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quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

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O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Giné 1972/74)


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Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > CCP 121 > O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares em acção.

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Guiné > BCP 12, CCP 121 (1972/74) > O crachá da unidade.
Texto e fotos: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Segunda e última parte do relato A Caminho de Guidaje
Operação Mamute Doido
Guidaje > 23 a 29 de Maio de 1973
CCP 121- Companhia Caçadores Paraquedistas 121

Estimado amigo e camarada Luís:

Conforme prometi cá estou para dar continuidade ao texto A Caminho de Guidaje (1).

Depois de chegados e instalados junto às valas que circundavam Guidaje, do lado da picada que dava entrada no destacamento, aí ficámos a montar segurança durante a nossa permanência.

Depois disto a noite aproximava-se. Entretanto os nossos feridos, o Melo e o Peixoto, foram colocados num abrigo que servia de enfermaria improvisada uma vez que as restantes infra-estruturas se encontravam todas danificadas pelos constantes bombardeamentos que esta unidade tinha sofrido até à data, não oferecendo nem tendo quaisquer condições para socorrer os nossos feridos nem aqueles que já lá se encontravam.

Ai, tudo foi tentado para salvar os nossos companheiros que, em agonia de morte, aguardavam a sua hora de partida para a eternidade. Poucas horas passadas viria a falecer o Peixoto: veio-se assim, infelizmente, a confirmar o que poucas horas antes eu tinha pensado, quando o fui ver à viatura que o transportou do local da emboscada, de Cufeu até Guidaje (2).

Depois de mais uma baixa das nossas forças restava a esperança que o Melo viesse a ter melhor sorte, o que não viria a acontecer, tal era a gravidade do seu ferimento, que o levou ao estado de coma da qual não saiu até à sua morte, depois de evacuado para Bissau, para o HMB 241 e depois para a metrópole onde viria a falecer.

Não posso deixar de referir a coragem de um piloto dos Helis que se deslocou a Guidaje para fazer a evacuação do Melo, pois que como todos sabiam os riscos eram enormes naquela zona derivado à utilização dos Mísseis Strella (3).

Nessa viagem o mesmo piloto acabou por nos levar elos para as HK21 e MG42, assim como meias uma vez já andávamos há cerca de 15 dias com as mesmas - os que ainda as tinham! Foi feita a evacuação do nosso companheiro Melo.

A CCP 121 tinha ainda pela frente a tarefa mais árdua e difícil para executar. Atrevo-me mesmo dizer: a mais difícil da sua história, naquela altura ainda curta - só com 17 anos apenas, na altura; hoje com 50 anos, desde a criação das Tropas Paraquedistas em Portugal (4)...

Perante os factos havia que tomar decisões: tínhamos 3 companheiros mortos, não aguentaríamos muito mais tempo com eles em estado de decomposição, não havia meios para os retirar dali... Fizemos uma tentativa para regressar a Binta mas já em progressão fora do destacamento, deparámos com uma situação delicada: a população seguia-nos...

Tivemos que regressar ao destacamento, por ordens superiores. Posto isto não tínhamos outra alternativa. A solução foi enterrar os nossos companheiros em local ermo, perto do arame farpado, na condição de mais tarde serem daqui retirados, o que até hoje ainda não aconteceu (5).

Quero dizer a todos os Tertulianos que para mim foi o dia mais triste que passei durante toda a minha comissão na Guiné. E esse dia ainda hoje o recordo com tristeza.

Todas as situações relacionadas com a forma de enterrar em Guidaje os paraquedistas isso deveu-se ao facto não haver qualquer previsão de formação de nova coluna a partir de Binta, o que só veio a acontecer passados seis dias, ou seja, a 29 de Maio de 1973 (3).

De 23 a 29 de Maio o destacamento foi atacado várias vezes tanto de dia como durante a noite. Devido à falta de munições da nossa artilharia, esta disparava muito esporadicamente em resposta. Era impressionante a eficácia das granadas IN que raramente falhavam o objectivo, o interior do destacamento.

Quanto à alimentação durante este período, era ao meio dia arroz com conserva de sardinha, um autentico paté. Ao jantar era paté de sardinha com arroz, nos dias seguintes para variar era a mesma coisa, mas digo-vos, amigos, com toda a sinceridade, esta situação da alimentação, embora crítica, nunca preocupou os paraquedistas, porque para atenuar a deficiente alimentação tínhamos como sabem muita e boa água.

Os paraquedistas da 121, quando foram solicitados para romper o cerco para Guidaje (3), tinham consciência plena dos riscos que iam correr, porque a preocupação não era só fazer chegar a coluna a Guidaje, era também tentar chegar lá para dar ânimo e reforçar a capacidade de defesa das NT e preparar-se para apoiar, a partir desta posição, nova tentativa de reabastecimento terrestre.

Fomos informados pelo nosso comandante de companhia, o Cap Paraquedista Almeida Martins, das dificuldades que poderiam surgir, as incertezas e privações que poderíamos vir a ter, porque sabíamos que a alguns quilómetros se encontravam camaradas que precisavam de apoio. por isso avanáamos como sempre o fizemos neste TO e comprimos o nosso dever, à custa da valentia de muitos e o sacrifício de alguns bravos que tombaram heroicamente.

Travámos uma dura batalha mas ultrapassámo-la num combate difícil, mesmo desigual. Mais uma vez provámos que merecemos a Divisa QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM. Assim como para o 1º Cabo Paraq Peixoto e os Sold Paraq Victoriano e Melo a Divisa DAQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE.

Entretanto estamos a 29 de Maio e as ordens são para preparar o regresso a Binta (3). Fazem-se as últimas inspecções às armas para passado pouco tempo iniciarmos a marcha de regresso.

Ao contrário do que aconteceu na ida em que eu segui sempre na retaguarda, agora seria o primeiro logo a seguir o meu municiador desta operação, o Sold Paraq Correia, que tão bem deu conta do recado no contacto em Cufeu (1), transportando fitas várias debaixo de intenso fogo do IN. Normalmente o meu municiador era o Sold Paraq Domingos.

Em terceiro lugar no início do deslocamento seguia o Cap Comando Raul Folques (6), o qual tive que chamar a atenção por não guardar a distância adequada à segurança, além de também falar muito alto na comunicação por rádio. Progredíamos com atenção redobrada porque a zona assim o exigia e os acontecimentos recentes aconselhavam.

Andados cerca de trinta minutos, detectámos uma mina antipessoal que balizámos, seguindo em marcha lenta , até que a pouca distância se ouvem duas pequenas rajadas de armas ligeiras. Fizemos uma pequena paragem para logo de seguida reatar a marcha, íamos progredindo muito próximo da picada existente, a mata era semiaberta.

Entretanto estávamos nas redondezas do ponto mais crítico de todo o percurso, estacionámos durante algum tempo, até que rebenta uma emboscada do outro lado da bolanha. Era mais um ataque no Cufeu, à sexta coluna que vinha de Binta para Guidaje, protegida por uma Companhia de Comandos, a 38ª , e por mais duas ou três companhias do exército, que até ao destacamento não tiveram mais problemas .

Entretanto a CCP 121, seguida pelos Fuzileiros (8), elementos do exército e um grupo de Companhia de Comandos Africanos, que foram regressando da Operação Ametista Real (6), cruzaram-se connosco no Cufeu. Seguimos rumo a Binta, não sem que víssemos inúmeros cadáveres em decomposição, alguns já só em esqueleto, dando a indicação de não serem todos referentes aos mesmos combates.

Esta zona sim era um autêntico cemitério ao ar livre. Para provar isso, quem esteve em Guidaje, nesse período, deve-se ter apercebido que, quando fazia aragem desse lado, o cheiro era bastante acentuado (7).

Retomando a picada aberta de novo, seguimos em viaturas rumo a Binta, aonde chegámos sem mais qualquer percalço. Daqui fomos para Farim, onde pernoitámos, partindo na manhã seguinte [, a 30 de Maio de 1973,] rumo a Bissau.

Um forte abraço para ti e todos os tertulianos.

PS - O próximo texto será sobre a Op Amestista Real

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

(2) Extracto do post anterior: (...) "A partir daqui aguardava-se a chegada de viaturas que vinham de Guidaje. Chegadas estas, carregaram-se os mortos e feridos. Nnessa altura fui à viatura onde se encontrava o Peixoto para ver qual era o seu estado. Apertando o meu braço, diz-me ele:
"- Tavares, desta vez é que eu não me safo. - Aí respondi-lhe:
"- Não, tu és forte e tudo vai correr bem, tem calma.

"Quando desci da viatura depois de ver os ferimentos, fiquei com a convicção de que só por milagre é que o Peixoto se safava: fora atingido por vários tiros em zonas vitais" (..)

(3) Vd. post de 21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)

(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strella. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos. Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.

"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).

(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...).
(...) "Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos" (...).

(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.

"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.

"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel" (...).

(4) Vd. O sítio das Tropas Páraquedistas (1956-2006) > o historial das tropas paraquedistas em Portugal >

(...) "1952 - É promulgada a Lei 2055, de 27 de Maio, que cria a Força Aérea Portuguesa como ramo independente das Forças Armadas. Esta Lei, no seu artº nº 9, prevê a constituição de uma unidade de pára-quedistas" (...).


(...) "1956 - É criado o Batalhão de Caçadores Pára-quedistas - BCP (Portaria Nº 15671, de 26 de Dezembro de 1955), com sede em Tancos e dependente da recém criada Força Aérea Portuguesa" (...)

(...) "1966 - Formação do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas Nº12 (BCP 12) em Bissau - Guiné (Portaria 22260, de 20 de Outubro). O Batalhão será activado a 14 de Outubro de 1966 incluindo a Companhia de Pára-quedistas do AB2" (...) .
(5) Vd. posts de:
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
(6) Comandante da 3ª Companhia de Comandos, do Batalhão de Comandos da Guiné. Participou na Op Ametista Real (18-20 de Maio de 1973), onde foi ferido (3).
Vd. ainda posts de:
26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (João Afonso)
16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (JOão Almeida Bruno)
(7) Vd. posts de:
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
(8) Vd. post de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1220: Guidaje, Maio de 1973: o depoimento do comandante de um destacamento de fuzileiros especiais (Alves de Jesus)

domingo, 7 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2163: História de vida (7): Manuel Carneiro, 55 anos, director de rancho folclórico, ex-pára-quedista da CCP 121 / BCP 12 (Luís Graça)


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Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores > Actuação na festa de São Romão > Adro da igreja de Paredes de Viadores > 2 de Setembro de 2007 > Danças tradicionais do Douro Litoral. Rancho fundado em 1997. Actual director: Manuel Carneiro, 55 anos, residente no Juncal, reformado da CP, ex-pára-quedista (Guiné, CCP 121 / BCP 12, 1972/74)

Vídeo: Alojado em You Tube > Nhabijoes. © Luís Graça (2007). Direitos reservados.



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > 2 de Setembro de 2007 > Romaria de São Romão > Procissão > A imagem de São Romão, orago da freguesia. Foi aqui que conheci o Mamuel Carneiro.

Foto:© Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Manuel Carneiro, director do Rancho Folclóiuco da Associação Juvenil de Paredes de Viadores, ex-pára-quedista...

Foto:© Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Costuma-se dizer que o mundo é pequeno quando encontramos alguém, em circunstâncias, inesperadas ou insólitas. Alguém que já não vemos há muito, alguém de quem ouvimos falar mas que não conhecemos, enfim, alguém que gostaríamos de (re)encontrar.

Foi o que aconteceu com o Manuel Carneiro, ex-pára-quedista da CCP 121, BCP 12, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974. Quem, primeiro, me falou do Manuel Carneiro foi o Victor Tavares, à mesa do Restaurante Vidal, em Aguada de Cima, Águeda, em 2 de Março último, tendo a nosso lado o Paulo Santiago, que jogava em casa (1)…

Como emtão tive ocasião de escrever, o Victor é um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os pára-quedistas. Ele foi sobretudo um valoroso elemento da CCP 121 /BCP 12 que, na Guiné, entre 1972 e 1974, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na valorosa 5ª coluna que, entre 23 e 29 de Maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes espisódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (2).

Foi nesssa ocasião, na véspera de ele partir para a Guiné-Bissau, em missão de reconhecimento das campas dos seus três camaradas pára-quedistas que morreram em Guidaje, em Maio de 1973, que eu conheci pessoalmente o Victor.

Ele acabava de aceitar o convite e o desafio feitos pelo jornalista Jorge Araújo que estava a fazer um trabalho de reportagem para a TVI. O Victor aceitou voltar a Guidaje, com sentido de missão, com humildade, com naturalidade (e sem se queixar do prejuízo que esses cinco dias iriam representar para a sua vida familiar e profissional, ele que é um honesto trabalhador independente, além de presidente da junta da sua freguesia)...

À mesa, na conversa que com ele tive, ao almoço, deu também para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que foi um notável operacional mas que não se envaidecia pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de major-general (se não erro, Bação da Costa Lemos, hoje na reforma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas pára-quedistas...

O Victor foi e continua a ser muito respeitado pela família pára-quedista, camaradas e superiores hierárquicos... A sua presença, na nossa Tabanca Grande, também nos honra, sobretudo pela sua grande experiência, camaragem e lealdade.

Foi também nessa ocasião que eu vim a saber que um grande camarada e amigo do Victor foi um tal Manuel Carneiro, conterrâneo da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, natural de Paredes de Viadores, concelho do Marco de Canaveses… Não têm qualquer parentesco entre si, apesar do apelido Carneiro…

No dia 2 de Setembro de 2007, seis meses depois, acabo por conhecer o Manuel Carneiro. Estava eu a acabar as minhas férias de Verão, passando os útimos dias na pacadez e frescura de Candoz, com vista para a albufeira da barragem do Carrapatelo… No dia 2 era a festa do São Romão, orago da freguesia, Paredes de Viadores. Por volta das 16h, decidimos ir dar uma volta até ao sítio onde se realizava a festa do São Romão que não se compara, nem de longe nem de perto, com a grande festa anual da freguesia e do concelho, que é a Senhora do Socorro, na última semana do mês de Junho de cada ano…

São Romão resume-se, em boa verdade, a um pequena procissão e pouco mais. Mas nesse dia actuava o Rancho Folclórico da Associação Juvebil de Paredes de Viadoires…. Assiti a (e filmei) a segunda parte deste simpático e jovem rancho, fundado em 1997. No final, entendi dever dar uma palavrinha reconhecimento e de estímulo ao respectivo director, que eu não sabia quem era…

Levaram-me até ele e, qual não é a minha surpresa, quando lá chegado ele dispara, rápido, a seguinte exclamação:
- Mas é o Dr. Luís Graça!
- Já nos conhecemos de algum lado ?
- Do blogue, pois, claro! Do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné! Sou camarada do Victor Tavares, pára-quedista da 121…
- Podes então dispensar o doutor… Dá-me cá um abraço, que os camaradas da Guiné tratam-se todos por tu!

Fiquei então a saber que o Manuel Carneiro, de 55 anos, pai de três filhas, era nosso vizinho, conhecia muito bem a família da minha mulher, os Carneiro de Candoz, que era refomado da CP, que residia no Juncal, mesmo junto à estação do Juncal (Linha do Douro, entre Marco de Canavese e Mosteiro) e que assumira há pouco tempo funções de director do Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores…

A conversa inevitavelemte foi parar ao blogue, à Guiné e aos pára-quedistas. O Manuel Carneiro está amiúdas vezes com o Victor, nos convívios periódicos da Companhia (CCP 121) e do Batalhão (BCP 12). Prometi-lhe apadrinhar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Disse-me que ainda não tinha email mas que ía com frequência visitar o nosso blogue, a partir do computador da filha mais nova…

Prometi-lhe também divulgar o rancho por quem ele tem muito amor e a que dedica um boa parte do seu tempo, tanto no nosso blogue como no blogue da família, a Nossa Quinta de Candoz… Aqui fica, hoje, e com o atraso de mais de um mês, uma parte do prometido… A voz que se ouve no vídeo (no início deste post), é do Manuel Carneiro a quem eu saúdo, como novo membro da nossa tertúlia.

_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

(2) Vd. posts de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

domingo, 26 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Cumbamori, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)



O ex-1º Cabo paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Guiné 1972/74).

Fotos: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.

Texto do Vitor Tavares (1), com data de 15 de Novembro de 2006:


Operação Ametista Real - Assalto à Base de Cumbamori no Senegal

A 17 de Maio de 1973, a Companhia de Caçadores Paraquedistas 121 recebe ordem para se integrar na operação acima referida, tendo-lhe sido atribuída a missão de garantir a segurança de um corredor entre Ujeque e Guidaje, através do qual se processaria a retirada dos Comandos Africanos

Nesse mesmo dia, da parte da tarde, embarcamos em Bissau, em LDG, com destino a Ganturé [, na margem direita do Rio Cacheu, a sul de Bigene], aonde desembarcamos no início da tarde do dia seguinte, partindo de seguida em marcha apeada em direcção a Bigene.

Chegamos aí pelo meio da tarde. Logo de seguida partimos para executar as primeiras acções de patrulhamento e emboscadas, até ao final da tarde do dia 19, sem que o IN se tivesse revelado.

Neste mesmo dia, provenientes de Bissau, chegam as 3 Companhias de Comandos Africanos e o Grupo de Marcelino da Mata (2).

Entretanto as 3 Companhias de Comandos Africanos formam também os agrupamentos seguintes:

-Agrupamento BOMBOX, do Tenente Comando Zacarias Saiegh, comandado pelo Cap Comando Matos Gomes;

-Agrupamento CENTAURO, do Tenente Comando Jamanca, comandado pelo Cap Comando Raul Folques;

-Agrupamento ROMEU, do Tenente Comando Quiseco, comandando Cap Paraquedista António Ramos.

Neste último estavam integrados também o grupo de operações especiais COE, com 25 elementos, comandados pelo Alfero Marcelino da Mata, assim como o Major Comando Almeida Bruno [, hoje general,] que era o comandante desta operação.

Os agrupamentos iniciaram o deslocamento apeado para a operação às 24 horas com intervalo mais ou menos de uma hora entre eles. Pelas quatro da manhã, inicia o seu deslocamento a CCP 121, com destino ao corredor que pretendia manter.

Entretanto ainda com os Paraquedistas dentro da área aonde pernoitámos, as forças do PAIGC atacaram o destacamento de Bigene com uma precisão incrível (não falhavam uma granada), obrigando-nos a sair em marcha acelerada desta zona.

É meu entendimento que foi um erro este ataque ter sido feito pelas forças do PAIGC, uma vez que as nossas tropas já se encontravam na zona, pelo menos o agrupamento que saiu em primeiro lugar deve ter referenciado o local de onde a flagelação estava a ser feita. O dia clareava e a tensão aumentava. Os homens dos agrupamentos estavam já dentro do Senegal, ouvíamos de vez enquanto o roncar de viaturas não muito longe, e o tempo passava sem que se ouvissem tiros ou explosões.

A informação que tínhamos era que esta base de Cumbamori servia de base de apoio aos guerrilheiros que sitiavam Guidaje e que atacavam as colunas que tentavam reabastecer o mesmo, tendo aí concentrados grande quantidades de efectivos das suas melhores forças, assim como de armamento.

Era aqui nesta base que se encontrariam os comandantes deste sector, Chico Té e Manecas, dois dos melhores e mais temidos, a par de Nino Vieira, comandantes do PAIGC.

Pouco passava das 8 horas quando se começam a ouvir o barulho de dois aviões bombardeiros FIAT G-91, acabando estes por bombardear o objectivo, atingindo alguns paóis e provocando varias explosões. Inicia-se então, a partir desta altura, o assalto pelas nossas forças dos Comandos Africanos do agrupamento BOMBOX, e depois pelos restantes agrupamentos.

Estes, pouco depois dos primeiros rebentamentos, entraram ao assalto tendo pouco tempo passado entrado em combate directo com as forças IN que se prolongaram até cerca das 16 horas .

Os comandos, durante os contactos que tiveram e conforme iam avançando, iam destruindo arrecadações de material de guerra de toda a espécie, debaixo de fogo intenso e quase ininterrupto. Foi uma luta encarniçada.

Não quero deixar de referir que, enquanto nos encontravamos emboscados próximos de uma picada, passaram várias viaturas blindadas tipo Panhards.

Por volta das 18 horas regressámos ao destacamento de Bigene, onde nem chegamos a parar, seguindo para Ganturé.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida


(2) Vd. post de 16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

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O ex-1º Cabo paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Giné 1972/74): Ontem (1) e hoje


Texto e fotos: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Estimado amigo e camarada Luís:

Como prometi, envio-te mais um texto que, se entenderes ter algum interesse em publicá-lo no teu blogue, poderás fazê-lo.

Quero dizer-te que já falei com o meu camarada Manuel Rebocho sobre os nossos militares que se encontram sepultados em Guidaje. (Eu ajudei a sepultar só os 3 paraquedistas) (2).

Abraço

Victor Tavares


A caminho de Guidaje
Operação Mamute Doido
Coluna para Guidaje > 23 de Maio de 1973
CCP 121- Companhia Caçadores Paraquedistas 121

No início do mês de maio de 1973, as forças do PAIGC intensificaram os ataques aos destacamentos de fronteira, mais concretamente Guidaje, a norte, e Guileje, a sul. Em Guidaje a pressão das forças IN começou com ataques ao aquartelamento e depois às colunas de reabastecimento no período 7 a 30 de Maio de 1973. Nesse período realizaram-se seis colunas. Apenas a terceira conseguiu alcançar o objectivo sem problemas.

E porque fiz parte da quinta coluna, gostaria de dar algumas ideias do que passei na mesma aos tertulianos interessados na guerra de Guidaje.

Para começar quero dizer-vos que já li que os efectivos da CCP 121 que participaram nessa coluna eram na ordem de 160, quando na verdade seríamos pouco mais de metade. Mas avançando para o desenvolvimento, mais concreto, do deslocamento entre Binta e Guidaje, de má memória para os paraquedistas da 121, nesse dia fatídico para as nossas tropas recebemos a informação de que íamos fazer protecção a uma coluna auto que ia para Guidaje , e que regressaríamos de imediato, até porque não nos fora distribuída alimentação.

Lá seguimos manhã cedo até passar uma pequena ponte. Logo de seguida estacionámos e emboscámo-nos do lado esquerdo da picada, ficando a aguardar a chegada da coluna auto que, passado algum tempo, chegou já protegida do lado direito por um grupo de fuzileiros especiais, seguidos de elementos do exército.

Na frente da primeira viatura seguiam vários sapadores (picadores). É de referir que a mata envolvente era bastante aberta o que facilitava o contacto à vista com as outras nossas forças.

Entretanto, é dada ordem para iniciarmos a marcha lenta por forma a manter a ligação à vista com a frente da coluna. Nessa altura rebentou uma mina antipessoal, provocando 1 morto. Isto cerca das 8.30h. Recomposta a ordem, retomamos a marcha, até que, passados pouco mais de 15 minutos, novo engenho é accionado, desta vez por uma viatura, desfazendo parte dela e provocando mais 1 morto e 2 feridos graves. A partir daqui foi fazer a transferência da carga e retomar o deslocamento. Pouco tempo andámos para nova mina ser accionada provocando mais 1 ferido grave.

Nesta altura estávamos próximos de Genico [a seguir a Caur, vd. carta de Binta]. Perante estes acontecimentos foi dada ordem para que a coluna regressasse a Binta, uma vez que a zona se encontrava toda minada e seria de evitar correr mais riscos.

Com tudo isto já passava do meio dia, quando é dada ordem para a CCP121 continuar a operação em patrulhamento, regressando os fuzileiros e o exército.

Em direcção a Guidaje seguiam os paraquedistas, até que foi feita mais uma de muitas paragens para descanso do pessoal, esta já na zona mais perigosa de todo o percurso, que era Cufeu.

Como me encontrava desde o início na retaguarda, desloquei-me até junto do meu comandante de pelotão, Tenente Paraquedista Hugo Borges afim de saber qual seria o nosso destino, porque nos encontrávamos já bastante debilitados fisicamente. Foi nesse momento que a grande altitude apareceu sobrevoando a nossa posição uma DO 27 aonde se encontrava o Major Paraquedista Calheiros que, em contacto com o comandante da CCP 121, Capitão Paraquedista Armando Almeida Martins, informa.-nos que teríamos de seguir para Guidaje porque já estaríamos perto.

Dada esta informação, regressei a retaguarda mas ao fazê-lo pedi ao Melo, apontador de MG 42 para ocupar o meu lugar (todos os operacionais sabem o desgaste físico e psicológico que tal posição provoca) porque eu já vinha a mais de uma dezena de KM naquele lugar.

Entretanto inicia-se a marcha e, quase de imediato, rebenta na frente a emboscada sendo os primeiros tiros dados pelas forças do PAIGC abatendo logo os Soldados Paraquedistas, Victoriano e Lourenço e ferindo gravemente o 1º Cabo Paraquedista Peixoto, apontador de HK21 e MG42.

A reacção dos paraquedistas foi pronta e rápida: apanhados em zona aberta sem qualquer protecção reagiram ao forte poder de fogo do IN, conseguindo suster o assalto das nossas posições como se verificou na retaguarda onde guerrilheiros, alguns de tez branca, tentaram fazer um envolvimento as nossas forças, o que foi evitado pela elevada capacidade de organização em combate e disciplina de fogo aliada à coragem dos nossos militares

Quero referir que simultaneamente toda a nossa coluna ficou debaixo de fogo IN numa extensão de mais de 300 metros.

É de realçar também a organização e o poder de fogo dos guerrilheiros do PAIGC que equipados com bom armamento, bem melhor que o nosso, caso das Degtyarev, RPG2, costureirinha PPSH, Kalashnikov, Canhão s/ Recuo, RPG7, Morteiros 61mm e 81mm, mísseis terra-ar Strella (estes a partir do início de 1973 começaram a derrubar a nossa aviação tirando-lhe capacidade de actuação no teatro de operações).

Não era por acaso que as forças do PAIGC estavam tão bem organizadas nesta zona e neste período, tinham como comandantes Francisco Santos (Chico Té) e Manuel dos Santos(Manecas), dois dos mais temidos pelas nossas forças além do comandante Nino Vieira.

Continuando a relatar o desenrolar da operação: durante o contacto fomos flagelados com morteiradas e canhoadas que rebentavam a poucos metros de nós tendo uma delas ferido gravemente os Soldados Paraquedistas Palma e Melo, este com grande gravidade ficando de imediato em estado de coma e vindo a falecer, na Metrópole.

Ainda relacionado com as granadas que rebentavam junto a nós, aí poderíamos ter mais mortos e feridos, mas a nossa sorte foi o terreno ser mole porque as granadas enterravam-se e os estilhaços saíam em V. Faço esta afirmação porque a dois, três metros da minha posição de combate, rebentaram 3 granadas e felizmente nada me aconteceu. Já a quarta granada veio mais longa, atingindo os paraquedistas atrás referidos, quando se encontravam a desencravar a MG42 da qual o Paraquedista Melo era apontador, de grande categoria (este camarada era uma autêntica máquina de guerra).

Ainda debaixo de fogo começaram a ser socorridos os feridos da retaguarda, pelo enfermeiro 1º Cabo Paraquedista Fraga.

Ainda antes de terminar este feroz combate, os bombardeiros FIAT 91 bombardearam as posições IN tal foi a duração do mesmo (mais de 30 minutos).

Terminado o contacto tratou-se de improvisar a maca para transporte do Melo, o outro ferido, o Palma, seguiria a pé, já que o ferimento era no pescoço. Entretanto chega-nos a indicação da frente que tínhamos mais feridos e mortos (os átras referidos Peixoto, Vitoriano e Lourenço).

Entretanto quendo chegamos à frente, deparamos com os corpos dos nossos camaradas que jaziam no chão, dois já defuntos, e um ferido de morte, este a ser assistido pelos enfermeiros dos pelotões.

A partir daqui aguardava-se a chegada de viaturas que vinham de Guidaje. Chegadas estas, carregaram-se os mortos e feridos. Nnessa altura fui à viatura onde se encontrava o Peixoto para ver qual era o seu estado. Apertando o meu braço, diz-me ele:
- Tavares, desta vez é que eu não me safo. - Aí respondi-lhe:
- Não, tu és forte e tudo vai correr bem, tem calma.

Quando desci da viatura depois de ver os ferimentos, fiquei com a convicção de que só por milagre é que o Peixoto se safava: fora atingido por vários tiros em zonas vitais .

De seguida iniciámos a marcha rumo a Guidaje, para pouco tempo depois a coluna na frente ser novamente atacada, desta vez sem consequências de maior, para as forças que seguiam na frente, Fuzileiros e Paraquedistas, seguidas das viaturas e na retaguarda os restantes Paraquedistas que ainda tentaram fazer um envolvimento às forças do PAIGC, o que não resultou derivado à distância ser grande e as mesmas terem abandonado as suas posições de ataque.

Daqui até Guidaje não houve mais qualquer incidente. Chegados, fomos instalados ao longo das valas, montando segurança durante os dias que ai permanecemos, sete ou oito. Durante esses dias foram elementos dos Comandos Africnaos que regressavam da Operação Ametista Real (no período de 17 a 20 de Maio de 1973) na qual também participou a Companhia de Paraquedistas 121 (Assalto à base de Kumbamory) dentro do Senegal (3). Participou também o grupo do Marcelino da Mata.

Em Guidaje também aí encontrámos parte de um destacamento de Fuzileiros que aqui se encontravam sitiados há alguns dias e que pertenciam ao destacamento de Canturé.

A seguir relatarei a permanência em Guidaje durante 9 dias e o funeral dos meus camaradas paraquedistas (2).

Posto isto vou terminar: continuarei se me permitires com a continuação desta e de muitas outras não menos interessantes passagens reais das guerras da Guiné pelas quais passei.

Caro amigo e camarada Luís, despeço-me com um forte abraço.

PS.- No que atrás relato não estão incluídas algumas passagens muito importantes que entendo de momento não publicar.

________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1154: O baptismo de fogo de um paraquedista e a morte de uma enfermeira no corredor do Morés (Victor Tavares, CCP 121)

(2) Vd. post de 21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

(3) Vd. post de 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVI: Salgueiro Maia e os seus bravos da CCAV 3420 (Guidage, Maio/Junho de 1973) (José Afonso)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23995: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (15): Humilhados e ofendidos... (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 / BCP 12, 1972/74, natural de Águeda)


Victor Tavares

1. O Victor Tavares, natural de Águeda, conterrâmeo e amigo do nosso Paulo Santiago (outro dos nossos "históricos"),  antigo presidente da junta de freguesia de Recardães, sua terra natal, não foi um "tipo qualquer"... Foi um grande combatente e um dos melhores do melhores: ex-1.º cabo paraquedista, da CCP 121 / BCP 12 (Bissalanca, 1972/74),  Tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue. Integra a Tabanca Grande desde 6 de outubro de 2006. É, portanto, um dos nossos "veteranos".

Justifica-se, por muitas razões,  a reprodução deste excerto de um poste já muito antigo (*): o Victor dá-nos aqui o retrato do abandono e da humilhação, a que foram sujeitos, em Cacine, os militares que, sob as ordens do comandante do COP 5, major Coutinho e Lima (1945-2022), abandondaram Guileje, em 22 de Maio de 1973, chegando a Gadamael, também fortemente atacada pelo PAIGC, a seguir a Guileje, e salva pelos pára-quedistas e a Marinha -, refugiando-se depois em Cacine. 

A "batalha dos 3 G" foi há 50 anos  (**)... Ainda há gente que se lembra, e participou nos acontecimentos, em Guidaje, em Guileje, em Gadamael... O Vitor Tavares esteve lá,  em todas... Este texto, que voltamos a reproduzir, é também uma forma de ele "fazer a prova de vida"... Andou há tempos atrapalhado com sérios problemas de saúde... Felizmente, superou-os, está melhor, já voltou ao seu Facebook... 

Um abraço fraterno para ele. LG


Gadamel Porto, o outro inferno a sul

por Victor Tavares



Depois de regressada do inferno de Guidaje (***), a Companhia de Caçadores Paraquedista (CCP) 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca [Base Aérea n.º 12], gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, onde chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil,  calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura, sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. 

Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:

Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo?

Responde ele:

− Sei lá, pá, isto é só homens.

 "Gadamael ?!... Vocês vão lá morrer todos!"

Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele, perguntei-lhe:

  
 Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?

Responde-me ele:

 −  Sou.
E pergunta-me de seguida:

 E, você, não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto... Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:

− Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado em Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .


Os militares portugueses que abandonaram Guileje, 
foram tratados como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados, depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando, em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores  
 que eram uns grandes heróis de secretária!  , foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. 

As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os paraquedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, capitão paraquedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva   ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.


Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: 
o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias, se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stresse pós-traumático de guerra) (****)

[ Selecção / Revisão e fixação de texto / Substítulos / Parênteses retos / Negritos, para efeitos de edição deste poste: LG]
_____________

Notas dos editores:

(*) Vd. postes de:


(**) Ultimo poste da série > 21 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)

(***) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(****) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350 (ou a subunidades adidas, os "Piratas de Guileje" foram os últimos a deixar Guileje, por ordem do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima (*****).  

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amílcar Cabral), obrigando as NT a abandoná-lo (juntamente com algumas centenas de civis)

(i) 2 grupos de combate da CCAÇ 4743 (unidade de quadrícula de Gadamael) (incluindo o seu comandante); 

(ii) CCAV 8350 (unidade de quadrícula de Guileje) (incluindo o comandate do COP 5, major Coutinho e Lima);

(iii) Pelotão de Artilharia, comandado pelo Al Mil Pinto dos Santos (já falecido); 

(iv) Pel Cav Reconhecimento Fox (reduzido, havendo apenas duas Fox); e

(v) Pelotão de milícias local...

 A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre outubro de 1972 e maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos. Foi seu Comandante o Cap Mil Abel dos Santos Quelhas Quintas,  também ferido.

domingo, 20 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2781: Televisão: Hoje, na SIC, às 21h: Grande Reportagem: Ninguém Fica para Trás: O regresso a Guidaje, Maio de 1973

1. Com a devida vénia, transcreve-se do portal SIC On Line:


Ninguém fica para trás
Grande Reportagem SIC/Visão

Há mais de 30 anos que muitas famílias portuguesas esperam o regresso dos seus soldados, da guerra colonial. O Estado português enviou-os para a frente de combate, mas não resgatou os corpos de quem morreu na guerra.
Grande Reportagem SIC


A Liga dos Combatentes organizou uma missão de resgate dos restos mortais de soldados portugueses que se encontravam sepultados num campo de batalha, na Guiné-Bissau. A SIC e a revista VISÃO acompanharam, em exclusivo, esta operação sem precedentes, que levou para o mato de Guidage – povoação onde se situava um antigo quartel português – quatro antropólogos, uma arqueóloga, um geofísico, e quatro militares que combateram naquela região, há 35 anos, durante a guerra colonial. As campas foram descobertas graças a um velho mapa, e ao equipamento do geofísico, que rapidamente detectou sinais no subsolo.

A equipa de antropólogos, coordenada por Eugénia Cunha, levou fichas com as características físicas de três pára-quedistas supostamente ali enterrados – eram os únicos militares daquela tropa especial sepultados fora de Portugal. À medida que as escavações avançaram, confirmou-se a presença dos esqueletos daqueles soldados, que a 23 de Maio de 1973 tombaram em combate, de outros cincos militares portugueses e três guineenses.

A Grande Reportagem 'Ninguém Fica para Trás' retrata a emoção de antigos combatentes que regressaram a Guidage, onde encontraram velhos inimigos; a ansiedade de Conceição Maia – arqueóloga que integrava a equipa – por encontrar o irmão pára-quedista; a precisão cirúrgica do trabalho da equipa de antropólogos e a angústia das famílias que aguardam há mais de três décadas o regresso dos seus soldados.

Reportagem: Ricardo Fonseca e Carlos Santos (imagem)
Edição de imagem: Ricardo Tenreiro
Produção: Isabel Mendonça
Coordenação: Cândida Pinto
Direcção: Alcides Vieira


2. Nota de L.G.:

A revista Visão desta semana também traz uma reportagem do acontecimento. Vejam o vídeo promocional. Obrigado ao Albano Costa por, sempre atento às notícias sobre a sua Guidaje, me ter mandado um MSM com lembrete sobre o programa

Aproveito para lembrar que o topónimo correto desta povoação fronteiriça, no norte da Guiné, é Guidaje (e não Guidage), de acordo com a respectiva a cartografia militar portuguesa (Vd. mapa de 1955).

Sobre os trágicos acontecimento de Guidaje, em Maio de 1973, vd. os seguintes postes da autoria de vários camaradas nossos:

Amílcar Mendes:

24 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)

24 de Outubro de 006 >
Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

30 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Chamusca, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)

Manuel Rebocho

28 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

(...) Em direcção a Guidaje seguiam os paraquedistas, até que foi feita mais uma de muitas paragens para descanso do pessoal, esta já na zona mais perigosa de todo o percurso, que era Cufeu.

Como me encontrava desde o início na retaguarda, desloquei-me até junto do meu comandante de pelotão, Tenente Paraquedista Hugo Borges afim de saber qual seria o nosso destino, porque nos encontrávamos já bastante debilitados fisicamente. Foi nesse momento que a grande altitude apareceu sobrevoando a nossa posição uma DO 27 aonde se encontrava o Major Paraquedista Calheiros que, em contacto com o comandante da CCP 121, Capitão Paraquedista Armando Almeida Martins, informa.-nos que teríamos de seguir para Guidaje porque já estaríamos perto.

Dada esta informação, regressei a retaguarda mas ao fazê-lo pedi ao Melo, apontador de MG 42 para ocupar o meu lugar (todos os operacionais sabem o desgaste físico e psicológico que tal posição provoca) porque eu já vinha a mais de uma dezena de KM naquele lugar.

Entretanto inicia-se a marcha e, quase de imediato, rebenta na frente a emboscada sendo os primeiros tiros dados pelas forças do PAIGC abatendo logo os Soldados Paraquedistas, Victoriano e Lourenço e ferindo gravemente o 1º Cabo Paraquedista Peixoto, apontador de HK21 e MG42.

A reacção dos paraquedistas foi pronta e rápida: apanhados em zona aberta sem qualquer protecção reagiram ao forte poder de fogo do IN, conseguindo suster o assalto das nossas posições como se verificou na retaguarda onde guerrilheiros, alguns de tez branca, tentaram fazer um envolvimento as nossas forças, o que foi evitado pela elevada capacidade de organização em combate e disciplina de fogo aliada à coragem dos nossos militares

Quero referir que simultaneamente toda a nossa coluna ficou debaixo de fogo IN numa extensão de mais de 300 metros.

É de realçar também a organização e o poder de fogo dos guerrilheiros do PAIGC que equipados com bom armamento, bem melhor que o nosso, caso das Degtyarev, RPG2, costureirinha PPSH, Kalashnikov, Canhão s/ Recuo, RPG7, Morteiros 61mm e 81mm, mísseis terra-ar Strella (estes a partir do início de 1973 começaram a derrubar a nossa aviação tirando-lhe capacidade de actuação no teatro de operações).

Não era por acaso que as forças do PAIGC estavam tão bem organizadas nesta zona e neste período, tinham como comandantes Francisco Santos (Chico Té) e Manuel dos Santos(Manecas), dois dos mais temidos pelas nossas forças além do comandante Nino Vieira. (...)


9 de Novembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(...) Depois de chegados e instalados junto às valas que circundavam Guidaje, do lado da picada que dava entrada no destacamento, aí ficámos a montar segurança durante a nossa permanência.

Depois disto a noite aproximava-se. Entretanto os nossos feridos, o Melo e o Peixoto, foram colocados num abrigo que servia de enfermaria improvisada uma vez que as restantes infra-estruturas se encontravam todas danificadas pelos constantes bombardeamentos que esta unidade tinha sofrido até à data, não oferecendo nem tendo quaisquer condições para socorrer os nossos feridos nem aqueles que já lá se encontravam.

Ai, tudo foi tentado para salvar os nossos companheiros que, em agonia de morte, aguardavam a sua hora de partida para a eternidade. Poucas horas passadas viria a falecer o Peixoto: veio-se assim, infelizmente, a confirmar o que poucas horas antes eu tinha pensado, quando o fui ver à viatura que o transportou do local da emboscada, de Cufeu até Guidaje.

Depois de mais uma baixa das nossas forças restava a esperança que o Melo viesse a ter melhor sorte, o que não viria a acontecer, tal era a gravidade do seu ferimento, que o levou ao estado de coma da qual não saiu até à sua morte, depois de evacuado para Bissau, para o HMB 241 e depois para a metrópole onde viria a falecer.

Não posso deixar de referir a coragem de um piloto dos Helis que se deslocou a Guidaje para fazer a evacuação do Melo, pois que como todos sabiam os riscos eram enormes naquela zona derivado à utilização dos Mísseis Strella (...).

22 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

Carlos Marques dos Santos:

22 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2672: De Guidaje para Bissau, trinta e cinco anos depois (Diário de Coimbra / Carlos Marques dos Santos)

Rui Fernandes:

1 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2600: Os Mortos de Guidaje nas Notícias Lusófonas (Rui Fernandes)


Vd. também os postes de:

21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos (1)

16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)Matos Gomes)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1729: Ainda a reportagem da TVI em Guidaje (Victor Tavares)

1. Mensagem do Victor Tavares:

Caro amigo Luís.

Depois de transmitida a reportagem Última Missão: Guidaje, na TVI, recebi muitas mensagens de apoio e felicitação tanto através do blogue que tu tão bem diriges, como telefonicamente e pessoalmente.

Agradeço a todos, por teu intermédio, esse gesto de simpatia, não mereço tanta atenção. Porque ao fazê-lo foi com a convicção de que representaria a vontade da grande maioria dos ex-combatentes e tertulianos, para estes vai um sincero abraço fraterno.

Se esta missão der frutos, como penso e espero, estes serão de todos nós; se os resultados que pretendemos não forem os que aspiramos, assumirei por inteiro essa responsabilidade, mas estou confiante porque ainda há pouco tempo recebi notícias de alguém que anonimamente está muito empenhado no resgate dos restos mortais dos nossos camaradas, não só os paraquedistas mas também os do exército que se encontram em Guidaje.

Para aqueles que de alguma forma não concordam com a posição que tomei, respeitarei a sua opinião.

Ao fazê-lo [, ao ir a Guidaje, a convite da TVI], não foi para criar protagunismo ou para me expôr publicamente. Quem me conhece sabe o tipo de pessoa que sou, não alinho nessas coisas. É verdade, agarrei esta oportunidade, porque entendi ser a altura certa para despertar consciências.

Fui companhado por dois profissionais de enorme categoria e de grandes qualidades humanas e de honestidade, e que ficaram bem patente na qualidade e objectividade e no tratamento da reportagem.O Jorge Araújo e o Ricardo Ferreira são na realidade dois jornalistas de corpo inteiro. Para eles vai tambem um abraço.

Despeço-me com um abraço para todos os tertulianos.

Victor Tavares

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (92): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)


1. Comentário do nosso camarada Manuel Marinho ao poste P9934 (*) [Foto à esquerdaManuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74]:


Camaradas

Estes acontecimentos, referentes a Guidaje, carecem apenas de pequenos reparos já feitos no excepcional trabalho do malogrado Daniel Matos mas que volto referir pois penso que o Daniel estava na disposição de retocar o seu extenso texto quando foi atraiçoado pela doença que o viria a vitimar.

Quanto ao Vítor Tavares, da “grande” CCP 121, apenas quero dizer que ele é um dos “causadores” da minha entrada no blogue a par do Amílcar Mendes, da 38ª Ccmds, um grande abraço para eles, e o meu reconhecimento destas duas Companhias de Intervenção na resolução do cerco a Guidaje.

Agora os reparos:

(i) A 22 [de maio de 1973] não existem colunas, apenas dia 23 (5ª coluna); depois da coluna ter abortado por ordem do Cmdt Correia de Campos, apenas a CCP 121 segue para lá [, Guidaje].

(ii) Nessa coluna os mortos referenciados pelo Daniel (Fur Arnaldo Marques Bento e Sold Lassana Calissa) morrem em combate no dia 9 Maio, na 1ª coluna, e são da 14ª Ccaç de Farim.

(iii) No relatório desta coluna Binta-Guidaje, da autoria do Alf Joaquim Gomes Rebelo, ele afirma que os corpos dos Sold Bailó Baldé e Fonseca Nancassa, vítimas mortais da CCaç 3 que ele comandava, foram transportados para Binta, na retirada das forças que compunham esta coluna.

Esta versão é a mais credível porque a CCP 121, única força a seguir para Guidaje, não levou qualquer viatura para Guidaje, portanto nunca poderiam [aqueles corpos] estar sepultados em Guidaje.

Mas de facto na página 197 do livro "Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume – Mortos em Campanha, Tomo II Guiné – Livro 2", consta que estão sepultados em Guidaje, o que na minha modesta opinião será engano.

(iv) Finalmente falta a coluna de 19 [, de Maio,] Guidaje – Binta, que tem de retroceder para Guidaje, pois são fortemente atacados.

(v) Com o máximo respeito pelo trabalho dos historiadores [, Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso], devo lembrar que houve ainda mais duas colunas, a 11 e 12 Junho, que significou o acabar da questão Guidaje. Depois voltamos à normalidade.

Nem de propósito, penso brevemente dar novas sobre a minha desditosa coluna, se o meu camarada que ia na coluna, e que me cedeu informações preciosas sobre a mesma, me der autorização para publicar, senão pedirei permissão porque o que tenho em mão é de muita importância para esclarecer muita coisa.

Abraço
Manuel Marinho (**)
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(**) Último poste da série > 22 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9935: Efemérides (57): Guidaje foi há 39 anos... Pergunto: Por que é que a FAP não bombardeou com napalm a área de Genicó até Ujeque ? Por que é que não se utilizou o obus 14 no apoio às colunas ? No cerco de Guidaje muito eu desejei ter uma antiaérea... (Arnaldo Machado Veiga)


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cachambas Balantas, próximo de Jamberém > CCP 123 / BCP 12 (1972/74) >12 de Fevereiro de 1973 > "Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias (...) e que é hoje um empresário de táxi em Loures) (...) e o Solinho" (MR).

O 1º Cabo pára-quedista Álvaro, o militar à esquerda na fotografia, pouco depois da captura, no Cantanhez, do famoso Comandante Malan Camará, ferido por um disparo de Sneb [rocket de 3,7 cm], "que eu próprio mandei disparar" (Manuel Rebocho) (1).

Foto: © Costa Ferreira (gentilmente cedida pelo Manuel Rebocho) (2007). Direitos reservados.


1. A propósito de Guileje e do Malan Camará, no mês de Janeiro último, troquei alguns emails com o Manuel Rebocho que, além de ter sido um grande operacional, como sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, 1972/74), é também meu confrade da(s) sociologia(s), sendo doutorado pela Universidade de Évora. Sobretudo a partir dos escritos do nosso camarada Victor Tavares, sabemos hoje melhor – pelo menos aqui no blogue - o papel decisivo que tiveram os homens do BCP 12, na contenção da ofensiva do PAIGC e na defesa das vidas de muitos camaradas nossos (tanto no sul, Guileje e Gadamael, como no norte, Guidaje) (2).

Na sequência dessa troca de correspondência, pedi-lhe para publicar autonomamente o relato da captura do Malan Camará, comandante de um bigrupo do PAIGC, o bigrupo de Simbeli. Além de ter comandado o Grupo de Combate que esteve na origem do aprisionamento desse guerrilheiro, o Rebocho possui cópia do relatório da operação:

Este relatório está classificado de 'secreto'. Não o roubei, nem o obtive pela 'porta do cavalo'. Tenho-o por despachos do Ex.mo General CEME e do Ex.mo Major-General Comandante das Tropas Aerotransportadas. Tenho este relatório e centos de outros, obtidos todos, de igual forma.

O Rebocho, que neste blogue tem cultivado um low profile, fez questão inclusive de me dar os números de telemóvel ou de telefone de todos os camaradas que ele menciona aqui, e que podem comprovar a sua estória/história. Naturalmente que não vamos divulgar no blogue esses contactos. Mas o gesto é revelador da honestidade intelectual do autor. De resto, já lho tinha dito:
Caro colega de academia e camarada de armas: Admiro a tua frontalidade e a paixão pelo rigor, filhos da carreira de armas, da guerra, da camaradagem e da... ciência.

A captura do Malan Camará (que por lapso chegou a ser imputada à CCP 121) não é apenas mais um episódio da guerra, dura e cruel, que se travou na Guiné, e em especial no sul, nos últimos anos (1972/74)...Tem também o seu lado de nobreza e de grandeza humanas, que eu quero aqui sublinhar, ao publicar mais esta Estória de Guileje (3). O teatro de operações não foi exactamente o da zona de acção de Guileje, mas foi nas suas proximidades, a sudoeste, na actual Região de Tombali, na mítica mata do Cantanhez, perto de Jemberém (Carta de Cacine).

E a propósito onde estava o Rebocho mais os seus homens em 22 de Maio de 1973 ? Escreveu ele:

"A minha Companhia [a CCP 123] estava, no dia 21 de Maio de 1973, com dois Pelotões em
Cadique e os outros dois em Jemberém, no Cantanhez. Durante a noite de 21 para 22 de Maio a Companhia recebeu ordens para reagrupar, como reagrupou. As ordens são para cumprir - na guerra ou nas guerras - se cada um faz o que quer, convencido de que possui toda a razão, o resultado acaba por ser sempre o mesmo - morrem todos. Durante a madrugada desse maldito dia 22 de Maio, a minha Companhia embarcou numa LDG, ancorada no rio Cumbijã, para seguir para Gadamael, e daqui, em marcha apeada, para atacar as bases do PAICG, que estavam a bombardear Guiledje".



Estórias de Guileje > A captura do Malan Camará
por Manuel Rebocho

Revisão e fixação de texto: L.G.

O Malan Camará foi capturado no dia 12 de Fevereiro de 1973, nas Cachambas Balantas, próximo de Jemberém, depois de ter sido ferido por um disparo de Sneb, que eu próprio mandei disparar. Era ele, ou eu e os meus homens: foi assim a guerra, que só a conheceu quem a fez.

Malan Camará, ou os homens sob o seu comando, mataram-me um soldado, o Azinheirinha, e feriram gravemente o Alferes, razão pela qual assumi o comando do pelotão.

O Malan Camará recebeu os primeiros socorros no terreno, antes de ser evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau, onde foi bem tratado. E não foi evacuado por engano, eu pedi uma quarta aterragem de helicóptero, dizendo expressamente que era para evacuar um elemento IN ferido.

O General Spínola, que estivera no local falando connosco, ouviu as comunicações rádio e não se opôs, o que permite que eu afirme que este género de humanidade era assumido pela mais alta hierarquia. De facto, o General Spínola não teve só conhecimento, via rádio, de que eu pedira a avacuação de Malan Camará, como tendo acompanhado via rádio as nossas comunicaçãoes, foi lá, esteve no terreno connosco, falou connosco e inteirou-se do que se estava a passar.

Como eu esperava o helicóptero para evacuar o Malan, quando o helicóptero se aproximava mandei, como era natural, quatro soldados avançarem com o preso. Spínola desceu e viu claramente que o elemento a evacuar era um inimigo.

Hoje, os que fugiram da guerra, para o ar condicionado, dizem de Spínola cobras e lagartos, mas têm mais defeitos do que ele, enquanto o não assemelham nas virtudes.

A guerra em que eu participei, foi uma guerra violenta, mas humana, dentro do possível, claro. Não a do ar condicionado nem a da violência gratuita.

A vinda de Spínola acabou por nos trazer mais um embaraço: Malan Camará não seguiu naquele helicóptero e tivemos que esperar por outro. Mas, como um mal nunca vem só, os Pilotos consideraram, e bem, que aterrarem uma quarta vez no mesmo sítio era já muito perigoso, pelo que acertámos que a evacuação de Malan se faria, como se fez, numa outra bolanha, para onde partimos e a evacuação se processou.

É de referir que, naquele momento, eu não sabia quem era o guerrilheiro, pelo que no campo da estrita decisão militar, eu evacuei um guerrilheiro, sem nome nem função.

A operação era comandada pelo Tenente Sousa Bernardes. Porém, como o seu Comandante estava aprisionado, os guerrilheiros lutaram prolongada e desesperadamente, o que levou à exaustão dos meus homens e de mim próprio.

Então, Sousa Bernardes, que eu considero o melhor Oficial com quem trabalhei, decidiu perseguir os guerrilheiros, com o pelotão dele, arrastando os combates para o interior da mata e facilitando assim as evacuações. Por este motivo o comando das evacuações ficou a meu cargo, pois os nossos dois pelotões separaram-se, o que bloqueou a capacidade táctica da guerrilha.

Como, e muito bem, se tem acentuado no nosso blogue, os combatentes não lutam para matar, mas para sobreviver, e neste sentido e por esta razão, aqueles combates sucessivos foram dramáticos, porque os guerrilheiros queriam desesperadamente recuperar o seu comandante e nós queríamos sobreviver, o que estava a ser difícil.

Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias, que por mais que estranhas são verdadeiras), que é hoje um empresário de táxi em Loures; o outro é o Solinho.

Os outros dois Cabos Pára-Quedistas, que comigo ficaram debaixo de fogo, pois tratou-se de uma emboscada montada pelo PAIGC, com abelhas e tudo, são o Gonçalves e o Ferreira (o Salvaterra para os amigos, por ser de Salvaterra de Magos, onde é hoje, um respeitável industrial da construção civil).

O Alferes que comandava o Pelotão e que foi ferido e evacuado, é hoje Coronel na reserva, chama-se Fernando Pires Saraiva.

O comandante da operação era o então Tenente Pára-Quedista Norberto Crisante de Sousa Bernardes, o melhor Oficial do Quadro que eu conheci, comandava a partir da frente, onde não ia naquele momento, por que seguia na frente um sargento chamado Rebocho e, como estávamos nas proximidades da base do PAIGC, todas as regras desaconselhavam que fossemos os dois perto um do outro. A operação foi conduzida a dois pelotões. Sousa Bernardes é hoje Major-General, na reserva, vive em Abrantes.

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Notas de L.G.:

(1) Sobre o Malan Camará, vd. postes de:

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

25 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2490: Em busca de... (18) : Malan Camará, comandante do PAIGC, capturado pela CCP 123, no Cantanhez, em 1973 (Manuel Rebocho / Pepito)


(2) Vd. postes do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista

29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

31 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2014: O Idálio Reis, a CCAÇ 2317, Gandembel e os pára-quedistas do BCP 12 (Victor Tavares)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2051: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (II parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)


(3) Vd. último poste desta série > 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1350: Ataque ao navio patrulha no Rio Cacheu (Victor Tavares)

Guiné > Rio Cacheu > 1973 > Tropas paraquedistas e militares africanos a bordo de um navio patrulha.

Guiné > 1973 > o 1º cabo paraquedista Victor Tavares e o marinheiro Diogo, seu conterrâneo.

Guiné > Algures no mato, em operações > 1973 > O ex-1º Cabo paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Guiné 1972/74), com a sua metralhadora ligeira HK21, de fita.
Fotos e texto: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.


Ataque ao navio patrulha,
por Victor Tavares (1)

Estimado amigo Luís: Como prometi , envio-te mais um pequeno texto, este relativo à viagem de regresso entre Ganturé e Binta, da CCP 121 - Companhia de Caçadores Paraquedistas 121, num navio patrulha do qual era comandante o Capitão de Fragata Luppi.

Na noite do dia 19 para 20 de Maio de 1973, os paraquedistas da 121, vindos de Bigene, embarcaram por volta das 23 horas e 30 minutos no respectivo navio com destino a Binta. Encontravam-se também a bordo alguns militares africanos.

Depois de toda a tropa se instalar o mais comodamente possível - o que era difícil derivado à quantidade de pessoal -, o navio entra em movimento, rio Cacheu abaixo. Passado algum tempo de viagem, aparece um elemento da guarnição do navio, meu conterrâneo, a perguntar por mim. Eu encontrava-me deitado na proa junto à peça de artilharia Metralhadora e, como era escuro, ele lá vinha saltando e perguntando.

Eu não dei sinal de vida, e ainda dei indicação ao meu camarada Ventura que se encontrava de pé, encostado aos cabos de aço dos resguardos de protecção, para não dizer nada. Quando ele ia para se retirar e, como se encontrava ao alcance da minha mão, puxei-lhe as calças brancas típicas dos marinheiros, à boca de sino, levantei-me e abraçámo-nos: era o meu amigo Diogo que eu não fazia naquele lugar .

Entretanto convida-me para ir beber uma cerveja, acedi prontamente e lá descemos até ao bar aonde conversámos enquanto saboreávamos a cerveja.

Pouco faltava para a meia noite, hora que ele ia entrar de serviço às maquinas, pegámos em mais uma cerveja e subimos as escadas, ele na frente até a um patamar e, logo em seguida, desce outras escadas para a casa das máquinas.

Ele já se encontrava lá em baixo quando eu iniciei a descida, iria eu no terceiro quarto degrau, quando se ouve um rebentamento logo seguido de outro. Ele pôs as mãos a cabeça e disse:
-Vamos morrer todos.

Eu recuo chego ao patamar que antecede as escadas, quando deparo com dois marinheiros a fechar as portas, gritei-lhes para me deixarem sair, o que aconteceu .

Quando saio olho e vejo uma confusão doida na parte da frente do navio, eram chamas e explosões junto à peça da frente, que tinha sido atingida por uma das duas roquetadas até aí dadas. Encontravam-se vários marinheiros com mangueiras a tentar apagar o fogo, as explosões eram bastantes, o meu equipamento, arma e munições estavam no meio daquela confusão, até que baixaram as chamas, eu arrisquei e fui rápido a recolher a minha HK21 e o meu cinturão com o restante equipamento. Ao mesmo tempo agarrei também a Degtyarev do 1º Cabo Paraquedista Ventura. Consegui recuperá-la porque estava junto à minha .

Quando vinha com ela a fugir das chamas, vai que os guerrilheiros do PAIGC disparam pelo menos mais 2 roquetadas da margem direita no sentido que seguíamos, eu ainda com a Degtyarev nas mãos viro-me para a margem e abro fogo descarregando o tambor. Como utilizávamos munições tracejantes algumas ficavam espetadas nas árvores da margem ainda incandescentes. Foi quando da torre do navio se ouve:
- Façam fogo para margem que eles estão a fumar.

A partir daqui foi um autêntico festival de fogo, durante dois ou três minutos.

Nesta altura já o navio se atravessava no rio correndo o risco de embater na margem, só não acontecendo por o rio naquele sitio ser largo.

Entretanto no meio de tanta confusão, diziam que tinham caído à agua alguns militares, tendo os fuzileiros ainda saído com 2 ou 3 zebros. Falso alarme , afinal estavam todos no navio, o único que esteve fora do navio foi o Ventura que com o sopro da explosão de um RPG foi projectado borda fora mas por sorte nesse movimento conseguiu agarrar-se a um dos cabos de aço ficando pendurado da parte de fora do navio.

Entretanto havia vários feridos nos militares africanos. Sorte para os parquedistas que no meio de tanta confusão apenas sofreram pequenas escoriações.

E estivamos em Binta para na manha seguinte partir para Guidaje.


Estimado amigo, despeço-me com grande abraço, para ti e todos os tertulianos.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. último post > 26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)