo ou vice-versa...

Afinal este país velhinho que herdámos dos nossos avoengos, e de que nos orgulhamos, não tem fronteiras internas a não ser as "metereológicas" como o sistema Montejunto-Estrela ou o anticiclone dos Açores...

20 de setembro de 2023 às 08:22

(ii) Eduardo Estrela:

(...) Felizmente que algumas das coisas que mencionas acabaram. Felizmente que outras ainda se mantêm e hão-de continuar a fazer feliz quem as aprecia.

Cá em baixo no Sul também era assim. Lembro-me bem de ver há muitos anos os serrenhos ( quem vivia a norte do Barrocal algarvio era assim apelidado ) virem ao Algarve como eles diziam, montados nos seus burros e mulas e trocarem favas, ervilhas, cebolas, batatas e outros produtos agrícolas, por peixe e marisco. Faziam-no pelo menos 2 vezes por mês percorrendo caminhos que à época eram pior que maus. (...) 

20 de setembro de 2023 às 13:03

(iii) Valdemar Queiroz:

(...) Luís, quando em 1956 vim a "escorregar por uma tábua abaixo"(*) até Lisboa, em Afife era assim a vida como muito bem descreves.

E sobre: "os salamaleques da “servidão da gleba” (também do tempo da outra senhora): “com a sua licença, eu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância"... Fernando Namora escreve no livro "Retalhos de um Médico" que a grande diferença entre o homem do norte e o do sul (alentejano) é que o do sul não atravessa a rua para cumprimentar o padre por o não conhecer de lado nenhum.

Faltou o ir descalço pra escola, que mesmo assim, quem me dera ter sete anos e o cabelo grande encaracolado e estar à espera do 7 de Outubro. (porquê a escola começava a 7 de Outubro?) (...)


20 de setembro de 2023 às 13:55


(iv) António Carvalho:

(..,) Sendo tu um homem do centro, tiveste, desde que conheceste a Alice, essa sorte de conhecer uma aldeia da região durimínia condimentada de todas as características, desde a economia, religiosidade, estrutura fundiária predisposições sociais. Aliás, sendo tu formado academicamente na área das ciências sociais, tens assim uma vantagem supletiva, quando mergulhas nas tuas reflexões sobre os espaços que habitas.

Um grande abraço, com votos de que possas abandonar, brevemente os empecilhos das muletas. (...)

20 de setembro de 2023 às 14:58

(v) António Graça de Abreu:
 
(...) Também conheço razoavelmente o Douro, o meu rio de menino e de rapaz mais espigado,(nasci e cresci no Porto) e as terras do Marco de Canaveses. Tenho um amigo arquitecto, Paulo Machado, com uma casa fantástica debruçada sobre o Tãmega, quase meu meio irmão, somos da mesma criação portuense, que já me emprestou o seu pedaço de Paraíso para estadias de espantar. São dos lugares mais bonitos de Portugal. Aí nasceu a tua Alice.

Aproveita Luís, e logo que possível atira essas muletas ao rio Tâmega, ou afunda-as nas águas do Douro. (...)

(vi) José Teixeira:

(...) Fizeste-me voltar aos meus tempos de criança. Com cinco /seis anos descobri que a sopa do caseiro que vivia a trezentos metros do monte onde vi a luz que me alumia, apesar de pobre, porque o dono das terras lhe comia o grosso do seu trabalho, tinha sempre um courato de porco na tijela, enquanto o meu, tinha couves, feijão, batata e um "pirilau" muito pequenino de azeite. 

Um dia em que minha mãe foi para lá fazer a sacha do feijão, apercebi-me do manjar e feito "xico esperto" ofereci-me para lhe guardar as ovelhas ao fim da tarde. Assim ganhei o direito ao petisco- um simples bocado de carne de porco gorda, com um coirato duro de roer que me sabia tão bem!
Assim me fiz o homem que sou. (...)


20 de setembro de 2023 às 18:34

(viii) Luís Graça:

E grande homem, Zé Teixeira, mesmo que a Pátria, ingrata, madastra, nunca to tenha dito...

Sei que tiveste uma duríssima infància, tinhas razões de sobra para te insurgires contra Deus e os homens... Porquê eu, meu Deus ?!...

Não foi fácil a nossa infància, adolescência e juventudem em geral... Alguns, creio que poucos, da nossa geração, terão vergonha em dizè.lo em público... que também comeram o pão que o diabo amassou... E a guerra ajudou a nivelar as diferenças,,,

Mas fizémo-nos homens, e isso é que importa sublinhar. E temos orgulho emm dizê-lo aos nossos filhos e netos. Tu bem podes tè-lo, tanto quanto eu sei de ti e da tua história de vida! (...)

domingo, 13 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24553: (Ex)citações (421): Vivendo na Suécia há já quase meio século, com família sueca, há muito que compreendi não existirem paraísos... Mas, atenção!, os suecos estão longe de serem ingénuos caçadores... de borboletas (José Belo, Suécia)

1, Comentários do José Belo ao poste P 24545(*):



(i) Não se tratando de juízo valorativo, não posso deixar de sorrir ao ler um certo tipo de comentários que aparentam julgar a maioria da sociedade sueca, composta por ingénuos e incapazes caçadores de…borboletas!

Vivendo na Suécia há já quase meio século,  com família sueca, há muito que compreendi não existirem paraísos.

Mas sendo este blogue constituído na sua maioria por ex-militares (com alguns profissionais reformados), aproveito para aqui referir alguns dados referentes às Forças Armadas e indústria de armamento local, base de avultadas e muito lucrativas exportações.

Empresas como a Saab abricam os modernos caças “Gripen-39”, com os mais modernos componentes de guerra electrónica e inteligência artificial. (A Força Aérea dispõe de cerca de 120 aviões deste tipo, exportando os restantes.)

Os estaleiros Saab Kockums AB produzem além de Fragatas e Corvetas, os submarinos tipo “Gotland” de propulsão de ar independente, que lhes permite uma imersão profunda durante semanas, algo anteriormente só possível com submarinos nucleares.

São também produzidos localmente uma variada gama de mísseis terra-ar-mar, e outro material de guerra, desde as armas ligeiras, foguetes antitanque de vários modelos, um variado tipo de moderna artilharia móvel, vários modelos de blindados, ligeiros e pesados, a somarem-se a alguns modelos blindados de transporte de pessoal. (À lista dos blindados produzidos localmente somam-se 121 tanques alemães do tipo “Leopard-2A”. As munições para todo o tipo de armamento referido, terra, mar e ar, são também produzidas na Suécia.)

Como curiosidade interessante,  a Suécia tem capacidade para produzir modernas e sofisticadas baterias de foguetões de defesa anti-aéres. Mas… acabou por comprar aos Estados Unidos baterias do tipo “Patriot” a um preço quase duplo do produzido localmente.

Um tipo de compra justificada pelo Governo como tendo levado em conta certas realidades políticas (!) muito prementes.

