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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22849: Notas de leitura (1402): Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969: A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui fica o relato que António Martins Moreira dedicou à sua CART 1690, de vida tão atribulada, no setor de Geba, nunca pensei que os meus vizinhos para lá da ponte do rio Gambiel atingissem tal nível de sofrimento. No início da guerra houve uma separação radical da população no regulado de Mansomine, região onde o PAIGC passou a dispor de algumas bases como Sinchã Jobel, e mais para o interior Sara-Sarauol, confinando, um pouco mais abaixo, com Belel, aqui estacionavam, tal como em Madina, os meus atacantes. Ficamos a dever a António Martins Moreira um belo depoimento, ele não se cansa de afirmar que comandou gente de bravura e de enorme capacidade de sacrifício. Veio a tempo, felizmente, uma importante narrativa para que não se esqueça o que foi a vida dura no setor de Geba entre 1967 e 1969.

Um abraço do
Mário



Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969:
A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição do Município de Idanha-a-Nova, com data de 2018, são as memórias do então alferes António Martins Moreira, que combateu na região de Geba, entre 1967 e 1969, não quis o destino que nos conhecêssemos, éramos vizinhos, ele estava para lá da ponte do Rio Gambiel, eu para cá, e quando ele diz que a paisagem era deslumbrante, estou à vontade para o confirmar. Este nativo de Penha Garcia foi para Mafra em janeiro de 1966, onde permaneceu até julho, promovido a aspirante foi transferido para o Regimento de Infantaria em Abrantes, e aqui mobilizado e colocado na CART 1690, do BART 1914, frequentou o curso de operações especiais, em Lamego, ainda andou por Lisboa, Torres Novas e Oeiras, desembarcou no Pidjiquiti em 15 de abril de 1967, quem comanda a companhia é o Capitão Manuel Carlos Guimarães. Faz-se a viagem sacramental até Bambadinca, seguem para Bafatá, é-lhes atribuído o setor de Geba. Nesta localidade substituem a CCAÇ 1426. A Companhia dissemina-se por quatro destacamentos. A 17, avança para Banjara, que ele classifica como pior destacamento a seguir a Madina do Boé. “Banjara era um destacamento de alto risco, situado na estrada de Bafatá-Mansabá, a cerca de 40 quilómetros de Geba, e outros tantos de Bafatá, na mata do Oio”

Descreve Banjara e o seu perímetro. O destacamento era um verdadeiro inferno se bem que só tenha havido uma flagelação, era o isolamento, não havia população civil, os abastecimentos e o correio chegavam uma vez por mês. Banjara tinha um grupo de combate, reforçado por uma seção de autometralhadoras, Granadeiros da Cavalaria de Bafatá, um Esquadrão de Reconhecimento, 15 milícias, uma seção de armas pesadas, num total de 70 a 80 homens. “Lá passámos os 8 mais longos meses da nossa juventude”. Descreve as atividades desenvolvidas em Banjara.

Em 21 de agosto morre o comandante da Companhia e o seu guarda-costas, caíram num campo de minas anticarro e antipessoal na estrada de Geba-Banjara, depois de terem ultrapassado o destacamento de Sare Banda. O Alferes Domingos Maçarico passou a comandar a Companhia, Martins Moreira e Maçarico trocam posições, Martins Moreira vai para Geba. O histórico desta unidade militar é marcado por várias infelicidades, para além da morte do Capitão Guimarães, os alferes Maçarico e Marques Lopes foram evacuados com ferimentos em combate. Recorda situações penosas como quinze dias de alimentação sem sal e depois dá-nos uma descrição do destacamento de Cantacunda, a cerca de 35 quilómetros para norte, refere os efetivos, não esquecem o nome do comandante do pelotão de milícias, Samba So, o destacamento tinha população civil e régulo. 

Parecia calmo e seguro, mas era profundamente vulnerável, como se comprovou em abril de 1968, um numeroso grupo do PAIGC apanhou a guarnição descontraída, tomou de assalto a caserna e os abrigos, aprisionou 12 elementos, assassinou um à facada. Muitos militares conseguiram escapar e chegaram a Geba depois deambularem pelo mato uma noite inteira. Dez destes prisioneiros virão a ser resgatados em 1970, no âmbito da Operação Mar Verde.

O novo comandante da CART 1690 passou a ser o Capitão Sarmento Ferreira, é chamado a Bafatá onde lhe entregam uma ordem de operações para uma batida de Sinchã Jobel, uma importante base do PAIGC, vão dois destacamentos, a CART 1690 com três grupos de combate, Martins Pereira está em Banjara, mas dá-nos a versão dos acontecimentos. Quando os efetivos chegaram as imediações do objetivo já estavam bem referenciados pelas sentinelas, as nossas tropas caíram numa emboscada brutal, procuraram reagir abatendo os atiradores que estavam na copa das palmeiras, mas o embate era fortíssimo, retiraram deixando para trás alguns mortos e feridos e cerca de 25 desaparecidos que só se conseguiram recuperar, completamente extenuados e famintos, no dia seguinte. 

O Alferes Fernandes foi assassinado a sangue frio, conforme testemunhou o seu guarda-costas, que nessa ocasião se fingiu de morto. O Alferes Fernandes tinha substituído o Alferes Marques Lopes, ferido em 21 de agosto. O resultado desta operação foram nove mortes e cerca de vinte feridos.

O autor refere que faltavam cerca de 25 elementos, no rescaldo desta ida a Sinchã Jobel foi recuperar os desaparecidos, na manhã seguinte. Ao amanhecer, estavam em frente ao objetivo, foram aparecendo soldados a correr em grupos, completamente exaustos, um deles vinha gravemente ferido. Teve apoio aéreo e um dos pilotos avisou que à frente, a cerca de 2 quilómetros, aguardava-os uma forte emboscada, inverteram a marcha, novo aviso que há emboscada à frente, então afastam-se da picada e embrenham-se na mata até à margem do rio Geba.

 Repetiu-se a operação de resgate no dia seguinte, ainda faltavam 9 ou 10 homens, recuperaram todos com exceção do assassinado Alferes Fernandes e de um capturado, gravemente ferido e levado para Ziguinchor. “Ficou ainda o Armindo Correia Paulino, o magarefe da Companhia, também assassinado, fria e cobardemente, à facada por vários elementos do PAIGC, depois de o terem cercado e aprisionado”.

Fazendo o balanço da situação, o autor estima que em maio de 1968 a sua unidade vivia numa situação muito difícil, o comandante Companhia morto em combate, dois alferes evacuados, o Alferes Fernandes assassinado, em abril passado o assalto a Cantacunda com resultados trágicos, a Companhia estava desmoralizada. 

Em junho, o destacamento de Sare Banda, na estrada Bafatá-Mansabá, com quarenta milícias, foi tomado de assalto pelo PAIGC, com a cumplicidade do chefe de tabanca. Os guerrilheiros incendiaram todas as moranças. “Sare Banda era um destacamento vital que nos garantia a progressão a poente na direção de Mansabá até ao nosso destacamento de Banjara, o mais isolado. Retornava-se, pois, imperioso reocupar, reconstruir e reforçar este destacamento. Foi esta a missão que recebemos”

E dá-nos conta dos trabalhos de reconstrução, ergueram-se seis abrigos subterrâneos, construiu-se uma autêntica fortaleza. Findas as obras, Martins Moreira regressa a Geba. Em 12 de junho, o PAIGC ataca Sare Gana, o pelotão de milícias reage com bravura, houve que recuar, PAIGC instalou-se, na manhã seguinte as nossas tropas puseram os atacantes em debandada. Ao fim de 19 meses no setor de Geba, a CART é transferida para Bissau, teve uma comovente despedida em Geba, os últimos 4 meses foram relativamente tranquilos, fazendo colunas, rusgas, preceitos da rotina, várias emboscadas sem confronto, em 2 de março de 1969 embarcam para Lisboa. Há ainda alguns textos soltos, a completar a missão.

Um relato bem sentido da história de uma unidade militar que conheceu o martírio e o pleno sofrimento, muitos mortos, sequestros, homens devastados e perdidos depois de uma tempestade de fogo. E enternecedor, atenda-se que António Martins Moreira já não é criança, mas exigiu-se ao dever da memória, fielmente cumprido.

António Martins Moreira, no lançamento do seu livro na Câmara Municipal de Idanha-a-Nova
Bafatá
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22828: Notas de leitura (1401): "Adeus... até ao meu regresso": livro de memórias fotográficas de 56 antigos combatentes, naturais de Vila Real, incluindo o Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) - Parte I

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13942: (Ex)citações (251): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (3) (Coutinho e Lima)

1. Segunda parte do comentário feito pelo nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado no Blogue "O Adamastor":


2.ª Parte do Comentário ao artigo
"Guiné, Guileje e o desnorte do reino" (1)

Continuando o comentário(*) ao artigo em epígrafe, do Sr. Ten. Cor. (TC) Brandão Ferreira (BD), vou agora analisar o que escreveu sobre as actuações do PAIGC em Guidage e Gadamael, bem como comparar o comportamento do Comando Chefe (COMCHEFE) no reforço a estas duas localidades e a Guileje. Indicarei ainda documentos que comprovam que o COMCHEFE soube, com antecedência, as intenções do PAIGC, relativamente a Guileje. Analisarei também, através de alguns extractos, a Acta da Reunião de Comandos realizada, m Bissau, em 15MAI73.

Sobre Guidage, o Sr. TC BD afirma:

“Guidage começou a ser atacada em 8 de Maio e esteve cercada e debaixo de fogo, constante, durante um mês.
Foram organizadas várias colunas de reabastecimento que foram duramente atacadas e, finalmente conseguiu-se reforçar a guarnição com uma companhia de paraquedistas. No entretanto montou-se uma grande operação que envolveu a totalidade dos efectivos do Batalhão de Comandos Africanos, sobre a base de Cumbamori, que apoiava as forças do PAIGC.
Durante este período as NT sofreram 47 mortos e mais de uma centena de feridos.”

Tal como sucedeu, no que respeita a Guileje, esta narrativa está muito incompleta.
Porque não estive em Guidage, nem tão pouco conheci aquela guarnição, socorro-me de um documento elaborado pela Repartição de Operações (REP/OPER) do COMCHE-FE, com o título:

“SITUAÇÃOEM GUIDAGE NO PERÍODO DE 08MAI73 A 13JUN73”.

Da análise desse documento, salienta-se:

"A hora tardia a que foi iniciada, em 08MAI73 (15 horas), a coluna de reabastecimento FARIM-GUIDAGE, o que teve como consequência a retenção da coluna, em virtude do accionamento de uma mina anti-carro, obrigando o pessoal a pernoitar no local.

