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sábado, 25 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14931: Recortes de imprensa (74): Informação Oficial, publicada no jornal "A Província de Angola", sobre o desastre do Cheche aquando da travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (José Teixeira / José Marcelino Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2015:

Caríssimos.
Apesar de já ter corrido muita tinta sobre o sangue que correu no desastre do Rio Corubal, achei interessante voltar ao tema com este documento histórico que alguém conseguiu extraído do jornal A Província de Angola – o porta voz do regime colonial em Angola com a versão oficial do Desastre do Cheche.

Abraços
Zé Teixeira



************

2. E por falar em informação oficial, vem a propósito falar de outro meio de comunicação oficial, o Telegrama, que podia ser civil ou militar, como diz o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), no trabalho que se apresenta a seguir.


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14912: Recortes de imprensa (73): Duas guerras na fronteira dos felupes, artigo de Pedro Rosa Mendes no jornal Público de 19 de Fevereiro de 1999 (António Martins de Matos)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Guiné 63/74 – P6639: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (7): Sobre o poste P4533-15Jun2009, desastre no Cheche (Abreu dos Santos)

Jangada para travessia do Rio Corubal, no Che-che. © Foto de José Azevedo Oliveira, com a devida vénia.
1. O nosso Camarada-de-Armas Abreu dos Santos, enviou-nos uma mensagem contendo mais informação preciosa sobre o desastre do Checche, ainda referente ao dramático e mortífero desastre do Cheche, que, pela sua importância, passamos a publicar.
A mensagem foi previamente posta a circular entre vários Camaradas nossos, solicitando eventuais comentários, ou a prestação de qualquer outra achega, ou esclarecimento sobre este infeliz acontecimento.


2. Assim em 16 de Junho de 2010, o Abreu dos Santos, com o título: “20Fev69 - fuzos no Cheche”, enviou-me o seguinte e-mail:
MR,

Cf n/conversa de ontem, remeto à consideração breve extracto da minha "Outra História", na parte respeitante à operação de resgate dos malogrados militares afogados no Corubal, solicitando reenvio aos infra mencionados camaradas-de-armas, por forma que se pronunciem em vista a que seja editada e emitida informação – consolidada e sucinta –, a qual permita a qualquer visitante do v/weblog ficar a saber algo mais correlacionado ao "Desastre do Cheche"; e, indirectamente, aqueles (e outros veteranos) se questionem quanto a motivos que teriam levado a actual direcção-central da Liga dos Combatentes, ao desperdício de verbas na derradeira "missão de resgate" que, no final do pretérito Fevereiro, executou infrutiferamente (vd *.pdf anexo, que se encontra disponível no portal UTW).

3. No mesmo dia, 16 de Junho de 2010, procedi ao reenvio do e-mail para vários Camaradas nossos, de que possuo os seus endereços de e-mail, que tem acompanhado esta matéria:
Boa noite Amigos e Camaradas,

Reenvio-vos o e-mail infra do nosso Camarada Abreu dos Santos, para que analisem e digam, se assim o entenderem e quiserem colaborar, se têm algo a acrescentar.

As respostas podem ser enviadas para o meu e-mail, que depois reenviarei ao Abreu dos Santos:

magalhaesribeiro04@gmail.com

Um abraço Amigo do Magalhães Ribeiro

MR,

4. Passaram-se 7 dias e como não houve qualquer resposta, o Abreu dos Santos cedeu a mencionada informação:

MR,
Face ao tempo decorrido entre a t/msg e o dia de hoje, ficas com inteira liberdade para usar a m/info cf melhor te aprouver, mas sempre em vista do bem comum.

Abraço,

5. A informação divulgada é a seguinte:
Quanto ao poste > P4533, de 15Jun2009:

1969 - Fevereiro.20 (5ªfeira)
No centro-sudeste na Guiné, aterram no Cheche três Alouette-III de onde desembarcam 13 fuzileiros¹ sob comando do capitão-tenente fuzileiro especial Carlos Saraiva da Costa Pecorelli, acompanhados por 2 grupos com material da 2ªSecção de Mergulhadores-Sapadores da Armada, a fim de tentar recuperar corpos dos 47 militares² que há 14 dias foram vítimas de afogamento durante a travessia do Corubal.
Após várias operações de busca, a cerca de 400mts jusante do local do acidente, resgatam restos mortais (inidentificáveis) de 11 militares, seguidamente helitransportados para Bissau e sepultados no cemitério municipal.
¹ (2 oficiais, 1 sargento e 3 praças mergulhadores, mais 2 sargentos, 4 praças e 1 clarim)
² (26 da CCac1790, 19 da CCac2405, 2 do PelMil149)
_________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5920: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos (Beja Santos)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6063: Recortes de imprensa (23): O desastre do Cheche, no Rio Corubal: excertos de artigo de Teresa Firmino, Público, 6/12/2009

 Guiné > Zona leste > Rio Corubal >  Cheche  > Ancoradouro > "Esta imagem veio publicada num número de 1971 do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. O que há de macabro é tínhamos abandonado esta região em 1969, foi exactamente aqui que se deu o horrível sinistro que levou à morte 47 dos nossos militares durante a travessia de uma jangada preparada para a operação da evacuação de Madina de Boé. Dizem que é um ponto de indizível beleza, com mata luxuriante".

Imagem digitaliazada e legenda: Beja Santos (2008).


1. A tragédia de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 , foi  evocada, de novo,  na imprensa portuguesa, através de um trabalho de reportagem da jornalista Teresa Firmino, do jornal Público (*), que já em tempos nos tinha contactado, a nós, editores do blogue, por causa de uma foto da jangada da autoria do nosso camarada Paulo Raposo (**). Ela acompanhou, na Guiné-Bissau, os trabalhos da 4ª  missão da Liga dos Combatentes, que teve por objectivo a localização e a exumação dos restos mortais de militares portugueses, espalhados por cemitérios de ocasião no sul.  Desta vez, a equipa,  chefiada pelo major-general Fernando Aguda,  esteve em sítios como Bolama, Bedanda, Cacine, Catió, Fulacunda, Quebo e ilha das Galinhas.  Em Cheche, na região de Gabu, nas margens do Rio Corubal, a equipa liderada pela antropóloga forense da Universidade de Coimbra, Eugénia Cunha, e com a colaboração do geofísico da Universidade de Aveiro, Hélder Hermosilha, terá  localizado uma vala comum onde se supõe estarem os ossos de oito das 47 vítímas mortais do desastre do fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969. Será o o próximo local de intervenção da missão (a 5ª) da Liga dos Combatentes... Nas missões anteriores, a Guidage, Farim e Gabú, foram levantados 55 corpos. (Vd. notícia constante da revista Combatente, nº350, Dezembro de 2009.

 Neste artigo do Público, Teresa Firmino cita o nosso blogue, dizendo:

"O desastre de Cheche é hoje motivo de inúmeros relatos na Internet, nomeadamente no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Os antigos combatentes encontraram essa forma de fazer o luto colectivo da tragédia que viveram. Outros emocionam-se tanto que recusam falar disso".

2. Público 'on line' > 26.03.2010 > À procura dos militares afogados no rio Corubal

Por Teresa Firmino

[Texto originalmente publicado na edição do Público, de 6 de Dezembro de 2009. Reproduzimos aqui alguns excertos com a devida vénia...]


Durante horas a fio, as duas jangadas no rio Corubal fizeram vezes sem conta a travessia para a margem norte. A companhia de caçadores 1790 estava a abandonar o quartel de Madina do Boé, onde tinha sido constantemente flagelada pelo inimigo ao longo de 13 meses, e era apoiada por homens de outras companhias. (...)

Até ali, tudo tinha decorrido sem incidentes. Para trás, tinham ficado os 30 quilómetros entre Madina de Boé e Cheche, e o rio começou a ser transposto na margem sul ao fim da tarde de 5 de Fevereiro de 1969. Passaram toda a noite naquilo. Só podia seguir uma viatura pesada de cada vez. Eram 28, mais 100 toneladas de munições e equipamentos, três auto-metralhadoras Daimler e à volta de 500 militares, conta-nos o então capitão José Aparício, comandante da companhia 1790 em Madina do Boé.

Ao início da manhã de 6 de Fevereiro, só restava na margem sul um grupo de homens: dois pelotões da companhia 2405, outros dois daquela que estava em retirada. "Eram entre 100 a 120 pessoas", diz José Aparício.

Toda a gente entrou na última jangada, que assim levava o dobro da sua lotação de segurança. Era feita por um estrado de madeira, assente em canoas e bidões de gasóleo vazios, puxada por um barco com motor fora de borda. José Aparício ia naquele grupo de homens. O alferes miliciano Rui Felício (que comandava um pelotão da companhia 2405) também.