A Suécia gasta anualmente com a defesa mais de 8, 3 mil milhões de euros, com um aumento de um quinto desde o início da guerra na Ucrânia.

11 de agosto de 2023 às 23:10 

(ii) Não se deve subestimar o saloiismo iluminado da ditadura de Salazar.

Foi durante a sua “governação” que a indústria de guerra nacional acabou por produzir a pistola metralhadora “FBP”, perfeita para ser usada por graduados aquando dos desfiles militares.

Os poucos que tiveram oportunidade de a experimentar na carreira de tiro, ou mesmo na Guiné,de imediato compreenderam o seu mau funcionamento.

Fábrica de Braço de Prata (FBP)….mais um exemplo do avançado industrialismo salazarista!

12 de agosto de 2023 às 11:33 



O luso-sueco José Belo (com 250 referências no nosso blogue, membro da Tabanca Grande desde 8 de março de 2009): foi alf mil inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, é capitão do exército português reformado (poderia ser hoje coronel, se tivesse lutado pelo seu direito à reconstituição da carreira militar).



(iii) “Chamando os bois pelos nomes”, as ajudas suecas a países do terceiro mundo mais não foram (e são!) que investimentos a médio e longo prazo.

O ter governantes destes países “no bolso” acaba por abrir portas a todo o tipo de negócios e, não menos, acesso a matérias-primas importantes.

Mas quantos são os países ricos e industrializados que tal não fazem?

A única diferença estará no facto de os suecos terem sabido criar uma imagem idealizada, muito conveniente, e com bons resultados práticos para tais negócios.

Os dividendos quanto à Guiné não terão sido representativos, mas em outros países da África Austral os “investimentos” foram (e estão) a ser pagos com bons “juros”.

Mais um abraço do JBelo

2 de agosto de 2023 às 16:57

PS - Melancolicamente (!) …….há cinquenta anos nunca teria escrito o comentário anterior.


2. Comentário do editor LG:

Em suma, Zé Belo, que não se metam com os suecos (nem com as suecas, pelo menos no futebol).

Vê-se pelo teu comedido mas irónico comentário , que há uma santa ignorância nossa sobre os nossos parceiros e aliados suecos, a começar pela sua história, economia, diplomacia e interesses geoestratégicos....

Quando no início dos anos 90 estive em Karlstad, apercebi-me (não tinha essa noção) de que um país não pode ser neutral, "desalinhado", sem forças armadas e indústria de guerra. E os suecos já tinham uma indústria militar com tecnologia de ponta...

A grande diferença em relação a Portugal (para além da sua população que é equivalente e o seu território, que é quase cinco veses maior), é a sua história recente, a sua democracia, a importância da concertação social, a aposta na educação e na saúde... Nada disso conhecemos nós no Estado Novo... Salazar tinha um medo que se pelava da palavra "modernização": para ele era uma caixinha de Pandora...

Fica também aqui uma palavra minha de admiração e apreço pela Suécia e o seu povo, independentemente das nossas "idiossincrasias"... (**)

12 de agosto de 2023 às 10:26 

Guiné 61/74 - P24552: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). VIII (e última) Parte: 18, 19, 20, 21, 23, 24 e 25 de maio de 2023... "Longe dos olhos, mas perto do coração"








Timor Leste > 2018 > Imagens diversas do país

Fotos (e legenda): © Rui Chamusco (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Rui Chamusca
e Gaspar Sobral (2017)
1.  Publicamos as últimas crónicas que o nosso amigo Rui Chamusco (76 anos, professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste) nos mandou, na sequência da sua 4.ª viagem àquele país lusófono (março-maio de 2023) (*)

Esteve lá já 4 vezes, em 2016, 2018, 
2019 e agora em 2023, no àmbito da construção, organização e funcionamemento da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau, Manati, município de Liquiçá.  

O Rui Chamusco, o "abô" Rui, é juntamente com a família luso-timorense Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense. É um exemplo inspirador, de amor à lusofonia e de solidariedade para com o povo de Timor Leste, que merece ser conhecido pelos mossos leitores. 

Além disso, há aspetos da história, da geografia e da cultura timorenses que nos são totalmente desconhecidos.

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL) (Página do Facebook)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4


De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4ª estadia, 2023):
crónicas de Rui Chamusco
/ ASTIL (excertos) (*)


VIII (e última) Parte VII - 18, 19, 20, 21, 23, 24 e 25 de maio de 2023 


18.05.2023, quinta freira - Os últimos cartuchos

Hoje é o último dia da campanha para as eleições parlamentares. Todos os partidos, uns em maior escala do que outros, finalizam ao seu modo o tempo em que expuseram os seus programas, as suas promessas, as suas esperanças em bons resultados. Até já se comenta quem vai ganhar, mas eu penso que irão ganhar todos. Tudo depende de como se olhe para os resultados. O que importa é que, ganhando ou perdendo, todos se entendam e contribuam para o bom exercício do parlamento e, o mais importante, para o desenvolvimento e bem estar deste povo

Os últimos cartuchos estou também eu gastando desta minha quarta estadia em Timor Leste. Há que aproveitar estes dias que faltam para tratar de assuntos pendentes e, sobretudo, assuntos relacionados com a ESFA.

Assim sendo, já fizemos visitas e encontros:

  • ao Município de Liquiçá , que tem um acordo de colaboração com o Município de Sabugal e do qual serei elo de ligação;
  • à Direção Escolar de Liquiçá, onde apresentamos uma proposta de colaboração entre a escola ESFA e a escola pública de Quilo em Leotalá; 
  • â Escola CAFE de Liquiçá na qual lecionam alguns bons colegas e amigos de Portugal; 
  • à Embaixada de Portugal, onde a Dra. Manuela Bairos nos presenteou um final de tarde a não esquecer pela simpatia, simplicidade e vontade de ajudar, tendo em conta os seus poderes como digníssima embaixadora do nosso país. 

Pouco mais falta para completar a despedida, que terminará terça-feira próxima à Escola Portuguesa de Dili e, quarta-feira, que seré o dia da partida.


19.05.2023. sexta feira  - Com “ar de turistas”


Aí vamos nós, Adobe e Delfina, Aurora, Alif, João e Maria João Picão, Rui e Eustáquio. a caminho de Aileu e de Maubisse. Uma viagem já há tempos programada, mas que só hoje foi possível realizar. Mais estradas em mau estado, mais estrada nova, mais uma cascata, a cascata de Manleu, mais paisagens de encantar ainda que com muitas curvas e contra curvas, e eis-nos chegados a Aileu, seguindo logo para Maubisse. 

Voltas ao mercado local, fotos e mais fotos, umas perninhas de frango assado para o amigo João Picão e pouco mais. Não pareciamos; éramos mesmo turistas, três dos quais Malaes, a quem as pessoas cumprimentavam com reverência, lançando-nos o olhar, o sorriso e o “Bom dia! Bom dia!” 