O forte ataque à coluna, na noite de 08/09MAI 73.
O regresso da coluna a BINTA (tinha partido de FARIM), deixando no local 4 viaturas que, a pedido, foram destruídas pela Força Aérea; as Nossas Tropas sofreram, nestes incidentes, 4 Mortos e 30 Feridos, tendo provocado ao Inimigo 13 Mortos e elevado número de Feridos.

A realização em 10MAI73 (início às 05h00 horas) de uma nova coluna de reabastecimento BINTA-GUIDAGE, sob o Comando do Comandante do BCAÇ 4512 (FARIM).
Relativamente a colunas de reabastecimento, foram iniciadas 7 e atingiram Guidage 5, tendo as Nossas Tropas sofrido 22 Mortos e 70 Feridos; foram destruídas ou danificadas 6 viaturas. Quanto aos efectivos presentes em Guidage, no período indicado (08MAI/13JUN73), no primeiro dia (08MAI) a guarnição foi reforçada com 2 grupos de combate da CCAÇ 3 e depois com os Destacamentos de Fuzileiros 1 e 4, Companhia de Para-quedistas 121 e outras forças.

A operação, iniciada em 290530MAI73, de abertura do itinerário BINTA-GUIDAGE, reabastecimento e apoio da guarnição de GUIDAGE, envolvendo grandes efectivos, incluindo, entre outros, a 38.ª Companhia de Comandos, a Companhia de Para-quedistas 121 e os Destacamentos de Fuzileiros 1 e 4.

O Apoio Aéreo efectuado em 8, 9, 10, 13, 14, 18 e 19MAI73.

A realização da Operação AMETISTA REAL, levada a efeito pelo Batalhão de Comandos Africanos, com forte apoio da Força Aérea, que praticamente nela empenhou todos os seus meios: 4 helicópteros (para evacuações) e um helicóptero armado; aviões de ataque FIAT G-91, 4 Aviões DORNIER de Comando e Controlo da Operação; esta realizou-se de 17 a 21 MAI73 e a missão consistia em aniquilar ou, no mínimo, desarticular os elementos Inimigos na zona, nomeadamente a base inimiga de CUMBAMORY (Rep. do Senegal). Os resultados globais da Operação foram os seguintes: causados 67 Mortos ao Inimigo, bem como bastantes baixas prováveis provocadas pelo bombardeamento da Força Aérea; destruição de uma enorme quantidade de material e capturado diverso armamento; as Nossas Tropas sofreram 10 Mortos, 22 Feridos e 3 Desaparecidos.”

A transcrição do documento da REP/OPER, merece-me o seguinte comentário:
- A hora tardia a que foi iniciada (15 horas) a coluna do dia 08MAI73; não sei a razão por que tal aconteceu; em Guileje, tal não teria sucedido.
- O reforço efectuado à guarnição de Guidage, logo no primeiro dia (08MAI73) refere-se que as guarnições de Binta e Ganturé (onde se encontravam os Destacamentos dos Fuzileiros), pertenciam ao Comando do COP 3 (com sede em Bigene); por esse facto o Comte do COP 3 fez a manobra de meios que entendeu.

- A realização da coluna de 08MAI73, a partir de Farim, sede do BCAÇ 4512 (portanto não pertencente ao COP 3).
- A coluna do dia 10MAI73 (Binta- Guidage), foi comandada pelo Comte. do BCAÇ 4512, por determinação do COMCHEFE (mensagem RELÂMPAGO da REP/OPER do dia 9 MAI 73, às 21H30).
- O empenhamento de praticamente todos os meios da Força Aérea (sabendo o COMCHEFE, a partir de 18MAI73, que Guileje estava também sujeito à acção do IN), no apoio à Operação Ametista Real (17/21MAI73); penso que foi por este facto que o pedido de apoio aéreo, após a emboscada da manhã do dia 18MAI73, em Guileje, não foi satisfeito; a justificação que nos foi dada referiu que as condições atmosféricas não o permitiram; no entanto, não foi isso que constatámos, em Guileje. E não falo nas evacuações, pedidas e não satisfeitas, nesse mesmo dia 08MAI, que de qualquer maneira, nunca seriam feitas. Este assunto das evacuações já foi referido na 1.ª Parte.

“Guidage começou… e esteve cercada e debaixo de fogo constante, durante um mês.”

Repito que não estive em Guidage; dos elementos de que disponho (seguramente são mais do que os do Sr. TC BF), considero que é muitíssimo exagerada a afirmação de que esteve “debaixo de fogo constante, durante um mês”.

Consultando o Google, pode ler-se, sob o título “Guiné – O inferno dos três Gs: Guidage, Guileje e Gadamael” da autoria de Aniceto Afonso, com a data de 26 de Maio de 2012:

“Nos cerca de 20 dias que ficou cercada esteve sujeita a 43 ataques de foguetões de 122mm, artilharia e morteiros.”

Ora entre 43 ataques em 20 dias e “debaixo de fogo constante, durante um mês”, é uma enormíssima diferença. Guileje sofreu 37 flagelações, (com grande predominância de Morteiro 120 mm), em 80 horas. Não quero, de maneira nenhuma, menorizar a acção do PAIGC sobre Guidage, que, seguramente, foi muito intensa e prolongada.

Outra interrogação do Sr. TC BD:

“Que se terá passado então, para que o Comandante de Guileje tivesse apenas resistido quatro dias - com mais meios do que o seu camarada de Guidage - o TCor Correia de Campos, que se veio a revelar um valoroso Comte. - que chegou a estar no limite das munições e dos víveres?”

Vamos por partes.

“…com mais meios do que o seu camarada de Guidage…”

Quando me despedi do Sr. Comandante-Chefe, antes de seguir para Guileje, este disse-me que qualquer dia me ia fazer uma visita, que não pedisse reforços e que fizesse a manobra de meios que entendesse.
Porque o Subsector de Guileje era aquele em que devia ser feito o esforço principal, conforme decorria da MISSÃO, havia que proceder ao reforço da guarnição, o que fiz no dia em que lá cheguei - 22JAN73, tendo determinado que fossem deslocados para Guileje:
- 1 Grupo de Combate da CCAÇ 3520 (a Companhia tinha a sede em Cacine e um destacamento em Cameconde).
- Pelotão de Reconhecimento Fox (incompleto), que estava em Gadamael.
- Pelotão de Milícia 236, de Gadamael.

Foi esta a manobra de meios que entendi fazer.

O Sr. TCor Correia de Campos, que eu muito admirava e que antes de comandar o COP 3, em Guidage, já tinha dado provas de um valoroso combatente (não foi lá que se revelou), ao decidir não reforçar Guidage, teve as suas razões, talvez porque em caso de necessidade, tinha a certeza de poder contar com o apoio incondicional do COMCHEFE, como se veio a verificar.
Foi esta a única razão porque em Guileje havia mais meios que em Guidage; ainda bem que eu tinha reforçado a guarnição, em devido tempo, porque se estivesse à espera de reforços promovidos pelo Escalão Superior, bem podia “esperar sentado”.

“…chegou a estar no limite das munições e dos víveres.”

Relativamente à escassez de munições, o Comte do COP 3 (Sr. TC Correia de Campos), enviou, em 08MAI73, às 15h25, a seguinte mensagem RELÂMPAGO:

“GUIDAGE ENCONTRA-SE SEM MUNIÇÕES OBUS 10,5 MORT 81 E POUCAS 7,62. SOLICITO ENVIO MUITO URGENTE REFERIDAS MUNIÇÕES:”

O reabastecimento foi feito, na tarde desse mesmo dia, por 5 helicópteros para Bigene, transportando 150 granadas de Morteiro 81 e 30.000 cartuchos de 7,62 e por um avião NORD ATLAS para Farim, levando 92 granadas de Obus 10,5 cm e 12.000 cartu-chos 7,62.

No que diz respeito à escassez de víveres, não tenho nenhum conhecimento, nem vi nada escrito sobre o assunto.

Reportando-me à falta de munições, não se compreende muito bem que, no primeiro dia do ataque inimigo, tal tenha acontecido, mas certamente que houve motivo para que isso se verificasse. Talvez o facto de, maioritariamente, a guarnição ser constituída por pessoal nativo, seja uma eventual explicação.
Mais uma vez constato que, a verificar-se uma situação análoga em Guileje (o que era muitíssimo difícil acontecer), igualmente poderíamos “esperar sentados”, porque ninguém nos socorreria.

“Que se terá passado então, para que o Comandante de Guileje tivesse apenas resistido quatro dias…”

Chegámos ao cerne da questão.
Depois das diligências que entendi promover, amplamente descritas na 1.ª Parte deste comentário, que culminaram com o meu encontro, em Bissau, com o Sr. General Comandante Chefe, cuja decisão também já foi divulgada, regressei a Guileje, “com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, como sói dizer-se.

Quando cheguei a Guileje, no final da tarde do dia 21MAI73, a situação encontrada foi a seguinte:

- Destruição total do Centro de Comunicações, incluindo todas as antenas.
- Existência de 1 Morto (Furriel Miliciano), provocado na flagelação dessa tarde.
- Estavam destruídas, como consequência das variadíssimas flagelações: cozinha, dois depósitos de géneros, depósito de artigos de cantina, forno, celeiros de arroz (ainda ardiam) e grande parte das palhotas da população.
- Muitos impactos nas valas.
- Varadíssimos rebentamentos (da ordem das centenas) dentro do aquartelamento.
- Falta de água potável, já referida.
- Escassez de munições de Artilharia, já descrita.
- Presença do In, do lado de Mejo (Este), com a primeira actuação nessa tarde.
- Toda a população estava recolhida nos abrigos da tropa, desde a primeira flagelação; a lotação dos abrigos tinha triplicado, o que, além de dificultar o movimento dos militares, fazia com que a habitabilidade fosse praticamente insuportável.
- Desde o dia 19, inclusive, a alimentação passou a ser ração de combate.
- Todo o pessoal estava arrasadíssimo, quer física, quer psicologicamente, pois as flagelações mantinham-se durante 3 dias e noites.

Depois de me inteirar das circunstâncias encontradas, fiz um estudo mental da situação, considerando os seguintes factores:

1 - Forte pressão do Inimigo, que se iria manter e, com grande probabilidade, seria cada vez maior. A Repartição de Informações do COMCHEFE tinha enviada no dia 20MAI (19H00), uma mensagem, com o seguinte texto: “NOT A2 REFERE EFECTIVOS 3.º CE MATA MEJO. AMMITE-SE POSSIBILIDADE MESMOS VIREM ACTUAR SOBRE ESSA.”
2 - Não atribuição de reforços
Com a decisão do Sr. Comandante-Chefe de me negar qualquer reforço, considerei insustentável permanecer em Guileje.
3 - Não evacuação de feridos
4 - Escassez de munições, especialmente de Artilharia
5 - Falta de água no aquartelamento
6 - Defesa da população

Na Missão atribuída ao COP 5, consta:

“Assegura a defesa eficiente dos aglomerados populacionais ocupados pelas NT…”

Nas circunstâncias presentes, não tinha condições para garantir “a defesa eficiente” da população.