De repente, a jangada adornou para um lado, atirando vários homens à água. Depois, balançou para o outro e cuspiu outros tanto. Ficou meio submersa, mas não foi ao fundo. José Aparício conseguiu manter-se na embarcação. Rui Felício caiu no rio.

"Estava a ir ao fundo. Percebi - se calhar muitos não perceberam - que tinha muito peso. Atirei a espingarda fora, que pesava cinco ou seis quilos, e a cartucheira à cintura, com outros cinco ou seis quilos. Descalcei as botas e nadei para a jangada." Ouviam-se gritos? "Não, não ouvi ninguém a pedir socorro, a gritar. Nada."

(...) Paulo Lage Raposo, alferes miliciano da companhia 2405, atravessou o rio na viagem anterior. "Vimos que caíram uns para um lado e outros para o outro. Não houve gritos, nem esbracejares, nem coisa nenhuma. Carregados com as armas, as granadas, as botas, iam para o fundo como um prego." Muitos não sabiam nadar, o que agravou tudo. Mas naquele momento a dimensão do acidente passou despercebida.

"Só soube que tinha morrido gente - estou a arrepiar-me a contar isto - quando cheguei à margem e pedi a um furriel para formar o pelotão. Ao fim de dez minutos, fui ralhar com ele porque achava tempo demasiado para ainda faltar gente. Só percebi que se passava alguma coisa porque vi vários a chorar. Aí é que me apercebi que morreu gente. Do meu pelotão, foram 13", recorda Rui Felício.

"É uma coisa que marca para toda a vida. Tive coisas infelizes que já esqueci, mas esta não se esquece nunca. Lembro-me da data. Foi entre as nove as dez da manhã. Há pormenores que nunca mais saem da cabeça. Sei que estava um dia de sol."

(...) [47 é o número de mortos] referido, por exemplo, por José Aparício, tendo em conta os elementos que recolheu: "Morreram no desastre 25 militares da minha companhia e 22 da companhia de caçadores 2405, o que perfaz um total de 47 europeus. Morreram ainda na travessia mais cinco guineenses de um pelotão de milícias que fazia parte da guarnição de Madina do Boé. Felizmente, não morreu nenhum dos cerca de 100 elementos da população que ali viviam connosco e que foram evacuados para a então Nova Lamego, hoje Gabú. Fizeram a travessia em viagens anteriores."

(...) Duas semanas depois do naufrágio, foi organizada uma operação de recolha dos corpos por fuzileiros e mergulhadores. Muitos desapareceram para sempre. Na série de documentários A Guerra, de Joaquim Furtado, podem ver-se imagens aéreas de alguns corpos a boiar, recolhidas pelo piloto da Força Aérea José Nico. "Os [corpos] recuperados foram sepultados nas margens do rio, com as honras militares próprias", relata Joaquim Furtado. (...)

(...) Que a jangada naufragada no rio Corubal tinha excesso de peso,  não suscita grandes dúvidas. Mas o que desencadeou a queda à água de soldados é alvo de versões desencontradas. Os alferes milicianos Rui Felício e Paulo Lage Raposo (o primeiro ia na jangada, o segundo fez a travessia na viagem anterior) dizem que foi o peso a mais, tendo ficado desequilibrada. Com capacidade para dois pelotões (uns 60 homens), fazia a travessia com os últimos quatro pelotões, de duas companhias. "Às vezes facilitamos demais", diz Paulo Raposo. "Para mim, a jangada virou-se porque tinha excesso de peso, embora haja relatos diferentes", diz Rui Felício.

Um desses relatos é o do capitão José Aparício (comandante da companhia 1790, em retirada do quartel de Madina do Boé), também na jangada. Diz que se ouviram tiros de morteiros e, em reacção, o barco a motor que puxava a jangada acelerou demais e fez cair homens.

Não houve tiros de morteiro, dizem Raposo e Felício. "Havia uma paz absoluta naquele rio", lembra Felício. "Estávamos habituados a ouvir tiros. Não era com uns tiros que nos assustávamos", junta Raposo. No documentário A Guerra, de Joaquim Furtado, dá-se voz às diversas versões e suas nuances. "Os morteiros existiram. Não tenho dúvidas", diz José Aparício a Furtado. "Há pessoas que disparam armas e sabe-se quem foi. Esta gente foi ouvida." Estava previsto dispararem-se morteiros para a margem sul do rio, quando todos tivessem deixado essa margem, no fim da operação.

É mostrado um filme feito pelo piloto José Nico, que filmava a penúltima travessia mas recebeu indicações para ir filmar os morteiros. Vêem-se os disparos das armas: "É durante esta filmagem que recebe a notícia do naufrágio da última jangada", ouve-se Furtado a dizer. "Imediatamente a seguir, José Nico filma estas imagens que mostram a jangada acidentada no meio do rio, enquanto alguns militares tentam as primeiras operações de socorro." Este acidente deixou a operação Mabecos Bravios (cães selvagens) tristemente célebre. (...)
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Notas de L.G.:

(*) Além do artigo, parcialmente transcrito aqui, vd.  também:  A última jangada no rioCorubal. Público, 25.03.2010.
Por Teresa Firmino, em Cheche

(...) Quatro décadas depois, continua a existir uma jangada em frente a Cheche. É agora moderna, tem motor próprio e serve para a travessia de carros apenas. O resto, pessoas, bicicletas, motas, vai de piroga, e há várias. Imperturbável, o Corubal é tranquilo nesta época do ano, a mesma do acidente, e a água, um tanto esverdeada, é ladeada por margens íngremes cobertas por árvores e vegetação densa. Ao sítio da travessia, com Cheche do lado de lá, chega-se por uma estrada larga, depois de uma sucessão de tabancas na berma de um caminho de terra, ponto de encontro de quem está à pesca, de quem lava a roupa e a estende no chão, de quem toma banho ou de quem simplesmente passa por ali.


 (**) Vd. postes recentes publicados no nosso blogue:
2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5920: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos (Beja Santos)

22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5861: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (4): Cem anos que viva nunca esquecerei as imagens da catástrofe e o diálogo entre o Alf Diniz e o Cap Aparício (Rui Felício)

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5859: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (3): O oficial mais graduado que ia na jangada era o Cap Aparício, comandante da CCAÇ 1790 (Paulo Raposo)

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5858: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (2): Acima do Alf Diniz, só havia 2 homens, os Cap Aparício (CCAÇ 1790) e Jerónimo (CCAÇ 2405) (Armandino Alves)

20 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5851: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (1): Silvina Claudino, de 26 anos, uma sobrinha que o 1º Cabo José Antunes Claudino, da CCAÇ 2405, natural de Alcanhões, Santarém, nunca conheceu

terça-feira, 2 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5920: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos (Beja Santos)

Jangada para travessia do Rio Corubal, no Che-che.
© Foto de José Azevedo Oliveira, com a devida vénia.




1. Notícia da Agência Lusa sobre a Missão da Liga dos Combatentes no resgate de corpos de camaradas vítimas da tragédia do Cheche, enviada pelo nosso camarada Mário Beja Santos em mensagem de 26 de Fevereiro passado:


Guiné-Bissau: Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos da "Tragédia de Cheche"

Coimbra, 18 Fev (Lusa) - Uma equipa da Liga dos Combatentes parte segunda-feira para a Guiné-Bissau para proceder à exumação de corpos de soldados falecidos na guerra colonial e visitar novos locais onde poderá haver mais sepulturas.

O general Chito Rodrigues, presidente da Liga, adiantou à Agência Lusa que a primeira parte da missão compreende o reconhecimento de algumas áreas onde poderá haver alguns corpos.
A equipa técnica, coordenada pela antropóloga Eugénia Cunha, ligada ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) e à Universidade de Coimbra, parte no dia 26 de Fevereiro e regressa a Portugal a 06 de Março.

Desta vez, a equipa técnica, que integra ainda as estudantes de doutoramento Teresa Ferreira e Sónia Godinho, bem como o técnico de antropologia forense do INML Gonçalo Carnim, terá por missão o resgate de corpos na margem do rio Corubal, enterrados na sequência do naufrágio que vitimou cerca de meia centena de combatentes a 06 de Fevereiro de 1969, e que ficou conhecido como “a tragédia de Cheche”.

Segundo relatos de antigos combatentes, nesse naufrágios perderam-se ainda grandes quantidades de equipamentos, e aconteceu na sequência da retirada de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC, que simbolicamente consideram como o começo do fim da guerra colonial na Guiné, e o local onde foi proclamada unilateralmente a independência a 24 de setembro de 1973.