No regresso paramos em Aileu para almoçar e para visitar o Projeto Montanha”, que por acaso é num vale, e sobre o qual eu tinha alguma expetativa e interesse em conhecer. OK, tudo bem, mas eu esperava outra coisa. E assim foi esta viagem de ida e volta no mesmo dia.

20.05.2023, sábado - Encontro de amigos

Também já estava programado. Aproveitando o dia feriado que as eleições de amanhã atribuem para reflexão sobre o partido em que se vai votar, os amigos Mário e Mariana, professores no CAFE em Gleno, e a Rosinha,  professora em Los Palos, vieram até Ailok Laran para, em conjunto, partilharmos algumas horas deste dia. É sempre um prazer encontrar estes amigos, por aquilo que nos une e nos torna cada vez mais amigos. Horas bem passadas, onde o humor e a boa disposição nunca faltaram.

Obrigado, Bene,  pelo acolhimento que nos dispensaste.

Outro momento antecedeu o encontro atràs descrito. Com a família da “casa Eustáquio”, fomos almoçar ao restaurante “O Tavirense”, onde já nos esperava a Professora Cristina Breda, outra grande amiga de todos nós, e nomeadamente da Escola São Francisco em Boebau. Obrigado professora pelo seu apoio a este projeto solidário.

21.05.2023, domingo -  Dia de eleições para o parlamento

Mais uma vez tive a oportunidade de acompanhar esta campanha eleitoral, e hoje é o dia D, em que os timorenses vão dizer, através do seu voto, qual é o partido ou os partidos que irão orientar e governat este país durante os próximos cinco anos.

A campanha correu muito bem, sem incidentes de relevo, com os 17 partidos concorrentes a “venderam” as suas ideias, os seus programas aos eleitores, a “puxarem a brasa para a sua sardinha”. 

A cidade de Dili despovoou-se devido aos votantes se deslocarem às suas terras para exercerem o seu dever cívico. Por todo o lado, em todas as direções se viam carretas, angunas, biscotas, microletes apinhadas de gente, aproveitando estes transportes grátis que o Etado proporciona. Também isto é festa.

Como em todos o lado onde vigore o sistema democrático, o dia de hoje é de alguma ansiedade enquanto não forem conhecidos os resultados provisórios e definitivos. Todos os concorrentes têm expetativas de alcançarem bons resultados, de ganharem lugares no Parlamento, ou de até fazerem parte da governação.

Vamos a ver se, depois de serem conhecidos os resultados eleitorais, os timorenses se comportam. Vencedores e vencidos terão de se respeitar e compreender. Muito se tem especulado sobre o que aí virá, mas eu tenho fé que estas forças políticas e sociais, vencendo ou perdendo, irão contribuir para a estabilidade governativa deste país, para o bem comum de todos os seus cidadãos.

23.05.2023, terça feira -  Mais uma despedida, mais um abraço

Não podia regressar a Portugal sem me despedir do Dr. Manuel Alexandre, diretor da Escola Portuguesa de Dili. A disponibilidade que sempre manifesta em nos receber, o acolhimento afável e a atenção com que nos escuta, a vontade de nos ser prestável são qualidades que, para além de muitas outras, nos merecem toda a estima e consideração.

Falamos de assuntos que nos concernem, de projetos a médio e longo prazo, da Escola São Francisco de Assis “Paz e Bem”, da língua portuguesa, das relações fraternas entre Timor Leste e Portugal, do nosso empenhamento na construção de um mundo melhor. A união faz a força, “Que força é essa, que força essa?”

O abraço de despedida foi breve, porque há planos e projetos que, se tudo correr bem, nos vão reencontrar para os pormos em prática.

Entretanto, o meu amigo/irmão Eustáquio servirá de interlocutor, sempre que haja algum assunto a resolver entre nós.

Obrigado Dr. Manuel Alexandre!...

23.05.2023, terça feira  - Que grande bicharada!

A conversa de esta noite derivou para a bicharada. Tudo porque eu disse que, amanhã à tarde, depois de chegar a Portugal, vou encher a barriga de caracóis, acompanhados de umas boas imperiais. Faz-lhes impressão comer estes bichos que deslizam pelo chão, cheios de baba.

Então, começaram a falar daquilo que já comeram, com o Eustáquio a comandar. Cobras, ratos (dizem que tem muito bom gosto), rãs, morcegos, lagartas, e eu seu lá quantas coisas mais. 

E aqui vai disto: “a necessidade aguça o engenho”, “ quem tem boa boca come de tudo”, “ de gostos(sejam els quais forem) não se discute” que em latim se diz “de gustibus non est disputantis”.

Então, façam favor de não se arrepiarem quando eu lhes digo que gosto de caracóis.

24.05.2023, quarta feira - Adeus!...Adeus!...

Tinha de ser. Por mais que eu lhes tenha dito: “Não quero que vocês vão ao aeroporto, quando for embora”, de nada valeu. Mais de 20 pessoas fizeram questão de aparecer, algumas até na véspera, para dizer “adeus abô, pai, tiu Rui!...” 

Muitas fotografias a solo, aos pares, a grupos e algumas lágrimas (que não são de crocodilo) de parte a parte. Vamos mas é para dentro que é para isto não desabar e dar em choro coletivo.

Depois, são horas e horas a contar o tempo que já passou, o tempo que ainda falta. Agora, estou no aeroporto de Bali, à espera que o tempo passe. “Santa paciência!...” E então quando se viaja só, sem alguém com que se possa conversar, mais custa. Quem disse que o tempo passa depressa? Que raio de relógios arranjaram?!...

25.05.2023, quinta feira  - Em solo lusitano

Por mais que disfarcemos, há sempre uma alegria, um bem estar que nos invade quando voltamos à nossa terra, ao nosso país. Contam-se as horas, contam-se os minutos, até que o avião em que viajamos roça o solo da nossa terra.

Depois, são as formalidades do desembarque que, desta vez, tudo correu bem e foi muito rápido. À espera, estava o Beto que de pronto me levou a sua casa onde almoçamos e, horas depois, me presenteou com uma delicioss caracolada bem regada com umas boas imperiais. E ao final da tarde, aí vamos nós rumo ao lar, na Lourinhã.

Em geito de conclusão, direi que esta missão está cumprida, com os objetivos quase todos alcançados. E como o quase nos sugere, prontos para outra sempre que haja razões para tal, e a saúde. sobretudo, nos permita. 

Enquanto houver força, estaremos ao serviço desta missão em terras do sol nascente, desejando sempre que , com a nossa colaboração, este mundo possa ser um pouquinho melhor.

ADEUS TIMOR LESTE!... ATÉ À VISTA!

Longe dos olhos, mas perto do coração.

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos: LG)
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 2 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24527: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte VII: 26, 28, 29 de abril, 1, 2, 3, 4 ,5, 10, 16 de maio de 2023... “Cada criança que nasce é sinal de que Deus ainda não está zangado com a humanidade”...