7 - Destruição do Centro de Comunicações
8 - Novo Comandante do COP 5

Não me foi comunicado quando o novo Comandante do COP 5 - Sr. Coronel Durão, assumiria as suas funções. Mesmo quando isso se verificasse, a situação não melhora-ria muito, porque: - não viria acompanhado de reforços;
- não solucionaria o problema da água;
- não faria chegar a Guileje as munições de Artilharia;
- não garantiria a evacuação de feridos.

9 - Previsão do futuro, a muito curto prazo

A minha previsão era que o In, no dia seguinte - 22MAI, tivesse completado o cerco ao quartel, do lado de Mejo, com os efectivo do seu 3.º Corpo de Exército, que tinham sido deslocados para o efeito, no dia 20MAI.

Conjugando todos estes factores e ainda o facto de que a existência de um ferido, não impedia a retirada (se tivéssemos mais feridos, seria incomportável o seu transporte), decidi efectuar a retirada às primeiras horas do dia 22MAI, tirando partido do efeito de SURPRESA.
Estou absolutamente convencido, pela razão apontada atrás, que a retirada foi efectuada na altura correcta; passado mais um dia, o PAIGC teria impedido a nossa saída.

Posso agora responder à questão do Sr. TC BF, qual foi a que só tivesse resistido 4 dias.

A razão determinante foi a não atribuição de REFORÇOS, sem os quais, além dos factores indicados, não tínhamos condições para resistir mais tempo.

E não se argumente que, com a chegada do novo Comandante, os reforços também viriam. Havia forte probabilidade de o Sr. Coronel Durão, na sua deslocação de Gadamael para Guileje, ser interceptado pelo In, impedindo-o de chegar ao seu destino.
Não cabe no âmbito deste comentário fazer uma reflexão sobre o que teria acontecido se não tivesse acontecido a retirada. Não deixarei de a fazer, quando considerar oportuno.

Vou agora analisar a situação de GADAMAEL, começando por transcrever o que o Sr. TC BF escreveu:

“…e nada justificava o seu abandono tão prematuro, que veio a causar algum pânico em Gadamael Porto e poderia colapsar - por efeito de dominó - todo o dispositivo junto à fronteira.
As forças do PAIGC reagruparam-se então em torno de Gadamael e atacaram-na fortemente, tendo a situação sido resolvida rapidamente por tropas paraquedistas, enviadas de reforço.”

Antes de mais nada, não me considero, directa ou indirectamente, minimamente responsável pelo que aconteceu em Gadamael.
Quando a coluna retirada de Guileje, no início da tarde do dia 22MAI, chegou a Gadamael, já lá se encontrava o Sr. Coronel Durão (chegara nessa manhã de helicóptero), que passou a ser o novo Comandante do COP 5.

Importa agora referir parte das declarações do Sr. Coronel Durão, quando ouvido como testemunha, no âmbito do processo que me foi instaurado.

“4ª. Pergunta
Dada a sua experiência de combate, o moral das unidades que abandonaram Guileje, dada a sequência dos factos ocorridos de 18 a 21MAI73 e a decisão final adoptada, podia ter afectado estas profundamente e prejudicá-las quando empenhadas em futuras operações?

Resposta
Em minha opinião, por tê-las contactado em GADAMAEL durante cerca de 10 dias, aquelas tropas estão afectadas de tal modo que só dificilmente poderão ser mentalizadas ou recuperadas para acções de combate em que o Inimigo se mostre forte e determinado; verifiquei que no contacto com o Inimigo à distância de quilómetros do aquartelamento de GADAMAEL, os postos de armas ligeiras, de vigilância, disparavam as armas e a maioria dos militares metia-se dentro das trincheiras e abrigos; o estado psicológico do pessoal da Companhia de GUILEJE parece ter transtornado, no mesmo sentido, o pessoal de GADAMAEL; mas que, no aspecto de contactos no exterior do aquartelamento, a conduta dos mesmos parecia quase normal em relação às restantes unidades não especiais.”

No processo foi também ouvido o Sr. Alf. Mil. Médico Antunes Ferreira. Transcrevem-se as suas declarações:

“1ª. Pergunta
Estava em serviço na guarnição de Gadamael, em 22MAI73?

Resposta
Estava.

2ª. Pergunta 
Na sua qualidade de médico, pode descrever todos os factos e observações que permitam conhecer o estado moral e físico do pessoal da guarnição de Guileje, após a retirada, na noite de 21/22 MAI? 

Resposta
O que observei no pessoal da guarnição de Guileje consistia, fundamentalmente, em síndromas de esgotamento físico e psíquico em cerca de 100 indivíduos, sendo os mesmos extremamente marcados na maioria; epigastralgias em várias dezenas de indivíduos, podendo estimar-se em 50% da guarnição, relatando a maioria ingestão alimentar deficientíssima nos dias imediatamente anteriores; síndromas disentéricos em cerca de quatro dezenas de indivíduos; otalgias em várias dezenas, feridas e flictemas dos pés na quase totalidade do pessoal, assim como cãibras dos membros inferiores, em cerca de quatro dezenas de indivíduos. Analisando os síndromas observados em todo o pessoal da guarnição de Guileje, pude verificar que os oficiais e sargentos tinham uma vivência mais profunda e intelectualizada dos acontecimentos; não observei em nenhum momento qualquer situação que pudesse ser diagnosticada como reacção de pânico. Julgo ainda referir que, tentando averiguar, no desempenho das minhas atribuições, a etiologia de grande número de situações psíquicas observadas, me foi referido pela maior parte dos indivíduos que, entre as vicissitudes sofridas nos últimos dias, havia um factor de insegurança decorrente da quase certeza de inexistência de evacuação rápida, em caso de ferimentos graves.”

(Continua)
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Notas do editor

(*) Vd. postes de

27 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13804: (Ex)citações (243): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (1) (Coutinho e Lima)
e
27 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13808: (Ex)citações (244): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (2) (Coutinho e Lima)

Último poste da série de 21 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13924: (Ex)citações (250): a autogrua Galion e o cais de Bambadinca, quatro anos depois, em novembro de 1973

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P483: Efemérides: Madina do Boé, 37 anos depois (Luís Graça)

Guiné-Bissau > Madina do Boé > 1998 > 

Diz o Albano que vai procurar nos seus arquivos a foto, "para oferecer ao Mário Dias", da "placa que existe em Madina de Boé sobre o Domingos Ramos" (morto em 1966).

O Domingos Ramos é uma herói da guerra de libertação. O Albano regressou à Guiné-Bissau em Novembro de 2000. Foi aqui que o PAIGC declarou a independência da Guiné-Bissau em 1973. Embora esta zona seja pouco habitada, o Xico Allen (ou os seus companheiros) encontrou e fotografou população civil quando lá esteve em 1998, com o Camilo, o algarvio, e outros camaradas (Neste momento o Camilo vai a caminho da Guiné-Bissau, por via terrestre, na sua expedição 2006: ontem ouvi uma entrevista dele na Antena 1 e vi uma reportagem na SIC sobre o assunto. O Camilo citou expressamente o Xitole como um dos sítios aonde tenciona levar material escolar) . Na época o grupo de portugueses que se deslocou ao Boé, partiu de Quebo (Aldeia Formosa), tomando uma picada existente sempre junto à fronteira com a Guiné- Conacri até Madina de Boé. No regresso vieram por Cheche onde atravessaram o Rio Corubal e seguiram Gabu.


Guiné-Bissau> Picada de Cheche - Gabu > 1998 > Restos de viaturas das NT abandonadas... 
© Francisco Allen / Albano M. Costa (2006)

Faz hoje 37 anos que a Op Mabecos Bravios (destinada a cobrir a retirada das forças estacionadas em Madina do Boé) teve um desfecho trágico para 47 camaradas nossos, da CCAÇ 2405 (Galomaro) e da CCAÇ 1790 (Madina do Boé). Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca,19768/70), lê-se resumida e cruamente, no final:

"Na Op Mabecos Bravios, que durou 6 dias, interveio [o BCAÇ 2852] com a CCAÇ 2405 que constituiu o Dest F como força de segurança para a travessia do Rio Corubal (Cheche) de forças de Madina do Boé. Devido ao afundamento da jangada em que se fazia a travessia do último contingente militar foram dados como desaparecidos 17 militares desta Companhia".

Em Fevereiro de 1969, a CCAÇ 2405 estava sediada em Galomaro, com um pelotão em Samba Juli, outro em Dulombi e um terceiro em Samba Cumbera. Voltamos a transcrever o post de 2 de Agosto de 2005, com o relatório da Op Mabecos Bravios, o que se justifica não só pela efeméride (o 37º aniversário desse dia trágico de 6 de Fevereiro de 1969) como também por atingirmos o post nº 500 (CDC) e ainda devido ao facto de, no post original, haver alguns erros e omissões que se aproveita a ocasião para corrigir.

É também um pretexto para a nossa tertúlia prestar a sua sentida homenagem aos camaradas desaparecidos para sempre nas águas do temível Rio Corubal, quer os da CCAÇ 2405 quer os da unidade de quadrícula de Madina do Boé, a CCAÇ 1790 (2).

A evocação desse dia negro na história da guerra colonial da Guiné e a homenagem aos nossos mortos já aqui foram feitas, recentemente, pelo José Martins (ex-furriel miliciano de transmissões da CCAÇ 5, Canjadude, 1967/69: vd. post de 4 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins).

Associam-se ainda à esta singela homenagem os nossos camaradas Francisco Allen e Albano Costa (este último acaba de mandar uma série de fotografias tiradas pelo Xico Allen, quando este esteve em Cheche e Madina do Boé, em 2003, creio eu: ou foi em 1998 ? ou em 20005 ?) (1),além do Humberto Reis (que me facilitou uma cópia mais legível da história do BCAÇ 2852). Aos três o meu/nosso muito obrigado.

Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Classificação: Reservado. Cap. II. 36-38.

Op Mabecos Bravios (omiti os nºs mecanográficos dos nossos camaradas e fiz alguns correcções de erros óbvios como Cajadude, em vez de Canjadude)

Iniciada a Op Mabecos Bravios, em 1 [de Fevereiro de 1969], com a duração de 8 dias, para retirar as nossas tropas de Madina do Boé. Entre vários destacamentos, tomou parte no Dest F a CCAÇ 2405.

