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segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
A narrativa do Major Lobato melhora de edição para edição, estou consciente que este aprimoramento vem da reflexão a que ele tem procedido, o que dá um caráter mais intimista à história do seu cativeiro. E, no entanto, somos agarrados sem qualquer possibilidade de despegar a nossa atenção tão avassaladora, veja-se logo aquela aterragem que lhe salva a vida em condições excecionais:  

"O ponto de contacto com o solo confirma-me a justeza do planeamento, mas surge um imprevisto que do ar foi impossível de detectar - o terreno não é totalmente liso; sulcos profundos, espaçados metro a metro, cortam-no de lés a lés. É uma bolanha, terreno preparado para a cultura do arroz. Ao intradorso das asas do T-6 estão suspensas duas metralhadoras Browning, saliências que, ao entrar nos sulcos da bolanha, oferecem uma forte resistência ao deslizar do avião no solo. Atendendo a que este tipo de aterragem é feito com o trem recolhido, o entrar das metralhadoras num dos sulcos teve o efeito de arrancar instantaneamente as asas à aeronave. Fico sentado dentro de um charuto que rebola agora dentro de si mesmo, ao longo do terreno".

E assim vai começar o cativeiro, o mais longo cativeiro da guerra. Um relato superior, de um homem que soube superar a adversidade, que procurou fugir, mas que teve que esperar pela Operação Mar Verde para ser restituída a liberdade.

Um abraço do
Mário


Um relato que se vai aprimorando de edição para edição:
Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1)


Beja Santos

António Lobato foi o mais longo cativeiro da guerra colonial. No prólogo das diferentes edições do seu livro, dá-nos uma síntese dos acontecimentos e da situação que viveu, nestes termos precisos:

“Em 1963, no céu português da Guiné, dois aviões da Força Aérea colidem na sequência de uma missão de ataque ao solo e após um deles ter sido atingido por projécteis inimigos.

Um dos aparelhos despenha-se em plena selva e o piloto morre; o outro, aterra de emergência numa bolanha e o piloto, depois de agredido à catanada pela população local é capturado por guerrilheiros do PAIGC e conduzido à vizinha República da Guiné Conacri. Aí, é-lhe facultado optar entre e deserção e a cadeia.

Optando pela fidelidade aos princípios do seu povo, é encarcerado na temível Maison de Force de Kindia, com o rótulo de criminoso de guerra.

Durante sete anos e meio é submetido a maus-tratos, subnutrição, isolamento e contínuas ameaças de morte pelos agentes de um governo pró-soviético chefiado por um dos maiores tiranos da África Ocidental – Sékou Touré.

Tenta três vezes a evasão, mas só na última consegue respirar, durante uma semana, o ar fresco da liberdade. Percorre cerca de noventa quilómetros em plena selva, atravessando a cadeia montanhosa do Futa Djalon em direção à Guiné Portuguesa. Ao sexto dia, é recapturado e reconduzido à prisão de onde partira.

Ao cabo de mês e meio de total isolamento, é transferido de prisão e libertado, tempos depois, durante a Operação Mar Verde, chefiada pelo Comandante Alpoim Calvão.

É por instâncias de familiares e amigos, por dever de cidadania e para comemorar os vinte e cinco anos do regresso à liberdade que hoje se propõe condensar em curtas páginas, não apenas os horrores, mas sobretudo algumas das vias possíveis de sobrevivência no meio hostil e o consequente enriquecimento da pessoa humana, quando, perante situações-limite, consegue vencer-se a si próprio”.

Não se irá aqui cotejar as inúmeras alterações introduzidas de edição para edição. O que se pretende relevar é a melhoria substancial da qualidade literária e a introdução de um processo intimista, em edição recente, António Lobato revela as estratégias de que se socorreu para que a tremenda solidão da clausura não o destruísse, pelo menos moral e psicologicamente.

Fala-nos da sua juventude transmontana em Paderne, como se alistou jovem na Força Aérea, depois temos o curso de pilotagem em S. Jacinto, a fase básica na Base Aérea n.º 1 em Sintra, em 22 de maio de 1958, um acidente quase que o ia matando, após dois meses de imobilização, e ao fim de cerca de oito meses de treino intensivo, ei-lo pronto para voar mais alto. Tem 21 anos e é-lhe confiada a tarefa e a responsabilidade de ensinar outros a voar. E, como ele escreve, em 1960 rebenta a guerra colonial.

 A Força Aérea não possui na Guiné qualquer tipo de estrutura. Em julho de 1961, em companhia de um outro camarada, seguirá para a Guiné em missão de soberania. Em 19 de setembro de 1961 descola pela primeira vez da pista de Bissalanca aos comandos de um T-6. Descreve com incisão e economia todos estes acontecimentos, casa-se, regressa à Guiné com a mulher e em 21 de maio de 1963 parte em missão para a Ilha do Como, um acidente obriga-o a uma aterragem de emergência, aterra no Tombali, é ferido e levado por guerrilheiros do PAIGC para território da Guiné Conacri.

Não é despiciendo observar como naquela região do Tombali há população afeta ao PAIGC e os guerrilheiros movimentam-se com certo à-vontade. A guerrilha tinha capturado um barco da Sociedade Comercial Ultramarina, de nome Bandim, transportará Lobato para o cativeiro. É bem tratado em Sansalé, tem feridas graves na cabeça e num braço. Seguem no Bandim até Boké. Segue-se um prolongado interrogatório. É interrogado, pretendem saber qual o regime político em Portugal, o que ele sabe da situação colonial, Lobato remete-se ao silêncio, depois de ter dado os seus dados militares, depois de uma longa viagem entra na Maison de Force de Kindia.  

“Entramos num hexágono aberto para o céu, com duas portas em cada um dos seis lados. Encaminham-me para a direita e indicam-me uma dessas portas, em ferro maciço, com o número 7 ao centro, encimada por uma grelha, feita em varão de diâmetro não inferior a 3 centímetros. Entro e a pesada porta fecha-se atrás de mim com aquele ruído sinistro das portas de todas as prisões do mundo. Dou quatro passos e chego ao fim do espaço de que posso dispor. Do lado direito, fazendo corpo com a parede e até dois terços de comprimento, ergue-se, até à altura de sessenta centímetros, um bloco maciço de cimento armado sobre o qual assenta um velho colchão de pano cheio de palha. Depreendo que é a minha cama. Não sei bem porquê, mas sinto um forte cansaço. Sinto-me deprimido como antes nunca me tinha sentido. Apetece-me chorar. Atiro-me para cima da palhaça e não consigo conter os soluços que me sufocam. Choro tudo o que tenho a chorar e adormeço no cume da infelicidade”.