Postes anteriores da série:

28 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24511: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte VI: 16, 17, 20, 22, 23, 24 e 25 de abril de 2023


22 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24495: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte V: 7, 9, 10, 12 e 13 abril de 2023

13 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24474: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte IV: 3, 5 e 6 de abril de 2023

10 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24466: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte III: 1 e 2 de abril de 2023

5 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24453: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte II: 23, 26 e 31 de março de 2023

3 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24446: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte I, 19 e 21 de março de 2023

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24548: Antologia (97): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: O caso da ajuda ao PAIGC – Parte VIII


Em representação das Nações Unidas nas zonas detidas pelo PAIGC: Folke Löfgren com alunos da escola de mato Areolino Lopes Cruz, na base de Cubucaré, consultando o livro escolar O Nosso Livro, impresso na Suécia, Uppsala, abril de 1972 (Foto gentilmente cedida por Folke Löfgren) (Fonte: 
Tor Sellström, op-. cit. 2008, pág. 167)


1. Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, é autor de um livro, de 290 páginas, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

Nessa publicação ele conta-nos como é que os chamados "Grupos de África" (organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral, e nomeadamente contra o apartheid) e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar na Guiné-Bissau, no final dos anos 60. 

O território, então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC; a lutar pela sua independência, era na altura praticamente desconhecido do público sueco.

A partir de 1969, a Suécia começou a dar, ao PAIGC, uma "ajuda humanitária" substancial, primeiro em géneros, depois em dinheiro, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. Em meados dessa década, fechou abruptamente a torneira, ao perceber que estava a mandar o dinheiro dos contribuintes para o lixo.

"As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau". Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).

Sáo factos que já pertencem ao domínio da História. Mas, passados estes anos todos, julgamos que ainda pode ter algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco mais sobre o envolvimento da Suécia, mesmo que indireto, na "nossa" guerra colonial.

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de Tor Sellström. Já chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)...

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAI (mais tarde, PAIGC); (ii) a batalha do Como em 1964: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil  habitantes (!) por parte do PAIGC; (iv) as escolas, os hospitais e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) a morte de Amílcar Cabral e o seu contexto, etc.

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172) tem demasiadas notas de pé de página, que são úteis do ponto de vista documental e até têm informação relevante  mas são extremamente fastidiosas para  a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas, são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos um ou outro erro de português. Os excertos, que reproduzimos,  seguem o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica:

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.


Disponível em
https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar).  
Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. 

Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem, quase em exclusivo,  da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau (Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau", usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes (numa população de pouco mais de meio milhão)... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III).

Nas páginas 148-152, é referido a primeira visita (de muitas) de Amílcar Cabral à Suécia em novembro de 1968 (Parte IV).

As conversações de Ström com o PAIGC foram bastante simples. No seu relatório, descreveu Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC, como ”um jovem agrónomo bastante jovial, elegante, intelectual e um conversador desenvolto e muito animado. Nada de apelos patéticos nem declarações solenes. As suas intervenções eram objectivas, claras e concisas” (Parte V, pp. 152-154).

Os suecos quiseram, na sua ajuda "não-militar", privilegiar os sectores da educação e a saúde. onde o PAIGC estava confrontado com "enormes desafios". O pressuposto era de que,  em 1971, calculava-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau, (...) na sua maioria artesãos e camponeses (sic) (Parte VI, pp. 154-157. Uma estimativa, disparatada, que fazia parte do arsernal de  propaganda do PAIGC...

Uma das maiores "mistificações" foi a entrega de 100 toneladas de "sardinhas" (ou arenques juvenis)  sob a forma de cerca de 400 mil latas de conservas, de 225 gr cada uma (peso líquido), e que terão sido profusamente distribuídas pelas "zonas libertas" (sic) até chegarem a Bissau... (O nosso amigo Cherno Baldé disse-nos que chegou a provar essas tais "sardinhas", e não lhe sabiam a nada...) (Parte VII, pp. 157-161). 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC - Parte VIII:

Amílcar Cabral e a ajuda sueea (pp. 161-168)

 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 


Amílcar Cabral e a ajuda sueea (pp. 161-168)


A cooperação com o PAIGC da Guiné-Bissau dominou a ajuda oficial sueca aos movimentos de libertação africanos durante a primeira metade dos anos setenta. Começando a um nível relativamente alto (131), a ajuda em bens aumentou de forma sustentada ao longo dos anos e, apesar das diferenças culturais e das circunstâncias, em geral difíceis, baseou-se em confiança mútua entre as partes e foi aplicada de forma satisfatória tanto para os doadores como para os beneficiários da ajuda. 

A experiência da cooperação com o PAIGC serviu como exemplo positivo para a ajuda humanitária posteriormente dada aos movimentos de libertação da África Austral.

O facto de o secretário geral do PAIGC se ter empenhado, pessoal e profundamente na concepção, aplicação e seguimento da ajuda oficial facilitou as operações de cooperação (132), como é natural.

Também ajudou o facto de, antes de se iniciar o relacionamento, o PAIGC ter já um
representante residente na Suécia, que participou activamente no debate, e com quem a ASDI teve consultas frequentes. Onésimo Silveira foi, contudo, destituído em novembro de 1972 (133) e apenas dois meses depois, a 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado (134).

Nessa altura, a cooperação com o PAIGC estava já firmemente enraizada. O assassinato de Cabral não provocou uma crise aberta no movimento de libertação, que fizesse com que o governo sueco tivesse de suspender a ajuda, como aconteceu aquando do assassinato do presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, em Fevereiro de 1969.

Tanto o sucessor de Cabral no cargo de secretário-geral (Aristides Pereira), como o seu irmão Luís Cabral, que viria a ser eleito presidente da Guiné-Bissau independente, tinham trabalhado desde o início, de forma estreita, com a ASDI e, a seguir ao assassinato, ficaram com os seus contactos junto da agência de ajuda (135). A ASDI retomou as remessas de ajuda para Conacri logo em meados de Fevereiro de 1973 (136).

A morte de Cabral teve um profundo impacto na Suécia (137). Descrito como o ”mais profundo, do ponto de vista teórico, dos líderes nacionalistas da África portuguesa” (138), tinha capacidades extraordinárias para conseguir apoios para o PAIGC num espectro político vasto, da esquerda não-parlamentar ao Partido Liberal. 

Ao longo do tempo aproximou- se muito da liderança social-democrata, à volta da pessoa do primeiro ministro Olofe Palme, mas tinha relações calorosas com a ASDI e com o movimento de solidariedade.

Dizendo que ”a ideologia era, acima de tudo, saber o que se pretendia nas circunstâncias particulares em que se estava”(139), as suas ideias seriam, contudo, muitas vezes citadas, mas também distorcidas, em prol de determinadas posições políticas.

Os Grupos de África consideravam Cabral como ”um dos mais destacados líderes revolucionários dos nossos tempos” e a luta do PAIGC como ”um dos pregos no caixão do imperialismo” (140). 