Desenrolar da acção:

O Destacamento F com o efectivo de 112 homens (4 oficiais, 10 sargentos e 98 praças - estão incluídos 1 secção de sapadores e 8 condutores auto), saiu de Galmaro em 1 de Fevereiro de 1969, pelas 9.30h, e chegou a Nova Lamego por volta das 13.00h do mesmo dia, sem qualquer novidade.

Guiné-Bissau> Picada de Cheche-Gabu > 1998 >. Trinta anos depois ainda continuam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas... 

© Francisco Allen / Albano M. Costa (2006)

Aqui fizeram-se os preparativos finais da organização da coluna que partiu às 5.30h do dia 2 [D]. Abre [o autor do relatório] um parêntesis para discordar do pormenor da organização da coluna: os meus condutores e mecânicos tiveram que conduzir e dar assistência técnica a viaturas que não lhe pertenciam e das quais desconheciam as mazelas. Daqui resultaram perdas de tempo inúteis e uma tremenda confusão resultante do facto de os atiradores terem guardado parte dos seus haveres e utensílios militares em viaturas que supunham pertencer às unidades e que, sem que se saiba porquê, foram trabalhar para unidades diferentes.

A coluna saiu de Nova Lamego para Canjadude com o pessoal totalmente embarcado e atingiu-se esta povoação por volta das 9.00h sem qualquer problema. A partir de Canjadude a coluna progrediu com guardas de flancos tendo o Dest F colaborado na guarda da rectaguarda da coluna fazendo uma progressão apeada que não estava prevista.

Atingiu-se o Cheche [entre Canjadude e Madina do Boé] por volta das 17.00h (sempre com uma cobertura aérea excelente). Imediatamente os Dest D e F fizeram a transposição do [Rio] Corubal e foram ocupar as posições estratégicas previstas. Já escurecia e o Dest D levava 1 minuto de avanço sobre o Dest F. Subitamente o 1º Pel[otão] revelou achar estranho algo que se passava à nossa direita, parecendo-lhes ter visto elementos estranhos. Por outro lado o guia assegurou tratar-se de turras pelo que a Companhia tomou posições de combate, lançando-se ao solo e imobilizando-se. Seguiram-se dois disparos rápidos de morteiro (os clarões foram facilmente visíveis quando as granadas saíram à boca da arma). Foram tiros curtos na direcção sudoeste, e os rebentamentos deram-se próximo do local que o Dest F iria ocupar daí a momentos.

O IN não voltou a manifestar-se mas obrigou-nos a uma vigilância nocturna permanente e a uma mudança de posição por volta das 23.00h. Às 20.00h ouviram-se na direcção oeste dois tiros que me pareceram de arma nossa, fazendo fogo de reconhecimento. Pelas 5.30h [do dia 3, D + 1] mandou-se um Pelotão a Cheche buscar um Pelotão do Dest E que fazia guarda imediata às viaturas e que eu devia levar até Madina.

Pelas 6.30h dirigi-me à zona do Dest E onde se organizou a coluna com o Dest F à frente e uma guarda de flanco avançada e o Dest D atrás igualmente com guarda de flanco. Iniciei o movimento guiado com carta e bússola porque a marcha foi feita a cerca de 200 metros (mínimo) da estrada. O meu objectivo era surpreender o IN pela rectaguarda tanto mais que os aviões me anunciaram haver possibilidade de sermos emboscados.

Cerca [ das 10.00h ] o Dest F sofreu um violento ataque de abelhas e teve que recuar cerca de um quilómetro para se reorganizar de novo. Um soldado, em consequência, ficou imediatamente fora de acção. Foi pedida a respectiva evacuação bem como a de outro soldado que apresentava sintomas de insolação. As evacuações fizeram-se para Nova Lamego dos 1ºs cabos (…) Carlos G. Machado, (…) Agostinho R. Sousa, e dos soldados (…) José A. M. S. Ferreira, (…) Manuel N. Parracho, (…) Benjamim D. Lopes, (…) Fernando A. Tavares, (…) Cândido F. S. Abreu, (…) SAntónio S. Moreira e, para Bissau, O 1º CABO (…) Adérito S. Loureiro. O héli desceu mais tarde para reabastecer o pessoal de água.

Guiné-Bissau> Rio Corubal > Cheche > 1998 > Praia fluvial com rampa de acesso. Foto tirada a meio do rio, na viagem de Quebo (Aldeia Formosa) - Madina do Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego) .... 
© Francisco Allen / Albano M. Costa (2006)

Reiniciada a marcha, sofremos segundo ataque de abelhas que inutilizaram mais uma praça para quem teve de ser pedida mova evacuação. Entretanto, eram 14.30h, e mais 2 soldados, esgotada a sua provisão de água, apresentavam sintomas de insolação. Foram evacuados conjuntamente com 2 praças do Dest D que apresentavam sintomas semelhantes (vómitos, intensa palidez, olhos dilatados, respiração frenética).

O Dest D passou para a frente e reinicou-se a marcha, sempre fora da estrada até à recta que leva a Madina. Nada mais se passou além do sofrimento intenso das tropas por via do calor. O Det D foi reabastecido de água. Atingimos Madina por volta das 19.00h desligados do Dest D que prosseguiu a sua marcha quando F teve que parar para reajustar o dispositivo e tratar os mais debilitados (4 praças e 1 furriel).


Guiné-Bissau> Madina do Boé > 1998 > A famosa fonte da Colina do Boé, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945. Parece haver vestígios de impacto de balas de armas automáticas. É um sítio onde se concentra muita população da actual Madina.
© Francisco Allen / Albano M. Costa (2006)

Houve descanso em Madina e tomou-se uma refeição quente. No dia 4 (D + 2) o Dest F dirigiu-se para [... Cumbema ?, ilegível] ocupando a posição 3 que atingiu sem dificuldade por volta das 11.00h. Alternadamente ocupou-se as posições 3 e 4 de acordo com o plano.

Em D + 3 [5 de Fevereiro de 1969] por volta das 7.30h recebemos ordens do PCV [Posto de Comando Volante] para a abandonar a nossa posição e seguir ao encontro da coluna. Uma hora depois atingimos o campo de aviação de Madina onde fomos reabastecidos de água e r/c [rações de combate].

Pelas 9.00h a coluna pôs-se em movimento e meia hora depois 4 carros da rectaguarda tiveram um acidente. Não obstante, a coluna prosseguiu e o pessoal do Dest F mais os mecânicos resolveram a dificuldade. Entretanto, o final da coluna pôs-se em movimento acelerado para apanhar as viaturas da frente e deixaram a guarda da rectaguarda isolada no mato, num momento particularmente difícil em que precisávamos evacuar 2 soldados vencidos pelo esgotamento físico e nervoso (2 noites seguidas sem dormir, ataque de abelhas em D +1, intenso calor).

Guiné-Bissau> Picada Madina do Boé- Cheche - Gabu > 1998 > Fantasmas da guerra colonial que, de tempos a tempos, perturbam a paisagem e o viajante... Mais uma viatura dos tugas abandanada à beira da picada... 
© Francisco Allen / Albano M. Costa (2006)

O Comandante da coluna ordenou que se fizesse a evacuação e o reabastecimento de água. Feitos estes, iniciou-se a marcha e abreve trecho tomámos contacto com a coluna e tudo correu normalmente até ao Cheche. A cobertura aérea pareceu-me impecável. Próximo de Cheche recebi ordens para ocupar a posição que ocupara que tivera em D / D+1 porque o Exmo. Comandante da Operação entendeu dever poupar alguns quilómetros ao Dest F e D, bastante atingidos pela dureza dos respectivos percursos. Essa foi a razão porque não transpus o [Rio] Corubal em D + 3 [ 5 de Fevereiro] só o vindo a fazer em D + 4 [6 de Fevereiro] por volta das 9.00h.

O IN continua sem se manifestar (ou sem se poder manifestar). Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb [da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790], respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido.

Guiné-Bissau> Picada Cheche-Gabu > 1998 > Trágicas memórias da guerra... 
© Francisco Allen / Albano M. Costa (2006)

Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Cajadude [vd. mapa local de Cheche] que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado. Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe que se deslocou propositadamente para a fazer.

Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h.
___________

(1) Mensagem do Albano:

Caro amigo Luís Graça: Envio sete fotos sobre Madina de Boé, a picada onde foram destruídas várias viaturas durante a guerra colonial, a fonte da Colina de Medina e a população civil de Madina.

Luís, vou procurar nos meus arquivos para ofereceres essa imagem ao Mário Dias de uma placa que existe em Madina de Boé sobre o Domingos Ramos.

Estas fotos são do arquivo do Francisco Allen (ainda hoje estive com ele), fica contente em saber que são úteis, as fotos.

Um abraço, Albano Costa

(2) Sobre a CCAÇ 1790 (que teve 30 desaparecidos em Cheche), vd. post de 17 de Jukho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

" (...) Há cerca de três anos, a SIC passou um documentário sobre a guerra colonial. Nesse documentário, que relata um dos episódios mais tristes e violentos da guerra em África, participaram, entre outros antigos combatentes, Gustavo Pimenta, o tenente-coronel José Aparício, seu antigo comandante, e vários oficiais dos exércitos português e guineense.

"O filme conta a história da operação militar da retirada da Companhia 1790 do aquartelamento de Madina do Boé, durante a qual morreram 46 militares, 15 dos quais pertencentes ao pelotão comandado pelo ex-alferes miliciano Gustavo Pimenta. A tragédia, de incomensuráveis proporções, ocorreu quando a jangada que ligava as duas margens do rio Corubal, para o transporte dos homens e das viaturas, se virou inexplicavelmente. Muitos salvaram-se, muitos morreram. Vinham de Madina – essa região vasta e despovoada no leste do território, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri – onde a companhia de caçadores, de que fazia parte Gustavo Pimenta, estivera estacionada durante treze meses. E em treze meses, não contando com o número de ataques da forças do PAIGC de duração inferior a dez minutos, que em muitos casos só serviam para causar desestabilização e afectar psicologicamente os militares, o quartel foi bombardeado por 243 vezes" (...).

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19437: PAIGC - Quem foi quem (12): Rui [Demba] Djassi, nome de guerra, Faincam (1938-1964), antigo comandante da região de Quínara, hoje "Herói da Pátria"







Citação:
(s.d.), "Relatório", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40094 (2019-1-24)  (Com a devid avénia...)

Casa Comum > Instituição:Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.056.036
Título: Relatório
Assunto: Relatório remetido a Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, por Rui Djassi (Faincam), acerca da repressão da população daquela zona pelas tropas coloniais.
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos



Transcrição / revisão  / fixação de texto: LG


Camarada Cabral:

A situação está difícil. O povo não pode fazer revolta em grande parte; porque serão massacrados como acontece no Cubisseque [península de Cubisseco, a sudoeste de Empada, vd. carta de Catió].

E de maneira [que], passando mais dias, nem dentro  [, no mato,]  podemos estar .