Major António Lobato no programa Prós e Contras, em 2007, com a devida vénia

Segue-se a descrição do dia-a-dia, ele é o prisioneiro da cela n.º 7, falam-nos do currículo de Sékou Touré e como ele mantém o seu regime de terror; vamos saber como é a sua cela, a degradação a que vai ser sujeito, o início da sua luta para se manter corajoso. A condição física começa a dar sinais de ruína, como ele próprio comenta:  

“Porque não como uma boa parte das magras refeições, sinto que vou perdendo, lenta mas seguramente, toda a pujança da juventude; porque não me é fornecido qualquer tipo de medicamento, começa a ter fortes ataques de paludismo; porque a alimentação é pobre demais, a cárie dentária torna-se num flagelo; porque permaneço imóvel horas sem fim, começo a ter problemas de bexiga, a urinar pus e a sentir dores de barriga e cólicas insuportáveis. Os ataques de paludismo surgem a uma cadência semanal e manifestam-se por acessos de frio, que me obrigam a bater os dentes durante horas, seguidos de vagas de calor, que me deixam exausto e banhado em suor. As dores de dentes, por vezes são tão intensas que me perturbam a visão e provocam vómitos e tonturas próximas do desmaio. A degradação do meu estado físico, se, por um lado, é dolorosa e me perturba a mente, por outro, prende-me o pensamento ao corpo e não me deixa grandes hipóteses de fuga em busca de recordações bem mais amargas que as dores da carne”.


A última edição que conheço desta obra data de 2014, DG Edições, Linda-a-Velha.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20464: Recortes de imprensa (110): Pinto Leite, Leonardo Coimbra, José Vicente de Abreu e Pinto Bull, os parlamentares que pereceram no acidente aéreo de 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 27 de julho de 1970)















Pequenas notas biográficas dos 4 deputados da Assembleia Nacional que morreram, no acidente aéreo de 25/7/1970, na setor de Mansoa, quando regressavam de Teixeira Pinto a Bissau, depois de uma digressão pelo interior da Guiné.


Recortes da página 16 do "Diário de Lisboa", nº 17097Ano: 50, Segunda, 27 de Jjulho de 1970, 1ª edição (Director: António Ruella Ramos).

Citação:
(1970), "Diário de Lisboa", nº 17097, Ano 50, Segunda, 27 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6808 (2019-12-16)

Reprodução, com a devida vénia.



Guiné > Região do Biombo > Estuário do Rio Mansoa > 29 de julho de 1970 > Restos do helicóptero sinistrado são recolhidos pela Marinha. Sobre este episódio, no TO da Guiné, e segundo indicação do nosso colaborador permanente José Martins, há um valioso relato, muito  pormenorizado, da autoria de J. C. Abreu dos Santos (2008), publicado no portal UTW - Ultramar TerraWeb: "Alouette- III, da BA 12, despenhado na embocadura do Mansoa", ou mais exatamente na foz do rio Baboque, afluente do rio Mansoa.


Foto (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Já aqui relembrámos a notícia do trágico acidente, com um Alouette III, pilotado pelo alf mil pil Francisco Lopes Manso e que transportava 4 de um grupo de  deputados  da então Assembleia Nacional que, desde o dia 8 de julho de 1970 faziam uma visita de estudo à província da Guiné, procurando-se inteirar "in loco" da situação político-militar. Eram acompanhados pelo cap cav  Carvalho de Andrade,  oficial da secção de radiodifusão e imprensa da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica do QG/CCFAG (Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, que se situava na Fortaleza da Amura) (*).

O mesmo "Diário de Lisboa", na sua edição de 27 de julho de 1970, publicava uma pequena nota biográfica desses quatro deputados desaparecidos (, e depois confirmados como mortos, já que não houve sobreviventes, e os únicos corpos recuperados, no estuário do Rio Mansoa, foram os do deputado Leonardo Coimbra e do cap cav Carvalho de Andrade).

A perda, nomeadamente de Pinto Leite, deputado independente, lider da "ala liberal",  do partido único (a União Nacional, mais tarde ANP - Acção Nacional Popular) foi em termos pessoais e políticos,  um duro golpe para Spínola. Pinto Leite era claramente um reformista e um europeísta, defensor da "solução política" para a guerra colonial.




Guiné > Região de Biombo > Carta de Quinhanel (1952) > Escala 1/50 mil > Excerto: Rio Baboque, estuário do Rio Mansoa e Ilha de Lisboa

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20461: E os nossos assobios vão para... (2): A Liga dos Combatentes... O nome do infortunado ex-alf mil pilav Francisco Lopes Manso (1944-1970) ainda não consta do sítio da Liga dos Combatentes... Morreu em 25/7/1970, quando o heli AL III se despenhou nas águas do Rio Mansoa, transportando 4 deputados e um oficial do exército. O seu corpo nunca apareceu (António Martins de Matos / Luís Graça)



Pesquisa no sítio da Liga dos Combatentes > Mortos do Ultramar > Aparece o nome do infortunado cap cav José Carvalho de Andrade, mas não a do alf mil pil Francisco Lopes Manso, ambos mortos no acidente do helicóptero AL III que se despenhou no rio Mansoa, em 25/1970, quando regressava, de Teixeira Pinto para Bissau, com 4 deputados da Assembleia Nacional, em  digressão pela província da Guiné. Morrem todos os 6 ocupantes da aeronave. O corpo do nosso camarada Francisco Lopes Manso nunca foi encontrado.


1. Comentário de António Martins de Matos [, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74; ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande (desde 2008, com cerca de uma centena  de referências no nosso blogue), autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas" (Lisboa: BooksFactory, 2018, 375.pp.)]  [, foto atual à esquerda] (*)

Francisco Lopes Manso [1944-1970] foi um Camarada do meu Curso da Academia Militar, fazendo parte do Tirocínio de Piloto Aviador em Sintra (1968-69).

Por motivos de ordem pessoal resolveu desistir do Curso, acabando mais tarde, e já como Oficial Miliciano, a ser brevetado em helicópteros (Brevet Militar nº 1309).

Mobilizado para a Guiné, aí se manteve até ao fatídico acidente de 25-07-70.

Passados que foram 35 anos depois da sua morte na Guiné, o seu nome continuava a estar ausente na 
parede do Monumento em Belém, que referia:

" À MEMÓRIA DE TODOS OS SOLDADOS QUE MORRERAM AO SERVIÇO DE PORTUGAL”.

A esse propósito escrevi no meu livro “Voando sobre um Ninho de Strelas” [Lisboa: BooksFactory, 2018], a páginas 263:
Eu sei que é um trabalho complexo e moroso, mas também, que diacho, já se passaram mais de vinte anos desde a sua inauguração…

… E certamente não compete às famílias dos militares o andarem a alertar as autoridades para as respectivas falhas e a solicitarem a inclusão deste ou daquele nome!!!