O movimento de solidariedade e a esquerda sueca eram, em geral, muito críticos da ajuda humanitária dada pelo governo social-democrata (no espírito da conferência de Cartum de 1969, onde se exigiu apoio incondicional em dinheiro e a tomada de uma posição clara a favor da luta armada do PAIGC) (141). Ao mesmo tempo, o próprio Cabral era o arquiteto principal do programa de ajuda em géneros.

Recebendo armas da União Soviética e seus aliados, ele tinha desde o princípio excluído o cenário da ajuda militar sueca, criando em vez disso um programa de cooperação civil que, nos finais dos anos sessenta, mais país nenhum dava. 

Tal como o próprio Amílcar Cabral havia previsto, a ajuda humanitária sueca acabou por aumentar o apoio internacional concedido ao PAIGC e abrir o caminho para a disponibilização de ajudas semelhantes por parte de outros países ocidentais, como foi o caso da Noruega, um membro da OTAN que, em 1972 desafiou a causa comum dessa organização com Portugal e criou uma dissidência muito significativa, sob a forma de ajuda oficial directa ao PAIGC (142).

A Suécia e a União Soviética eram os maiores doadores do PAIGC (143). Enquanto a Suécia privilegiava a componente civil, os soviéticos eram os principais municiadores da luta no  campo militar (144).

Havia uma divisão não coordenada, mas não menos real, de facto, entre os dois estados o que foi, em larga escala, copiado para os movimentos de libertaçãoda África Austral (145).  

O facto de, aos olhos dos Estados Unidos e de outros grandes estados ocidentais, a Suécia ser vista como estando a partilhar uma causa com o bloco comunista, não desencorajou o parlamento nem o governo suecos de fornecer ajuda não militar (146).

No início da década de setenta a maior crítica que se fazia ao governo social- democrata (tanto por parte da oposição não-socialista do Partido Liberal, como pelo movimento de solidariedade) tinha a ver com as relações comerciais que a Suécia mantinha com Portugal, seu parceiro na EFTA, pois dizia-se que aumentar a ajuda humanitária oficial ao PAIGC e seu aliados da CONCP e, ao mesmo tempo, aumentar o comércio com a potência colonial portuguesa era altamente imoral e contraditório (147). 

Para os Grupos de África este facto constituía a prova de que o governo ”protegia os interesses dos imperialistas suecos” (148). O escritor e activista Göran Palm que, depois de uma visita às zonas libertadas da Guiné-Bissau, nos finais de 1969, escrevera entusiasticamente que fora recebido ”como um príncipe” por causa da ajuda sueca (149),  concluía em 1971 que ”a Suécia dá com a mão esquerda social-democrata, mas tira com a mão direita, capitalista” (150).

As conclusões de Palm foram apresentadas no prefácio de um livro de textos em sueco, escrito por Amílcar Cabral, e publicado com o título A nossa luta, a Vossa luta. O título foi retirado de um discurso feito em 1964, no qual Cabral declarava que o Imperialismo era o inimigo comum da classe operária internacional e dos movimentos de libertação nacionais. Daí que devesse ser combatido numa ”luta comum” (151).  O discurso de Cabral, incluído na antologia Guerrilha (152), de Anders Ehnmark, foi muito citado pelo movimento anti-imperialista sueco.

Numa conferência em Estocolmo em que participaram os Grupo de África de Arvika, Gotemburgo, Estocolmo e Uppsala, que se auto-proclamavam ”grupos de trabalho anti-imperialistas” (153) e que definiram como um dos seus principais objectivos ”estudar e combater o imperialismo, especialmente o da Suécia em África” (154), foi adoptada uma directriz, em jneiro de 1971 ”para a actividade dos grupos” (155). 

Terminada conferência, os grupos enviaram cartas para os gabinetes da FRELIMO, do MPLA e do PAIGC, informando-os de que o trabalho do movimento de solidariedade se baseava ”no princípio formulado pelo camarada Amílcar Cabral”, nomeadamente que "a melhor forma de provar a vossa solidariedade é lutar contra o imperialismo nos vossos países,ou seja, na Europa. Enviar-nos medicamentos é positivo, mas secundário" (156).

Independentemente das suas posições quanto ao imperialismo, era difícil afirmar, pelo menos no caso da Suécia, que os líderes do PAIGC, da FRELIMO e do MPLA tenham ficado muito estimulados por, no início de 1971, terem sido informados da aplicação de uma declaração geral feita em 1964 e que se aplicava a uma situação concreta, existente nesse primeiro momento (157).  É além disso improvável que considerassem a ajuda humanitária como algo secundário, ou que vissem de todo a Suécia como um país imperialista (158).

O líder citado do PAIGC participara activamente na ajuda sueca. Cabral tinha também uma enorme abertura de espírito face ao relacionamento entre a Suécia e Portugal. Durante a sua primeira visita, realizada nos finais de 1968, declarou, segundo narra Pierre Schori, que Portugal não devia ser excluído da EFTA, pois isso significaria ”que o país poderia agir com ainda mais à-vontade” (159). 

 Como consta das notas de uma reunião entre o representante das Nações Unidas, Sverker Åström,  e Cabral, realizada em fevereiro de 1970, este último deixou clara a sua opinião, dizendo "perceber perfeitamente que a filiação de Portugal na EFTA impunha certos limites à Suécia, mas que queria destacar que não gostaria, de forma alguma, de recomendar uma interrupção das relações comerciais entre a Suécia e Portugal, corte esse que sabia ser exigido por certos núcleos radicais de jovens na Suécia" (160).

Uma vez que encabeçava uma luta de libertação que estava a correr bem e tendo a intenção de manter e desenvolver relacionamentos internacionais depois da independência da Guiné-Bissau, a diplomacia conduzida por Cabral caracterizava-se por um realismo pragmático

De acordo com o académico guineense Carlos Lopes, o seu principal mote condutor era ”a nossa ideologia é o nacionalismo, obter a nossa independência, e obtê-la de uma forma absoluta, e fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance usando as nossas próprias forças, embora cooperando com todos os outros povos para conseguir desenvolver o nosso país” (161). 

Esta posição não só contrasta com a interpretação ideológica do conceito de luta nacionalista feita pelo movimento de solidariedade sueco, como levou Cabral, nessa altura, a retirar algum destaque a várias iniciativas, levadas a cabo na cena internacional, em prol do PAIGC. 

Isso mesmo fica claramente demonstrado antes da Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1972 quando, por deferência estratégica para com a Suécia e os outros países nórdicos, recusou a possibilidade que lhe foi dada de se dirigir ao pleno da assembleia, como primeiro representante de um movimento de libertação.

O pano de fundo para essa recusa foi o seguinte: O Comité das Nações Unidas para a Descolonização (162) (também chamado Grupo dos 24) organizou uma visita única de apuramento de factos à Guiné em abril de 1972 ”com o objectivo de desmistificar as afirmações portuguesas segundo as quais não existiam quaisquer zonas libertadas e dar legitimidade aos movimentos africanos de libertação” (163).