A lavoura está quase parada,  porque se te virem entrar no mato é logo tiro. Para trazer-nos comida é difícil.

A dificuldade surge dia a dia.

O número dos mortos pode  alcançar 12.

Do camarada Djassi (FAINCAM)



1. O que terá acontecido ao Rui Djassi (Faincam)? - pergunta o nosso editor Jorge Araújo (*)


O seu nome deixou de constar na estrutura da «guerrilha», então aprovada no Congresso de Cassacá, em 17 de fevereiro de 1964,  sendo substituído por Guerra Mendes [que irá morrer em combate, em 9 de maio de 1965, em N'Tuane (Antuane)], conforme se pode ler no preâmbulo das  decisões tomadas então tomadas (*)

 (...) "Todos os responsáveis e militantes do Partido sabem que a zona 8 [região de Quínara]  sofre ainda as graves consequências duma direcção que não esteve à altura das suas responsabilidades e ainda da acção nefasta e dos erros cometidos por alguns responsáveis dessa zona. 

Depois do nosso Congresso, os camaradas Arafam Mané e Guerra Mendes, encarregados de melhorar urgentemente a situação da zona 8, fizeram, juntamente com outros camaradas, o melhor que puderam para cumprir a palavra de ordem do Partido. Mas esses camaradas mesmos são os primeiros a reconhecer que as coisas não vão muito bem na "zona 8", onde a situação é agravada pelo desaparecimento do responsável Rui Djassi, cujo paradeiro ninguém conhece, embora seja certo que está vivo".(...) 


E mais se acrescenta (*):

(...) "Nestas condições, todo o trabalho feito na zona 11 e nas outras regiões do país, está a ser prejudicado pela situação má em que se encontra a zona 8.

Por outro lado, a experiência feita no norte do país em que todas as zonas se encontram sob a chefia e responsabilidade dos camaradas Osvaldo Vieira e Chico Mendes (Té) mostra que é possível fazer o mesmo no sul, enquanto se prepara a nova fase da nossa luta. Quer dizer, todas as Zonas do Sul (11, 8 e 7) devem ficar sob a direcção centralizada dum pequeno número de responsáveis, directamente ligados ao Secretário-Geral do Partido. É portanto necessário fazer uma reorganização da direcção do Partido, da luta no sul do país, com a maior urgência possível.

No Ponto I.8, lê-se (*):

(...) " Os ex-responsáveis de zonas, camaradas Rui Djassi (Faincam) e Domingos Ramos (João Cá) devem vir imediatamente ter com o Secretário-Geral do Partido, passando as suas funções respectivamente a Guerra Mendes e Abdoulaye Barry"  (...).

Terá sido o Rui Djassi mais um "erro de casting" do Abel Djassi (aliás, Amílcar Cabral) ? É possível, mas o líder histórico do PAIGC também não tinha muito por onde escolher... De qualquer modo, um, Rui Dkassi (Faincam) e outro, Domingos Ramos (João Cá), desapareceram cedo, muito antes do "pai da Nação"... Um em 1964, outro em 1966.


2. O Bobo Keita, sobre o seu camarada Rui Djassim  diz o aegyuinte  no seu "livro de memórias" (in Norberto Tavers de Carvlaho - De campo em campo: Conversas com o caomandante Bobo Keita,edição de autor, Porto, 2011, pp. 237/238):

"Parte V - Guerrilheiros caídos no campo da honra (....)

Rui Djassi

O Rui  Djassi comandava toda a zona de Quínara. Tinha a sua base em Gampará. Cheguei a passar por aí quando íamos para o Congresso de Cassacá em 1964 [, de 13 a 17 de fevereiro de 1964; na região de Quitafine e não na ilha do Como, que na altura estava sob ataques terrestres, navais e aéreos das NT, no decurso da Op Tridente].

Na altura, pela maneira como se comportavam na base, notava-se logo que em situação de emergência, havia um perigo certo. Só quem não tivesse nenhuma noção de estratégia e de defesa poderia aceitar aquela situação. Os camaradas procediam a rituais animistas, cantando, dansando, bebendo o vinho do cibe [ou vinho de palma].

A base vivia num constante ambiente de frenesim. Foi assim que foram surpreendidos pela tropa portuguesa. Os tugas lançaram então a ofensiva. Escolheram um momento onde o rio estava na sua fase de plena enchente. O rio separava a base duma grande mata que se situava do outro lado da base. De forma que, quando houve o ataque, apanhados de surpresa, muitos camaradas tentaram ganhar o rio para atravessar e porem-se a salvo na outra margem.

O Rui Djassi tentou os mesmos gestos mas acabou pro morrer afogado no rio. O seu corpo desapareceu nas águas desse rio e nunca mais foi encontrado. Isto aconteceu pouco depois da realização do Congresso de Cassacá, que teve lugar em fevereiro de 1964".



Em suma, tudo indica que o Rui [Demba]  Djassi morreu "sem honra nem glória", contrariamente ao Domingos Ramos.  Ambos são, todavia,  "heróis da Pátria", e existe a sua "campa" (, embora não tenha sido encontrados os seus restos mortais) no Memorial aos Heróis da Pátria, junto ao Mausoléu Amílcar Cabral no interior da Fortaleza de São José de Amura, em Bissau. Lá consta qye nasceu em 1938 e morreu em 1964.


3. E a  propósito do Rui Djassi, recupera-se aqui  o comentário do nosso camarada Manuel Luís Lomba, também ele estudioso da história do PAIGC, feito no poste P13787 (**), onde refere:

"O Rui Djassi era cobrador da Farmácia Lisboa, foi incorporado no Exército Português e desertou como furriel miliciano  para ir com o Amílcar Cabral e mais 29 para a China, tirocinar 'guerra revolucionária' e foi o 1.º a concluir tal formação. 

Residiu na estrada de Stª. Luzia e, quando surgiu na guerra, o pai ofereceu recompensa a quem o liquidasse. Foi o 1.º comandante de Quínara e terá sido o responsável do assassinato do irmão do Manuel Simões [, o Januário Simões], ora evocado por falecimento. Foi o comandante dos ataques a Tite, em Janeiro e Fevereiro de 1963, currículo que o terá safado das penas de morte decretadas por Amílcar no I Congresso de Cassacá, na altura da Operação Tridente". (*)


4. Há vários Djassi no PAIGC,o que pode levar a confundir quem trata a informação do Arquivo Amílcar Cabar (***):

(i) o próprio Amílcar Cabral usava como nome de guerra "Abel Djassi"

(ii) o Osvaldo Vieira tinha, como nome de guerra, "Ambrósio Djassi";

(iii) Leopoldo Alfama era o Duke Djassi (, atuava na região do cacheu);

(iii) aão sabemos qual era o verdadeiro do Rui Djassi, que se assina sempre Djassi (FAINCAM).

(iv) aparace um documento, no Arquivo Amílcar Cabral, datado de 24 de junho  1965, em Madina do Boé, e assinado por Djassi, que  não pode ser atribuído ao Rui Djassi (morto em 1964) mas simn ao Osvaldo Vieira (Ambrósio Djassi); aliás, não é só um documento, são vários, dando o Rui como comandante da base do Boé.

Numa revista académica brasileira, ODEERE (que  "publica trabalhos inéditos e originais desenvolvidos em torno das discussões sobre etnicidade, relações étnicas, gênero e diversidade sexual em diferentes tempos e espaços e abordando diversos grupos sociais, tais como indígenas, negros, africanos, mulheres etc."), encontrámos uma referência a Rui Djassi.

Mais exatamente à sua sobrinha, Nhima Muskuta Turé, nascida em Gampará (Fulacunda, Região de Quínara), em 1954...  Nasceu na "luta de libertação", era filha de combatentes, foi recrutada ("contra a sua vontade"), aos nove anos, pelo seu "tio Rui Djassi". Teve uma instrução rudimentar, foi enfermeira do PAIGC. Foi entrevistada em Bissau em 14/10/2009, era então enfermeira-chefe do centro de saúde de Belém, Bissau (****)-

5. Recorde-se, por fim,  que o Rui Djassi fez parte da segunda leva de militantes do PAIGC que foram enviados para a China, no 2.º semestre de 1960, para formação político-militar como futuros comandantes.

Rui Djassi fazia parte destes 10 futuros destacados dirigentes do PAIGC, hoje todos desaparecidos, uns em combate outros na "voragem da revolução" (com exceção de Manuel Saturnino da Costa)… Aqui vão, mais uma vez os seus nomes, por ordem alfabética:

(i) Constantino dos Santos Teixeira (nome de guerra, “Tchutchu Axon”);

(ii) Francisco Mendes (“Tchico Tê”) (1939-1978);  oficialmente terá morrido de acidente na estrada Bafatá-Bambadinca; mas também há ainda suspeitas de assassinato, em 7/6/1978; foi primeiro ministro e chefe de Estado;

(iii) Domingos Ramos: morto, em combate, em Madina do Boé, em 11 de Novembro de 1966; tem nome de rua em Bissau; foi camarada do nosso Mário Dias no 1º curso de sargentos milicianos  (CSM) realizado na Guiné, em 1959;

(iv) Hilário Rodrigues “Loló”: , comissário político, morreu em 1968, num bombardeamento da FAP, no Enxalé;

(v) João Bernardo “Nino” Vieira (1939-2009): natural de Bissau; ex-Presidente da República; nome de guerrra, "Marga";

(vi) Manuel Saturnino da Costa, o único que ainda é vivo: será 1º ministro entre 1994 e 1997, num dos piores governos do PAIGC, na opinião do nosso saudoso Pepito (1949-2014);

(vii) Pedro Ramos: fuzilado em 1977, às ordens de ‘Nino’ Vieira, ao que parece, no âmbito do chamado "caso 17 de Outubro"); era irmão do Domingos Ramos;

(viii) Rui Djassi: comandante da base de Gampará, n aregião de Quínara, morreu por volta de fevereiro de 1964, por afogamento na sequência de um ataque das tropas portuguesas;  tem nome de rua em Bissau;

(ix) Osvaldo Vieira (1938-1974=; morreu, por doença, em 1974, num hospital da ex-URSS, e com a terrível suspeita de ter estar implicado na conjura contra Amílcar Cabral (ironicamente repousam os dois, lado a lado, na Amura); era também conhecido como "Ambrósio Djassi" (nome de guerra); tem nome de rua em Bissau; o aeroporto internacional também ostenta o seu nome;

(x) Vitorino Costa (morto, numa emboscada n o 2º semestre de 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153 / BCAÇ 237, comandado pelo Cap Inf José Curto; a sua cabeça foi depois levada para Tite, como "ronco"; era irmão de Manuel Saturnino da Costa: e terá sido o primeiro revés de Amílcar Cabral, no plano militar; tem nome de rua em Bissau.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 24 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19433 (D)outro lado do combate (42): A nova estrutura político-militar do PAIGC decidida no I Congresso, de Cassacá, em 17/2/1964: os líderes do 1º Corpo de Exército Popular (Jorge Araújo)


(***) Último poste da série > 25 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19232: PAIGC - Quem foi quem (11): Lourenço Gomes, era uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis ... A seguir à independência era um homem temido, ligado ao aparelho de segurança do Estado (Cherno Baldé, Bissau)

 Vd. postes anteriores da série: 

3 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (10): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)

7 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4473: PAIGC - Quem foi quem (9): Luís Cabral, entrevistado por Nelson Herbert (c. 1999)

4 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4460: PAIGC - Quem foi quem (8): O Luís Cabral que eu conheci (Pepito)

1 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4447: PAIGC - Quem foi quem (7): Luís Cabral (1931/2009) (Virgínio Briote)

12 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

12 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

18 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

6 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

30 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

30 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)

(****) Vd, Patricia Alexandra Godinho Gomes  - "As outras vozes”: Percursos femininos, cultura política e processos emancipatórios na Guiné-Bissau.  ODEERE -  Revista do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade (PPREC), UESB . Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12536: O que é feito de ti, camarada ? (4): Carlos Marques dos Santos, conimbricense (e não coimbrão!...), hoje aniversariante, ex-fur mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69)... No Hotel de Bambadinca, em março de 1969, em trânsito, vindo de férias...