Não sei se já lhe aconteceu, pela minha parte já passei pela vergonha de ser confrontado pela viúva de um camarada do meu curso que morreu na Guiné em 25Jul70, aos comandos de um AL-III. A senhora foi visitar o Monumento, o nome do seu marido não constava. Ui, de quem foi a falha????
…. ficou-me a dúvida se teria sido do Gago Coutinho ou do Sacadura Cabral.

O caso até tinha vindo nos jornais, 4 deputados em visita à Guiné tinham falecido num acidente de helicóptero.

Consultado o site da Liga dos Combatentes… também nada constava, ainda hoje o nome do piloto e o do eventual mecânico do AL-III continuam ausentes.

Safou-se um capitão de cavalaria, oficial de ligação e que acompanhava os Deputados, tem lá o nome, devia ser ele que ia a pilotar…

No final desta história, e depois de algumas lutas com várias entidades, finalmente lá chamaram um pedreiro e acrescentaram uma adenda ao Monumento.

A viúva já pode sorrir, o seu Francisco já tem o nome inscrito lá na parede de mármore. Mas, aqui que ninguém nos ouve, oxalá se dê por satisfeita e não queira ir consultar o site da Liga dos Combatentes.

A terminar:

A parede do Monumento já foi corrigida, mas, na Liga dos Combatentes, hoje, 15Dez19, continuam sem saber quem foi o meu amigo Manso.

Cumprimentos
AMM

2. Não gostamos de "assobios" (*), e muito menos de "pateadas", ou seja, de manifestações ruidosas dos nossos desagrados a relação a instituições, castrenses ou outras, que, em princípio, merecem o nosso respeito e apreço como é o caso da Liga dos Combatentes. Mas,  desta vez, parece que não temos alternativa... A Liga vai apanhar uma "assobiadela" (**)...

De facto, comprovámos, hoje mesmo,  o que o nosso camarada António Martins de Matos diz acima: o nome do saudoso alf mil pil Francisco Lopes Manso (que já consta, finalmente, no memorial, em Belém, aos mortos da Guerra do Ultramar), ainda não figura no sítio da Liga dos Combatentes... Admitamos que é um mero lapso técnico... Mas, bolas!,  é um lapso que,   ao fim destes anos, quase meio século do trágico acidente no rio Mansoa, ainda está por corrigir...

É verdade que o seu corpo nunca apareceu, contrariamente aos corpos dos 4 deputados e do oficial do exército que os acompanhava.  Mas o seu nome sempre constou na lista dos falecidos da Força Aérea no Arquivo Histórico da FAP. (***(

PS - Já aqui explicámos que o Jorge Caiano, mecânico do alf pilav Manso trocou de lugar, à última hora, com o cap cav Andrade, que acompanhava os deputados. Essa troca salvou-lhe a vida.  Ele vive (ou vivia, há 10 anos atrás, ) em Toronto, Canadá (***)
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Notas do editor:

(*) 15 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20458: Recortes de imprensa (108): A morte dos quatro deputados à Assembleia Nacional, em visita ao CTIG, no acidente de helicóptero, em 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 26/7/1970)

(**) Último poste da série > 18 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2958: E os nossos assobios vão para... (1): Um embaixador que não honra Portugal... (Luís Graça / Pepito)

(***) Vd. poste de 10 de fevereiro  de 2009 > Guiné 63/74 - P3866: FAP (7): Troca de lugar no ALL III salvou-me a vida, em 25 de Julho de 1970 (Jorge Caiano, mecânico do Alf Pilav Manso)

(...) Por decisão do comandante da esquadrilha, o Cap Pilav Cubas, e aparentemente por uma questão de peso, o Caiano seguiu com ele e não com o Alf Manso, na viagem de regresso a Bissau... (Em princípio, era aos mecânicos que competia avaliar o peso dos helis. Mas neste caso, o Jorge teve que seguir as ordens do seu comandante.)

Ia o Manso à esquerda, o Cubas ao meio, o Coelho, à direita. Os três helis voavam em formação quando foram apanhados por uma tempestade tropical. Havia muito pouca visibilidade. Mas deu para ele, Jorge Canao, se aperceber de uma pequena explosão ("uma chama") no interior do heli do Manso. Segundo a sua teoria, o passageiro ao lado do piloto (um dos deputados ? o oficial do Exército ?) deve ter accionado a alavanca do gás (sic). Por inadvertência ou pânico...

O Manso, que era "periquito" (tinha chegado há dois meses), deve ter perdido o controlo da situação...

O Jorge Caiano foi testemunha deste caso em tribunal militar. E lembra que, a partir daí, a FAP proibiu que os passageiros viajassem, nos helis, ao lado do piloto, no lugar do mecânico. Os oficiais do Exército (e sobretudo os oficiais superiores) gostavam muito desse lugar por que tinha uma vista panorâmica. Via-se muito melhor a paisagem....

O heli do Manso despenhou-se no Rio Mansoa, "por volta das 15 horas", do dia 25 de Julho de 1970 (não parece ter dúvidas sobre a data), tendo morrido ou desaparecido 4 deputados da Nação (incluindo o Dr. Pinto Leite, chefe da chamada ala liberal da então Assembleia Nacional), além do Manso e de um oficial do exército do QG. Um dos deputados era o guineense Pinto Bull, que também tinha um filho, mecânico da FAP, a cumprir o serviço militar na Guiné (Bissalanca, BA12). Por sua vez, a mulher do piloto era pressuposto chegar de Lisboa, no dia seguinte.

O Jorge confessa que deve a vida ao destino, à troca de lugar, imposta pelo Cap Pilav Cubas. Essa foi a razão por que ainda hoje está vivo, diz ele, do outro lado do telefone... E acredita que o destino marca a hora. Este acidente de guerra marcou-o para toda a vida. (...)


Vd. também, entre outros, o poste de 11 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3875: FAP (8): O meu saudoso amigo e camarada Francisco Lopes Manso (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

Guiné 61/74 - P20459: Recortes de imprensa (109): Ainda o acidente de helicóptero, de 25/7/1970, no CTIG, em que morreram 4 deputados e 2 camaradas nossos... No dia em que Salazar morreu, ainda não se sabia que o aparelho tinha caído no rio Mansoa ("Diário de Lisboa", 27/7/1970)






Recortes da primeira página do "Diário de Lisboa", nº 17097Ano: 50, Segunda, 27 de Jjulho de 1970, 1ª edição (Director: António Ruella Ramos).

Citação:
(1970), "Diário de Lisboa", nº 17097, Ano 50, Segunda, 27 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6808 (2019-12-16)
Reprodução, com a devida vénia:

Fonte: Casa Comum
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 06616.154.24969
Título: Diário de LisboaNúmero: 17097Ano: 50Data: Segunda, 27 de Julho de 1970Directores: Director: António Ruella RamosEdição: 1ª ediçãoObservações: Inclui supl. "Desporto".Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: IMPRENSA

1. Salazar morria às 9h15 do dia 27 de julho de 1970, segunda feira, na Casa de Saúde da Cruz Vermelha. O funeral foi marcado para quinta feira, em Santa Comba Dão, sua terra natal. 