 A delegação era composta por três jovens diplomatas das Nações Unidas, um dos quais (de nome Folke Löfgren, o primeiro secretário da missão permanente em Nova Iorque) representava a Suécia (164),  país que, na altura, era o único membro ocidental do Comité para a Descolonização (165). 

Uma vez que o governo sueco tinha alargado bilateralmente, e de forma considerável, a ajuda humanitária ao PAIGC, a iniciativa foi seguida com todo o interesse pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo. 

Organizada ”de forma clandestina” (166), a missão das Nações Unidas provocou indignação em Portugal (167).  Durante a visita, os portugueses intensificaram os bombardeamentos aéreos e a actividade militar em geral contra as zonas libertadas. Löfgren diria depois que ”fomos ingénuos, ao ponto de não acreditar que Portugal poderia tratar as Nações Unidas desta forma” (168).

As Nações Unidas ficaram ”impressionadas com o entusiasmo e a cooperação abnegada que o PAIGC recebe das populações nas zonas libertadas e o grau de participação dessa mesma população na maquinaria administrativa criada pelo movimento de libertação” (169), concluindo que o PAIGC não apenas controlava militarmente, mas governava de facto os territórios libertados. 

Löfgren teve oportunidade de registar in loco que a ajuda humanitária sueca (nomeadamente em termos de material escolar, mormente na forma do livro escolar O Nosso Livro) chegava às populações no interior do país (170). 

Em geral,a missão confirmou o apoio popular de que gozava o PAIGC nas zonas visitadas, tendo recomendado o reconhecimento da declaração planeada de independência da Guiné-Bissau (171). 

 Com base nas suas conclusões, o Comité das Nações Unidas para a Descolonização aprovou, numa reunião em Conacri a 10 de abril de 1972, na qual participou Amílcar Cabral, uma resolução, em que reconhecia o PAIGC "como o único e autêntico representante do território da Guiné-Bissau, solicitando a todos os estados e agências especializadas, bem como outras organizações do sistema das Nações Unidas, que tomassem esse facto em consideração ao tratar de questões que se relacionassem com a Guiné-Bissau e Cabo Verde" (172).

Tratou-se de um grande êxito politico e diplomático para o PAIGC e, de uma forma mais geral, de ”um enorme avanço em termos da compreensão internacional para a maior legitimidade dos movimentos africanos de libertação junto das Nações Unidas”.173 

Com base no relatório da missão (**), o Comité das Nações Unidas para a Descolonização pôde então instar ao reconhecimento dos movimentos de libertação enquanto observadores, e não apenas como peticionários (174).

Ainda mais importante do que isso foi que, pela primeira vez na história das Nações Unidas, foi possível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse directamente à Assembleia Geral das Nações Unidas, honra essa que teria cabido a Amílcar Cabral mas que, devido às reservas da Suécia e dos países nórdicos, não se veio a verificar. Numa entrevista datada de 1995, o presidente do Comité de Descolonização das Nações Unidas, Salim Ahmed Salim da Tanzânia, relembra:

"Amílcar Cabral veio a Nova Iorque e nós tentámos que ele falasse na Assembleia Geral dasNações Unidas. Nessa época era inconcebível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse à Assembleia Geral, mas nós dispúnhamos dos apoios necessários para tal. 

"Contudo, os países nórdicos tinham reservas. Lembro-me do embaixador da Suécia e os outros embaixadores nórdicos me dizerem: ”Olhe que não estamos satisfeitos com isto. Em termos legais, teremos problemas se representantes dos movimentos de libertação se dirigirem à Assembleia Geral. É algo sem precedentes e que vai provocar imensos problemas.”(175). 

"Fui então ter com Amílcar Cabral e disse-lhe: ”Sr. Secretário Geral, se quiser dirigir-se à Assembleia Geral, nós dispomos de votos para tal. Temos o apoio necessário dos países africanos e asiáticos, bem como de um conjunto de países sul-americanos. Mas quero que saiba que os países nórdicos estão muito descontentes com isso. O que fazemos?” Cabral então disse: ”Olhe, os países nórdicos são nossos amigos. Ajudaram-nos nas alturas mais difíceis e não queremos criar-lhes dificuldades. Não me dirigirei à Assembleia Geral”.

"Havia imenso respeito pela posição dos países nórdicos. Nem se punha a possibilidade de duvidar da sua integridade ou da sua sinceridade relativamente aos movimentos de libertação. Se qualquer outro país ou conjunto de países tivesse dito que não, nós teríamos trazido a questão ao conhecimento da Assembleia Geral e recebido os votos necessários. [...] Nós sabíamos que a posição dos países nórdicos era de apoiar os movimentos de libertação de uma forma prática.

"Essa era, também, a única maneira de entender a posição de Cabral, pois ele era um desses visionários, um gigante entre as pessoas, que não hesita. Ele mostrou o respeito que nutria pelos países nórdicos e, como é óbvio, esse respeito foi partilhado por aqueles que o apoiavam e que apoiavam a luta (176).

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Notas do autor:

131. A primeira dotação ao PAIGC em 1969–70 foi de 1 milhão de coroas suecas. O primeiro donativo à SWAPO da Namíbia, concedido em 1970–71, foi de 30.000 coroas suecas e a ajuda regular ao ANC da África do Sul foi de 150.000 coroas suecas em 1972–73.

132. Amílcar Cabral opunha-se firmemente à ideia de receber ajuda oficial sueca via o Comité de Libertação da OUA (Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972) (MFA). 

As relações diretas e bilaterais não só aumentaram a influência do movimento de libertação sobre o programa de apoio, mas fortaleceram também a posição do mesmo na cena internacional. Deve-se acrescentar a isto as limitações administrativas da OUA. Todos os movimentos de libertação da África Austral apoiados pela Suécia partilhavam do ponto de vista de Cabral neste aspeto. 

No caso do Zimbabué, o antigo vice-secretário das Finanças da ZANU, Didymus Mutasa, explicaria depois: ”Nós sentimos muito o peso da burocracia que reinava no seio da OUA. Eles diziam que tínhamos de esperar pela cimeira dos chefes de estado que, depois de reunir, ainda iria demorava muito tempo a decidir se era ou não necessário que avançássemos com a luta de libertação. Entretanto, nós ficávamos sentados ao sol, à espera e na esperança de que chegasse ajuda. Daí que tenhamos pensado porque não haveríamos de receber o dinheiro directamente” (Entrevista com Didymus Mutasa, p. 218). Cf. Ansprenger op. cit.