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 1 > "Na primeira fila, veem-se os Furriéis Oliveira e Soares. Na 2.ª fila, eu (Marques dos Santos) mais o furriel Carlos Pinto... A foto foi tirada pelo Furriel Rei (Cart 2339), meu inseparável companheiro de férias. No interregno das nossas férias aconteceu o desastre do Cheche – Madina do Boé, em 6/2/1969, onde também a CART 2339 esteve envolvida com material auto e apoio logístico" (CMS)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 2 > "Aqui, já com o Furriel Rei na 1.ª fila" (CMS)...

[Como se pode ver pelas fotografias, não se passava sede no Hotel de Bambadinca e, a avaliar pela decoração das paredes dos quartos, os seus hóspedes tinham uma permanente ligação (espiritual, estética, mágica, poética, erótica...) com o mundo dos vivos (ou, melhor, das vivas...). Além disso, supremo luxo, tinham direito a lençóis brancos,  lavados,  e até a frigorífico, elétrico!]. (LG)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 3 > "Eu, Marques dos Santos, no Hotel de Bambadinca" (CMS)...

[Se bem percebi, a foto é de Bambadinca. Março de 1969. Os furrieis Rei e Santos deveriam estar a aguardr transporte de Bambadinca para Mansambo, depois do  gozo da sua licença de férias na Metrópole] (LG)



Guiné > Zona Leste > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1969 (?) > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo (1968/69), num barco civil, a caminho de Bissau.

[Era um dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria, que fazia a ligação Bissau-Bambadinca, e Bambadinca-Bissau, passando pela temível Ponta Varela, na confluência do Rios Geba e Corubal e, a seguir, o assustador Mato Cão, no Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinham, como principal cliente a Intendência militar. Pelo Xime e por Bambadinca passava a alimentação e tudo o mais que era preciso para saciar o "ventre da guerra" da Zona Leste.] (LG).

Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. O Carlos Marques dos Santos foi um dos nossos primeiros "tertulianos", termo que hoje tendemos a substituir por "membros da Tabanca Grande" ou "grã-tabanqueiros"... Apareceu, se não me engano, em dezembro de 2005, e trouxe com ele, uns meses depois, em março de 2006, o seu camarada Torcato Mendonça... Por razões de saúde, já não está tão ativo. Mas fazemos questão de o relembrar aqui, hoje, em dia de aniversário.  Quando eu ia à FCT da Universidade de Coimbra, em trabalho, cheguei a estar com ele várias vezes. Foi também ele o organizador do nosso I Encontro Nacional, em 2006, na Ameira, Montemor o Novo, juntamente com o Paulo Raposo.


Curriculum Vitae (abreviado)  [com data de 5/1/2006]:

(i) Assentou praça em Mafra (EPI), em Setembro de 1966;

(ii) Especialidade de Atirador de Artilharia em Vendas Novas;

(iii) Iniciou a formação da Companhia (CART 2339) no RAL 3, Évora, em 28 de Agosto de 1967;

(iv) Chegou a bordo do T/T Ana Mafalda (que "parecia uma traineira") (1), em 21 de Janeiro 1968;

(v) Esteve em Fá Mandinga e Mansambo, onde foi rendido pela CCAÇ 2404;

(vi) Realizou treino operacional com a CART 1746 (Xime) , entrando em intervenção no Setor L1 até 22 de Novembro de 1969;

(vii) Em 3 e 4 de Fevereiro de 1968 esteve  envolvido, com o seu Gr Comb,  no cordão de tropas que, à volta de Bafatá, fez segurança ao Presidente da República, Américo Tomaz ["Laranjas apanhadas das árvores e bolachas foi a nossa comida, em dia e meio];

(viii) Em 25 de Fevereiro de 1968, participa pela 1.ª vez numa operação de grande envergadura (Op Grão Mongol), com as CART 1646 e 2338, pelotões de milícia e Pel Caç Nat;

(ix) Em Fevereiro de 1968 inicia-se a construção, de raiz, do futuro aquartelamento sede de Mansambo, com a construção e ocupação programada para operacionais e serviços;

(x) O seu  Grupo de Combate (o 3º) só em Julho de 1968 se deslocaria  definitivamente de Fá para este aquartelamento fortificado [, o projecto era do BENG 447];

(xi) Foi inaugurado oficialmente em 21 de Janeiro de 1969, com a presença de diversas entidades e grande festa: a nova iluminação –  até aí era com bazookas [garrafas de cerveja grandes] e mechas embebidas em óleo – foi inaugurada com "fogo de artifício” – balas tracejantes a serem disparadas de G3];

(xii) Mansambo (a Cart 2339) foi atacado em 28 de Junho de 1968, pela primeira de muitas vezes;

(xiii) "Samba Silate, Demba Taco, Taibatá, Galo Corubal, Salicuta, Dando, Nova Lamego, Che-Che, Canjadude, Enxalé, Mato Cão, Geba, Cantacunda (onde os turras levaram 11 dos nossos – Abril de 1968), Sarabanda, Sincha Setu, Camamudo, Sare Gana, Banjara, Sambulacunda, Bantajã, Finete, Satecuta, Xitole, Burontoni, Poidão, Ganguiró, Bissaque, Moricanhe, Mussa Iero, Belel, Sinchã Camisa, Sambulacunda, etc., etc., etc.,: pelo menos um terço do Leste da Guiné (hoje Bissau) foi feita a pé. Sem água, sem comida, com abelhas e formigas, com mortos, feridos e desaparecidos";

(xiv) Regressou a casa, em Dezembro de 1969, no navio Uíge, a 13 desse mês, dois anos após a partida para a Guiné;

(xv) É natural de Coimbra (freguesia de Santo António dos Olivais); 

(xvi) Estudou no antigo Liceu Normal de D. João III e no Colégio S. Pedro,  em Coimbra; 

(xvii) Foi atleta federado de Basquetebol e Andebol, treinador e dirigente desportivo na modalidade de Basquetebol; presidente da Direcção e da Assembleia Geral do Olivais F. Clube e Vice-Presidente da Associação de Basquetebol de Coimbra;

(xviii) Diplomado em Educação Física, voltou ao Liceu D. João III como professor (hoje Escola Secundária José Falcão, nome alterado depois do 25 de Abril de 74, fazendo parte da Comissão de Gestão);

(xix) Efectivou na Escola  Secundária de Avelar Brotero, onde integrou como Vice-Presidente o Conselho Directivo;

(xx) Foi professor de Mobilidade (técnicas de Orientação e Bengala) de alunos invisuais durante 32 anos;

(xxi) Aposentado, e caravanista apaixonado, reside em Coimbra.


 2. Na decida altura, em 2006,  eu e o Humberto Reis escrevemos, a propósito das três primeiras fotos que hoje republicamos com melhor resolução e em formato "extra-large":


(i) Luís Graça:

Um felizardo do mato, com direito a férias (nem que fosse em Bissau, também conhecida por guerra do ar condicionado), ia de barco, civil, a partir de Bambadinca, ou apanhava uma LDG no Xime ou, ainda, uma boleia, de helicóptero ou de Dornier, DO 27 (o que era mais difícil, por causas das prioridades, do elevado custo do transporte aéreo e sobretudo do factor C - a cunha).

A sede da CCS (Companhia de Comando e Serviços) do BCAÇ 2852, em Bambadinca, funcionava como hotel para os militares em trânsito, oriundos dos aquartelamentos e destacamentos do setor (em especial, Xime, Mansambo, Xitole, Missirá e Fá Mandinga) ou até de outros setores da Zona Leste (Bafatá, Gabu, Galomaro...).

Comparadas com as do Xime, Mansambo ou Xitole, as instalações para oficiais e sargentos em Bambadinca eram as de um hotel de cinco estrelas... Daqui que a malta de Bambadinca (CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras unidades) arranjasse sempre poiso para os alferes e furriéis milicianos em trânsito... Mais do que cumplicidade, havia solidariedade para com os camaradas que viviam em piores condições do que nós... De resto, havia sempre camas vazias, nomeadamente da malta operacional que frequentemente dormia no mato ou estava destacada fora de Bambadinca (como era o caso da CCAÇ 12).


(iii Humberto Reis, legendando as fotos [com comentários de L.G.]:

"[Foto nº 1: ] Carlos Marques, acertaste em cheio. É ele mesmo, o Soares, sapador, que mora aqui na zona de Lisboa (mais concretamente, em Caneças, concelho de Loures).

[O Humberto Reis confirma que o Soares que aparece na foto é o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel miliciano sapador de minas e armadilhas, pertencente à Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do BCAÇ 2852. Foi um dos co-organizadores do convívio anual da malta de Bambadinca (1968/71) que se realizou em 2004, em Faro. Em 1999, realizou-se outro convívio, já aqui relembrado, na Quinta da Graça, em Riade, Resende, junto ao Rio Douro. A Quinta da Graça é propriedade de outro camarada do nosso tempo, e da mesma unidade (CCS do BCAÇ 2852), o Pinto dos Santos, que era furriel de operações e informações (se não me engano).]

"Fotos 1 e 2: O que está na 1ª fila do lado esquerdo é o Ranger Fernando Jorge da Cruz Oliveira, de quem sou visita habitual lá de casa. Temos dado uns belos passeios juntos com as nossas Marias (também mora aqui na região de Lisboa, em Fernão Ferro, cocnelho do Seixãl). O que está ao teu lado é o radiomontador Carlos de Oliveira Pinto que mora no Porto, aliás o Sr. Engº Pinto....