Entretanto, na Guiné prosseguiam intensas buscas, mobilizando "milhares de soldados de todas as armas, auxiliados pelas populações locais" (,segundo notícia dfa ANI),  nas imediações do Rio Mansoa, na zona  em que se presumia que tivesse caido o helocópterio, pilotado pelo alf mil Francisco Lopes Manso. e que transportava 4 deputados da Assembleia Nacional, em visita ao CTIG  (James Pinto Bull,  Pinto Leite,Leonardo Coimbra e José Vicente Abreu) mais um capitão do exército (cap cav José Carvalho de Andrade), que os acompanhava. O helicóptero, com mais outros dois, vinha de Teixeira Pinto para Bissau quando terá sido apanhado por um violento tornado.

Durante o resto do mês de julho não haverá mais notícias, no "Diário de Lisboa",  sobre este "acidente" na Guiné...
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Nota do editor:

domingo, 15 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20458: Recortes de imprensa (108): A morte dos quatro deputados à Assembleia Nacional, em visita ao CTIG, no acidente de helicóptero, em 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 26/7/1970)





Notícia de primeira página do "Diário de Lisboa", nº 17096, ano 50,  domingo Domingo, 26 de Julho de 1970, 1ª edição.(Diretor: António Ruella Ramos). Edição, obviamente, visada pel censura...

Citação:

(1970), "Diário de Lisboa", nº 17096, Ano 50, Domingo, 26 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6804 (2019-12-13)

Fonte:

Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares~
Pasta: 06616.154.24967
Título: Diário de Lisboa
Número: 17096
Ano: 50
Data: Domingo, 26 de Julho de 1970
Directores: Director: António Ruella Ramos
Edição: 1ª edição
Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos
Tipo Documental: IMPRENSA

 1. Era o tempo em que não havia internet, blogues, Facebook, redes sociais e a imprensa (rádio, TV e jornais) estavam sujeitos à censura (agora rebatizada com um eufemismo: "exame prévio").  E a comunicação era num só sentido, unilateral, de cima para baixo. 

Da guerra em África só se sabia aquilo que os soldados escreviam nos aerogramas para as famílias, ou que contavam quando vinham de férias ou depois de passarem à peluda.  Claro, havia a imprensa internacional, a BBC, etc., que só chegava a alguns, privilegiados. Havia a propaganda dos movimentos nacionalistas. Havia a boataria. Havia a contra-propaganda... E havia os comunicados das Forças Armadas.  A informação oficial e oficiosa era canalizada  pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo. Chegava aos jornais sob a forma de "comunicados", lacónicos demais para se poder criar confiança no leitor, crítico e independente...  Não havia opinião pública, desgraçadamente, num país como o nosso.

Uma notícia como esta, publicada na primeira página do "Diário de Lisboa", de 26/7/1970, era susceptível de ter várias leituras (*) e dar origem aos mais desconcertados e desconcertantes boatos. Não havia liberdade de imprensa nem investigação independente. Era o tempo da "evolução na continuidade"... da ditadura.

Neste caso, temos um "comunicado da província da Guiné" (sic) a  dar conta de um grave acidente de helicóptero que transportavam  dois militares e quatro deputados à Assembleia da República que estavam a acabar uma visita ao interior do território... Eram eles os deputados James Pinto Bull, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu.  Os três primeiros eram "doutores" e o último era "senhor".

Saberemos depois que a aeronave, que serviu de caixão aos nossos seis compatriotas (, dois dos quais nossos camaradas de armas,) acabará por ser encontrada, dias depois,  no fundo do Rio Mansoa, ou melhor na foz de um dos seus afluentes, o rio Baboque  (**).

Era o tempo em que era governador da Guiné o general Spínola, acumulando com o cargo de comandante-chefe. Era um homem poderoso e, em geral, amado pelos seus homens e admirado por muitos "guinéus". Não sabemos quantos o amavam: nunca foi feito nenhuma referendo ou plebiscito. Seria interessante ele poder ter disputado  eleições, livres, como na livre Inglaterra, com o Amílcar Cabral, que ainda não tinha sido assassinado. (E nunca saberemos às ordens de quem, diga-se "en passant".)

Quem sabe hoje, os nossos filhos e netos, quem foi José Pedro Maria Anjos Pinto Leite (Cascais, 1932 - Guiné, 1970) ?  Acreditou, em 1969, na "Primavera Marcelista", ou seja, que era possível reformar, "por dentro", o velho Estado Novo... Foi eleito  deputado à "Assembleia Nacional", para rapidamente se converter no líder da chamada "Ala Liberal". Morreu ingloriamente na Guiné, aos 38 anos,  neste desastre de helicóptero, nas proximidades de uma ilha chamada Lisboa (que fica no estuário do rio Mansoa).

Sucedeu-lhe Francisco Sá Carneiro (Porto, 1934 - Loures, 1980) à frente dessa quixotesca ala liberal, que quis, contra a extrema-direita do regime,  democratizar o  corporativo e autoritário Estado Novo. Estranha, sinistra,  coincidência: Sá Carneiro irá morrer igualmente num desastre de avião em circunstâncias que nunca virão a ser cabalmente esclarecidas: falha humana. erro técnico, atentado...

Estranho país este, o que coube em sorte a Pinto Leite e a Sá Carneiro que foram bons (senão dos melhores) portugueses do seu tempo... LG
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Notas do editor:

(*) Último poste da série  > 8 de dezenbro de  2019 > Guiné 61/74 - P20428: Recortes de imprensa (107): Homenagem, em Ribamar, Lourinhã, aos 23 pescadores, de um total de 38 mortos, que ficaram insepultos no mar nos últimos 50 anos ("Alvorada", 15 de novembro de 2019)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20446: Álbum fotográfico de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 (Bissau e Fulacunda, 1969/71) - Parte V: Em Cutia, entre Mansoa e Mansabá, barragem de artilharia sobre a mata do Morés, de 17 a 27 de julho de 1970... A 25, no regresso da visita a Teixeira Pinto, morrem quatro deputados da Assembleia Nacional, em acidente aéreo, no rio Mansoa.


Foto nº 1 > Guiné > Região do Biombo > Estuário do Rio Mansoa >  Recuperação dos restos do Heli AL III, caído por acidente na foz do rio Baboquem, afluente do rio Mansoa, em 25 de julho de 1970, e que transportava quatro deputados da Assembleia Nacional, em visita à província (além da tripulação) (**)


 Foto nº 2 >  Guiné > Região do  Óio > Mansoa > Cutia > O Domingos Robalo, em primeiro plano.

  
Foto nº 3 >  Guiné > Região do Óio  > Mansoa > Cutia > Obus 14




 Foto nº 4 >  Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > Acomodações: o "Matador", veículo pesada que rebocava o obus 14: eram precisos uns caixotes de munições para se poder ao 1º andar...



 Foto nº 5 >  Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > Rancho


 Foto nº 6>  Guiné > Região do Óio > Mansoa > Churrasco


 Foto nº 7 >  Guiné > Região do Óio  > Mansoa > Cutia >  Relaxando


 Foto nº 8 >  Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > Confraternização


Foto nº 9 >  Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > O alferes de óculos é o sobrinho do Sá Viana Rebelo, que esteve, também, comigo na operação Mabecos em fevereiro de 1971

Ação sobre a mata do Morés, levada a efeito a partir de Cutia/Mansoa entre os dias 17 e 27 de julho de 1970. Nessa altura visitava a Guiné um grupo de deputados da  Assembleia Nacional, da chamada Ala Liberal, entre eles o seu chefe de fila, Pinto Leite.

Fotos (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico (*) de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7,  Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); vive em Almada; tem mais de 20 referências no nosso blogue. [, Foto atual, à esquerda, Tabanca da Linha, Algés, 2019].

(...) No fim do  mês de maio de 1970, sou destacado para uma operação em Cutia, sector de Mansoa, para flagelar a mata do Morés (?). 

De 17 a 27 de julho, a artilharia flagelava de noite e a FA [Força Aérea] de dia.

Nesse período, vêm a falecer os deputados à Assembleia Nacional que nos visitaram em Cutia [, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Bull].(**)

Os deputados à Assembleia Nacional visitaram-nos, ou melhor, passaram em Cutia, no dia 23 ou 24 de julho, vindo a falecer em consequência da queda de um dos helis que os transportava de [Teixeira Pinto]  para Bissau no dia 25 ou 26 de julho. (como curiosidade, o Salazar faleceu no dia 27 de julho.)

Um dos deputados era pai de um camarada meu da artilharia que estava colocado em Catió, razão pela qual o deputado trocou com um outro para poder visitar o filho. Deslocação inglória, porque não se encontraram. (...)



Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa. Ficava  a meio, na estrada Mansoa-Mansabá.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 4 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20413: Álbum fotográfico de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 (Bissau e Fulacunda, 1969/71) - Parte IV: Acção Mabecos (subsetor de Piche, 22-24 de fevereiro de 1971)

(**) Vd. postes de:

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20007: In Memoriam (344): António Duarte Parente, 2º srgt inf, Pel Caç Nat 53, falecido no HMP, em Lisboa, em 12/7/1970, vítima de acidente com canhão s/r, russo, 82 B-10, no Saltinho, em 13 de maio de 1970, ao tempo da CCAÇ 2701... Era natural do Fundão, foi inumado na Covilhã (Paulo Santiago / José Martins)



Guiné > Região de Gabu > Piche >  Setembro de 1968 >  Canhão s/r M40 106 mm, de origem americana, montado em jipe... Era uma arma pesada de infantaria.. Foto do álbum do artilheiro João Martins (ex-alf mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69), que só lidava com os obuses 14...

Caraterísticas da armas (**):

Origem: EUA;
Ano: 1954;
Calibre: 105 mm (,embora fosse comhecido pelo 106, para se distinguir da versão anterior, M27, que se revelou um fiasco, também de calibre 105 mm);
Comprimento: 3,040 m;
Peso: 209,5 kg;
Altura: 1, 12 m;
Alcance máximo: 6870 m;
Alcance prático: 1350 m;
Capacidade de fogo: : 1 granada por minuto;
Alinhamento do aparelho de pontaria:: Colocado do lado esquerdo da arma, ao lado da espingarda M8.
Funcionamento: O projéctil está ligado ao cartucho perfurado, como numa munição de arma ligeira, para um melhor alinhamento, carregamento e extracção do cartucho. O cartucho está perfurado para melhor saída dos gases, após o disparo, evitando o recuo da arma.
Munição: Granada explosiva HEAT 106 x 607 mm
Velocidade de saída: 503 m por segundo (podendo penetrar 400 mm de blindagem)

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos oas direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Resposta do Paulo Santiago, ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72), ao Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70) que conhecia o 2ºsargento A. Duarte Parente, justamente do Saltinho, e que faz parte da guarnição do heli AL III que fez a sua evacuação para o HM 241, em Bissau (" talvez, a evacuação mais penosa das incontáveis que realizei na Guiné: desde logo pelo seu gravíssimo estado físico (completamente crivado); pelo seu estadoemocional, com a sua lúcida compreensão da sua situação clínica;  finalmente porque era alguém com quem mantinha uma relação, diria de quase amizade, o que exponencia largamente o nossas próprias emoções") (*):

Caro Jorge Narciso:

Vou tentar contar o episódio de que falas (**) , que aconteceu já depois da saída, do Saltinho, da CCAÇ 2406, a que pertenceu o António Dias [. O CCAÇ 2406, "Os Tigres do Saltinho", 1978/70, pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca].

A tragédia, confirmei agora a data com um camarada, deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701. O 2º Sarg [António Duarte] Parente, o militar de que falas, não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo alf mil António Mota que eu fui substituir em outubro de 1970.


O canhão s/r 82 B-10, de fabrico soviético, usado em muitas

 guierras civis, uma arma hoje obsoleta  mas que foi o "canhão 
dos pobres"  (caso da luta de guerrilha do PAIGC). 
Exemplar existente no museu Batey ha-Osef,  Tel Aviv, Israel.
 Cortesia de Wikipedia.
O trágico acidente resultou de um disparo ocasional do Canhão S/R 82 B10 [, de fabrico russo,] naquele dia instalado no Saltinho, mais tarde foi comigo para o reordenamento de Contabane. (Por curiosidade: também nos primeiros dias de novembro  de 1970,  foi um heli ao Saltinho buscar, por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri, Op Mar Verde,  soubemos à posteriori.)

Ninguém tem uma explicação cabal para o sucedido. Havia ordens expressas para a arma estar sempre com a culatra aberta, e sem granada introduzida, parece que naquele dia havia uma granada introduzida,e a culatra estava fechada.

Como aconteceu? Junto da arma encontravam-se vários militares, o cap [Carlos] Clemente [, cmdt da CCAÇ 2710], o alf mil  [Martins] Julião,  o srgt Demba, da Milícia, 2º srgt  Parente e ainda mais dois ou três militares. A arma,  para disparar, granada na câmara e culatra fechada, accionava-se o armador, premia-se o gatilho, acontecia o disparo. Diziam que alguém tocara com o joelho no armador e dera-se o disparo...

O 2º srgt Parente estava logo atrás do canhão s/r, foi parar a vários metros de distância, e tu, Jorge Narciso, sabes como ele ía. Ficaram também feridos o cap Clemente, queimaduras numa mão e virilha, e o Demba, queimaduras numa perna. Foram também evacuados para o HM 241-

Como dizes,o Parente morreu passado um mês [, em 12 de junho de 1970, no HMP, em Lisboa]. 

Já como comandante do Pel Caç Nat 53, recebi uma carta da viúva, pedindo-me ajuda na resolução de um qualquer problema que agora não recordo.

Foi um dia trágico no Saltinho.Isto é, muito dramático, o Parente tinha recebido naquele dia um telegrama, via rádio, informando-o que fora pai de uma miúda...e andara na tabanca a comprar uns frangos para fazer um jantar comemorativo do nascimento...

Por sua vez, o alf mil Fernando Mota, da CCAÇ 2701, recebeu uma carta com a notícia que o irmão fora morto com um tiro da GF ]. Guarda Fiscal]. O Sarg Demba da Milícia irá morrer, dois anos mais tarde,  no Quirafo,  em abril de 72... 

Será que o Parente ainda viu a filha antes de morrer? Apesar de não o ter conhecido, é-me penoso falar desta tragédia.

Abraço
Paulo Santiago (***)


2. Dados recolhidos em tempos pelo nosso colaborador permanente, José Martins  (*):

(i) António Duarte Parente, 2º Sargento do Infantaria nº 50698311; 

(ii) natural da freguesia de Vale de Prazeres, concelho do Fundão;

(iii) filho de LuÍs Moreira Parente e Conceição Nascimento Duarte;

(iv) casado com Maria da Conceição EmÍlia da Silva Parente, 

(v) mobilizado no Regimento de Infantaria nº 14 em Viseu;

(vi) pertenceu ao Pelotão de Caçadores Nativos nº 53 do CTIG;

(vii) faleceu em 12 de junho de 1970 no Hospital Militar Principal (hmp), em Lisboa, vitima de acidente cm arma de fogo, no Saltinho, tendo sido atingido pelo sopro de canhão sem recuo em 13 de maio de 1970;

(viii) foi inumado no Cemitério Municipal da Covilhã.


3. CANHÃO SEM RECUO (CSR)  82 B-10 

Características desta arma segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74) (**):

[Em inglês, B-10 recoilless rifle]

Tipo: Canhão Sem Recuo (CSR) B-10;
Origem: União Soviética:
Ano: 1954:
Calibre: 82 mm;
Comprimento: 1,660 m;
Peso: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas):
Elevação: -20º / +35°;
Alcance máximo:  4500 m;
Alcance prático: 400 m;
Capacidade de fogo : 5 granadas por minuto;
Guarnição: 4 elementos;
Alinhamento por aparelho de pontaria: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico;
Funcionamento: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra;
Munição: Vários tipos de granada explosiva: por exemplo,  BK-881 HEAT FS de 3,87 kg ou BK-881M HEAT-FS 4.11 kg (, velocidade de saíde: 320 metros por segundo);
Velocidade de saída: dependia do tipo de granada (que podia penetrar até 240 mm de blindagem);

Observações:

(...)  Quanto ao CSR 10,6 cm, esse era usado [, pelas NT,] , no tempo em apreciação, em situação defensiva, montado em jipes, assegurando a defesa de alguns aquartelamentos. Era uma excelente arma e montado no jipe poderia ser deslocado para acorrer a zonas do quartel que estivessem a sofrer um ataque. Poderia também ser usado em escoltas, em situações operacionais que o seu uso fosse ponderado (no entanto, nas zonas por onde andei, nunca vi nenhum ser utilizado desse modo). Sei que em aquartelamentos maiores a arma montada no jipe era transportada, às vezes debaixo de fogo, para a zona de onde o IN estava a lançar o ataque, por quem era responsável pela arma.

(...) O PAIGC utilizava essencialmente o CSR para defesa das suas instalações, mas também para flagelações aos nossos aquartelamentos e, por vezes, em emboscadas às nossas tropas, seja a colunas auto, seja a elementos apeados. 

(...) Em 17 de Abril de 1972, os guerrilheiros do PAIGC, comandados por Paulo Malu, emboscaram uma coluna da CCAÇ 3490 (Saltinho), na zona do Quirafo, recorrendo nessa acção à utilização de um CSR e foi o que já muito foi falado, uma das mais duras emboscadas, em termos de perdas de vidas, de toda a guerra na Guiné.

O CSR B-10 era uma excelente arma e relativamente manobrável para aquele tipo de cenário, daí o recurso ao seu uso por parte dos guerrilheiros. As forças portuguesas também utilizaram estes CSR (apreendidos) mas sempre no sentido defensivo.

Não esquecer que o uso deste tipo de armamento requeria os cuidados semelhantes aos que se tinham com os LGF, ou seja, aquando do disparo da arma, ninguém podia estar atrás da mesma, por causa do cone de fogo que lançava à retaguarda. (...)
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Notas do editor:

terça-feira, 23 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20006: Estórias avulsas (97): quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão s/r, 82-B10, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal, ainda não tinha chegado a minha hora! (Martins Julião, ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Destacamento de Contabane  (reordenamento) > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10, russo,  que esteve na origem do acidente que provocaria a morte do 2.º Sargento Parente (, apanhado pelo "cone de fogo" do canhão s/r disparado inadvertidamente por alguém)... A tragédia deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701, que rendeu a a CCAÇ 2406, "Os Tigres do Saltinho" (1968/70). O 2.º Sarg Parente não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo alf mil  António Mota que eu fui substituir em outubro de 1970. O canhão s/r, apreendido ao PAIGC; foi mais tarde transferido do Saltinho para o reordenamento de Contabane (hoje, Sinchã Sambel).

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Estórias avulsas > Quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão sem recuo, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal,. ainda não tinha chegado a minha hora!

por Martins Julião 
Brasão da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

[ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72), membro da nossa Tabanca Grande desde 23 de julho de 2006 (*), e um dos "históricos" do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo; empreário em Oliveira de Azeméis; espantosamente, ainda não temos nenhuma foto dele, à civil ou à militar, como mandam as NEP do blogue]

O almoço decorreu, como habitualmente, na nossa messe de oficiais e sargentos, onde o ambiente de camaradagem e de bom convívio era exemplar.

Após a refeição normalmente bebia-se um café com uma(s) dose(s) generosa(s) de whisky, mas era ao jantar que as libações eram superiores.

Como sempre estava o calor infernal da Guiné, abafado, húmido, dificultando a respiração e, entre as 12 e as 15 horas ninguém, em seu perfeito juízo, se atrevia a expor-se às suas violentas carícias, excepto quando as operações o exigiam.

Resolvi fazer uma sesta procurando fugir a este período de enorme desgaste.

Dirigi-me a um abrigo pequeno, chamado abrigo do canhão, onde na anterior companhia passava a noite a equipa que tinha por responsabilidade manusear um canhão sem recuo de fabrico russo, que fazia parte das nossas armas mais pesadas de defesa do aquartelamento e, que, provavelmente, participou no ataque a Conacri, pois durante um período de alguns meses foi-nos retirado, exactamente, no mesmo período em que decorreu a preparação e o referido ataque à capital da República da Guiné-Conacri.

Embora nos tenha deixado bastante apreensivos, durante esse período, uma vez que o armamento mais pesado era muito escassos , quando o recebemos ele vinha reparado e em muito melhor estado do que anteriormente. O canhão tinha imensas folgas o que tornava perigoso as operações de fogo, uma vez que provocavam fugas de chamas laterais, obrigando a sua guarnição a rigorosos cuidados de posicionamento.

O abrigo era pequeno: descia-se uma escada de cerca de 2 a 3 metros e no seu interior havia um beliche duplo e uma outra cama, ficando todo o espaço quase totalmente ocupado. O tecto era uma cobertura com troncos de árvores, flexíveis, duras e resistentes (cibes: um tipo de palmeira), terra e cimento a fechar o exterior.

Havia a pretensão de se afirmar que estes abrigos resistiam ao impactos das granadas inimigas, mas dificilmente se poderia acreditar nessa total segurança. Eu nunca acreditei , sobretudo após a terrível experiência por que passei.

Tirei a parte superior do camuflado e, em tronco nu, estiquei-me na cama paralela ao beliche ( 2 camas militares sobrepostas).

Lá dentro a temperatura não era tão fresca e agradável como se possa supor, mas era melhor estar debaixo de terra do que estar noutro local mais exposto. Talvez por esta razão não adormeci ou então não estava marcada a minha morte para esse dia.

Mantive-me acordado mas procurando relaxar e deixando a minha imaginação a vaguear por caminhos longínquos.

Num dado momento, ao passar a mão pelo peito nu, verifico que tinha uma muito pequena camada de areia sobre a pele. Passei a um estado vigilante e compreendi que caia uma fina camada de areia e terra sobre o meu peito, mas uma camada muito fina e intermitente.

Reagi de imediato; saltei da cama, peguei na parte superior do meu camuflado e corri para as escadas. Estava quase a chegar aos últimos degraus quando uma pancada violenta me atirou contra as escadas, ficando de barriga para baixo, quase esmagado, pelo peso da terra e dos troncos em cima das minhas costas. Apenas fiquei com a cabeça de fora e o braço esquerdo meio coberto.

Senti as primeiras dores sobre uma das pernas, que estava a ser submetida a uma pressão muito violenta,  comprimidas entre os degraus, suportando o peso pressionante dos escombros.

Tentei ver no exterior se alguém aparecia, mas seria muito difícil haver deslocações de soldados àquela hora, pois toda a gente disponível teria providenciado uma solução de abrigo do calor.

Não valia a pena gritar por socorro, pois ninguém me iria ouvir, dadas as distâncias entre a posição em que me encontrava e outros abrigos. Optei por esperar e ver se alguém passaria no meu campo de visão ou se dariam pelo colapso do abrigo.

Nesse período em que me encontrava imobilizado, naquela dolorosa posição, dei por mim a pensar se teria havido um milagre que levou à minha reacção ou se teria sido o meu rápido raciocínio a prever a derrocada em curso e me teria permitido escapar, no limite dos limites, para aquela posição, qual purgatório antes de uma libertação final.

Quando já não acreditava numa ajuda e as dores subiam de intensidade, eis que surge uma soldado mecânico, homem bom, de físico possante, mas francamente para o pesado. Quando me viu entrou em pânico e disse que ia procurar ajuda. A custo, consegui acalmá-lo e pedir-lhe para não chamar ninguém e fosse buscar uma pá, pois se aparecesse muita gente, na ânsia de ajudarem e de me tirarem debaixo dos escombros podiam partir-me a perna que se encontrava no limite da resistência e do sofrimento.

Lá o convenci e ele cumpriu escrupulosamente o meu pedido. Pouco tempo passado,  estava de regresso com a pá e, para cumulo da situação, passou sobre mim e posicionou-se sobre a terra e os escombros que me esmagavam.

Dei um berro valente, umas tantas asneiradas e gritei-lhe para sair de cima de mim. Expliquei-lhe que, com muito cuidado, procedesse à remoção da terra que cobria uma parte do meu braço esquerdo.

Concluído esse trabalho e libertado o meu braço, pedi-lhe que me desse a pá. Retirei cautelosamente uma parte da terra que me cobria permitindo assim poder-lhe dar indicações para ele, agora de novo com a posse da pá, me ir destapando e aliviando da terra e dos escombros.

Passado um bom bocado,  fiquei a salvo e pude-me levantar.  Nessa altura deu para ver que a minha perna esquerda estava muito maltratada e com ferimentos diversos, embora, felizmente, não muito profundos.

Agradeci ao meu salvador e dirigi-me ao balneário onde no chuveiro me limpei da terra agarrada à pele e de algum sangue. Depois dirigi-me ao posto médico, meio nu, e onde o nosso médico Drº Faria, bem como o furriel enfermeiro trataram das escoriações.

A perna inchou bastante nos dias seguintes e chegou-se a pensar que teria de ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau, uma vez que, naquele clima as infecções , causadas por qualquer tipo de ferimentos, tendem a fazer perigosas patologias mas acabou por não ser necessário e passado alguns dias estava pronto para o meu dia a dia habitual.

Não tinha chegado a minha hora!

NOTA: O nosso capitão, na companhia do aguerrido e ilustre alferes ranger, chegaram um pouco depois, regressados do Xitole.
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Notas do editor:

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19715: Armamento (7): Granada de mão e dilagrama (Luís Dias)



A granada defensiva M26A1 M/63 (**)


Luís Dias, hoje
1. Excerto de um texto, já antigo,  do nosso camarada Luís Dias, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74),  sobre armamento das NT, com destaque para o controverso dilagrama que, indevidamente manejada,  também matou e feriu gravemente alguns dos nossos camaradas (*)


AS GRANADAS DE MÃO E O DILAGRAMA, USADOS PELAS NT (**)

por Luís Dias


Luís Dias, ontem- Tem c. 75 referências
no nosso blogue
 As tropas portuguesas usavam, essencialmente, dois tipos de granadas de mão: as ofensivas e as defensivas. Eram também usuais as granadas de fumo (cores vivas) para assinalar locais no mato para aterragem urgente de hélios e para identificar a zona onde se encontravam as nossas forças, quando se solicitava ataque aéreo. Muito raramente se utilizavam as incendiárias.

As granadas ofensivas eram de fraco raio de acção, essencialmente actuando por sopro e choque, podendo ser empregues quando as tropas que as lançavam estão a descoberto, dado que os seus poucos estilhaços, normalmente, não tinham alcances superiores a 15 m.

As granadas defensivas eram de um raio de acção superior a 100 m, embora o raio de acção de eficácia fosse de 15/20 m, actuando por meio de fragmentação em estilhaços do seu próprio corpo e da espiral existente no seu interior. Destinam-se a ser empregues quando as forças que as lançam estão abrigadas, protegidas da acção dos efeitos da própria granada.

Outra utilização para as granadas defensivas era o seu arremesso, através de um dispositivo colocado na G3, com recurso à utilização de uma munição especial, para distâncias superiores aos atingidos pelo lançamento manual - este conjunto chamava-se dilagrama.

Características da Granada Ofensiva M/62

TIPO: 
Arma de arremesso, destinada ao combate próximo, podendo bater ângulos mortos
PESO: 
310 g
CARGA: 
190 g TNT

RAIO DE ACÇÂO: 
10 a 15 m
ALCANCE: 
Dependente da potência do braço do lançador

ESPOLETA: 
De tempos, de percussão prévia automática. Duração de combustão do misto retardador – 4 a 5 segundos.

FUNCIONAMENTO: 
Após ser retirada a cavilha de segurança, puxada pela argola existente na cabeça da granada, largando em seguida a alavanca de segurança, o percutor acciona a combustão do misto retardador e posteriormente atingindo o detonador, este acciona a carga ignidora e em seguida a carga base, dando-se a explosão.

Características da Granada Defensiva M/963 
(M26 ou M26A1)

TIPO: 
Arma de arremesso, destinada ao combate próximo, podendo bater ângulos mortos
ORIGEM: 
EUA
PESO:
455 g
CARGA: 
165 g de Composição B
RAIO DE ACÇÃO EFICAZ: 
20/30 m
RAIO DE ACÇÃO PERIGOSO: 
185 m
ALCANCE: 
Dependente da potência do braço do lançador

ESPOLETA: 
De tempos, de percussão prévia automática. Duração de combustão do misto retardador – 4 a 5 segundos

FRAGMENTAÇÃO: 
Através de uma espiral em aço em forma de barril, existente no interior do corpo. Mola fragmentada
FUNCIONAMENTO: 
Após ser retirada a cavilha de segurança, puxada pela argola existente na cabeça da granada, largando em seguida a alavanca de segurança, o percutor acciona a combustão do misto retardador e posteriormente atingindo o detonador, este acciona a carga ignidora e em seguida a carga base, dando-se a explosão.



O dilagrama M26A1 (**)
O Dilagrama

O Dilagrama era um dispositivo que, conjuntamente com a granada de mão defensiva M/63, ao qual era fixado, aplicado na espingarda automática G3, permitia-nos obter alcances superiores aos conseguidos pelo arremesso manual da granada, reduzindo os riscos para as nossas tropas na sua utilização. O Dilagrama permitia bater ângulos mortos, sendo possível o seu emprego contra elementos IN abrigados.

O Dilagrama era constituído por:

(i) um adaptador da granada;
(ii) um tubo em forma cilíndrica;
(iii) uma empenagem;
(iv) a granada defensiva M/63;
(v)  e um cartucho especial propulsor.

Retirada a cavilha da granada, a alavanca de segurança ficava presa pelo retentor. Quando se premia o gatilho da arma e o cartucho era percutido, a acção de gases que se seguia impulsionava o conjunto, lançando-o pelo ar e pela acção da inércia o grampo de armar recuava, partindo o retentor, soltando-se, então, a alavanca de segurança da granada, iniciando-se a combustão do misto retardador e consequentemente a explosão, com fragmentação de todo o conjunto.

Normalmente, a granada atirada por este dispositivo, rebentava acima do solo. Num disparo a 45º, verificávamos que, efectuando uma contagem rápida de 1 a 15, o rebentamento se dava, por norma, nesta altura.

O disparo deste dispositivo dava um forte coice, em especial no dedo que dava ao gatilho, por isso, os soldados eram instruídos para efectuarem o disparo como se dedilhassem uma guitarra (só usando a ponta do dedo) e dispararem a arma apoiada no chão, prendendo-se com um dos pés a bandoleira e colocando a arma no ângulo pretendido. 

No entanto, em acção, a maior parte dos atiradores que me acompanhavam e que utilizavam o dilagrama, efectuaram os disparos do mesmo ao ombro, sem quaisquer problemas.


Dilagrama M26A1

Características desta arma:

TIPO: 
Dispositivo de lançamento de granada defensiva através de uma espingarda
ORIGEM: EUAPESO: 455 g

EXPLOSIVO: 
Composição B

FRAGMENTAÇÃO: 
Espiral de aço em forma de barril no interior da granada, bem como o restante conjunto, fabricado em metal.

CAPACIDADE: 
Acção efectiva nos 15 m em redor do local da explosão.

ALCANCE MÀXIMO: 
160 m
Durante o ano de 1973, surgiu outro tipo de dispositivo (ao que creio, o FRG-RFL 40BT, de origem belga), em que a granada não era acoplada, mas fazia parte integrante do conjunto (tipo bola), no calibre de 40 mm, rebentando por impacto e, dado ser um conjunto mais leve que o conjunto anterior (355 g), o seu alcance era sensivelmente o dobro (350 m), lançando cerca de 300 fragmentos, em 30 m em volta do local da explosão. (***)


PS  - No caso dos dilagramas e no meu tempo, os nossos Gr Comb usavam-no muito porque percebemos que os rebentamentos eram mais eficazes numa reacção a uma emboscada do que propriamente os tiros de G3.

Os elementos que transportavam os dilagramas usavam um carregador só com munições apropriadas, devidamente identificado com uma fita de cor berrante (amarelo ou vermelho) e nunca, nunca, usavam só uma munição para atirar um dila e depois tinham a seguir bala real.

Os lançamentos eram efectuados ao ombro, com arma a 45%, e depois do disparo, contando rapidamente até 12/15, dava-se o rebentamento. (****)
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Notas do editor:



(...) No dia 15 de Julho de 1972 fui nadar e comer ostras para Quinhamel. À noite escrevi:

“No meu Batalhão e pertencentes à CCS,  quando procediam ao lançamento de um Dilagrama (Dispositivo de lançar granadas de mão com a G 3) a mesma rebentou e morreram um Alferes e um Soldado. Disseram-me que o Alferes quando viu a granada se atirou para cima dela se não teriam morrido muitos mais. Lamento muito dar-te notícias destas”.

Nem há um mês estava em solo guineense. Começavam as tragédias com o meu batalhão. (...)