133. De acordo com Aristides Pereira, que visitou Estocolmo no início de janeiro de 1973, o afastamento de Silveira foi uma ”medida disciplinar”, motivada pelo facto deste se ter recusado a viajar para a Guiné, para debates com o PAIGC. Contudo, o movimento estava ”muito satisfeito com o trabalho feito por Silveira na Suécia” (Anders Möllander: Memorando (”Minnesanteckningar från besök 1973 01 02 av Aristides Pereira, PAIGC”/”Notas davisita de 1973 01 02 de Aristides Pereira, PAIGC”), Estocolmo, 4 de janeiro de 1973) (SDA). 

O novo representante do PAIGC, Gil Fernandes, foi apresentado por carta de Aristides Pereira pouco tempo depois (Carta de Aristides Pereira à ASDI, Conacri, 11 de janeiro de 1973) (SDA). Fez a sua primeira visita à ASDI em meados de fevereiro de 1973, na companhia de Fernando Cabral, irmão do líder do PAIGC recentemente assassinado (Carta (”Svensktvarubistånd till PAIGC”/”Ajuda sueca em géneros ao PAIGC”) de Marianne Rappe, ASDI a Gun-Britt Andersson, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 26 de fevereiro de 1973) (SDA). 

Em resumo, quanto à representação do PAIGC na Suécia, não houve grandes quebras no relacionamento. Silveira veio depois a trabalhar para as Nações Unidas em vários países africanos. Em novembro de 1998 formou um novo partido político, o Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) em Cabo Verde, seu país de origem.

134. O governo português sabia do plano do PAIGC de declarar a Guiné-Bissau independente em 1973, e receava que isso se traduzisse num aumento da pressão no sentido de se fazer a descolonização em Angola e Moçambique, e num desafio à sua autoridade em Portugal. 

O assassinato de Cabral resultou duma operação iniciada pela PIDE, que contou com a ajuda de um grupo de dissidentes do PAIGC. Cabral foi alvejado a tiro em pleno dia, em frente ao gabinete do PAIGC em Conacri, por um antigo comandante naval do PAIGC (ver Chabal op. cit., pp. 132–43).

135. Aristides Pereira foi confirmado como novo secretário geral e Luís Cabral como vice secretário geral, no congresso do PAIGC realizado no Boé (no leste da Guiné-Bissau) em julho de 1973.

136. Carta (”Svenskt varubistånd till PAIGC”/”Ajuda sueca em géneros ao PAIGC”) de Marianne Rappe, ASDI para Gun-Britt Andersson, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 26 de fevereiro de 1973 (SDA).

137. A memória de Cabral foi objecto de homenagem, entre outras, do primeiro ministro Palme, no parlamento (”Extracto do discurso de abertura do primeiro ministro, Olof Palme, no debate político na generalidade, Riksdag”, 31 de janeiro de 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Pollicy: 1973, Estocolmo, 1976, pp. 19–20). 

Palme tinha já enviado as suas condolências ao PAIGC e à viúva do secretário geral assassinado, caracterizando-o como ”um dos líderes mais proeminentes do Terceiro Mundo” (Telegrama do Ministro dos Negócios Estrangeiros à delegação sueca nas Nações Unidas em Nova Iorque, Estocolmo, 22 de Janeiro de 1973) (MFA).

Mostra das tensas relações entre o movimento de solidariedade e o governo nessa altura é a forma como os pêsames de Palme foram descritos pelos Grupos de África, ou seja, como ”uma desagradável tentativa de tirar partido do bom nome e da reputação do PAIGC, à escala mundial, num momento de dor” (Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 19, 1973, p. 9).

138. MacQueen op. cit., p. 21.

139. Carlos Lopes: Guinea Bissau: From Liberation Struggle to Independent Statehood, Westview Press, Boulder, Colorado and Zed Books, Londres e New Jersey, 1987, pp. 57–58.

 140. Södra Afrika Informationsbulletin, nº.  19, 1973, pp. 2 e 9.

141. Em janeiro de 1972, o presidente do Partido de Esquerda Comunista, C.H. Hermansson, apresentou uma moção ao parlamento, exigindo o ”fim do princípio de tutela para a ajuda humanitária aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas e a favor de um princípio de ajuda incondicional” (Parlamento sueco 1972: Moção nº. 57, Riksdagens Protokoll, 1972, p. 5).

Entrevistado em 1996, Hermansson explicou que ”na nossa opinião, os movimentos de libertação deveriam, por exemplo, ter a possibilidade de comprar armas (e tudo o que precisassem para a sua luta) com a ajuda sueca” (Entrevista com C.H. Hermansson, p. 291).

142. O governo norueguês decidiu, em março de 1972, atribuir um milhão de coroas norueguesas ao PAIGC. Essa ajuda foi aumentada para 1,5 milhões de coroas norueguesas em 1973.  Para mais informações sobre a Noruega e o PAIGC, consulte Tore Linné Eriksen: ”As origens de um relacionamento especial: Noruega e África Austral 1960– 1975” em Eriksen (ed.) op. cit., pp. 72–77. 

Antes de o governo finlandês tomar, em 1973, uma decisão de princípio em prol da ajuda directa aos movimentos de libertação africanos, Cabral fez uma visita a Helsínquia. Convidado por um comité ad-hoc, de um conjunto muito largo em termos de base de ONGs, presidido pelo futuro primeiro ministro social democrata Kalevi Sorsa, Cabral foi oficialmente recebido em outubro de 1971 pelo presidente Urho Kekkonen. Segundo Soiri e Peltola, Cabral ”foi o primeiro líder dos movimentos de libertação africanos a ser tratado como um estadista na Finlândia”. A visita ”foi um êxito e congregou, pela primeira vez, os partidos políticos finlandeses à volta da questão de acabar com o colonialismo em África” (Iina Soiri e Pekka Peltola: Finland and National Liberation in Southern Africa /”A Finlândia e a Libertação Nacional na África Austral”/, Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala, 1999, pp. 51–52).

143. Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com nFolke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (SDA). A ASDI solicitou informação sobre outros doadores ao PAIGC e aos movimentos de libertação da África Austral. A informação era regularmente incluída nos documentos apresentados ao Comité Consultivo para Ajuda Humanitária.

144. Na fase final da guerra de libertação, a União Soviética forneceu ao PAIGC mísseis terra-ar, dando a supremacia, de forma decisiva, ao movimento de libertação. Os mísseis foram pela primeira vez usados em março de 1973, altura em que o PAIGC abateu dois caças-bombardeiros fornecidos pela República Federal da Alemanha. No ano que se seguiu, os portugueses perderam trinta e seis aviões (Rudebeck op. cit., pp. 52–53).

145. No caso da ZANU do Zimbabué, o principal fornecedor de armas era a República Popular da China.

146. Ver, por exemplo, as entrevistas com o antigo director geral da ASDI (1965–79) Ernst Michanek (p. 323) e com a antiga Ministra para a Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (1985–91) e dos Negócios Estrangeiros (1994–98) Lena Hjelm-Wallén (p. 293). Em 1998, Hjelm-Wallén foi nomeada vice primeiro ministro.

147. Esta perspectiva era também partilhada por importantes grupos dentro do Partido Social Democrata, no poder. Birgitta Dahl, por exemplo, levantou no parlamento sueco a questão da legislação contra investimentos em Portugal e nas suas colónias (”Resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros a uma interpelação pela Sra. Dahl”, 10 de dezembrde 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1973, Estocolmo, 976, pp. 155–59).

148. AGIS op. cit., p. 194.

149. Göran Palm: ”Rapport från Guiné-Bissau”/”Relatório da Guiné-Bissau” sem indicação de local nem data (SDA).

150. Introdução por Göran Palm a Cabral (1971) op. cit., p. 25.

151. Cabral (1971) op. cit., p. 37.

152. Ehnmark (1968) op. cit., pp. 139–58.

153. ”Protokoll”/”Actas” (”Konferens mellan Afrikagrupperna i Sverige, 2–3 januari 1971”/”Conferência entre os Grupos de África na Suécia, 2–3 de janeiro de 1971”) sem indicação de local nem data (AGA).

154. Os Grupos de África na Suécia: ”Circular nº. 3”, sem indicação de local, 8 de abril de 1971 (AGA).

155. Ibid. Ver também Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 11, 1971, p. 2.

156. Carta (em francês) em nome dos Grupos de África de Arvika, Lund, Estocolmo e Uppsala, escrita por Dick Urban Vestbro e enviada à FRELIMO, ao MPLA e ao PAIGC, Estocolmo, 3 de janeiro de 1971 (AGA).

157. Pelo contrário, numa alocução conjunta com Göran Palm na Universidade de Uppsala, em novembro de 1968, Cabral disse: ”Não se limitem a manifestar-se. Façam também algo de concreto. [...] Enviem-nos medicamentos e outros bens de que necessitamos” (Upsala Nya Tidning, 28 de novembro de 1968). 

O primeiro pedido de ajuda sueca à luta de libertação nas colónias portuguesas em África foi feito por Marcelino dos Santos em nome do MPLA, em 1961. Centrava-se no pedido de medicamentos para os refugiados angolanos na região do Baixo Congo.

Apercebendo-se da reacção positiva do jornal Expressen, Cabral também pediu ao jornal liberal sueco que ajudasse a conseguir medicamentos.

158. Cf. as entrevistas com Lúcio Lara do MPLA (pp. 18–21) e Marcelino dos Santos da FRELIMO (pp. 47–52).

159. Citado em ”Portugals argumentnöd bevisar: Kolonialkrigen går dåligt!” (”A falta de argumentos de Portugal prova que as guerras coloniais não estão a correr bem!”), em Arbetet, 13 de dezembro de 1968.

160. Carta (”Samtal med Amílcar Cabral om läget i Portugisiska Guinea”/”Conversa com Amílcar Cabral sobre a situação da Guiné portuguesa”) de Sverker Åström para o Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 26 de fevereiro de 1970 (SDA).

161. Cabral citado em Lopes op. cit., p. 57.

162. Ou seja, o Comité Especial das Nações Unidas sobre a situação relacionada com a Aplicação da Declaração de concessão de independência aos países e povos coloniais, ou o Comité das Nações Unidas para o acompanhamento dos acontecimentos relativos à Declaração de Descolonização de 1960.

163. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. Na altura, Salim era o presidente do Comité das Nações Unidas para a Descolonização. Pessoa próxima dos movimentos africanos de libertação, foi depois nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros (1980–84) e primeiro ministro (1984–85) da Tanzânia. Em 1989, Salim foi eleito secretário geral da OUA.

164. A missão das Nações Unidas foi chefiada por Horacio Sevilla-Borja, do Equador. O terceiro membro era Kamel Belkhiria,  da Tunísia. Acompanhados por uma numerosa escolta militar do PAIGC, os três diplomatas fizeram-se acompanhar de uma secretária e de um fotógrafo. A visita realizou-se entre 2 e 8 de abril de 1972.(**)

165. Carte de Brita Åhman ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 7 de março de 1972 (MFA). A participação da Suécia no Comité das Nações Unidas para a Descolonização foi da maior importância, devido aos contactos que tinha e às políticas que desenvolvia com os movimentos africanos de libertação. 

Em abril de 1972, por exemplo, o representante sueco, Brita Åhman, participou nos debates deste comité com um total de quinze movimentos, em Conacri (Guiné), Lusaca (Zâmbia) e Addis Ababa (Etiópia). Num extenso relatório das ”audições”, enviado ao Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, fez uma avaliação das políticas e da força de cada um dos movimentos de libertação, dando uma orientação preciosa ao governo sueco (Brita Åhman: Memorando (”Kolonialkommitténs session i Afrika 1972”/”A sessão do Comité para a Descolonização em África, 1972”), Nova Iorque, 19 de junho de 1972) (MFA).

166. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.

167. De forma notável, o embaixador sueco em Portugal, Karl Fredrik Almqvist, também repudiou a iniciativa

Enquanto o secretário geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, felicitava os membros da missão pela visita difícil, mas bem-sucedida, Almqvist descrevia-a como ”uma violação da soberania de outro país”, dizendo que a missão tinha ”violado a legislação internacional” e que a participação da Suécia poderia prejudicar a ”boa-vontade internacional” para com a Suécia (Carta de Karl Fredrik Almqvist ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 14 de abril de 1972) (MFA).

168. Citado em Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de abril de 1972 (SDA).

169. Nações Unidas: ”Relatório da Missão Especial das Nações Unidas à Guiné-Bissau”, Reimpresso de Objective: Justice, Vol. 4, Nº 3, Nova Iorque, setembro de 1972, p. 12.

170. Johnny Flodman: ”Svensk FN-diplomat jagades av portugiser i Guinea” (”Diplomata sueco das Nações Unidas foi perseguido pelos portugueses na Guiné”), em Svenska Dagbladet, 17 de abril de 1972.

171. A missão visitou a Guiné-Bissau numa altura em que o PAIGC estava a conduzir os preparativos para as primeiras eleições nacionais no país, nas zonas libertadas. As eleições para os conselhos regionais realizaram-se em agosto de 1972. Os conselheiros elegeram, por sua vez, os membros de uma Assembleia Nacional.

172. Nações Unidas: Secretariat News, Vol. XXVII, nº. 10, Nova Iorque, 31 de maio de 1972, p. 9.

173. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.

174. Ibid.

175. De acordo com a delegação sueca às Nações Unidas, foi transmitido a Cabral que ”a Suécia votaria, naturalmente, a favor na questão da sua proposta alocução perante a Assembleia Geral, mas [...] chamava a sua atenção para o facto de parecer evidente que a própria causa de Cabral não vir a sair beneficiada, se uma tal proposta der azo a divisões de opinião e a uma votação” (Telegrama da representação sueca nas Nações Unidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 24 de outubro de 1972) (MFA).

176. Entrevista com Salim Ahmed Salim, pp. 244–45.

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Notas do editor:

16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte: capa + pp. 9-11.