"Na foto 3 pode ver-se um frigorífico que eu comprei quando os velhinhos da CCS do BCAÇ 2852 se vieram embora e ficou para a malta da CCAÇ 12 que depois mudou para o meu quarto".

[Um frigorífico (eléctrico), naquelas paragens e naquele contexto, era um verdadeiro luxo! O nosso só funcionava à hora do almoço e à noite, quando estava ligado o gerador... Foi depois revendido aos periquitos que nos vieam render, em finais de Fevereiro de 1971. E julgo que terá chegado, heroicamente, até à hora da partida do último soldado português na Guiné. Provavelmente terá sido oferecido a um camarada do PAIGC. Por falta de energia eléctrica, terá morrido ingloriamente no montão de lixo que deixámos em Bambadinca, a começar pela tralha da guerra]...
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Notas de L.G.:

Último poste da série >  2 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12535: O que é feito de ti, camarada ? (3): "Agora estou na trajetória do vôo livre da borboleta, seguindo outros horizontes da memória, despreocupadamente ! Felizmente com saúde"... (Afonso M.F. Sousa, a residir em Ovar, ex-fur mil trms, CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3689: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (7): Antecedentes relacionados e breve comentário (V. Briote)

Imagem aérea de Guileje. Foto de Amaro Samúdio.


I. Alguns acontecimentos de Maio de 1973, na Guiné (relacionados com Guileje)


Assassinato de Amílcar Cabral

Dois emissários enviados por Sekou Touré, na manhã de 20 de Janeiro, avisaram Amílcar Cabral que havia gente à volta dele que se preparava para o liquidar. Amílcar chamou Mamadú Indjai, o responsável pela guarda, para lhe dar conhecimento do facto. Ao corrente do aviso, os conspiradores resolveram actuar no próprio dia. Amílcar Cabral, quando regressava de um jantar na Embaixada da Polónia, foi assassinado naquela mesma noite de 20 de Janeiro, à porta da sua casa no bairro Minière, em Conakry. Sabe-se que Inocêncio Cani disparou o primeiro tiro e que Mamadu Turé e Aristides Barbosa fizeram parte da conspiração. As circunstâncias que rodearam o assassinato, a que se seguiu a prisão de vários dirigentes do PAIGC por Sekou Turé, nunca foram totalmente conhecidas do grande público.

1 de Fevereiro, Simpósio em Conakry em memória de Amílcar Cabral, reuniu cerca de 700 representantes de vários países.

Ofensiva do PAIGC

Entre 7 a 9 de Fevereiro, o PAIGC tinha reunido em Conakry. Depois de homenagear o seu fundador e nomear Aristides Pereira como 1º responsável do Partido, a direcção convocou o Conselho de Guerra. Desta reunião saíram orientações para a intensificação da luta armada em todas as frentes e levá-la aos centros urbanos.
Lançar ataques sucessivos em todas as frentes, não deixando o IN em repouso um só dia, seja onde for que ele se encontre. É dentro desta orientação que se dá a ofensiva dos três G (Guidaje, Guileje, Gadamael).

A Força Aérea perante o novo desafio

Entrada no palco da guerra da nova arma das forças do PAIGC, os mísseis Strella (Sam-7). Em 20 de Março, o Ten Cor Almeida Brito e o Maj Pessoa, aos comandos de uma parelha de Fiat G-91 da FAP avistaram um míssil em Campada. Dois dias depois, em 22, o Fur Pilav Moreira num T-6 vê passar-lhe ao lado um projéctil que admitiu ser um míssil. Em 25 coube a vez ao Ten Pessoa, que se conseguiu ejectar, sendo recuperado no dia seguinte por um Gr Cmds (pormenores mais abaixo). Em Março ainda, a 28, o Ten Cor Almeida Brito aos comandos do Fiat G-91 morreu ao despenhar-se com a aeronave abatida por um SAM-7 Grail.

Em Abril, a 6, um DO-27 pilotado pelo Fur Baltazar é atingido e despenha-se, morrendo o piloto. Outro DO-27 pilotado pelo Fur Carvalho Ferreira, em viagem de Guidaje para Bigene, desapareceu com três passageiros a bordo. Em 8, o Maj Mantovani morre aos comandos de um T-6. O outro piloto que "ia em asa", o Alf Henriques, viu um rastro de fumo vindo do solo.

A FAP não estava preparada para enfrentar os mísseis terra-ar. As consequências foram enormes para as forças apeadas do Exército Português. O apoio aéreo deixou de ser feito com a regularidade a que estavam habituadas. As evacuações foram fortemente restringidas, vários militares feridos ficaram retidos nos locais onde foram atingidos e alguns terão mesmo morrido por falta de condições de assistência.

A partir da entrada em acção dos mísseis anti-aéreos (Strella) pode dizer-se que a guerra nunca mais foi a mesma.

Recordando para a história: em 25 de Março, um domingo, o aquartelamento de Guileje foi flagelado em pleno dia, entre as 13h00 e as 14h30. Não foi inocente este ataque diurno (de noite, em regra, as aeronaves não saíam), como se veio a comprovar. Solicitado o apoio da FA, esta apareceu com um Fiat G-91, tendo o piloto entrado em contacto rádio com Guileje, donde recebeu as indicações sobre as distâncias aproximadas dos locais de onde partiam os fogos. De terra viram-no rumar nessa direcção e a partir daí os contactos rádio cessaram. Cerca de 15 a 20 minutos depois surgiu nos céus de Guileje o 2º avião. Estabelecido o contacto, o piloto foi posto ao corrente. Minutos depois, informava Guileje que o 1º avião tinha sido abatido e que o piloto (Ten Pessoa) se tinha conseguido ejectar. Devido à hora tardia, localizado através de um very-light, o piloto só foi resgatado no dia seguinte. Em 12 Abril, na zona de Guileje, um guerrilheiro armado encontrado ferido é evacuado para Bissau.

Em 6 de Abril, Guidaje (Bigene e Binta) foi atacada pelo PAIGC. Todos os acessos a essa povoação na fronteira Norte com o Senegal foram sujeitos a uma das mais violentas acções de toda a Guerra da Guiné. Minas, emboscadas, abates de aeronaves, houve de tudo naquele interminável período (de 6 de Abril a 29 de Maio).
As forças do PAIGC empenhadas nesta acção foram comandadas por Francisco Mendes (Chico Té) e pelo Comissário Político Manuel dos Santos (Manecas).

Na zona de Guidaje, durante aquele período, estiveram envolvidos cerca de mil homens das Forças Armadas Portuguesas, segundo os Cors Matos Gomes e Aniceto Afonso. Em 53 dias de cerco, Guidaje sofreu 43 ataques com foguetões de 122 mm, artilharia e morteiros. 48 Mortos, 122 feridos, 3 desaparecidos, seis viaturas destruídas e três aviões abatidos (um T6 e dois DO 27).

No decorrer do assalto do PAIGC a Guidaje, a base do PAIGC estacionada em Kumbamory, Senegal, foi assaltada e destruída pelo BCmds do Exército Português na manhã de 20 de Maio. Nesta acção, segundo Almeida Bruno, o Cmdt da Op Ametista Real, as tropas portuguesas destruiram quatro centenas de armas automáticas, mais de 100 morteiros, 14 canhões s/r e quase centena e meia de lança-granadas, para além de milhares de munições, minas anti-carro e anti-pessoal, granadas de mão, granadas de morteiro e de RPG, rampas de foguetes, etc. No decorrer dos combates o BCmds sofreu nove mortos, vinte e três feridos graves e onze desaparecidos, considerados mais tarde, como mortos.

Guileje

Guileje, uma "praça fortificada", era considerada pelo Estado-Maior de Spínola de grande importância estratégica. Pouco mais de duzentos militares protegiam a povoação com mais de 500 habitantes.
Era pela zona de Guileje que o PAIGC introduzia, para quase toda a zona Sul, grandes quantidades de armas, munições, mantimentos e material sanitário. Este material fornecido pela URSS e pelos seus então chamados satélites (material de guerra, especialmente), bem como por alguns países nórdicos (nomeadamente a Suécia com material escolar, sanitário e alimentos) era, na grande maioria, desembarcado no porto de Conakry, passava por Boké, Kandiafara, Simbel e Tarsaia, entrando no território da Guiné pelo corredor de Guileje (chamado pelas NT "corredor da morte" e "corredor do Povo" pelo PAIGC). Daí a importância que Spínola dizia atribuir a Guileje, vindo a conferir-lhe um COP, comandado por um major.

Tropas do PAIGC concentraram-se na área da fronteira da Guiné-Conakry para reforçar a guerrilha já aí estacionada. Daí partiu o ataque, em 18 de Maio.

As informações tinham começado antes: em 9 Maio, a CCaç aquartelada em Empada enviou uma mensagem para a 2ª Rep/QG, comunicando a "existência de um grupo IN na fronteira, com carros de combate, que pretendia atacar Guileje". A seguir, rectificou a mensagem, enviando outra em que referia "a presença nas matas de Guileje de um grupo de 35 cubanos e dois grupos de 45 elementos cada, aguardando instruções de 'Nino' Vieira para atacar Guileje".

Em 11, Spínola visitou Guileje e falou às tropas, formadas na pista: que se esperava um agravamento da situação, que a Força Aérea, embora limitada na execução das missões, em situações difíceis cumpriria, voando mais alto e utilizando bombas mais potentes e que as evacuações de feridos graves se iriam manter. Entretanto, no dia anterior, um milícia de Guileje abandonou a povoação com a arma que lhe estava distribuída. Como tinha dito que ia à caça e podia andar perdido o Pelotão de Milícias de Guileje saiu em patrulhamento, com a finalidade de o encontrar. Os milícias não o encontraram, mas depararam com uma mina anti-carro e quando tentavam desmantelá-la, deu-se o rebentamento, provocando a morte de dois elementos. Mais tarde veio a saber-se que o referido milícia tinha sido aprisionado pela guerrilha, junto ao local onde a guarnição se abastecia de água.

Em 15 Maio, a Companhia sediada em Bedanda informou da "chegada em 10 Maio, de 4 grupos vindos da R. Guiné-Conakry e a presença em Kandiafara de cerca de 50 cubanos". No dia seguinte a CCaç estacionada em Empada informou da "chegada a Simbeli de três grupos de Artilharia vindos da URSS e a presença de dois blindados junto à fronteira". Em 18 Maio, novamente de Bedanda: "reunião do IN em Kandiafara, objectivo Guileje. Reunidos 5 bigrupos (cada bigrupo dispunha organicamente de 40 elementos, dispondo de 4 a 6 ML, 2 a 6 LGF, 2 a 4 MP e 2 a 4 Morteiros de 82) junto a Guileje.