Eugénia Cunha disse à Agência Lusa que esta quinta missão que realiza na Guiné-Bissau para resgate de corpos torna-se mais complexa do que as anteriores por se tratar de uma vala comum e não se saber como nela foram depositados os corpos.
“É uma incógnita”, referiu, afirmando que nesta vala em Cheche devem estar “não mais de 15 ou 17” corpos, de acordo com testemunhos recolhidos.

Em Novembro de 2009 foi realizada uma prospeção geofísica no local onde agora será escavada a vala, que poderá trazer outras surpresas em termos de conservação, por se encontrar numa zona húmida próxima do rio Corubal.

Após a abertura e exposição dos restos mortais na vala, a equipa técnica procederá à elaboração da ficha antropológica individual, com a indicação do sexo, se era jovem ou não, a estatura, e se a morte foi traumática ou não.

Após o resgate dos restos mortais, eles serão depositadas num ossário numa capela recuperada na cidade de Bissau, junto ao cemitério onde estão sepultados 325 combatentes. Dos 50 recuperados nas quatro missões anteriores, 41 encontram-se depositados naquele ossário, e nove foram trasladados para Portugal a pedido das respetivas famílias.

No entendimento do general Chito Rodrigues, na zona de Cheche poderão encontrar-se “oito ou nove” restos mortais, porque se trata de uma zona junto ao rio, cujas margens são hoje diferentes, tendo sofrido o efeito da erosão ao longo dos anos, e por essa razão alguns poderão já ter-se perdido.

Eugénia Cunha disse que esta poderá ser a última missão que realiza na Guiné-Bissau se não forem identificados outros locais onde se encontrem restos mortais de combatentes.

O general Chito Rodrigues adiantou que será erigido, em Bissau, um monumento ao combatente, de partilha de memórias portuguesa e guineense.

Em 2011, a Liga dos Combatentes poderá dar início à recuperação de restos mortais de soldados em Moçambique.

Lusa/fim

Com a devida vénia à Agência Lusa
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5904: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Houve mais mortos nesse dia do que nos sete anos anteriores (Armandino Alves)

1. Mensagem, com data de 22 de Fevereiro de 2010, do Armandino Alves,  ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 1589 (Fá, Beli, Madina do Boé, 1966/68):

Assunto:  Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): um versão 'historiográfica' (*)...

Caríssimo Luís Graça

Nos, julgo eu, 7 anos em que existiu Madina do Boé e Béli , este desastre contabilizou tantos ou mais mortos sofridos pelo exército nas operações de reabastecimento e nas rendições das Companhias que lá estiveram.

O que eu acho que levou ao desmantelamento de Madina do Boé foi a total impreparação dos seus Comandos e a falta de senso. E essa falta de senso repercutiu-se no Cheche. Não era por mais uma hora de espera que o IN ia atacar. Julgo que a CCAÇ 1790 gastou mais em munições que todas as outras Companhias juntas. Por esse motivo é que os troncos de palmeira existentes nas valas como defesa se encontravam todos queimados. Era só apoiar a arma e disparar até acabar o carregador.

Pelo que se lê,  [alguém] era protegido do Gen Spínola e o azar desse alguém  foi o General ir para lá com 4 meses de atraso, senão a Companhia [1790]  nunca teria ido para lá [, para Madina do Boé]. Eu só faço uma pergunta: Se quisermos defender Portugal, o que fazemos ? Reforçar as nossas fronteiras terrestres e maritimas. Lá foi precisamente o contrário. Abriu-se a porta de par em par e estendeu-se uma passadeira vermelha para o IN entrar. Julgo que não foi isto que aprenderam na A.M. [ , Academia Militar]

Um abraço,
Armandino Alves
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)





Guiné > Zona Leste > Rio Corubal > Cheche > 6 de Fevereiro de 1969 > Op Mabecos Bravios > Entrada e saída de viaturas, da CCAÇ 1790, a unidade de quadrícula de Madina do Boé,  na famigerada jangada que fazia a travessia do rio entre as margens sul  e norte... A última viagem seria fatal para 46 militares portugueses (das CCAÇ 1790 e 2405) e 1 civil... Foi o maior desastre do género, no TO da Guiné.

Imagens do Arquivo Histórico-Ultramarino. Fonte: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso – Os Anos da Guerra Colonial – Vol 10: 1969 – Acreditar na vitória. Matosinhos: QuidNovi. 2009. pag, 23 ( Com a devida vénia...).



1. Mandei ao José Martins, Armandino Alves, Rui Felício e Paulo Raposo, autores de postes sobre o desastre do Cheche (**), a seguinte mensagem:

Esta é a versão historiográfica... No livro, vol 10, de Os Anos da Guerra, de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso,  há 3 fotos, do Arquivo Histórico-Militar, que vou ver se reproduzo, com imagens de viaturas a entrarem e a sairem da jangada...

Querem fazer algum comentário adicional a este excerto que vai ser reproduzido no blogue ?

Agradeço o vosso interesse e empenho em esclarecer os pontos mais obscuros ou controversos desta operação que acabou tragicamente.

Lembro que no blogue também já publicámos o Relatório da Op Mabecos Bravios, bem como o depoimento de Hélio Felgas, além dos testemunhos (presenciais) do Paulo e do Rui (***)... LG

2. Excerto da brochura Os Anos da Guerra, vol 10, pp. 23-24:

1969 – Os Acontecimentos

(…) Fevereiro, 6

Desastre do Cheche na travessia do rio Corubal, durante a retirada das forças portuguesas do quartel de Madina do Boé, na Guiné

Esta operação [, Op Mabecos Bravios,] tinha em vista retirar as forças portuguesas da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia.

A companhia que estava em Madina do Boé havia 13 meses era a Companhia de Caçadores 1790, comandada pelo capitão José Aparício.

Depois de saírem de Madina, pelas nove da manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969, as forças portuguesas perderam meia centena de homens e grande quantidade de material, quando a jangada que fazia a travessia do rio Corubal, se virou. Aparentemente por excesso de peso, ou pela sua má distribuição, agravado por uma detonação que provocou o pânico.

Na sequência da retirada e do desastre, o PAIGC ocupou Madina do Boé, Mejo e Cheche, tendo sido o facto alvo de exploração junto da opinião pública mundial por parte dos serviços de informação e propaganda do PAIGC.

O Exército justificou a retirada daquela região em consequência do reordenamento populacional, que exigia que aquelas populações fossem transferidas para aldeias de maior progresso económico e social.

De facto, o abandono do quartel de Madina do Boé fazia parte da reorganização do dispositivo militar que Spínola estava a levar a cabo desde que tomara posse[, do cargo de Comandante-Chefe e Governador, em 20 de Maio de 1968].

Madina era, juntamente com o Destacamento de Beli (já desactivado em Junho de 1968) e com Cheche, uma posição muito difícil de defender, por estar na fronteira da Guiné-Conacri, numa zona semidesértica e a uma cota inferior à dos morros do Futa Djalon, separada dos outros postes portugueses pelo rio Corubal, o que tornava esta localidade muito difícil de reabastacer ou mesmo de socorrer.

In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso – Os Anos da Guerra Colonial – Vol 10: 1969 – Acreditar na vitória. Matosinhos: QuidNovi. 2009. pp. 23-24.

3. Comentário de L.G.:

Como repetidamente temos aqui escrito, o nosso blogue não é (nem nunca será, se isso depender só de mim) nenhuma espécie de tribunal da história da guerra colonial. Não julgamos, não condenamos, até por que, mal ou bem, todos fomos actores no TO da Guiné, plurais, contraditórios, dilacerados. O que nos move é apenas a vontade de lutar contra o esquecimento, o branqueamento, a indiferença, a manipulação, a falsificação, a ignorância, o cinismo, o conformismo... Privilegiamos as histórias de vida, as narrativas, os testemunhos presenciais, a pequena história, a fotografia, o documento... De um lado e do outro. Não estamos do lado do politicamente correcto.  Nem do pensamento único. Não queremos nem defendemos o unanimismo.  Procuramos a triangulação de fontes, muito embora tenhamos muitas limitações no acesso a documentos de arquivo, oficiais ou oficiosos.  Não somos historiadores.  Não fazemos investigação científica. Procuramos separar factos e opiniões, sentimentos, emoções, etc., muito embora saibamos que não há texto sem contexto. Nem há conto sem contador, mesmo quando quem conta um conto, acrescenta um ponto...

Madina do Boé, a sua retirada, o desastre do Cheche... nada disto tem uma leitura única. Mesmo aqueles que estiveram no cerne dos acontecimentos, têm (ou podem ter) diferentes versões, parcelares, dos acontecimentos. O comandante da operação, Cor Hélio Felgas, não estava na jangada, mas uns meses antes de morrer insistia na teoria do bode expiatório, neste caso, o elo mais fraco da cadeia hierárquica, que era o Alf Mil Dinis (camarada do cadete Torcato Mendonça, no COM, em Mafra, em 1967)... O Rui Felício, que estava na jangada e foi ao fundo com os seus homens, não tem dúvidas quanto ao diálogo entre o Alf Mil Dinis, responsável pela segurança da jangada, e o comandante da CCAÇ 1790... Cada um de nós tem o díreito a ter opinião,  mas não pode emitir juízos de valor, não fundamentados, em público, e nomeadamente no nosso blogue. Não incentivamos, nem apoiamos, não desejamos esse tipo de comportamento.

Há membros do nosso blogue que acham que há assuntos-tabu... O desastre do Cheche seria um deles. Alegam que nunca iremos saber a verdade... Ou que a verdade é dura demais para se dizer e ouvir... Quanto a nós, não há razão para fechar o dossiê, prematuramente... Os membros do nosso blogue são livres de abriir e reabrir este tipo de dossiês temáticos (que são as nossas séries), desde que possam haver factos novos ou índícios que sugiram factos novos...

E também há membros, mais recentes, do nosso blogue que pura e simplesmente nunca tinham ouvido falar do desastre do Cheche nem da sua gravidade. Eis mais uma razão para o lançamento desta nova série, Ainda o desastre do Cheche... LG

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série:

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5861: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (4): Cem anos que viva nunca esquecerei as imagens da catástrofe e o diálogo entre o Alf Diniz e o Cap Aparício (Rui Felício)

(**) Notas sobre a CCAÇ 1790 – Mobilizada pelo RI 15, partiu para a Guiné em 27/9/1967. Regressou em 20/8/1969. Esteve em Fá Mandinga, Madina do Boé, Nova Lamego e São Domingos. Comandante: Cap Inf José Ponces de Carvalho Aparício. Pertencia ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos, 1967/69).

(***) Vd., entre outros, os seguintes postes:

7 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

(...) (viii) O desastre da jangada

Cerca das 9 ou 10 horas da manhã apareceu um helicanhão que sobrevoou demoradamente toda a zona. Depois pousou e eu fui ter com ele procurando informar-me do que a tripulação tinha visto. Mas tinha chegado, apareceu um soldado correndo para mim a gritar que a jangada se estava afundando, logo após ter partido da margem sul. Pedi imediatamente ao piloto para... [ linha inteira cortada na fotocópia] depois para a margem do Cheche onde eu estava. Parecia vir normalmente carregada com homens e material.

(ix) Um comandante também chora

Quando chegou é que eu soube que diversos homens tinham caído ao rio, não aparecendo mais. Verifiquei tratar-se do pessoal que realizava a última travessia.

Quando se fez a chamada, viu-se que faltavam quarenta e tal homens, seis dos quais nativos.

Não consegui controlar-me e desatei a chorar, tal como aliás vi muitos valorosos militares a fazerem. Foi assim que me encontrou o General Spínola que nesse dia também quisera ir ter comigo.

Aguardámos horas, com o helicóptero sobrevoando o local na esperança de localizar alguns dos desaparecidos. Dois ou três bons nadadores também mergulharam na zona onde acorrera o acidente. Nada foi encontrado.

Interroguei diversos militares mas alguns nem podiam falar. Outros disseram-me que a jangada, logo após ter partido da margem sul, tinha-se afundado um bocado, ficando o estrado rés-vés com a água. Este afundamento era aliás natural desde que não fosse excessivo. O estrado, como dissemos atrás, ficava a cerca de um metro da água quando a jangada estava vazia. Esta distância diminuía conforme o peso do carregamento mas o estrado normalmente nunca chegava a ser coberto pela água.

Segundo parece, alguns dos homens que seguiam junto às vedações laterais assustaram-se quando alguma água começou a cobrir o estrado. Teriam então descido para o rio procurando segurar-se às travessas laterais do estrado e continuar assim a travessia. Desta forma o peso da carga diminuiria e a jangada subiria. Só que não se lembraram de que com o equipamento e as munições cada um pesava mais de cem quilos.

Foi desta forma que uma operação que decorrera sem qualquer baixa (ao contrário do que inicialmente se esperava), viu o seu final tragicamente enlutado. Durante toda a noite, desde as seis da tarde da véspera até às 10 ou 11 da manhã seguinte, as jangadas tinham trabalhado sem qualquer anomalia. Fizeram dezenas de travessias. E o azar logo havia de aparecer na última e de forma tão dolorosa.

Nem o facto de na altura terem ocorrido acidentes semelhantes (ou talvez ainda mais graves), com jangadas em Moçambique, podia servir de lenitivo para o que nos sucedera na Guiné. Dezenas de homens que tinham vivido longos meses sob bombardeamentos quase diários, acabaram por morrer afogados. (...)


12 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) A CCAÇ 2405, comandada pelo Cap Mil Inf Novais Jerónimo, integrava a coluna militar que tinha partido na manhã do dia anterior de Madina do Boé, rumo ao Cheche, e tinha como missão escoltar a Companhia de Caçadores [1790] evacuada daquele aquartelamento e que era comandada pelo Cap Inf Aparício (que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa).(...)

(...) O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.

O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia. (...)

(...) Não me recordo de ter ouvido qualquer disparo de morteiro, antes do desastre... E não me lembro de ter detectado antes qualquer sinal de pânico entre os soldados... Aliás, a sua experiência operacional no teatro de guerra era já apreciável e não entrariam em pânico por um simples disparo de morteiro que estou seguro que não existiu.

Houve alguns disparos de morteiro, é verdade, mas após o desastre e feitos pelas NT, no intuito de prevenir qualquer aproveitamento do IN que eventualmente estivesse emboscado nas imediações.

Exceptuando os militares que infelizmente pereceram afogados no Corubal, passados poucos minutos, todos restantes retornavam à jangada que, pouco depois, se reequilibrou e retomou a sua viagem para a margem norte do rio. E eu fui um deles... Depois de me ter libertado da espingarda, das cartucheiras, das botas e das granadas, cujo peso me puxava inexoravelmente para o fundo...
 
Em nenhum momento descortinei qualquer tipo de pânico quando regressei à jangada e, talvez nervosos ainda do desastre, todos sorriamos e aceitávamos o banho forçado como uma dádiva divina depois de vários dias de sede e calor. (...)
 
(...) Em resumo e concluindo:

(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada.

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião.

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema.

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se.

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação.

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar.

(vii) Finalmente, não posso deixar de fazer referência ao que o José Martins diz ter ouvido de "alguém que esteve no centro do acontecimento" de que as águas tomaram um tom avermelhado.

(viii) Sei da existência de crocodilos naquele troço do rio Corubal.

(ix) Sei que alguns dos corpos de soldados encontrados dias mais tarde, apresentavam sinais de terem sido dilacerados por crocodilos.

(x) Mas sei também que as águas, naquele dia, e após o acidente, apenas apresentavam o tom natural verde escuro de um rio calmo e profundo e tenho dúvidas que os crocodilos tivessem estado presentes naqueles momentos, com o ruído de helicópteros sobrevoando as águas a baixa altitude, na tentativa de encontrar e socorrer algum soldado em dificuldades. (...)

Vd. o diossiê do José Martins:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

Vd. ainda:

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

(...) Estava há vários anos doente e acamado. Ainda há uns meses atrás, telefonei-lhe para casa, aqui em Lisboa, para lhe pedir autorização para publicar no nosso blogue um escrito dele, com a sua versão do desastre do Cheche. Atendeu-me, muito gentilmente, a esposa. Expliquei-me a razão de ser do telefonema. Ouvi a conversa da senhora com o marido, que devia estar perto... Ainda me recordo das suas palavras, em que se percebia a voz do velho comandante:

- Diz-lhe que a culpa foi do alferes, a culpa foi do alferes... [Julgo que se queria referir ao Alf Mil Diniz, responsável pela segurança da travessia do Corubal...  (...)

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

13 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXIX: A verdade sobre o desastre de Cheche (Paulo Raposo)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

(...) Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC (e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia, a 6 de Fevereiro de 1969, após a retirada das NT).

Recorde-se que a companhia que estava em Madina do Boé, há 13 meses, era a CCAÇ 1790, a mesma a que pertencia Gustavo Pimenta, o alferes miliciano que perdeu metade do seu pelotão nessa trágica retirada (ele é o autor do livro sairómeM - Guerra Colonial. Porto: Palimage Editores, 1999) [vd. post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790) ]

Em Cheche, já no regresso de Madina, pelas 9 da manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969, as NT sofrem a perda de meia centenas de homens e grandes quantidades de material, quando a jangada que fazia a travessia do Rio Corubal se virou. Aparentemente, sem explicação (Já ouvi várias teorias sobre isso, mas essas especulações ficam para mais tarde...).

O desastre terá sido devido a excesso e desiquíbrio de peso. Iam na jangada mais de cem homens (4 grupos de combate mais a tripulação da embarcação), além de viaturas e outro equipamento. Dos que desapareceram, 17 pertenciam à companhia de Galomaro.

Esta operação foi uma das mais dramáticas que se desenrolaram no TO da Guiné, devido não só à pressão do IN (invisível mas sempre ubíquo como Deus) como a outros factores desfavoráveis para as NT (o calor, a falta de água, as condições do terreno, as terríveis abelhas da Guiné que estavam objectivamente ao serviço do PAIGC, as insónias, o stresse, a exaustão física e emocional (...).

(...) O texto que se segue tem uma ou outra palavra ilegível. Foi feita a sua recuperação. Impresso a stencil há 35 anos, do documento foi feita uma fotocópia, fornecida ao Humberto Reis por um camarada da CCS do BCAÇ 2852.

Curiosamente, o autor do relatório da Op Mabeco[s Bracvios], o comandante da CCAÇ 2405, não apresenta quais quer razões, técnicas, militares ou outras, para o afundamento da jangada, limitando-se a descrever, de maneira sucinta e factual, o desastre, como mandava o livro de estilo dos operacionais, nunca deixando que os seus sentimentos ou emoções interferissem com a capacidade de identificar e descrever os acontecimentos mais relevantes ocorridos durante uma operação. (...)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5858: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (2): Acima do Alf Diniz, só havia 2 homens, os Cap Aparício (CCAÇ 1790) e Jerónimo (CCAÇ 2405) (Armandino Alves)

1. Mensagem com data de 8 do corrente,  do Armandino Alves, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 1589 (Fá, Beli, Madina do Boé, 1966/68):

Assunto - Ainda o Cheche

Caríssimo Camarada Luís Graça:

Perguntas se o Major que estava com o Paulo Raposo seria o que pressionou o Alferes Diniz a violar o regulamento. Nunca podia ser pois ele estava do lado de cá do Rio Corubal e a conversa que o Paulo Raposo viu foi do outro lado do rio onde estavam os elementos que iam atravessar. (*)

Este Major devia fazer parte do staff do Spínola pois ele estava lá a dar as boas vindas aos amigos. Operações com comandos de Majores ou Tenentes Coronéis só a nivel de Batalhão. Esta de levar ou trazer Companhias actuando como escolta e segurança era uma operação a nível de Companhia e portanto comandada por um Capitão do Quadro ou Miliciano. Normalmente era reforçada pelo Esquadrão de Reconhecimento Fox com uma ou duas viaturas e respectiva guarnição. Portanto,  acima do Alferes Diniz só havia dois homens : Capitão Aparício e Capitão Jerónimo. Qual deles deu a ordem ? Se alinhavarem tudo o que está escrito de certeza que descobrem. Não sei se o Alferes Diniz é vivo ou não, mas este é que poderia dissipar as dúvidas

Armandino Alves

PS - No Poste 2828 de 9 Maio 2008 do Helder de Sousa (**) fala do livro No ocaso da Guerra do Ultramar e mostra uma página desse livro relativa à Operação Mabecos. Esta Operação não tem nada a ver com a do desastre do Cheche [ ,Op Mabecos Bravios]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5853: FAP (47): O desastre de Cheche visto do ar (Vitor Oliveira, ex- 1º Cabo Melec, BA 12, 1967/69)

20 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5851: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (1): Silvina Claudino, de 26 anos, uma sobrinha que o 1º Cabo José Antunes Claudino, da CCAÇ 2405, natural de Alcanhões, Santarém, nunca conheceu

7 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5775: Efemérides (44): O desastre de Cheche, 41 anos depois (José Martins)

(**) Vd. poste de 9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2828: Convívios (56): CCS/BCAV 2922, Piche, Buruntuma, Canquelifá (Helder Sousa)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5851: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (1): Silvina Claudino, de 26 anos, uma sobrinha que o 1º Cabo José Antunes Claudino, da CCAÇ 2405, natural de Alcanhões, Santarém, nunca conheceu

1. Comentário de Sílvia Claudino, com data de 12 do corrente, ao poste P5775 (*):

Olá, o meu nome é Silvia Claudino, tenho 26 anos e sou a sobrinha que o primeiro-cabo José Antunes Claudino, da CCaç 2405,  nunca conheceu.

O desastre de Cheche tirou a vida a muitos rapazes, incluindo a do meu tio, talvez por culpa de quem os mandou subir, talvez por culpa das águas, talvez por culpa do inimigo. O que é certo é que estes rapazes ainda tinham uma vida pela frente.

Leio constantemente relatos do que aconteceu, talvez para estar um pouco mais perto do meu tio, mas o que é certo é que nunca o vou conhecer, pelo menos não nesta vida. É-me impossível sequer tentar imaginar a dor e o desespero destes homens quando, devido à força da gravidade e do peso que traziam consigo, os puxavam cada vez mais para o fundo deste rio.

Infelizmente esta Guerra está cada vez mais esquecida nas escolas, na aprendizagem das crianças que muitas nem sabem porque é que a Guerra se deu. É como vivemos...

[ Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2819: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (4): 1968-1973 (Fim) (A. Marques Lopes)

(...)  José Antunes Claudino, 1.º Cabo / CCaç 2405 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / Alcanhões, Santarém / Corpo não recuperado. (...)

(...) Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, e sobre Madina do Boé, vd. os postes publicados no nosso blogue (1ª e 2ª série). Há ainda uma depoimento do Brigadeiro Hélio Felgas, a publicar em breve, e que nos chegou às mãos por intermédio do Paulo Raposo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405. (...)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

Guiné > Zona Leste > Região do Boé > Cheche > 6 de Fevereiro de 1969 > A jangada, de reserva, com sobreviventes da tragédia de Cheche, no Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé (*)

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > CCAÇ 2405 > 1969 > Dulombi > Na messe, os alferes milicianos Raposo (à direita) e Rijo (à esquerda); de costas, os furriéis milicianos Cândido e Magno. Os Alf Mil Paulo Raposo e Jorge Rijo estavam, em Cheche, no dia de 6 de Fevereiro de 1969.

Foto: © Paulo Raposo (1997). Direitos reservados

Jantar a bordo do Uíge, a caminho da Guiné > Finais de Julho/princípios de Agosto de 1968 > Os quatros alferes milicianos da CCAÇ 2405: David e Raposo, do lado esquerdo; Felício e Rijo, do lado direito.

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados


 Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2405 (1968/70) > Embora pertencente ao BCAÇ 2852 - cujo comando e CCS estavam sedeados em Bambadinca -, a CCAÇ 2405 não teve grandes contactos com o pessoal da CCAÇ 12 (a quem eu pertenci: Contuboel e Bambadinca,Maio de 1969/Março de 1971).  Daí que só no I Encontro Nacional do nosso blogue, na Ameira, Montemor-O-Novo (organizado pelo Paulo Raposo e pelo Carlos Marques dos Santos), em 14 de Outubro de 2006, é que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente o Rui Felício, a par de outros dois baixinhos de Dulombi, o Paulo Raposo e o Vitor David.

Esta foto do Rui, sentado num abrigo - em princípio, de uma  tabancas em autodefesa do sector L5, em 1969 - , foi-nos enviada pelo Victor David, seu camarada, outro alferes da companhia e nosso tertuliano, que também terá servido de fotógrafo de ocasião, segundo presumo. Não tenho informações precisas sobre a data nem o local. (LG)

Foto: © Victor David (2006). Direitos reservados. 


1. Reprodução do poste, da I Série, de 12 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

Texto do Rui Felício (ex-Alf Mil da CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70) (**). (Vd. poste anterior desta série  Efemérides ***.).

1. Comentário a propósito do post escrito pelo camarada José Martins sobre o desastre na travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (1)

Preâmbulo

Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé.

Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.

E nota-se pelo seu relato que sofreu muito, e que ainda hoje sente as marcas do desastre, passados 37 anos sobre a sua ocorrência.

Ninguém, bem formado e sensível, poderia nunca, de resto, ficar indiferente a semelhante tragédia, ainda que, como o narrador José Martins, não tenha dela sido testemunha ocular.

Imagine-se então a ferida profunda que aquele desastre deixou a quem, como eu e muitos outros, foi não só testemunha ocular mas também, e principalmente, interveniente e vítima do colapso da artesanal jangada que servia de transporte aos militares e equipamentos que participaram na complexa, perigosa e cansativa operação de resgate da Companhia de Caçadores que se evacuou do célebre aquartelamento de Madina do Boé.

Desastre onde pereceram, segundo as estatísticas oficiais, 47 militares, onze dos quais, do pelotão que eu comandava… Permito-me destacar dois deles pelas relações especiais de amizade e de confiança que neles depositava, sem esquecer obviamente a dor causada pela morte de todos os outros:

(i) um, o furriel Gregório Rebelo, açoriano de sotaque cerrado e quase ininteligível que assumia as funções, embora não protocolares, de meu substituto em todas as circunstâncias, no comando do pelotão, e que mantinha a orgânica disciplinar e operacional da pequena unidade militar;

(ii) o outro, o soldado Octávio Barreira, transmontano de gema, homem rude, de uma só palavra, de têmpera sã, de antes quebrar que torcer, mas capaz de morrer para salvar a vida do seu amigo, e a quem eu atribuira as funções, também não protocolares, de meu guarda-costas.

Quem passou pela guerra colonial sabe que a escolha do guarda-costas recaía invariavelmente no soldado em que o alferes depositava maior confiança e amizade.

Aliás, como também é sabido, a designação de guarda-costas não tem a mínima conotação com a ideia que na vida civil se faz de alguém com este titulo ou funções. O guarda-costas era, acima de tudo, o soldado às ordens, o confidente, o amigo…. E muito menos, ou quase nada, o protector da integridade fisica do alferes, ao contrário do que se possa pensar.

A perda destes treze homens, que recordo com saudade e dor, sempre que a memória da Guiné me vem à lambrança, e que ajudei a formar para a guerra, em Abrantes e Santa Margarida, após oito meses de convivência próxima nas diversas tabancas onde o pelotão esteve destacado, foi um choque tremendo, inolvidável, cuja lembrança ainda hoje me faz arrepiar a alma e assomar as lágrimas.

Sobre o desastre do Corubal

Feito o preâmbulo, entro de imediato no motivo que me levou a servir-me do espaço disponibilizado pelo camarada Luis Graça a quem, sem o conhecer pessoalmente [, conhecemo-nos deopois no nosso I Encontro Nacionala, na Ameira], desde já transmito o meu aplauso pela feliz e dinâmica iniciativa da criação deste blogue.

É que é importante que seja a nossa geração, aquela que interveio, por obrigação ou por convicção ou por ambas as coisas, na guerra da Guiné, que tem que dar testemunho o mais exacto possível daquilo que por lá se passou.

Se assim não fôr, corremos o risco de a história ser deturpada, porque feita com base em documentos ou relatos nem sempre seguros, nem sempre fiéis… É por isso que, correndo o risco de desencadear alguma polémica, que não pretendo, achei que devia esclarecer alguns pontos do relato feito pelo José Martins a que atrás aludi.

Deduz-se daquele relato, publicado no blogue, que o desastre teria acontecido essencialmente devido a três factores:

(i) Os militares descomprimiram e tentaram encher os cantis com água do rio, o que terá provocado, depreende-se, o desiquilíbrio da estabilidade da jangada;

(ii) Teria sido ouvido um som abafado, semelhante a uma morteirada, que teria provocado agitação entre os militares e, em consequência, desiquilibrado a jangada;

(iii) Que, após o acidente, a água do Rio Corubal terá tomado um tom avermelhado, querendo com isso dizer-se que os crocodilos que habitavam as águas do rio, teriam consumado a morte dos militares que cairam à água.

A versão dos acontecimentos, veiculada pelo José Martins, assenta, como já se disse, em relatos e documentos sobre os factos, dado que este camarada, como ele próprio confirma, não assistiu ao que se passou. Mas, não obstante a presumível credibilidade das fontes a que recorreu, posso garantir que não foi exactamente assim que as coisas se passaram.

E digo isto com a mais profunda convicção e a mais inabalável certeza de alguém que estava na jangada, caiu à água, nadou durante uns cinco minutos e a ela retornou após a mesma se ter de novo equilibrado.

São factos que não se apagarão jamais da minha memória, por mais anos que viva, e apesar de não estar de posse de documentos que os comprovem...


2. O fime da SIC sobre o desastre do Rio Corubal

O mais curioso é que no filme, da autoria de José Saraiva, realizado por Manuel Tomás, que foi visto há uns anos atrás, por muitos milhares de portugueses através da sua transmissão pela SIC e pela distribuição de um vídeo feita na mesma altura pelo Diário de Notícias, são apresentadas aquelas mesmas razões como causas imediatas do desastre.

Já nessa altura contestei as conclusões do filme, e fi-lo por escrito e em reunião pessoal com o Director de Informação da SIC, Dr. Alcides Vieira, estando presente o realizador Manuel Tomás, que dirigiu a realização do filme.

Refiro que a carta entregue na SIC foi subscrita não só por mim mas por dezenas de ex-militares da CCAÇ 2405 que, por coincidência nessa mesma altura, no almoço de confraternização anual, a leram e assinaram.

A contestação dos factos descritos no filme foi feita nessa reunião na SIC, com a prévia concordância do Comandante da Operação, Brigadeiro Hélio Felgas, e estando presentes, além de mim próprio, o Capitão Miliciano José Miguel Novais Jerónimo e o Alferes Miliciano Paulo Enes Lage Raposo [ ambos da CCAÇ 2405].

E ela foi por nós solicitada à SIC em virtude do impacto que a exibição do filme teve nos ex-militares que a ele assistiram e que tinham estado presentes na jangada naquele dia do desastre. Com efeito, no próprio dia da exibição do filme comecei a receber telefonemas de antigos camaradas, um tanto decepcionados e alguns até revoltados, pela inexactidão dos pormenores que ali eram descritos.

Todos nós três, presentes na dita reunião, participámos na operação de evacuação de Madina do Boé, e todos estavamos presentes no local do acidente no Cheche naquele dia 6 de Fevereiro de 1969.

O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.

O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia.

Na referida reunião da SIC, o realizador Manuel Tomás argumentou que o filme fora realizado com fundamento em entrevistas e em documentos oficiais militares a que tinha tido acesso, pelo que considerava o filme suficientemente documentado.

E disse que esses documentos atestavam as razões acima referidas, isto é, que a jangada se virou porque, no essencial, teria havido disparos de morteiro que, supostamente vindos do IN, teriam criado o pânico nos militares, os quais, ao agitarem-se, teriam provocado o desiquilíbrio da jangada.

Perante a irredutível posição da SIC em manter a versão veiculada pelo filme, nada mais nos restou do que desistirmos do pedido que lhe fizémos para que fosse proporcionado esclarecimento público sobre as conclusões desse filme.

Foi dito, nessa reunião, ao Dr. Alcides Vieira e ao Sr. Manuel Tomás,  que, por muito credíveis que pudessem parecer os documentos militares em que fundamentaram a versão filmada, nenhum deles jamais desmentiria ou apagaria da minha memória e dos meus camaradas o que realmente se passou.

Mais importante que os documentos preparados no silêncio dos gabinetes militares, sabe-se lá com que inconfessados motivos, era a indesmentível memória daqueles que tinham sido protagonistas e vítimas do desastre.

É com o mesmo espírito de esclarecimento da verdade dos factos que volto hoje ao assunto, desta vez no ambiente mais acolhedor de um blogue criado e gerido por alguém como o Luis Graça que, tendo estado na Guiné, sabe melhor que ninguém que não queremos honrarias, distinções ou protagonismo público.

Queremos tão só que a história seja o mais verdadeira e exacta possivel... Esse é o legado que queremos deixar aos vindouros, para que jamais seja ignorado o sacrificio de uma geração inteira, retirada à sua despreocupada juventude para fazer uma guerra em longínquas terras, em nome dos seus deveres e obrigações para com a sua Pátria.


3. A verdade do que sucedeu

Mas então, o que se passou realmente naquela manhã de 6 de Fevereiro [de 1969]?

A CCAÇ 2405, comandada pelo Cap Mil Inf Novais Jerónimo, integrava a coluna militar que tinha partido na manhã do dia anterior de Madina do Boé, rumo ao Cheche, e tinha como missão escoltar a Companhia de Caçadores [1790] evacuada daquele aquartelamento e que era comandada pelo Cap Inf Aparício (que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa).

Ao fim desse dia a coluna chegou às imediações do rio Corubal, junto ao local de cambança para o Cheche. E durante toda a noite a jangada fez contínuas viagens transportando pessoal de apoio e, sobretudo, equipamentos militares e de transporte.

Ao amanhecer, as viagens de transporte entre as duas margens continuaram consecutivamente, até que chegou o momento em que na margem sul do rio Corubal já só restavam quatro grupos de combate, todos eles comandados pelos respectivos alferes, bem como os capitães Aparício e Novais Jerónimo. Além destes, encontrava-se o 2º Comandante da Operação [Mabecos Bravios], um major cujo nome já não recordo.

Segundo a rotina estabelecida e as instruções recebidas pelo responsável pela condução da travessia (Alf Mil Diniz), esperávamos na margem do rio que este responsável mandasse entrar metade do pessoal ainda ali estacionado, ou seja, dois dos quatro pelotões acima referidos.

É que a jangada, segundo bem explicou o alferes Diniz, tinha uma lotação de segurança de um máximo de 60 homens (2 pelotões). E o alferes Diniz assim fez, à semelhança do que tinha já feito dezenas de vezes ao longo da noite, zelando para que a carga da jangada não excedesse os limites de segurança estabelecidos.

Mandou entrar o meu pelotão e o do Alferes Rijo, ficando na margem para a viagem seguinte, os dois pelotões da Companhia do Capitão Aparício. Subitamente porém, assisti a uma conversa entre o 2º Comandante da Operação e o Alferes Diniz, em que este foi intimado pelo referido 2º Comandante a mandar embarcar os dois pelotões restantes, dado que não se podia atrasar mais a operação.

Apesar dos argumentos do Alf Diniz, tentando que em vez dos 4 pelotões embarcassem apenas dois, prevaleceu a autoridade da patente militar mais alta e assim acabaram por embarcar os 4 pelotões, para a derradeira viagem da jangada...


E foi de facto a sua derradeira e trágica viagem... Ainda não estavam percorridos 10 metros e já a jangada submergia e, de seguida, se virava projectando para a água quantos nela seguiam... E não me recordo de ter ouvido qualquer disparo de morteiro, antes do desastre... E não me lembro de ter detectado antes qualquer sinal de pânico entre os soldados... Aliás, a sua experiência operacional no teatro de guerra era já apreciável e não entrariam em pânico por um simples disparo de morteiro que estou seguro que não existiu.

Houve alguns disparos de morteiro, é verdade, mas após o desastre e feitos pelas NT, no intuito de prevenir qualquer aproveitamento do IN que eventualmente estivesse emboscado nas imediações.

Exceptuando os militares que infelizmente pereceram afogados no Corubal, passados poucos minutos, todos restantes retornavam à jangada que, pouco depois, se reequilibrou e retomou a sua viagem para a margem norte do rio. E eu fui um deles... Depois de me ter libertado da espingarda, das cartucheiras, das botas e das granadas, cujo peso me puxava inexoravelmente para o fundo...

Em nenhum momento descortinei qualquer tipo de pânico quando regressei à jangada e, talvez nervosos ainda do desastre, todos sorriamos e aceitávamos o banho forçado como uma dádiva divina depois de vários dias de sede e calor.

Ninguém se apercebeu de nenhum camarada em aflição ou pedindo socorro. Ninguém sequer sonhou que a tragédia tivesse atingido as proporções que tomou. Só na margem norte do rio, quando mandei formar o meu pelotão e o vi reduzido a quase metade é que tive consciência da desgraça que tinha acontecido.

E foi então que, algo descontrolado, me dirigi à margem do rio que engolira os meus soldados na esperança de ainda ver alguém... Mas a tragédia estava consumada de forma silenciosa, definitiva e rápida.

Em resumo e concluindo:

(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada;

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião;

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema;

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se;

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação;

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar;

(vii) Finalmente, não posso deixar de fazer referência ao que o José Martins diz ter ouvido de "alguém que esteve no centro do acontecimento" de que as águas tomaram um tom avermelhado.

(viii) Sei da existência de crocodilos naquele troço do rio Corubal.

(ix) Sei que alguns dos corpos de soldados encontrados dias mais tarde, apresentavam sinais de terem sido dilacerados por crocodilos.

(x) Mas sei também que as águas, naquele dia, e após o acidente, apenas apresentavam o tom natural verde escuro de um rio calmo e profundo e tenho dúvidas que os crocodilos tivessem estado presentes naqueles momentos, com o ruído de helicópteros sobrevoando as águas a baixa altitude, na tentativa de encontrar e socorrer algum soldado em dificuldades.

(xi) Não devemos dramatizar mais o que só por si já foi suficientemente dramático (2)...


4. Breves dados sobre a CCAÇ 2405 (1968/70)

Composição da CCAÇ 2405:

A CCAÇ 2405, à data dos acontecimentos, tinha a sua sede em Galomaro (3).

Comandante: Cap. Mil. José Miguel Novais Jerónimo

1º Grupo de Combate – Alf Mil Jorge Lopes Maia Rijo
2º Grupo de Combate – Alf Mil Vitor Fernando Franco David
3º Grupo de Combate – Alf Mil Rui Manuel da Silva Felício
4º Grupo de Combate – Alf Mil Paulo Enes Lage Raposo


O 2º Grupo de Combate, comandado pelo Alf Mil Vitor David, não integrou a Companhia na operação de evacuação de Madina do Boé, ficando na sede da Companhia em Galomaro, onde porém a acompanhou através dos meios rádio.

As baixas resultantes do desastre do Cheche foram sofridas pelos 1º e 3º Grupos de Combate, que viajavam na jangada na altura do acidente.


Rui Felício
(Ex-alf mil inf CCAÇ 2405

[ Fixação / revisão de texto / bold a cores / título: L.G.]
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Notas de L.G.

(1) Vd. post do José Martins > 6 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - D: Madina do Boé, 37 anos depois

(2) Vd os posts anteriores sobre este tópico:

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

(...) "Apresentação do livro de Gustavo Pimenta, sairómeM - Guerra Colonial (Palimage Editores, 1999), no Porto, Cooperativa Árvore, em 10 de Dezembro de 1999. Autor do texto: José Manuel Saraiva, jornalista do Expresso" (...)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre do Cheche, na retirada de Madina ...

(...) "Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC"(...)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

(...) "O mês de Fevereiro de 1969 tivera inicio há poucos dias quando passou, no aquartelamento de Canjadude, uma coluna cuja missão era retirar a Companhia de Caçadores nº 1790 do seu destacamento de Madina do Boé. Paralelamente a guarnição do posto do Cheche, pertencente à Companhia de Caçadores nº 5, também retiraria e juntar-se-ia à nossa companhia em Canjadude" (...)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXI: Comentário de Afonso Sousa ao texto sobre a retirada de Madina do Boé

(...) "Emociona este seu testemunho. Eu só faço uma pequena ideia do sofrimento de todos vocês, naquele momento trágico, nas horas e nos dias seguintes - em terras de solidão, em paragens dos confins da Guiné" (...).

(3) Em Fevereiro de 1969, a CCAÇ 2405 era a unidade de quadrícula de Galomaro, pertencendo ao Sector L1, e estando afecta por isso ao comando do BCAÇ 2852, sediado em Bambadinca.
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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5775: Efemérides (44): O desastre de Cheche, 41 anos depois(José Martins)

1. Mensagem de José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro de 2010:

Caríssimos
Junto texto, sujeiro às fixações que acharem oportunas.

Um abraço
José Martins




O Che-Che ainda está presente!

6 de Fevereiro de 1969 / 6 de Fevereiro de 2010

41 anos depois


O Luís Graça, em telefonema de hoje, lançou-me o repto. Voltar a escrever sobre o desastre do Che-Che que, ainda que lateralmente, vivi intensamente!

De imediato pensei, não escrever, mas procurar no blogue referências ao acontecido.

Encontrei, creio, a minha primeira participação no blogue. O tema era o Desastre do Che-Che, e das baixas que causou.

24 Outubro 2005 > Guiné 63/64 - CCLVII: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé

Caro Luis Graça:

Ví no blogue-fora-nada o texto sobre a retirada de Madina do Boé (1). Na realidade morreram nesse desastre quarenta e sete homens, apesar da maioria das referência apontar para 46. Efectivamente a 47ª vítima era um caçador nativo (2), pelo que não consta das estatísticas militares.

Sei do que se passou, dado ter sido eu, na altura, Furriel de Transmissões da CCAÇ 5, de Canjadude (3), a proceder ao levantamento dos desaparecidos, junto de cada companhia, e de ter redigido a mensagem que foi enviada, momentos depois, para todos os escalões superiores.
Em nota de rodapé, registe-se a preocupação dos sobreviventes, traduzida na tentativa de enviar TELEGRAMAS, para avisar a família de que se encontravam bem. Não foi enviada nenhuma mensagem/telegrama, dado que, mesmo que transmitidos para o batalhão os enviar depois via Marconi, seriam fatalmente censurados no percurso (4) (5).

Um abraço do camarada
José Martins

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (1969)

(2) Presumo que o autor do texto quer dizer soldado africano de um Pelotão de Caçadores Nativos, tropa regular, embora de recrutamento local, que deve ser confundida com as milícias.

(3) Vd. Carta da Guiné (1961). Na zona leste da Guiné, hoje região do Gabu, entre Nova Lamego (hoje Gabu) e Cheche (ou Ché Ché), na estrada Nova Lamego-Madina do Boé que atravessa o Rio Corubal precisamente em Cheche, sítio onde se deu a tragédia que vitimou os 47 militares.

(4) Madina do Boé tem um significado mítico tanto para nós, que fizemos a guerra colonial, como para os guerrilheiros do PAIGC. Depois da nossa retirada, o aquartelamento, abandonado e armadilhado pelas NT, terá sido imediatamente ocupado pelos sitiantes.

(5) Em Julho de 1973, o PAIGC realiza em Fulamor, a oeste de Madina do Boé, o 2º seu Congresso. E, finalmente, em 24 de Setembro de 1973 é ali proclamada a Independência Unilateral da Guiné-Bissau pelo PAIGC, sendo Luís Cabral eleito Presidente do Conselho de Estado.

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Antes, em 2 de Agosto de 2005, tinha sido publicado o post

02 Agosto 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

1. Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC (e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia, a 6 de Fevereiro de 1969, após a retirada das NT).

Na passagem do 37º aniversário desta infausto acontecimento, escrevi “Madina do Boé – Contributos para a sua história”, que veio a ser publicado, em três partes;

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

Jangada para travessia do Rio Corubal, no Che-che.
© Foto de José Azevedo Oliveira, com a devida vénia.


A foto acima, da autoria do ex-Furriel Miliciano Oliveira (CCaç 5, que esteve destacado no Che-Che integrado num grupo de combate), é a anterior à que sofreu o acidente.


Muito foi escrito pelos camaradas que, directa ou indirectamente, estiveram ligados ao acontecimento ou ao local.

8 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2819: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (4): 1968-1973 (Fim) (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > 1 de Março de 2008 > O Rio Corubal, visto da margem direita, junto ao Saltinho... Neste rio (o único verdadeiro rio da Guiné, segundo dizia o Amílcar Cabral), morreram afogados 46 militares portugueses das CCAÇ 1790, CCAÇ 2405 e outras unidades, além de um civil guineense, no dia 6 de Fevereiro de 1969, na travessia junto ao Cheche, na sequência da evacuação de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios). Nenhum dos corpos foi recuperado (1).


O nosso camarada Armandino Alves, que esteve em Madina do Boé e em Beli, dois dos vértices do “Triângulo do Boé”, também escreveu



14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4518: Controvérsias (19): Sob a evacuação das NT de Madina do Boé (Armandino Alves)

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4533: Controvérsias (20): A minha análise pessoal do desastre com a jangada no Cheche, na retirada de Madina do Boé (Armandino Alves)

O Armandino Alves foi 1.º Cabo Enf da CCAÇ 1589 (1966/68), em Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, apresentou um comentário em 13 de Junho no poste:

Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas †), que merece ser poste:

Também os que chegaram depois do acontecido, vieram a observar o que o acidente influenciou os que iam chegando ao teatro de operações:

1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5745: José Corceiro na CCAÇ 5 (2): A primeira saída para o mato (1ª parte)

"- Tu chegaste hoje, dia 13 sexta-feira, e amanhã vais logo para o Cheche, onde há quatro meses perderam a vida perto de meia centena de militares (47), isto não é, convém que se diga, uma colónia de férias, para vires com discos e gira-discos na bagagem. Isto aqui é a guerra amigo e não vais ter propriamente vida facilitada, até porque os nossos graduados não são flor que se cheire, as surpresas, não vão ser glico-doces para o teu lado.

Houve, inclusivamente, empenho festivo para receber com a dignidade possível e agradecimento merecido, os martirizados heróis que deixavam Madina de Boé. Eu sou testemunha ocular que passados 4 meses após a infausta tragédia, existirem ainda a cerca de 1km de Canjadude, na picada que liga ao Cheche, fachas de pano passadas de árvore a árvore, por cima da picada, onde se podiam ler coisas como: “Canjadude saúda-vos”.

Pelo menos 1 ou 2 dessas fachas estavam por lá e só a acção do tempo as destruiu. Assim como haviam algumas folhas de palmeiras atadas nas árvores, ao longo da picada, como que a saudar e louvar os heróis. É lógico que os indícios preliminares de festividade deixaram de ter sentido após a aziaga tragédia.

Creio que ainda há história para contar, sobre a martirizada companhia que esteve e fechou Madina de Boé. Aqui não me alongo mais porque não fui testemunha.

Presto a minha homenagem pessoal a estes heróis, os que ficaram e os que partiram.


Também recordo que, na página de “ultramar.terraweb.biz” há texto sobre o acontecimento, com especial chamada para “Madina de Boé - 47 Militares morreram no Rio Corubal” que apresenta diversos recortes de jornal, com entrevistas a sobreviventes.

Termino como terminei a primeira parte do meu texto já citado, com os parágrafos que antecediam o nome de cada um dos HERÓIS/MARTIRES:

Naquela tarde de 6 de Fevereiro de 1969, o Corubal roubou, a todos e a cada um de nós, quarenta e sete amigos e camaradas, dos quais, poucos viriam a ser encontrados e sepultados nas margens do Rio Corubal.

É com emoção, que quando falo ou escrevo sobre este tema, me curvo perante a memória daqueles que não voltaram, me perfilo em continência e os meus lábios murmuram uma oração.

José Martins
5 de Fevereiro de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5734: Ser solidário (53): Que muitas Runas se levantem (José Martins)

Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5768: Efemérides (43): 4 de Fevereiro de 1961, O princípio da Guerra Colonial (José Marques Ferreira)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4533: Controvérsias (24): A minha análise pessoal do desastre com a jangada no Cheche, na retirada de Madina do Boé (Armandino Alves)

1. O Armandino Alves foi 1º Cabo Enf da CCAÇ 1589 (1966/68), em Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, apresentou um comentário em 13 de Junho no poste: Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † ), que merece ser poste:

Camaradas,

Eu já num poste disse como os guineenses ao serviço das nossas tropas conseguiam virar a jangada no CheChe, para ficarem com os garrafões do vinho.

Portanto é ponto assente que a jangada virava embora não se afundasse.

O Camarada Rui Felício tem toda a razão, para estar revoltado e basta um pouco de atenção à leitura do relato do falecido Coronel Hélio Felgas, para se constatar que essa teoria do disparo do IN cai por terra.

Então nesse momento não estava a pousar o héli-canhão?

Alguém de bom senso acha que o IN (se lá estivesse) ia revelar a sua posição sabendo que o héli-canhão logo os atacaria.

Não!

O nosso camarada não especifica a quantidade de homens que embarcaram nessa leva mas, para morrerem 47, tinham que ser quase o dobro, se não fossem mais.

Reparem que havia uma ordem de serviço que proibia a jangada de transportar mais de 50 homens de cada vez.

No meu tempo a jangada era movimentada a braços. Havia dois cabos, um de cada lado do rio, presos às margens e os milícias colocavam-se ao longo das laterais e puxavam, com os pés bem assentes no chão e a jangada lá se ia deslocando lentamente.

Posteriormente, parece que a jangada era puxada, ou empurrada, por um barco com o motor fora de borda.

Ora, para esse barco puxar/empurrar a jangada teria que forçar o motor conforme o peso suportado pela jangada. Ora, quanto mais força mais ondulação, o que, obviamente, mais desestabilizaria a estrutura da jangada.

À mencionada instabilidade, juntava-se o factor pessoal embarcado que, ao não estarem quietos nos seus sítios, contribuíram sobremodo para a jangada virar.

Quanto ao filme não o vi, porque já sabia que nada do que lá apresentam ia corresponder à verdade, e sinto-me no direito de pensar que são apenas estratégias para ganhar audiência e ampliar o lucro a obter com o mesmo.

Armandino Alves,
Ex-1º Cabo Enf CCAÇ 1589
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

14 de Junho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4518: Controvérsias (19): Sob a evacuação das NT de Madina do Boé (Armandino Alves)