O PERINTREP (relatório semanal do ComChefe) da semana de 13 a 20 Maio destacava: "O IN desencadeou uma ofensiva contra Guileje, emboscando, com elevado potencial de fogo, forças daquela guarnição que se dirigiam para Gadamael e flagelando depois aquele aquartelamento 21 vezes no espaço de 36 horas, com foguetes 122, canhão 85, morteiro 120 e canhão sem recuo, instalando a maioria das bases de fogos na Rep. Guiné-Conakry" (...). Outro relatório da 3ª Rep do QG/CTIG sobre a actividade do COP 5 (área militar que enquadrava Guileje) entre 18 e 21 de Maio, referia que, no primeiro dia, "durante a execução duma coluna de reabastecimento, as NT foram fortemente emboscadas por duas vezes, a cerca de dois kms de Guileje, tendo sofrido um morto, sete feridos graves e quatro ligeiros. Por falta de evacuação aérea, um dos feridos graves faleceu quatro horas depois da emboscada".

Um corpo no meio da tabanca de Guileje. Foto de autor que desconheço, a quem agradeço e que aqui reproduzo com a devida vénia.


Numa súmula muito breve dos ataques a Guileje, durante o período compreendido entre as 20h00 de 18 de Maio e as 04h00 do dia 22, o aquartelamento e a povoação foram flagelados com cerca de 800 granadas (morteiro 120, canhão s/r, LGF e outras não identificadas), muitas das quais caíram dentro do destacamento, restando poucas instalações intactas e, devido à destruição das antenas, o aquartelamento ficou sem comunicações rádio com o exterior.

Na noite de 21, o comandante de Guileje, o Maj Art Coutinho e Lima, decidiu o abandono da praça-forte na madrugada do dia seguinte. Segundo ele próprio, a decisão baseou-se na forte pressão do IN, na não atribuição de reforços, na não evacuação dos feridos, na escassez de munições, na falta de água no aquartelamento (o abastecimento era feito a cerca de 4 kms), na defesa da população, e na destruição do centro de comunicações. É de destacar, como parêntesis, que, desde 18 de Maio o aquartelamento se foi mantendo debaixo de fogo, por períodos intercalados. Os militares e a população, mal pressentiam a saída da primeira granada, precipitavam-se para os abrigos, triplicando a lotação. A excelente protecção conferida pelos abrigos, feitos em betão armado, sob a orientação do BEngª de Bissau, abrigos que, em princípio, seriam à prova de rebentamentos de morteiro 120, justifica, segundo os sitiados, terem sofrido apenas um morto(um furriel metropolitano).

Dada a ordem de retirada, elementos da população começaram por oferecer alguma resistência mas, face à decisão inabalável de Coutinho e Lima, decidiram-se por seguir com a tropa.

Na difícil hora da retirada, depois de 9 anos de guarnições militares em Guileje, a coluna dirige-se para outro inferno, Gadamael. Foto de autor que também desconheço. E que, com a devida vénia, reproduzo.

Assim, às primeiras horas do dia 22 de Maio, a enorme coluna (militares, milícias e população) meteu-se a caminho através de um trilho utilizado apenas pela população.
No local e segundo o PAIGC, as tropas portuguesas deixaram para trás três peças de artilharia e documentos sobre a disposição das forças em todo o território da Guiné. Peças e documentos que muito jeito deram às forças de guerrilha, segundo vieram a dizer mais tarde dirigentes do PAIGC. O Major Coutinho e Lima assegura, por sua vez, terem sido inutilizadas as armas e viaturas e a documentação ter sido toda queimada, afirmação confirmada, aliás, por vários militares encarregados das destruições.

Não deve ignorar-se o efeito propagandístico que, em situações deste tipo, os contendores usam. Assim, as emissões de rádio, provenientes de Conakry, exploraram, como era seu dever, o feito da tomada de Guileje: "(...) Os nossos gloriosos combatentes capturaram ao IN em Guileje, o material seguinte: 2 canhões de 155, morteiro de 106, 2 de 81, 1 de 70, 5 MP Dreyse, 3 bazucas de 88, 5 PM FBP, 47 G-3, 8 Mausers e grande quantidade de munições. Viaturas: 3 blindados, 4 camiões Berliet, 1 Unimog e 1 jeep Willy. A central eléctrica e o posto de rádio estão intactos. Os nossos combatentes apreenderam ainda diversos mapas e outros elementos de alto valor militar e víveres em quantidade prevista para o consumo da guarnição durante vários meses".

O Major Coutinho e Lima, para justificar a difícil decisão que tomou, diz ter tido, essencialmente, a preocupação de poupar as mais de 600 vidas que lhe estavam confiadas. A retirada decorreu, tanto quanto possível, ordenada e sem incidentes. A escolha do trilho e o efeito surpresa (nunca puseram a hipótese da guarnição retirar, afirmaram, mais tarde, alguns responsáveis da guerrilha) foram as razões que permitiram a coluna chegar a Gadamael sem problemas.

Em 13 anos de guerra, era a 1ª vez que a tropa portuguesa retirava de um aquartelamento, sob o pretexto da pressão do IN, o que levou alguns a interrogarem-se do que teria acontecido em Guidaje, se em vez do Coronel Correia de Campos tivesse sido Coutinho e Lima o comandante. No entanto, com a informação hoje disponível, é possível destrinçar as situações: Guidaje teve o apoio de tropas da reserva do Com-Chefe (páras, fuzileiros, comandos e outras), Guileje não teve.
Entre os que permaneciam em Guileje, enraizou-se a ideia de que estavam abandonados à sorte. Não sentindo o apoio do ComChefe, o Major Coutinho e Lima tomou uma decisão difícil e que o iria marcar para toda a vida. Mas quem toma decisões difíceis, em situações críticas, temos que convir, não são pessoas comuns.

Gadamael

As consequências da saída de Guileje tiveram enorme repercussão. Pela primeira vez, pelo menos de uma forma tão pública e que o PAIGC aproveitou em todos os palcos internacionais, o Exército Português mostrava fracturas tão assinaláveis.

Na sequência, tentando aproveitar o "efeito dominó", as tropas do PAIGC deslocaram todo o esforço para o aquartelamento vizinho, Gadamael, que passou a ser atacado do território da Guiné-Conakry várias vezes ao dia, com enorme violência (morteiros 82 e 120, foguetões de 122mm, conhecidos pelos 'jactos do Povo' e bocas de Artª de 130 mm, com alcance até trinta quilómetros). A guarnição, tal como a de Guidage, embora com custos elevados (17 mortos) e 55 feridos entre 1 de Junho e 22 Julho aguentou-se estoicamente. No seu livro "Gadamael", o Sargento pára-quedista Carmo Vicente escreveu: "tombaram para sempre, quase cinquenta irmãos nossos, que não queriam combater e que abominavam a guerra. Quase cinquenta homens que, se o pudessem ter feito, teriam gritado antes de morrer: entreguem a Guiné aos Guineenses".

Entretanto, em 22 de Maio, Spínola tinha informado por escrito o Ministro do Ultramar sobre a degradação da situação militar. A título de exemplo referia que, entre as 18 horas do dia 20 e as 8 e 30 de 21, Guileje tinha sofrido 32 ataques; que Guileje era de importância estratégica para a manobra militar e para os abastecimentos do PAIGC no Sul, pelo que era vital a sua defesa.

Em todo o mês de Maio as tropas portuguesas sofreram 64 mortos em combate e quase três centenas de feridos, na sequência das cerca de 220 acções desencadeadas pelo PAIGC contra os dispositivos das forças militares portuguesas.

capa de "A RETIRADA DE GUILEJE, 22 MAI 1973, A VERDADE DOS FACTOS"
Autor: Cor Artª Alexandre Coutinho e Lima
Editor: DG edições
Preço: cheque de 22 € (20 do livro e 2 para a franquia do correio).
Pedidos ao Autor

II. Ao Coronel Alexandre Coutinho e Lima

Li o seu livro num sôfrego. Peguei-lhe e não o larguei. É um documento que faltava, importante para compreender melhor os anos de "brasa", em especial o ano de 73.
Tem informação documentada, de facto, desconhecida ou muito pouco conhecida, inclusive de estudiosos que ao longo destes anos se têm dedicado ao estudo da Guerra na Guiné.

Fiz lá “apenas” uma comissão, entre 65/67, e já naqueles anos senti os problemas crónicos (a extrema pobreza das "Informações", por exemplo) que afectaram a condução correcta da guerra, isto reportando-me apenas aos aspectos militares. Muito longe, portanto, das suas 3 comissões, das quais a última em condições excepcionalmente difíceis.

Aos olhos de um simples leitor da nossa História, a atitude do Comandante do COP 5, protagonizada pelo Senhor, parecia-me, à partida, pouco compreensível e difícil de defender, tendo como referência a situação que se viveu em Guidaje. Por outro lado, pareceu-me sempre que ao caso de Guileje, ao contrário de opiniões, que havia muitas, faltavam factos. Claro que não estou seguro que os documentos que apresenta encerrem definitivamente o dossier "Guileje". Mas com os factos (sem pôr em causa as opiniões e comentários que emite) documentados que apresenta e que eu desconhecia, hoje, posso dizer que compreendo melhor a decisão que tomou.

Independentemente do juízo que a História está ou ainda vai fazer sobre a retirada de Guileje, devo manifestar-lhe que fiquei com a convicção de que:

1. Foi graças à decisão que o Coronel tomou que, em vez de um morto a lamentar, muitas famílias, de cá e de Guileje, tenham podido conviver com os seus Familiares e Amigos, a grande maioria, felizmente, ainda até hoje.

2. O Com-Chefe, independentemente da apreciação globalmente positiva que eu possa ter da acção que desenvolveu na então Província, não fez tudo o que podia e devia ter feito pela população e tropa de Guileje.

3. Atitudes ou decisões, ainda controversas para alguns, como a que o Cor Alexandre Lima tomou não são habituais. E só as poderiam tomar, nas excepcionais condições em que se vivia naqueles tempos em Guileje, Militares com convicções muito sólidas sobre a forma de como bem fazer a Guerra.

Depois de ler o seu livro, depois de consultar a documentação nele exposta, é minha convicção que o Exército Português teve, em Guileje, um Comandante que cumpriu o seu dever.

V. Briote

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Notas de vb:
1. Graças ao nosso Leitor, Abreu dos Santos, alguns pormenores dos acontecimentos relacionados com Guileje (nomeadamente datas e números de mortos) foram corrigidos (em 8 de Janeiro de 2008). Os meus agradecimentos.

Artigo relacionado em

31 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3686: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (6): Comentário do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego