domingo, 12 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2042: Estórias do Zé Teixeira (20): A vaca que deu sorte (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira, 1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , (1968/70), autor das mais tocantes estórias, fruto do seu contacto íntimo com as populações autóctones (1) .


VACA: Sinónimo de sorte... ou de azar?

por Zé Teixeira (subtítulos do co-editor CV)

Num dia, após um ataque a Aldeia Formosa, que começou cerca das 17,30 e acabou altas horas da madrugada, o Caco Baldé apareceu por lá para apreciar os estragos, que felizmente para os militares tinham sido nulos. Ao comentar com o Comandante da Guarnição o local de onde o IN tinha atacado, concluiram que possivelmente tinha havido apoio logístico de uma tabanca colocada para lá da fronteira. O Homem do monóculo só fez uma pergunta:
-Nunca te lembraste de apontar para lá os obuses?

Claro que nessa noite foi um corridinho de granadas de 18 Kg naquela direcção. Eu guardei a frase e quando em Mampatá se comia arroz com arroz, enquanto as vacas do homem grande se deliciavam a pastar entre os arames farpados de protecção da tabanca.

Ao fazer a ronda nocturna notei o tilintar de garrafas e perguntei ao sentinela o que se passava:
- É uma vaca que anda por aí, respondeu-me ele, não há perigo.

Havendo perigo ou não, resolvi imitar o Caco e dizer-lhe:
-Já pensaste em mandar para lá um tirito, ninguém sabe se está lá uma vaca ou um turra e assim amanhã teríamos banquete do bom.

Após alguns minutos de conversa em surdina, para o ajudar a passar o tempo, parti de novo e embrenhei-me pelo interior da tabanca em direcção a outro posto de sentinela.
Surgiu um tiro, sem resposta imediata, a assustar a noite e eu deixei-me sonhar com o saboroso bife que no dia seguinte teria no prato...se o sentinela tivesse acertado na vaca.

Ao chegar junto do outro, o camarada estava tenso e preocupado, um tiro, no silêncio da noite, era mau presságio, eles estariam por perto. O tiro talvez fosse o sinal. Acalmei-o como pude, sem lhe contar a conversa tida momentos antes.

No dia seguinte, ninguém soube explicar, mas apareceu uma vaca coxa. O Aliu Baldé, Chefe de Tabanca e Alferes de 2ª linha, armou grande barafunda, pois tinha perdido uma vaca e queria saber quem a feriu, para levar o justificado castigo. Como ninguém se acusou e... para não perder tudo vendeu-nos a vaca pelo preço da chuva. O almoço sonhado ia acontecer.

Só que o IN também queria tomar parte no banquete e fez-se convidado.

À hora prevista, lá estava junto à 2ª cerca, sabendo que a fome e o apetite por um bom bife eram factores que nos iriam criar possíveis desatenções. Tal aconteceu de facto.

O Sol já ia alto e queimava os dorsos descamisados. O amanho da vaca foi longo e atrasou o esperado almoço. Os jagudis, no cocuruto das árvores, espreguiçavam-se e afiavam o bico. Também eles se fizeram convidados.

Toda a gente fazia fila junto ao grelhador onde crepitava o fogo, enquanto o Valente virava e revirava os bifes e o Alves aprontava as estaladiças batatas fritas. Os grandes e apetitosos nacos de carne eram um regalo para os olhos. Pelas narinas subiam odores que inebriavam o cérebro e faziam sofrer o estômago, pela longa espera do tão esperado pitéu. Numa mão a marmita, na outra o copo de vinho fresco, enquanto a cerveja (complemento mais que necessário) se escondia no bolso e o IN à espreita, junto ao arame farpado.

Os postos de sentinela foram desguarnecidos. Apenas o Silva algarvio ficara no seu abrigo, devido a forte dose de paludismo. Os putos, pulavam a nossa volta de olhos arregalados. Também eles iam ter restos melhorados, como paga por nos lavarem as marmitas. A população (*) escondia-se do sol dentro das moranças e espreitava a festa que o branco fazia.

Chegam convidados indesejáveis

De repente os putos desaparecem. O silêncio impera. Apenas a nossa algazarra de gente feliz, que antevia um lauto banquete.

Começa a distribuição com o Valente a resmungar_
- Calma, que chega para todos!

Eu esperava pacientemente com a Maimuna ao colo, que chegasse a minha vez. Tinha já surripado umas febras e bebido uns copos (vantagem de enfermeiro).

Os primeiros felizardos, contrariamente ao que sempre faziam – irem de imediato para o seu posto de sentinela – sentam-se à sombra do gigante poilão e começam a saborear o petisco, quando se houve uma rajada de G3 e logo de seguida, como que por encanto, de todos os lados da tabanca, surgem costureirinhas a vomitar o seu temido trac-trac, seguindo-se o troar dos rebentamentos do morteiro 60 e das bazucadas

Os bifes e as batatas fritas voaram pelo ar. Toda a gente a correr para os postos. Há que correr com os malandros que nos querem estragar o almoço.

Felizmente o Silva algarvio, deitado à porta do abrigo, esperava que alguém lhe levasse o seu almoço, para o qual não teria apetite tal era o seu estado de saúde. Estranhamente vê uns vultos, de uniforme diferente, aproximarem-se da cancela em arame farpado, abri-la e tentarem esconder-se por detrás de uma morança. Nem hesita em abrir fogo, provocando a enorme barafunda que se seguiu.

Eles tinham o esquema bem montado. Concentraram as suas forças de penetração na entrada da picada para Buba e na entrada da picada para Cumbijã. Do lado de Aldeia Formosa, estavam emboscados perto de Bakar Dado, para impedir a chegada de eventuais reforços. Em redor de toda a Tabanca estavam atiradores isolados que faziam fogo de costureirinha, com balas incendiárias, para desviar as atenções, enquanto outros forçavam a entrada nos portões.

Atingiram onze moranças que de imediato começaram a arder aumentando a confusão. Atingiram também o paiol das munições, o que naturalmente originou um festival de rebentamentos.




Mampatá > 3 de Novembro de 1968 > Rescaldo do ataque da hora de almoço

Tal como entraram, rapidamente tiveram de sair, ao sentirem-se descobertos, perante a reacção da nossa gente bem apoiada no Pelotão de Milícia, comandado pelo Chefe de Tabanca, Alferes Aliú Baldé (**) que coordenou de peito aberto a defesa, do portão de Cumbijã, de morteiro 60 na mão (***). Logo de seguida dirigiu-se ao portão de Buba e continuou a festa. Um verdadeiro herói, que tanto quanto soube, viria a falecer em combate cerca de dois anos depois, também na defesa de Mampatá, quando a zona aqueceu, com a reabertura de frente de Colibuia e Cumbijã.

Estranha foi a minha reacção. Assustado com o fogachal e as labaredas que surgiam de todos os lados das moranças a arder, em lugar de me proteger e aguardar pelo fim da contenda, como era e continuou a ser, meu hábito, larguei a bebé, no abrigo do posto de rádio e desatei a correr pela tabanca, perguntando aos gritos, se havia feridos.

Recordo-me bem da razão do meu estado de espírito: Tinha comigo apenas dois frascos de soro, algumas agulhas e linha de sutura, meia dúzia de Zimema K e pouco mais. Entrei em pânico. A estrada para Aldeia Formosa, estava cortada pelo IN e eu senti-me sem nada para poder valer aos colegas e à população.

Foram vinte minutos terríveis, que se saldaram num grande susto e... moranças queimadas, pois nem um ferido para amostra.
- Já estou apanhado! - Foi o meu pensamento íntimo, logo depois e que me obrigou a rever a forma de estar nos teatros de guerra que se seguiriam.

A nossa reacção obrigou o IN a refugiar-se rapidamente na mata e continuar a flagelação, mas um tanto descontrolada. Tudo acabou em bem. Apenas se atrasou um pouco a hora da petiscada, repetida nos dias seguintes, mas agora com cuidados redobrados.

Afinal tivemos a vaca da sorte a proteger-nos para que pudéssemos saborear a vaca verdadeira.


Mampatá > 3 de Novembro de 1968 > Eu e a minha Maimuna no rescaldo da morança queimada

Fotos: © Zé Teixeira (2007). Direitos reservados.

Subida de popularidade

Como resultado extremamente positivo para a minha pessoa, foi a forma como a partir daquela altura a população em geral me acolheu e o carinho com que me tratavam. Se já era bom, ficou excelente.

Tempos mais tarde, quando a Companhia recebeu ordens para seguir para Buba, ficando apenas um Grupo de Combate na Chamarra, por mais algum tempo, enquanto Mampatá Forreá era reforçado com o 2º Pelotão de Milícia e tropa estacionada seguia também para Buba. O Chefe de Tabanca foi pedir ao Comando em Aldeia Formosa a minha continuidade em Mampatá, o que foi recusado. No entanto fui colocado na Chamarra com o compromisso de vir duas vezes por semana a Mampatá, tratar a população e ensinar o enfermeiro africano que lá foi colocado.

Ao procurar saber das razões do interesse em mim, a Jobo (Maria) disse-me:
- Naquele dia em que fomos atacados na hora do almoço, vimos fermero a correr debaixo de fogo, para junto dos abrigos da população a perguntar se havia feridos. Fermero é amigo da gente.

Quando cerca de mês e meio depois, deixei definitivamente a zona, ao passar por Mampatá, deixei algumas emocionadas lágrimas para regar aquela terra tão linda, ao receber as despedidas com abraços beijos e cânticos e uma população amorosa, com quem tanto aprendi em cerca de meio ano de convivência.

... E lá ficou a minha Maimuna, a bébé que ensinei a andar, que me seguia para todo o lado e que partilhou este drama comigo. Também lá ficou a outra bébé, a quem salvei a vida quando, regressada de Bissau com 42 graus de temperatura e desenganada pelo médico, eu a recuperei. A Mudjer de fermero como a mãe teimava em afirmar. Veio trazer-ma na despedida. Queria que a levasse comigo:
- Tua mudjer, leva minina.

Quantas vezes me levou uma caneca de água fresquinha, trazida da fonte, que ficava para além do perímetro de segurança da Tabanca´:
-Mudjer de fermero na bai buská água pra fermero.

Quantas vezes vinha com um cacho de bananas à cabeça;:
-Mudjer de fermero, parte banana.

Se à noite me descuidava e não ia dar um beijinho à bebé, quando passava à porta, a caminho do meu abrigo, fosse a que horas fosse, lá estava a mãe:
Fermero tu ká na vem parte mantenha a tua mudjer! - Entrava dava um beijo e ficava conversar até às tantas, em família.

Os pesadelos que me perseguiam, de arame farpado, sinal impeditivo de liberdade e de perigo que rodeava as aldeias, das emboscadas, dos ataques dirigidos a nós, tugas, mas que afectavam aquela gente indefesa, dos feridos que tratei e dos que vi morrer sem poder ajudar, dos que morreram sem a mais pequena hipótese de se safarem, dos momentos de ansiedade que vivi, tudo se tem vindo a dissipar, mas a imagem das duas crianças no meu colo, com as mães abraçadas a mim, vai-me acompanhar sempre, porque retrata e reflecte os momentos mais belos da minha passagem pela guerra.
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Notas do autor:

(*) Creio bem que a população estava avisada e refugiou-se nos abrigos e, só tal facto impediu que houvesse mortos e feridos, tal a proximidade.

(**) Tive o grato prazer de reavivar a sua memória, quando em 2005 reencontrei a sua filha Naná, mudjer do actual Régulo da Tabanca de Sinchã Shambel (ele mesmo, também milícia em Mampatá no meu tempo), que resultou do reordenamento de Contabane, após a destruição desta tabanca na noite de S. João em 1968.

(***) Na minha louca corrida à procura de eventuais feridos, pude testemunhar a acção deste homem, na contenção do ataque.
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Nota do editor:

(1) Vd. último post desta série> 5 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2030: Estórias do Zé Teixeira (18): A G3ertrudes encravada que salvou duas vidas.

sábado, 11 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2041: Da Suécia com saudade (4) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (4): Aventuras de Maiorais

1. Da Suécia, com saudade, como sempre pelas mãos do nosso camarada José Teixeira, chegou até nós mais esta estória do ex-Alf Mil José Belo (que vive na Suécia desde os anos 70). Quase não dá para acreditar que seja verdadeira, de tão louca que é. Ao nível das melhores comédias inglesas.
Os Maiorais da CCAÇ 2381 (1968/70) estiveram em Buba, Quebo, Mampatá e Empada .(CV)

2. Aventuras de MAIORAIS

Gandembel tinha-se tornado nome tristemente célebre na Guiné de 1968/69.
Verdadeiro quartel mártir, era atacado dia sim, dia sim, por tudo o que era armamento pesado na posse do inimigo. Este, pretendia a todo o custo, obrigar as nossas tropas a abandonar uma área que já então controlava.

Os abastecimentos ao isolado aquartelamento, eram efectuados por "colunas de sacrifício", em condições de difícil descrição, quanto a perigos e esforços.

Em tentativa de aliviar o crescente estrangulamento que o inimigo ia exercendo sobre a guarnição mártir, foi decidido o desencadear de algumas espectaculares operações de tropas Pára-quedistas.

Os guerrilheiros foram apanhados em total surpresa. Nas acções iniciais obtiveram-se avultados êxitos, tanto em material capturado, como em acampamentos destruídos, assim como elevado número de baixas causadas.

Houve então um período de curtas semanas em que a área acalmou, enquanto o inimigo procurava reagrupar-se.

A ocasião, e o facto das tropas pára-quedistas continuarem estacionadas na zona, foi aproveitado para inesperada visita à mesma, por parte do (salvo erro) Comandante da Região Aérea da Guiné e Cabo Verde (ou seria o Chefe do Estado Maior da Força Aérea? Confesso que à distancia de quase quarenta anos não recordo o detalhe!). Era, no entanto, uma visita a ser explorada em termos políticos, como evidente demonstração do controlo efectivo da zona(?) por parte das nossas forças.

O senhor Brigadeiro(?) realmente apareceu na data marcada, sendo desembarcado de um helicóptero em Aldeia Formosa. Daí, seguiu em coluna auto para Gandembel, que se situava a umas dezenas de quilómetros a Sul. Duas Companhias de Páras, mais duas Companhias de Atiradores, mais uma Companhia de Milícias Nativas, foram utilizadas na escolta e cobertura desta simples deslocação do senhor General.

Dos destacamentos isolados, e que se situavam entre Aldeia Formosa e Gandembel, (1) também foram destacadas forças para montarem emboscadas de protecção ao itinerário.

Como seria de esperar, o apoio aéreo não faltou ao chefe da FA, tanto em helicópteros-canhão como em parelhas de jactos Fiat e velhos T6. Nunca víramos tantos, nem a zona fora tão assiduamente sobrevoada como nesse dia. A coluna não foi atacada no seu deslocamento, apesar de terem sido levantadas dezenas de armadilhas e minas.

Dois apanhados na Feira Popular

Num dos isolados destacamentos, um alferes e um furriel, sentados sob frondoso mangueiro, olhavam num misto de ironia e incredibilidade todo o circo aéreo que se verificava já há longas horas.

"Isto parece a Feira Popular!" - Disse um deles.

"Não vamos perder esta oportunidade de cumprimentar o nosso General!"

Dirigiram-se para o jeep, e arrancaram calmamente pela picada em direcção a Gandembel.

O que conduzia, seguia desarmado. O outro, empunhava impressionante machado Fula utilizado em cerimónias da etnia.
Ao chegarem ao último destacamento da zona controlada, (2) ninguém queria acreditar na história de que iam sozinhos, estrada fora, para cumprimentarem o... senhor General!
Daí para a frente ninguém passava sem se fazer acompanhar, pelo menos, de duas Companhias reforçadas, e de apoio aéreo ou de artilharia de Aldeia Formosa. Mas eles, rindo à gargalhada, aceleraram o jeep e desapareceram na picada.

Foram quilómetros em que o jeep voava sempre que a estrada o permitia, ou, em lentidão de desespero, contornava buracos de explosões anteriores de minas.

Passada mais de uma hora de percurso, começaram a ouvir os motores das viaturas da coluna que regressava já de Gandembel com o ilustre visitante.

Foi com espanto, mas também com alívio, que os picadores descobriram o jeep e os dois senhores nele sentados. O comandante da coluna decidiu então, visto o jeep ter passado há tão pouco, colocar todo o exausto pessoal nas viaturas e arrancar de imediato.

Invertendo o jeep, o alferes e o furriel estavam agora à cabeça da coluna.

Oportunidade única para cumprimentar o senhor General

Quando se preparavam para arrancar, o senhor General num impecável camuflado, engomado e ainda cheirando a armazém, e que até então tinha seguido numa viatura pesada, das últimas da coluna... por questões óbvias de segurança pessoal... dirigiu-se-lhes dizendo: - "Estou farto de apanhar pó da picada e o banco do vosso jeep sempre é mais confortável!"
Sentou-se de imediato no jeep ao lado do condutor.

"Pois com certeza meu General!" - Foi a resposta do alferes, com um sorriso amplo, e continuando a empunhar o descomunal machado Fula. E o jeep arrancou, a boa velocidade, à cabeça da coluna, em direcção a Aldeia Formosa.

Foi só quando já tinha atingido os primeiros destacamentos, largas dezenas de quilómetros depois, e perante alguns comentários apoplécticos quanto à inconsciência criminosa dos dois subalternos, por parte do responsável operacional, que o senhor General aparentou ter tido consciência de que tinha viajado todo o percurso de um dos mais perigosos itinerários da Guiné de 68, na posição de rebenta minas e protegido, unicamente, por um machado Fula... de cerimónias!

Escusado será dizer que o jeep, manobrando mais facilmente na picada esburacada, de imediato tinha deixado muito para trás as restantes viaturas com a escolta especial do senhor General!

Stockolm.Jan.80.
Aquele abraço
Joseph Belo

(1)Mampatá Forreá e Chamarra
(2)Chamarra

3. Nota do Zé Teixeira:

Esta era mais uma das estórias que eu tinha em preparação para enviar ao nosso blogue. Sou uma testemunha real de todo o acontecimento, pois estava em Mampatá Forreá de onde partiram os dois apanhados do clima.

Claro que jamais descreveria com tanto e tão rico pormenor, pois fui apenas testemunha ocular do aparato montado, no terreno, nos céus, da partida dos dois e da chegada do jeep, com mais um, este, periquito e com cara de quem se tinha borrado todo.

O autor do texto, o ex alferes José Belo, foi, com o Furriel Esteves os aventureiros, pelo que a estória verdadeira tem outro sabor.

Creio que foi a única coluna que se fez sem que o inimigo desse a cara, na picada, passada a pente fino pelos picadores da minha Companhia, quer em pleno dia como era hábito ao chegarmos a Gandembel ou a Ponte Balana.

No entanto recordo que na primeira coluna que fizemos, vimos um FIAT a deixar um rasto de fumo e cair - o primeiro, como há pouco se constatou no blogue, e, quando chegamos ao Gandembel, fomos recebidos à morteirada, pelo In.

Na Segunda, tivemos de recuar por falta de condições, depois da CCAÇ 2317, estacionada no local, que tinha vindo ao nosso encontro ter recuado com feridos e mortos.

Na terceira, levantamos 57 minas, desmontamos três fornilhos, tendo rebentado uma mina AP e quando estávamos quase a chegar, entre Chamarra e Mampatá Forreá tivemos uma espera, onde já ninguém contava, que nos provocou cinco feridos.

A quarta coluna teve o desfecho que o Belo tão bem descreve.

Outras houve, até que surgiu a última para trazer de regresso os Camaradas da CCAÇ 2317 e abandonar Gandembel definitivamente, ficando Guileje e Gadamael Porto e Mejo mais desprotegidas, pois o célebre corredor da morte ficou sem tampão.

José Teixeira
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Vd. post anterior desta série:

Guiné 63/74-P2029: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (3): Soldado Salvaterra ou mais uma peça de carne para canhão

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

Mensagem do Paulo Santiago, em viagem até Matosinhos, para um almoço-convívio com os Camaradas da minitertúlia, como eles se auto-designam e, já agora, à mesa com uns belos chocos grelhados. (Co-editor: vb):

Hoje foi dia de almoço especial, juntei-me à Minitertúlia de Matosinhos, faltando o Marques Lopes, em viagem para Lisboa.

Tivemos como convidado o António Batista. Ele merece.

A Casa da Teresa, local do encontro, fica bem situada, junto ao cais e os choquinhos grelhados que comi, estavam muito bons.

O convivio foi óptimo e o Xico Allen convenceu-me a ir até à Guiné de carro. Saída de Portugal a 21 ou 22 de Fevereiro de 2008, chegada a Bissau a 1 de Março, regressando dia 7 de avião a Portugal.

Deve ser uma bela viagem. Se já estivesse reformado,regressava de carro, como não estou terei que utilizar o meio aéreo para o regresso.

Seguem as fotos do encontro de hoje.

Vinhal, Álvaro Basto, Pimentel, Pires, Xico Allen, Zé Teixeira (sem a G3ertrudes), Batista, e o filho do Pires

O Zé Teixeira, o Batista e o filho do Pires.

Paulo Santiago, Vinhal, Álvaro Basto e Pimentel.

Guiné 63/74 - P2039: Recordações do Grupo de Pauliteiros de Cércio (Ana Maria Vaqueiro / Beja Santos)

1. Mensagem de Beja Santos com data de 9 de Julho:

Assunto: Recordações - Grupo de Pauliteiros de Cércio

Prezada Ana Maria Vaqueiro (1), obrigado pela sua carta. A demora em responder-lhe deve-se ao facto de eu ter andado à procura do manuscrito do meu Padrinho, Felipe da Nazareth Fernandes. Nunca passei a texto este documento, cheguei mesmo a contactar O Mensageiro de Bragança, mas a preguiça venceu-me. O apontamento que se segue é só para responder ao seu amável pedido, que me sensibilizou.

O meu Padrinho estagiou em Londres, creio eu em 1937 e 1938. Ainda é vivo, tem 91 anos, reside num lar no Bairro da Serafina, em Lisboa. Os Pauliteiros de Cércio foram exibir-se no Folk-Dancing-Festival no Royal Albert Hall, ainda hoje uma das mais prestigiadas casas da música à escala mundial (basta pensar nos Promes, difundidos no Verão para todas as estações de rádio, também à escala mundial).

Nessa altura, na Casa de Portugal em Londres, situada em Piccadilly, pediram-lhe para aconpanhar um grupo fólclórico de mirandeses que vinham actuar no referido festival. Ele e um amigo, Jaime da Silva Dray, receberam-nos cheios de curiosidade. A imprensa Britânica elogiou-os. O meu Padrinho guardou fotografias e um recorte do jornal The Daily Express.

O passeio com eles em Londres foi inesquecível. As pessoas paravam no metro para ver aqueles homens de bigodes com chapéus floridos, com estranhas saias e umas perneiras cheias de rendas. Actuaram por duas vezes, e agradeciam erguendo os enormes chapéus na vertical acima da cabeça, rodando o corpo a 360º. No intervalo, o director da Casa de Portugal veio dizer-lhes que deviam agradecer fazendo vénias ao que eles responderam que não, um português nunca dobrava a cerviz, agradece sempre de cabeça levantada. Os oito mil lugares do Royal Albert Hall estavam completamente esgotados.

Foram filmados nos estudios da BBC para uma curta-metragem que apareceu em todos os cinemas do Reino Unido. O director de cena queria só algumas passagens de cada dança, eles disseram-lhe que não, um pauliteiro dança do princípio ao fim, dá tudo com amor pela arte.

O Embaixador português em Londres, Prof. Rui Ulrich, ofereu-lhes um beberete na companhia da sua mulher, a escritora Veva de Lima. O meu Padrinho não esqueceu a dignidade dos pauliteiros que a tudo respondiam de maneira apropriada e sóbria. Eles sofriam muito com a comida inglesa e pediam a toda a hora bacalhau e produtos de fumeiro. No Soho, bairro tipico de Londres, lá se encontrou bacalhau salgado seco que uma cozinheira preparou com batatas e couves.

Quando chegaram a Lisboa, e perguntados sobre o que haviam mais gostado em Londres, logo responderam fora o bacalhau em casa da Srª Cabral...

Prometo voltar a escrever sobre esta viagem memorável e hei-de pedir aos filhos do meu Padrinho se me deixam copiar as fotografias e o recorte desses pauliteiros de Cércio.

Agora uma recordação da Guiné. Um dos meus camaradas de quarto em Bambadinca era o Abel Rodrigues, que vive em Miranda, que me prometeu que dançaria a dança dos paulitos, o que nunca fez. Tenho por ele uma grande amizade e dentro em breve ele vai aparecer na Operação Macaréu à Vista. Conto com a retribuição do seu marido, falando-nos dessa povoação de Geba, de que Missirá estava relativamente próxima.

Cordiais cumprimentos do Mário Beja Santos.
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Notas dos editores:


Os Pauliteiros de Cércio, hoje
Foto: Portal do Nordeste
Transmontano > Pauliteiros >
(com a devida vénia...)




(1) Mensagem, de 23 de Junho último, da esposa de Belmiro Vaqueiro, nosso tertuliano, para Beja Santos

Assunto: Recordações - Grupo de Pauliteiros de Cércio

Dr Beja Santos:

Sou esposa do tertuliano Belmiro Vaqueiro, ex-furriel miliciano que fez parte da Companhia de Caçadores 1426, sediada em Geba-Bafatá, nos anos de 1965 a 1967.

Há dias o meu marido chamou-me a atenção para um extracto de uma sua carta que endereçou ao seu Padrinho onde focava alguns episódios, por ele testemunhados, ao acompanhar em Londres o Grupo de Pauliteiros de Cércio (2). É que eu sou natural do lugar de Cércio, [Miranda do Douro,] e familiar muito chegada de alguns dos componentes desse grupo, infelizmente já
falecidos.

Os factos que relata na sua carta e que muito me sensibilizaram,em parte eram para mim desconhecidos. Na aldeia apenas se comenta que foram muito aplaudidos.

Dr Beja Santos, gostaria de saber se as recordações do seu Padrinho, acerca da ida do Grupo de Pauliteiros de Cércio a Londres chegaram a ser publicadas e, no caso afirmativo, onde poderão ser adquiridas.

Desculpe a minha ousadia mas ficar-lhe-ía muito grato por uma resposta. Cumprimenta-o. Ana Maria Vaqueiro.

(2) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

Guiné > Algures > O 1º Cabo Pára-quedista Tavares, da CCP 121/BCP 12 (1972/74). Sob a capa do duro e eficiente operacional, um grande homem, generoso e sensível, ontem como hoje...


Foto: © Victor Tavares (2007). Direitos reservados.


I parte do texto enviado em 2 de Julho de 2007 pelo nosso camarada Victor Tavares (ex-1º Cabo Pára-quedista, CCP 121/BCP 12, Brá, 1972/74). Fixação do texto e subtítulos, da responsabilidade do editor L.G.


Cantanhez > Operação Grande Empresa (Comando Chefe) / Operação Tigre Poderoso (BCP 12) > De 12 Dezembro de 1972 a 19 de Janeiro de 1973 (1)


Um grande aparato bélico para frustrar as intenções da ONU

Esta operação foi planeada e realizada na sequência da visita de uma delegação de observadores da ONU à região do Cantanhez, a qual o PAIGC considerava zona libertada. A existência de regiões libertadas era condição essencial, no âmbito neste órgão internacional, para que a Guiné viesse a ser reconhecidA tornasse como estado independente.

Com o tempo de permanência no Cantanhez, fomo-nos apercebendo que na realidade o PAIGC tinha uma forte componente militar na zona e nas regiões próximas (Bedanda, Cabolol, Tombali, Guilje)e aonde dispunha de fortes unidades de reserva, em número bastante considerável.

Em resposta a este organismo internacional e para provar o contrário o Comando Chefe decidiu demonstrar que o controlo daquela região era nosso, o que na realidade era mentira.

A partir daqui só com uma grande intervenção militar é que se justificaria o domínio do Cantanhez, o que até aí não acontecia.

O Comando Chefe entrega então esta dura e epinhosa missão ao BCP - Batalão de Caçadores Pára-quedistsas nº 12, Comando e duas companhias, as CCP 121 e 123, tendo ainda sob o seu comando outras unidades terrestres, navais e aéreas.

No início desta grande operação e quando de Cufar nos deslocávamos helitransportados para o objectivo, o espectáculo visto do ar era impressionante: no rio, várias lanchas de desembarque, intercaladas com navios patrulhas e botes dos Fuzileiros que protegiam as embarcações; havia Sintex em grande quantidade; os aviões e os helicópteros uns iam para Cadique. outros para Caboxanque; os FIAT 91 bombardeavam os objectivos... Enfim, foi a operação mais espectacular e não menos perigosa, das muitas em que participei.

No mês de Novembro, antes do início desta Operação as Companhias de Pára-quedistas fizeram vários heliassaltos a objectivos nesta região, tendo tido alguns contactos de alguma dimensão que por vezes nos obrigavam a recorrer ao pedido de apoio aéreo do helicanhão. Capturámos então vário armamento e também um comandante de um grupo de artilharia do PAIGC, mais concretamente de canhão sem recuo, o qual veio a ser utilizado como guia para nos levar a alguns objectivos.

Ao tomar a decisão de reocupar o Cantanhez, o Comando Chefe quis dar a entender que as nossas forças controlavam toda a província, o que não era verdade. Tal como aqui, muitas outras zonas eram na realidade controladas pelos guerrilheiros do PAIGC. Quem, de resto, percorreu aquela Província nos vários sectores e zonas operacionais, sabe perfeitamente qual era a realidade.

Pouco se tem falado do Cantanhez, no entanto esta operação embora não empregando muitos efectivos militares na reocupação efectiva da região, foi em minha opinião a de maior envergadura realizada na Guiné e talvez em todas as nossas províncias na altura em guerra.

A par da amplitude da missão, e a sua muito longa duração, houve que ter em conta a complexidade da manobra, a força do Inimigo no terreno, as clareiras, as muitas linhas de água com imensas e dificílimas zonas de tarrafo nas quais tínhamos obrigatoriamente que passar.

Um desembarque desastroso em Cadique

Em Cufar antes de partir para Cadique, o primeiro bigrupo, e para Caboxanque, o segundo, fomos informados pelos nossos comandantes de pelotão que nesta operação iriam estar envolvidas outras forças alem dos Pára-quedistas e que as mesmas desembarcavam em três locais diferentes, Cadique, Cafine e Caboxanque. Nestes dois últimos os desembarques correram bem, as bolanhas que separavam o rio da orla da mata eram grandes e propícias à actuação do IN, o que felizmente não veio a acontecer, isto também derivado aos patrulhamentos que tínhamos aí executado.

Em Cadique o desembarque foi bem mais complicado, não houve resistência do IN porque já patrulhávamos há alguns dias aquelas zonas, mas o local escolhido para o efeito não foi o melhor, era bastante alagadiço e era também numa bolanha, onde apenas deu para descarregar o pessoal de uma companhia do exército. As viaturas e tractores da engenharia que iriam abrir caminho, logo que saíram das lanchas ficaram atoladas, o que veio a complicar bastante a manobra da acção planeada. O material só veio a ser desenterrado, com grande dificuldade, tendo atingido terreno seguro ao fim de três dias.

A CCP 123 no ataque a um quartel do PAIGC: à terceira foi de vez


Ao mesmo tempo desenrolava-se o ataque a um quartel do PAIGC, executado por uma Companhia de Pára-quedistas, a 123, aonde se encontravam os comandantes da Guerrilha daquele sector e estavam concentradas bastantes forças. Este quartel foi bombardeado pelos FIAT 91 e logo de seguida foi colocado um bigrupo helitransportado que foi ao assalto encontrando forte resistência dos ocupantes do quartel, e não tendo conseguido a sua ocupação nesta primeira tentativa. Por isso novo bombardeamento foi feito e nova tentativa fizeram os Pára-quedistas, mesmo assim ainda não foi desta que o assalto se concretizou.

Só após nova tentativa, a terceira, é que foi de vez, embora com as nossas forças já reforçadas por mais um grupo de combate que para ali foi deslocado. A luta para entrar neste quartel foi terrível: não fosse a coragem a determinação e a disciplina de fogo dos Pára-quedistas e poderia aqui acontecer uma enorme tragédia e uma grande derrota para as nossas forças e um revés enorme para o Comando Chefe que apregoava aquela zona como estando sobre o nosso domínio.

Aqui os Pára-quedistas sofreram um morto e vários feridos, incluindo o Comandante de companhia que só aceitou ser evacuado depois da tomada do aquartelamento se consolidar.

Esta acção foi uma dura machadada nas hostes do PAIGC naquela zona, tirando-lhe alguma margem de manobra e capacidade de actuação.

No entanto as forças que o PAIGC tinha em todo aquele sector eram em elevado número como se viria a confirmar durante o tempo em que nós lá permanecemos, atendendo à quantidade de contactos que viemos a ter durante os patrulhamentos diários que executávamos.

Eis o filme dos acontecimentos:

12 de dezembro de 1972:

A CCP 121 embarca na Base Aéra 12, em Bissalanca, em NordAtlas, com destino a Cufar.

Daqui partiu o primeiro bigrupo composto pelos primeiro e segundo pelotões. depois de recebermos informação sobre o tipo de acção e os moldes como iria ser desenvolvida no terreno. O destino do meu bigrupo era Cadique para onde fomos helitransportados em equipas de 5, sendo colocados em locais estratégicos isoladamente e batendo a zona indicada até ao ponto de reunião, local onde veio a nascer o destacamento.

Durante toda esta acção nenhuma das equipas teve contacto com o IN, apenas encontrámos população desarmada que conduzimos para o ponto de reunião, aonde foram interrogados pelos nossos guias – intérpretes.

Aqui neste local existiam várias Tabancas, a zona era aberta e dali partiam picadas em várias direcções, bastante utilizadas. Bem perto deste local os residentes tinham lavras onde semeavam os seus alimentos, milho, mandioca, mancarra e várias qualidades de hortaliça. Também aqui havia algumas bananeiras, mangueiras, a partir desta horta no sentido de Caboxanque existiam varias ruínas de grandes habitações que tudo indicava serem de grandes senhores que por lá passaram antes do abandono desta zona. Até a carcaça de um automóvel lá se encontrava, estacionada no meio de um arvoredo. Aqui as picadas eram algumas delas já bastante largas embora sem utilização a muito tempo.

Entretanto iniciámos um patrulhamento a nível de pelotão até junto a uma picada pedonal que dava para Jemberem e que era bastante utilizada , aonde emboscámos durante cerca de uma hora sem que o IN se tivesse revelado. Regressámos ao ponto de encontro e foram-nos dadas indicações das posições onde ficariam instaladas as secções e os dois pelotões. Foi aí que pernoitámos, sendo pedido o bombardeamento da zona pelos obuses de Cufar, para no dia seguinte se abrirem valas e descapinar a área mais próxima das nossas posições e tentarmos arranjar as melhores condições para podermos passar e sobreviver da melhor forma o tempo que nos estava destinado ali passar.

Quero também referir que o segundo bigrupo da CCP121 formados pelos terceiro e quarto pelotões, foi também colocado em Caboxanque com o mesmo tipo de missão.

13 de Dezembro de 1972

Patrulhamento feito pelo 2º Pelotão: a registar, que fizemos vários km ultrapassando a picada que dava para Jemberem, indo na direcção de Cadique Nalu e chegando até à bolanha que antecedia este lugar aonde nos emboscámos durante algum tempo, perto de uma picada que ladeava a bolanha e que era bastante utilizada. No entanto não referenciámos qualquer elemento IN, armado.Posto isto levantámos a emboscada fazendo o regresso pelo lado das Caxambas Balantas.

Passados pouco tempo, 20 a 30 minutos, o Pára-quedista Domingos que seguia na frente, apercebeu-se da aproximação de algo que não se estava a espera, por não ter sido ainda referenciado. Porque a mata era tremendamente densa, fazíamos a deslocação a corta mato, e netão deparámos com várias Tabancas ordenadas em círculo, e bem construídas.

Um revés para o PAIGC ... que continou a controlar o Cantanhez

Instalámo-nos,embrenhados na mata sem sermos detectados. Estaríamos a cerca de 50 metros deste objectivo. Formámos em linha, aguardando ordens para o assalto com uma frente de 10 a 12 homens. O movimento de pessoas era pequeno dentro do círculo referido. Foi dada ordem para avançarmos com redobradas cautelas, até sermos referenciados. A partir desse momento os elementos do grupo de assalto ultrapassaram todas as tabancas, instalando-se depois delas e montando segurança enquantp os restantes elementps passavam revista às moranças. Foram encontradas várias peças de fardamento de tipo cubano e algumas munições.

É de referir que aqui encontrámos varias pessoas, todas de idade avançada, que sendo interrogadas nada de importante disseram como já era habitual. Abandonámos então este local por uma de várias picadas que partiam deste aldeamento em várias direcções e que nos levaria até à margem de um rio antecedido por uma pequena bolanha.

A partir daqui continuávamos o patrulhamento por picada que nos levou até junto de uma pequena lavra, onde trabalhava uma mulher de 30 e poucos anos e dois meninos entre os 6 e os 10 anos. Foi interrogada pelo Baldé, nosso intérprete, o resultado foi o mesmo: Mi ca sibe, nunca sabiam de nada.

Entretanto à nossa esquerda, não muito distante, é dada uma rajada curta, seguida de mais uns tiros isolados. Eram os guerrilheiros que estavam por perto e que tentavam desviar-nos as atenções e ver se mudávamos de direcção perseguindo-os. Não foi o caso, seguimos embora ainda com mais atenção, prontos para o que desse e viesse.

Já há algum tempo ouvíamos uns batimentos em algo que nos metia espécie, batimentos contínuos e compassados, mais pareciam o bater de um relógio. Este som ia aumentando quanto mais nos aproximávamos.

Fizémos uma pequena paragem para passado pouco tempo continuarmos a marcha agora a corta mato, em zona de difícil progressão. Esta era a forma mais segura de chegar ao local de onde vinha o som que teimava em continuar cada vez mais intenso.

Além deste som começámos a ouvir o cacarejar de galinhas. Era sinal que perto existiriam Tabancas. Já perto destas mas ainda sem as ver, o som entoava cada vez com mais e mais intensidade, os homens da frente chegam a uma picada que se apresentava na nossa perpendicular.

Já a uma escassa centena de metros do objectivo transpusemos esta picada e logo de seguida outra nos aparece, parámos durante alguns minutos para receber ordens para fazer a entrada no aldeamento do qual não se sabia a dimensão.

É dada ordem para avançar em linha em direcção ao som, andados nesta direcção mais ou menos 50 metros conseguimos ver algumas das Tabancas. Parámos mais um pouco e o movimento de algumas pessoas era notório, faltava saber era se estavam armados.

Demorou pouco, pela nossa retaguarda por uma das picadas que davam acesso ao aldeamento aparece um grupo de Guerrilheiros que se estimavam na ordem de 15 a 20 - pelo menos 11 contei eu pelas as pernas, a mata era como digo atrás muito fechada , daí a dificuldade de ver todo o grupo que ainda por cima se deslocava paralelamente à nossa posição.

Segundos depois a escassos 20 metros de nós, o primeiro homem deste grupo abrandou o andamento e parou ao mesmo tempo que abriu fogo na nossa direcção , recebendo de imediato uma forte reacção dos Pára-quedistas que abateram este e mais dois guerrilheiros.

Depois de um contacto que durou vários minutos, capturámos 1 Degtyarev, 1 Kalachnikov, 2 RPG 2, várias fitas de transporte e 5 granadas de RPG 2, além de uma mochila com livros e documentos.

Durante este contacto os Guerrilheiros do PAIGC utilizaram vários RPG. É de referir que a utilização destas armas aqui nesta zona em maiores quantidades tinha a sua justificação. De facto, a mata as bolanhas e os rios que éramos obrigados a atravessar eram sítios propícios para ataques a uma distância considerável. Os guerrilheiros sabiam perfeitamente isso e tiravam daí algum partido, pelo menos em termos psicológicos, porque o efeito dos seus rebentamentos metia respeito e por vezes fazia ronco.

Terminado o contacto foi feito o reconhecimento ao local onde os guerrilheiros estavam instalados, recolhendo o material atrás referido.

Simultaneamente um grupo de Pára-quedistas avançou para o aldeamento aonde se encontrou peças de fardamento e munições de armas ligeiras e algumas granadas de RPG 2 e 7.

Quando nos encontrávamos a passar revista as palhotas que eram em grande quantidade, entre 20 a 30, fomos atacados à distância por lança-granadas que os Guerrilheiros apontavam aos troncos e ramos das árvores, escavacando as mesmas de forma que alguns ramos caíam acompanhados de chuva de folhas que se soltavam com as fortes explosões. Aqui por sorte não tivemos qualquer problema , aqui também se verificou então a origem do som que se ouvia anteriormente, era a construção de uma canoa feita de uma enorme árvore com 6, 7 metros de comprimento. Dos construtores, nem vê-los aqui, apenas encontrámos população idosa e alguns garotos. De dentro do aldeamento ainda fizeram alguns tiros na nossa direcção talvez protegendo a fuga de pessoal que lá se encontrava.

Fizemos a retirada deste local através de uma das picadas existentes que nos levaria até junto de um rio o qual viemos a atravessar com grande dificuldade uma vez que a água se encontrava a subir, o que nos surpreendeu pela rapidez, tendo em alguns locais a água chegado até ao peito.

Saindo da Bolanha , dirigimo-nos para Cadique Nalu seguindo por um pequeno trilho até a um pequeno aldeamento abandonado. Daqui rumámos em direcção a Cadique City onde chegamos perto do anoitecer.

(Continua)

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2037: Memória dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1. Segunda e última parte do texto do João Parreira, evocativo do seu reencontro com os antigos camaradas da CART 730

Metrópole – Biambe- II Parte (1)

O tempo foi-se passando em Bissorã. O Capitão de Artilharia Aníbal Celestino Rocha, Oficial de Operações do Batalhão, deslocou-se a Bissorã por razões que desconheço, e falou-me dos Comandos, dizendo-me que um dos Grupos em Brá precisava de pessoal.

Várias diligêncis depois, ofereci-me. Por motivos que não vêm ao caso agora, perdi a coluna militar para Bissau,para prestar provas. O meu comandante aproveitou o facto de ainda ali estar para me dizer que eu iria participar na operação à base de Biambe e que o Gomes, o meu substituto, não ia.

Era costume estarmos presentes nos briefings que antecediam as operações, em que nos era permitido expôr as nossas opiniões sobre os pormenores das mesmas, e eu não me acanhava, alvitrava uma ou outra alternativa à que era exposta, por me parecer que seria mais viável e menos perigosa. Por hábito, ia sempre no quarto ou quinto lugar da frente, dependia se levámos prisioneiro ou não.
Nem sempre as minhas sugestões eram do agrado do comandante de Companhia (capitão de Artilharia, que não duvido seria óptimo naquela arma, mas não tanto a comandar pela 1ª vez no terreno uma companhia de Infantaria).

Neste curto briefing relativo ao golpe de mão àquela base, o Comandante da Companhia, indicou-nos que iam 4 africanos mas cujas funções não foram claramente mencionadas pelo que segui para a operação com a impressão de que eram 3 guias e 1 guia prisioneio, por ser o único que se encontrava amarrado. Só depois de ler o relatório é que fiquei a saber que afinal eram 2 guias e 2 guias prisioneiros.

Embora a minha seccção, a 1ª do 1º Pelotão, seguisse sempre à testa da Companhia (da 2ª era o Cruz e da 3ª o Bragança), naquele dia, devido à ausência do meu comandante de Pelotão, o Alferes Ferreira que, tal como eu, tinha sido ferido, na operação em Cancongo, encontrando-se ainda hospitalizado, parti do princípio que no final da reunião o Comandante da Companhia ia dar ordem para um oficial seguir à frente com o respectivo pelotão.

Estava enganado pois deu-me instruções para seguir à frente da coluna, levar um dos guia e o prisioneiro que estava amarrado, acrescentando que quando chegasse a altura devia tomar as decisões que fossem necessárias. Assim partimos para a operação às 23,15h.

Furriéis da CART 730 – Da esq para a dir: Venda, Vira, Alcides, Cruz (minas e armadilhas , à frente), Almeida, Passos (transmissões), Parreira (oe), Reis (manutenção auto) e Ribeiro (sapador).

Esta operação, embora o resultado esteja correcto não foi exactamente, nem podia ser, como consta no relatório. Na realidade apenas 5 homens incorporados na Companhia estiveram nas 12 casas de mato que faziam parte da referida base, conforme passo a descrever.



Seguíamos há várias horas pelo trilho em direcção ao que pensávamos ser o objectivo quando, num certo ponto, o guia, que ia à frente da coluna precedido pelo prisioneiro que ia amarrado com uma corda pela cintura e que estava ao cuidado do Leitão, colocou-se ao lado do prisioneiro, trocou umas breves palavras e depois disse-me que nos estávamos a aproximar de uma tabanca.

Dei ordem para prosseguir e quando a mesma estivesse visível que me avisasse. Passado algum tempo apontou-me a direcção de uma enorme tabanca que se podia avistar, não muito ao longe, e disse-me que devia estar abandonada.

Nesse momento parámos, pelo que não querendo assumir a responsabilidade que me tinha sido dada por não se tratar da Base de Biambe, disse ao soldado que seguia atrás de mim para informar o Capitão, que se estava a avistar uma tabanca que, pelo silêncio, devia estar abandonada, e assim ficava a aguardar instruções, no pressuposto que o Comandante me ia chamar para trocar impressões ou então mandar dizer para evitar a Tabanca e seguir por outro trilho na direcção do objectivo.

Fiquei algum tempo à espera das instruções quando para minha surpresa sou ultrapassado por soldados que se encontravam atrás, pensando possivelmente que aquele era o objectivo e por ordem não sei de quem avançaram na direcção da tabanca. Por outro lado, não compreendi a razão pela qual o Cruz e o Bragança também avançaram com as suas secções.

Continuei no mesmo sítio com a minha secção até que, juntamente com os camaradas que passavam por mim dirigindo-se à tabanca, apareceram os outros 2 guias que vinham algures na coluna (afinal, um era guia prisioneiro, muito embora se encontrasse com liberdade de movimentos) que não avançaram e ficaram também ali parados a meu lado.

Com os 4 africanos na minha presença, disse aos guias que perguntassem aos prisioneiros onde ficava a base. Falaram entre eles e um deles disse-me que um dos prisioneiros lhe garantira que a base de Biambe ficava a pouca distância dali, mas numa direcção diferente.

Na posse desta informação, e inconformado com a atitude do pessoal e pela pacifidade dos restantes graduados face à distorção da missão, disse à minha secção que aguardasse pois ia lá atrás falar com o Capitão Garcia.

Naquela altura já ele tinha começado a avançar e acompanhando-o disse-lhe que ali à frente não devia haver nada, conforme o tinha informado, e que o objectivo Inimigo, que era a razão da missão que ele nos tinha indicado no quartel, eram as casas de mato, a base de Biambe, que ficavam noutra direcção, segundo tinha acabado de me dizer o prisioneiro e não aquelas palhotas, e que por conseguinte poderia ser mais conveniente e proveitoso esquecer a tabanca e seguir.
Não ligou às minhas palavras, e, irritado, disse-me que ele é que era o Comandante da Cª. e que quem ordenava o que se devia fazer era ele.

A resposta seca, dura e autoritária na presença dos camaradas que estavam a seu lado, doeu-me tanto como se tivesse sido atingido por uma chicotada. Imediatamente, passou-me pela cabeça, que ia mesmo aventurar-me à procura do acampamento Inimigo,
apoiado por quem quizesse ir comigo.

Animado com a ideia que me tinha acabado de ocorrer, acompanhei-o até ele ter chegado ao lugar onde eu tinha deixado os africanos e a secção. O capitão e os militares que com ele seguiam continuaram em frente, e eu fiquei ali e disse aos africanos para me levarem à Base.

Falei com os meus soldados que ainda ali continuavam no sentido de tentar persuadi-los para avançarmos para a base Inimiga mas não se mostraram entusiasmados, dizendo-me que preferiam seguir também para a tabanca o que me causou grande frustração. Reconheci, contudo, que estavam no seu direito de recusarem.

Para não perder mais tempo, já perto das 4 horas da manhã, disse ao João Maria Leitão, a quem tinha sido entregue o prisioneiro amarrado, se se sentia com coragem para aquela digressão e ele disse-me que sim.

Foto com dois camaradas que sairam da minha secção na CART 730 e depois do 2ºCurso ficaram na 1ª equipa do Grupo cmds. Vampiros: António Paixão Ramalho “Monte Trigo” e o João Maria Leitão ao lado do Alf Mil António Vilaça (ex-CCaç 726), o Djamanca e o Justo. O João Leitão nos Comandos foi agraciado com a Medalha de Mérito Militar.

JP,Saraiva,VB,Marques em Set 65,em Brá

Da minha secção, aproveito para referir que também saiu o Cândido Tavares, o “República”, que ficou no mesmo Grupo mas noutra equipa. Sairam ainda o Furriel Joaquim Prates (que acabou por não frequentar o Curso de Comandos e foi transferido para a CCaç 763 em Cufar), o 1º Cabo Faustino dos Santos Viegas que foi para o gr. Cmds “Centuriões”, ferido em Jolmete em 3Ago65 e evacuado para o HMP, e os soldados Jacinto da Conceição Venâncio que foi para os “Apaches” e o José de Oliveira Gonçalves.

Desconheço os motivos pelos quais quizeram sair da CART 730 para frequentarem o 2ºCurso de Comandos uma vez que todos nós os que o fizemos não tínhamos qualquer problema disciplinar, pelo contrário, o Comandante da Companhia exerceu até alguma pressão para nos desencorajar, pelo que não sendo para seguirem as minhas pisadas, deduzo que deva ter sido, como todos os que foram para os Comandos, pelo espírito de aventura.

No meu caso, não foi pelo facto de ter sido ferido numa operação anterior, juntamente com outros camaradas. O Alf. Ferreira, meu Cmdt. Pelotão, também instruendo no CIOE, onde foi um dos melhores, uma vez chegado à Guiné desinteressou-se totalmente do exército, de tomar qualquer decisão ou até de dar qualquer opinião sobre as operações.

Mas continuando, a caminho de Biambe.


Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento, no último dia do mês de Fevereiro de 1965, fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso íamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

Naquela altura, a adrenalina estava ao rubro. Pelo sim pelo não, dei instruções aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o Inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera. Assim, iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.

Segundo me tinham dito a Base situava-se perto, o que me fez pensar que me dava tempo para ir e regressar à Companhia, antes de terminarem de vasculhar e, eventualmente, como era hábito, incendiarem a tabanca, o que ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias. Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamento como tinha previsto, já que perto do alvorecer, mas ainda escuro, vi um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato.
Apercebi-me que o guia prisioneiro tinha conseguido libertar-se da corda que o atava à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.
Passado pouco tempo chegámos à base de Biambe que, segundo contámos, era composta por 12 casas de mato que tinham sido recentemente abandonadas, possivelmente quando o inimigo viu as labaredas das 26 palhotas da tabanca a subirem para o céu.

Perante este panorama mandava a prudência que saíssemos dali o mais rapidamente possível, tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e, caso entrasse em contacto com os seus camaradas, iria denunciar a nossa presença.

Revistámos apenas algumas casas de mato e encontrámos: 1 GMO-RG34, 4 carregadores de PM, muniçoes de 9mm, 1 bolsa de pano, 1 sabre, 1 cinto de cabedal, 1 grade para GMO e vários documentos.Regressámos com as mesmas precauções, mas por um trilho diferente.

Tendo a Companhia acabado de incendiar a tabanca e preparando-se para retirar, vim a saber depois, o Capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e deu então pela minha falta, altura em que lhe disseram que tinha seguido com eles para a base
inimiga.
Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura.

Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós. Quando passadas várias horas chegámos à zona da tabanca, a arder, vimos a Companhia estacionada a aguardar o nosso eventual regresso.
Os soldados da minha secção vieram ao nosso encontro, e perguntei-lhes onde se encontrava o Comandante da Cª. Quando me dirigia para ele,reparei numa bajuda, provavelmente fugida da tabanca, rodeada por soldados.

Postal com bajuda “balanta”, Mansoa

Durante o curto trajecto, alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Fur Parreira tinha saido com os guias e ninguém sabia em que direcção. Um deles, bastante agitado, referiu que esteve perto do Capitão, e que o ouviu dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar. Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

Quando, acompanhado pelo Leitão, pelos três africanos e também por soldados da secção me abeirei do Capitão que, juntamente com os outros oficiais, ainda se encontrava encostado à àrvore, pude constatar que a sua expressão não era nada agradável.
Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não. Não lhe dando oportunidade para falar, e sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente:
- Meu Capitão, afinal esta operação não foi de todo infrutifera, pois trazemos-lhe este material.
Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e não fez qualquer comentário.O material foi o mencionado no relatório, mas foi a tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou.
Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo,já que não me criticou, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

Ataque IN a Bissorã

No dia seguinte das 00h05 as 03h00 o nosso aquartelamento e a vila de Bissorã sofreram ataques do IN. Atacaram de todas as direcções excepto do lado de Binar (tabanca “da outra banda”)e fizeram uso de quase todos os tipos de armamento: P, PM, GM, Esp.aut. e repet,, ML, LGF, Mort 60 e 82. Caíram na área do aquartelamento várias granadas de morteiro e de LGF, felizmente sem consequências.
A forte reacção e posterior perseguição levaram o combate para longe das nossas posições,principalmente do lado da granja e bolanha entre as estradas de Bissorã-Mansoa e Bissorã-Binar.
De madrugada consegui, a muito custo, convencer alguns soldados do pelotão para irmos fazer uma busca ao exterior do arame farpado, e apanhámos uma granada e um frasco de tintura.
De manhã saíu um pelotão que apanhou mais material e à tarde fomos nas Mercedes buscar palmeiras para os abrigos.

Dois dias depois deslocou-se a Bissorã, o Tenente-Coronel Braancamp Sobral(conhecido como o “Cavalo Branco”) que comandava o aquartelamento de Mansoa.
Contava que, mais dia menos dia, houvesse coluna militar para Bissau e assim não ia fazer mais operações com a Companhia. Mas isso não aconteceu. Apesar de já ter um substituto, ainda fiz mais duas operações, uma em Passe e outra em Binar.


Encontro em 5 Mai 07 com o Cmdt. CArt 730 presente


JP, Alf Orlando Valdez (Cmdt.2º.Pelotão), Capitão Garcia e outros camaradas.


Camaradas da m/secção da CART 730, no 4º. Almoço-convívio realizado a 5 de Maio de 2007, no Portal do Infante, na Marina de Lagos (de boina o República, do Grupo Vampiros)

A minha secção era composta pelos seguintes militares: 1º Cabo Francisco Dias, Soldádos José Maria de Oliveira, António Paixão Ramalho, João Maria Leitão, Francisco José Pires, Armindo Jerónimo Barrelas, Cândido P. Tavares, Jacinto Manuel Guerreiro e Custódio António Dias.

A alegria dos soldados!

Durante o período que dei instrução, ainda em Lisboa, passou-se um episódio que nunca poderei esquecer.

Aquele dia estava destinado a um dos treinos de rastejar e decidi que o mesmo fosse efectuado em cima de vários objectos nada aconselháveis, quando o tive que interromper, devido a uma dor súbita, aguda que senti na virilha direita. Chamaram um jipe para me levar de urgência para o Hospital Militar.

Perante o inesperado, eu a torcer-me com dores, e os instruendos a baterem palmas de contentamento por a instrução ter terminado. Fui submetido a uma intervençao cirúrgica e transferido a seguir para o Anexo. Quase a ter alta, fui "provocado" por outro dos internados. Saltei da cama e envolvemo-nos numa vigorosa “guerra” de almofadas. Resultado, os pontos rebentaram e voltei à estaca zero.

Durante o tempo em que estive internado, apresentaram-se do RAL 1 (unidade mobilizadora), o Alferes Ferreira, que iria ser o meu comandante de pelotão e, mais tarde, o Capitão Garcia que iria ser Comandante da Companhia 730.


2. Comentário do co-editor vb:

Completa-se assim o episódio da Metrópole ao Biambe (uma das mais faladas bases do PAIGC no Norte) do nosso Camarada João Parreira.

Estas memórias, tanto quanto me foi dado perceber, ressuscitaram quando se reformou. O Parreira, nos seus tempos de Guiné, fazia um diário, onde anotava desde acontecimentos bélicos a brincadeiras de bom e de mau gosto.

O JP é lisboeta genuíno, nasceu em Alcântara. Antes ainda de ir para a tropa, em Dezembro de 1966, ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Prestou o serviço militar entre 9 Agosto 1963 e 19 Agosto 1966. Fez a comissão na Guiné de 8 Outubro a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733. Foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois, foi para os Comandos Fantasmas do Cap Saraiva. Foi outra vez ferido em 20 Abril 1965 na operação Açor, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a sê-lo em 6 Maio 1965 na operação Ciao em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o JP a olhar para ele, sem nada poder fazer.

Regressou ao MNE em Setembro de 1966. Com saudades de África, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia em 23 de Dezembro. Geriu o Consulado Geral de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou a Salisbúria. Ia de vez em quando, melhor dizendo, todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulado. E por lá andou até Março de 80. Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, para ajudar a preparar uma visita presidencial e dar apoio consular à comunidade portuguesa. De novo em Lisboa, no MNE em 23 Dezembro 1981. Londres, em 30 Setembro 1982. Depois, Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, outra vez em Lisboa, no MNE.

E medalhas, João?

Da Guiné, as que tenho trago-as comigo, estão aqui, no corpo. Pelo meu trabalho no MNE, o Presidente da República espetou-me no peito a Ordem do Infante D. Henrique, que está guardada num estojo, em minha casa.

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Nota de v.b:

(1) Vd. post anterior > 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

Guiné 63/74 - P2036: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (11): Dr Brocas, o contador de estórias que era gago

Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1972 > Vista aérea do Rio Corubal, da ponte e do aquartelamento do Saltinho

Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados

XI Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72) (1). O Paulo é natural de Aguada de Cima, concelho de Águeda. Texto enviado em 1 de Julho último. O Paulo vai hoje encontrar-se com os nossos camaradas de Matosinhos que costumam almoçar juntos, em Leixões, às 4ªs feiras. O António Batista, o nosso querido morto-vivo do Quirafo, irá lá fazer uma surpresa aos nossos tertulianos, juntando-se ao evento.... Um abraço especial para ele e para os demais comensais. Já pedi ao Paulo que tire uma chapa para mais tarde recordar... (LG).


No Saltinho, quando da minha chegada, o Médico era o Alf Mil Martins Faria, chegado um mês antes de mim, substituindo o Alf Mil Méd João Brocas (era com esta alcunha que se apresentava) que esteve destacado na CCAÇ 2701 à volta de três meses. Só conheci o Dr João Brocas numa das minhas passagens por Bissau. Era um contador e um fazedor de histórias incríveis e mirabolantes.
Para ser mais fascinante, era extremamente gago. Já frequentava, ou já tinha a especialidade de Estomatologia, quando foi para a tropa,mas,como no Hospital Militar de Bissau, quando da sua chegada, havia vários estomatologistas, o Dr Brocas teve de passar por vários quartéis do CTIG como clínico geral.

Num dia de Agosto de 70,o Alf Mil Mota andava extremamente nervoso e inquieto e,passando pelo Médico, este pergunta-lhe:
-Oh Fer...Fer...nando que se pa...assa para an...da...dares tãão cha...te a...do?
-Porra, Dr, não me chateie os cornos, tenho avião daqui a três dias para ir de férias e não aparece a merda de um transporte para Bissau.

Depois desta conversa,o João Brocas dirigiu-se ao gabinete médico onde o Fur Mil Enf Freire atendia um civil africano.
-Oh Fre... eire o que é que gai...gai gaijo teem?
-Dr, o tipo tem uma diarreizita, já lhe dei uns comprimidos para ele tomar.
-Oh, Frei...frei..freire quem é você para fa...fazer um dia...dia...diagnós...ti...ti...co clí...clínico, deite gai...aijo na mar...mar...quesa.

Deitado na marquesa, o João Brocas faz-lhe uma apalpação na barriga.
-Frei...freire o... o caso é gra...grave. Soooro no gai..gaijo e peça uma evacuação y...y.ypsi...psi...lon
-Mas, Dr, o tipo fica bom com os comprimidos
-Po... oorra não dis...dis...cuta, eu, eu é...é...é... que sei.

Segue um dos enfermeiros para as transmissões pedir a evacuação ypsilon, enquanto o Freire coloca o africano a soro.

O João Brocas vai ao bar e diz ao Fernando Mota:
-Fer...fer...fer...nando pre...pre...para a ma...a...la da....daqui a trin...trin...ta mikes teens trans...transporte.

Passada meia hora,lá chegou o heli que evacuou o civil e deu boleia ao Fernando Mota.
Em consequência desta cena,chegou uma msg ao Saltinho,pedindo mais critério nas evacuações ypsilon.

Há mais histórias do Dr João Brocas,que ficarão para uma próxima oportunidade.

Paulo Santiago
ex-Alf Mil Comandante do Pel Caç Nat 53

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Nota de L.G:

(1) Vd.posts destas série:

12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2): nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)

1. O camarada José Martins, nosso especialista em pesquisa militar, também se dedicou a recolher elementos que ajudassem a reconstituir o passado do camarada Guido Brazão, enquanto combatente na Guiné.

Assim, em 31 de Agosto enviou à nossa amiga Conceição Brazão, irmã de Guido Brazão, a seguinte mensagem.

Caros Camaradas,
Amiga Conceição

Começo por pedir desculpa pelo tratamento informal, mas sou da opinião que estamos em família. Se os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são... os familiares dos nossos camaradas, da nossa família são, e, para mais, aqueles familiares dos nossos camaradas que levaram ao extremo o seu juramento perante a Bandeira da Pátria - dar a sua própria vida!

Quanto ao apontado no mail de hoje, e como não consegui executar o scaner dos textos (burrice minha), fiz a cópia dos mesmos e remeto em anexo.

O tratamento para os camaradas bloguistas é o habitual: transmitir os textos produzidos para arquivo e/ou reprodução no blogue.

Para a nossa amiga Conceição, permito-me tecer as seguintes considerações:

Não sei se reside na região de Lisboa. Se sim, pode dirigir-se ao Arquivo Histórico Militar, que fica no edifício do Museu Militar, com entrada pelo lado da Estação de Santa Apolónia.

Aí poderá solicitar para leitura, e reprodução de alguma parte que queira, do documento que se encontra arquivado na Caixa n.º 19 - 2.ª divisão – 4.ª secção, que é a História da Unidade (BCAV 2922) de onde foi retirado o texto que se encontra no anexo. A sala de leitura funciona entre as 11,30 e as 17 horas, se a memória me não atraiçoa.

Se pretender um documento mais personalizado sobre o nosso camarada e seu irmão Guido, poderá solicitá-lo ao Director do Arquivo Geral do Exército, sito no Convento de Chelas, em Lisboa. Dando o maior número de elementos que identifiquem o processo pretendido (nome, número, posto, assim como a sua qualidade de irmã e referindo até a causa e data do óbito, é muito provavel que consiga obter outros elementos que, por serem de índole mais pessoal e familiar, são sempre objecto de um procedimento mais cuidadoso.

A título de exemplo, em tempos consegui cópias das fichas militares do meu avô materno e de um tio paterno, que foram combatentes em França durante a I Grande Guerra, que aliás, não só fazem a minha delícia, como me permitem ir encontrando o percurso militar de ambos, já que um era militar de carreira e o outro, como muitos naquela época, ficou e segiu a carreira militar.

Já vou longo na minha escrita. Não quero deixar de reiterar a minha disponibilidade para esclarecer/aclarar algum facto constante do anexo, inclusivamente traduzir as siglas/abreviaturas que constem no texto.

Com a minha amizade

José Martins
Fur Mil Trms Inf
CCaç 5 - Gatos Pretos
Guiné - Canjadude
1968/1970

2. Segue-se o resultado do trabalho do nosso investigador privativo José Martins.

Extractos de:

RESENHA HISTÓRICO-MILITAR DAS CAMPANHAS DE AFRICA (1961-1974)

Do
8º VOLUME – Mortos em Campanha
Tomo II
Guiné – Livro 1
1ª Edição (2001) Página 553 (2º registo)


Nome - Guido Ponte Brazão da Silva
Posto - Alferes Miliciano de Cavalaria – Operações Especiais
Numero - 19769668
Unidade - Companhia de Cavalaria n.º 2748
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Estado Civil - Solteiro
Pai - Manuel Gonçalves Brazão da Silva
Mãe - Cesária Margarida Maria da Ponte
Freguesia - São Vicente
Concelho São Vicente – Madeira
Local de Operações - Camamelifé
Data do Falecimento - 22 de Outubro de 1970, em Canquelifá
Causas da morte - Acidente, com arma de fogo
Local da sepultura - Cemitério da Ajuda – Lisboa
Observações: Accionamento de granada – armadilha IN


Do
7º VOLUME – Fichas das Unidades
Tomo II
Guiné
1.ª Edição (2002) Páginas 284 e 285


Batalhão de Cavalaria n.º 2922
Identificação - BCAV 2922
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Comandantes - Ten Cor Cav António Manuel Guerreiro Chaves Guimarães
Ten Cor Cav Raúl Augusto Paixão Ribeiro
2.º Comandante - Maj Cav António José Pereira Calisto
Oficial Operações - Maj Cav João Luís Laia Nogueira Mendes Paulo
Maj Cav Augusto das Neves Oliveira
Comandantes de Companhia
CCS - Cap Cav João Manuel Duarte Moniz Barreto
Cap Mil Cav Rodrigo José Afreixo Ferreira
Cap. SGE Hermann Mendes Schultz Guimarães
CCAV 2747 - Cap Mil Cav José Joaquim Leal de Faria d’Aguiar
CCAV 2748 - Cap Cav José Eduardo Castro Neves
CCAV 2749 - Cap Cav José Luís Pereira Pissarra
Cap Mil Cav Rodrigo José Afreixo Ferreira
Divisa “À Carga!”
Partida - Embarque em 18 de Julho de 1970; desembarque em 23 de Julho 1970
Regresso - Embarque em 18 (CCAV 2747), 19 (CCAV 2748 e 2749) e 20 de Junho de 1972 (CMD e CCS).

Síntese da Actividade Operacional

Em 12 de Agosto de 1970, rendendo o BART 2857, assumiu a responsabilidade do Sector L4, com sede em Piche e abrangendo os subsectores de Canquelifá, Buruntuma e Piche; as suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do Batalhão.

Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamentos, reconhecimento, emboscadas e de controle e segurança de itinerários, além da protecção aos trabalhos de construção e asfaltamento da estrada de Piche-Nova Lamego, tendo ainda executado acções de reacção a numerosos e violentos ataques aos aquartelamentos e aldeamentos da sua zona de acção.

Da sua actividade ressalta a captura de 1 espingarda, 2 lança-granadas-foguete, 15 cunhetes e 26 granadas de armas pesadas e a detecção e levantamento de 22 minas.

Em 22 de Maio de 1972, foi rendido no sector pelo BCAÇ 3883 e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

X X X X X

A Companhia de Cavalaria n.º 2747 seguiu em 19 de Julho de 1970 para Piche, a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 2679, tendo assumido a função de intervenção e reserva do sector a partir de 20 de Agosto de 1970, realizando diversos patrulhamentos, batidas e escoltas.

De 30 de Setembro de 1970 a 19 de Janeiro de 1971, cedeu dois pelotões para reforço da actuação da guarnição de Bajocunda.

Em 24 de Maio de 1972, foi rendida pela CCAÇ 3544 e recolheu a Bissau, a fim de aguardar embarque.

X X X X X

A Companhia de Cavalaria n.º 2748 seguiu em 01 de Agosto de 1970 para Canquelifá, a fim de executar a sobreposição e rendição da CART 2439, tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento em Dunane, em 10 de Agosto de 1970.

Em 24 de Maio de 1972, foi rendida pela CCAÇ 3544 e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

X X X X X

A Companhia de Cavalaria n.º 2749 seguiu em 31 de Julho de 1970 para Piche, a fim de efectuar a sobreposição e rendição da CART 2440, tendo assumido a responsabilidade do referido subsector de Piche, em 12 de Agosto de 1970, com destacamentos em Cambor e Ponte do rio Caium.

Depois de, em 04 de Novembro de 1971, ter cedido dois pelotões para reforço da guarnição de Bentém, foi colocada nessa base se apoio à construção da estrada Piche-Buruntuma a partir de 29 de Novembro de 1971, mantendo, no entanto, os anteriores destacamentos referidos.

Em 01 de Abril de 1972, voltou a Piche, onde se manteve até ser rendida pela CCAÇ 3546, em 24 de Maio de 1972, após o que recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.


José Martins
Fur Mil Trms Inf
CCaç 5 - Gatos Pretos
Guiné - Canjadude
1968/1970
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Nota do co-editor CV

Vd. post de 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2012: Em busca de... (7): Meu irmão, Guido de Ponte Brazão da Silva, alferes, morto em Canquelifá, em 1970 (Conceição Brazão)

Guiné 63/74 - P2034: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás, Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)


Vamos mais uma vez falar do escritor Mário Vicente, ou melhor, do nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66), a propósito da apresentação do seu primeiro livro, Putos, Gandulos e Guerra, em 22 de Abril de 2000 (1).

A cerimónia de apresentação teve lugar no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Vila Fernando, sua aldeia natal, pertencente ao concelho de Elvas.

O livro foi apresentado pelo seu amigo e companheiro de sempre Dr José Luís Miguel de Carvalho, também ele ex-combatente da guerra do Ultramar, desta feita como Alf Mil em Angola.

Feita a apresentação pelo Dr Miguel de Carvalho, tomou uso da palavra o nosso camarada. Reconhecendo a Mulher como um pilar essencial no seio de cada família, nas diversas vertentes, principalmente como Mãe e, sentindo-se irremediavelmente preso à sua Terra-Mãe, dedicou, em preito de homenagem, ao seu Alentejo e às mulheres alentejanas o seu livro Putos, Gandulos e Guerra.

Introduziu no seu pequeno discurso poemas dedicados ao Alentejo e às suas gentes, de autoria de dois grandes vultos da literatura portuguesa: Florbela Espanca, poetisa alentejana, e Eugénio de Andrade, beirão, mas grande amigo do povo alentejano.



Capa do livro de Mário Vicente, Putos, Gandulos e Guerra (2000).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
A capa do livro também é uma homenagem. Mário Vicente quis homenagear os seus homens colocando na capa do seu livro, uma fotografia tirada no dia 22 de Dezembro de 1965, durante a Operação Tesoura, na região de Cadique.

Atentemos agora ao seu discurso:

-"Porque a vida não se troca, nem se vende por nada! Só não sente, quem não tem capacidade para recordar!

!A influente conspiração contínua, do adquirido sobre o inato, vai metamorfoseando o (barro) Homem, inoculando-lhe na inocência, - o saber de experiência feito - a escola da vida. Assim se vai nesta complementaridade, construindo o Ego de cada um de nós".

"Escrito sobre homens. Subrepticiamente vai revelando a influência da mulher, na sua desmultiplicação de: Mulher mãe, irmã, amante, companheira e amiga. Eis pois, como gato sobre brasas, Putos, Gandulos e Guerra transcreve a observação – vivida - de alguém sobre o que o rodeia".

"Não é este livro,pretensão literária! Mas tão somente o tentar transpor para a escrita, o sentir da vida – sofrida - do povo da Planície. E porque não também, essa força-mulher, que foi Florbela Espanca?"

Dela, o poema:

Pobre de Cristo

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.
Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas... a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu
Aonde a mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!
Truz... Truz... Truz... Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada!...

(...) "Sou um sofredor!... O cordão umbilical ainda não me foi cortado. Confio que não o seja!...
Sinto-me bem ligado à Terra-Mãe. Por esse motivo, aqui trago estas folhas, as quais espero sejam o símbolo de uma aldeia una, nesta linda planície".

"Assim sendo: Este livro não é meu! É dos que do nascer ao pôr do sol, - por magra jorna - trabalharam a terra que não era sua".

"É de quem vergado sob o sol escaldante de meio do dia esgotava as forças - dádiva da magra açorda com azeitonas, puxando pela torta, ceifando o-pão-trigo do mítico celeiro de Portugal".

"Este livro é também dos e das que encharcados, sob o agreste frio e chuva do Inverno enterrando as mãos na gélida terra, apanhavam: a fonte que daria força às sopas e luz à humilde candeia".

"Este livro é das mulheres escravas que após um dia de trabalho, em vez do merecido descanso, tinham ainda marido e filhos para tratar e a casa que, limpa e branquinha, lhes dava merecido orgulho!

"Este livro é daqueles e daquelas que sofreram a saudade da partida e a ansiedade da chegada, dos seus mais queridos, que viram partir para a guerra!

"Este livro é dos que aqui nasceram, e dos que aqui chegando criaram raízes!
Também vale a pena recordar" (...):

De Eugénio de Andrade:

Eu sou devedor à terra,
E a terra me está devendo.
Que a terra me pague em vida,
Que eu pago à terra em morrendo.

Finalizou dizendo: "Este livro é vosso, homens e mulheres da minha terra! "

Mário Vicente

2. Comentário de CV.

Ficamos assim a conhecer um pouco melhor a outra faceta do ex-combatente e nosso camarada Mário Fitas. Se o Mário quiser desvendar um pouco do seu livro, para aguçar o apetite a quem o pretender ler, teremos em breve algumas estórias no nosso blogue.
__________

Nota de CV.


(1) Sobre o seu último livro, Pami Na Dondo, v. posts de:

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2033: In Memoriam (2): O saudoso Amaral da horta e dos presuntos de Missirá (Jorge Cabral / António Branquinho)

Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 63 > 1971 > O António Branquinho, de pé, e o Amaral, vestidos à civil. Eram dois dos furriéis milicianos do Pel Caç Nat 63.

Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cuor > Missirá > Pel Caç NAT 63 > 1971 > O António Branquinho, uma bajuda e o Amaral (sentado).

Fotos: © António Branquinho / Jorge Cabral (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem que nos acaba de chegar, à caixa do correio, enviada pelo Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 :


Caro Luís: Hoje é tristeza que envio. A morte do Amaral causou-me imensa dor. Abraço Grande
Jorge

MORREU O AMARAL!

Andei um ano à procura do número de telefone do Amaral. Na semana passada consegui. Liguei logo, disposto a brincar. Perguntei por ele e ouvi:
- Morreu há dias, sentiu-se mal no casamento do filho, autópsia inconclusiva.

Abafei um soluço, e viu-o, à minha frente, simpático, risonho, bonacheirão... Informei o Branquinho, que me remeteu duas fotografias, e três apontamentos. Fala dos presuntos e da horta, episódios que já referi, romanceando (1), mas prometeu mais.

Passaram já trinta e seis anos. Porquê, então, esta tão grande mágoa? É que ele era, é da Família.

Camarada, Amigo, Irmão, tal como o Branquinho, que sei, sentiu igual desgosto. Amaral! Vamos continuar a contar as estórias da tua estadia em Missirá. Dessa forma, estou certo, continuarás vivo e entre nós.


Jorge Cabral


2. Texto do António Branquinho (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63)

Jorge: Conforme pediste, em anexo envio-te 2 fotografias com o saudoso Amaral em Missirá no ano de 1971, eu e ele trajados a civil para esquecer que nos encontrávamos no teatro de guerra na Guiné.

Lembrar o amigo e camarada:

(i) Quando íamos buscar géneros alimentícios a Bambadinca, incluindo nestes o bidão de vinho, logo que o mesmo era descarregado no nosso depósito de géneros em Missirá, dizia:
- Branquinho, vamos meter o espicho no pipo (bidão) para o provar afim de vermos se é de boa colheita.

Após isto, disse ser uma maravilha, comentando ser da colheita de 1969!...

(ii) Outra história, não estória:

Em Missirá conseguiu fazer uma horta, por força de sementes que trouxe da sua zona em Portugal, nomeadamente pepinos, tomates, nabiças, melancias, etc. Quando os produtos estavam quase prontos para consumir houve uma tremenda seca, pelo que a horta sucumbiu.

Perante esta situação fez um grande pranto à horta chorando copiosamente. Em Missirá os milícias caçavam muitos javalis. Perante este excesso de animais o Amaral lembrou-se de fazer presuntos dos mesmos. Dito e feito. Passado algum tempo, junto ao depósito de géneros sentira-se um cheiro nauseabundo. O que seria? Depois de muito cogitar chegámos à conclusão que se tratava dos presuntos do Amaral (javalis) (1). Aquilo eram bichos mais bichos e a carne putrefacta devido ao intenso calor e à falta de gordura dos animais.

Entre estas, muitas mais histórias te poderia contar acerca do nosso amigo e camarada Amaral.

Um abraço

António Branquinho

3. Comentário de L.G.:

Amigos e camaradas:

O In Memoriam foi estreado com o Zé Neto, o primeiro tertuliano a morrer (2)... Hoje recebi a triste notícia de que mais um dos nossos que deixou a Tabanca Grande mais pobre e mais triste... O Amaral, ex-furriel mil do Pel Caç Nat 63, em Missirá, sendo comandante o alf mil Cabral, já não está connosco. Ele não pertencia, formalmente, à nossa tertúlia, mas o Jorge (e agora o Branquinho) já nos tinha evocado aqui a figura desse camarada, que alguns de nós conheceram (a malta de Bambadinca, 1969/71)...

Um abraço de solidariedade para o Cabral e para o Branquinho, seus camaradas e amigos. Se mais alguém o conheceu, ao Amaral, que nos mande fotos ou notas sobre este camarada, cuja memória perdurará através do nosso blogue. Luís Graça, em semi-férias.

________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)


(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra.

Junto à fonte o Amaral havia construído uma viçosa horta, na qual os tomateiros, as alfaces e as couves medravam fortes, e dera-lhe na cabeça fabricar presuntos utilizando quartos traseiros de onças. Desta actividade lembro o cheiro nauseabundo, que até os mosquitos afastava.

Um dia aconteceu. Três vacas do mato, bichos que pareciam burros, invadiram a horta, banqueteando-se, com as saborosas verduras, o que o deixou, em fúria. Ciente que o criminoso volta sempre ao local do crime, eis na manhã seguinte o Amaral, emboscado, pronto a vingar-se. Pum, pum, pum, três tiros certeiros, e logo, eufórico, pedindo-me para ir a Bamdadinca transaccionar a carne.

Desmanchados os bichos e face à avaria da única viatura, contratou carregadores, aos quais pagou. Fazendo de cabeça as contas, anteviu um lucro fácil que lhe atenuasse a dor da horta destruída. Chegados ao Batalhão, porém, o vaguemestre olhou, cheirou e concluiu. Carne estragada, imprópria para consumo. Catorze quilómetros ao tórrido calor ...tinham sido fatais.

Gastou dinheiro, perdeu a horta e nunca o vi tão triste. Para o animar, aventurei-me a provar dos seus presuntos. Intragáveis, quase vomitei...

Ai, Amaral, Amaral, porque não te dedicaste à pesca!...

Jorge Cabral


Vd também post de 13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá (Jorge Cabral)

(...) Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.

(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!). Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.

Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu.

Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.

(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).

Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.

Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!

Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa de whisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló. Contou-me o Branquinho que, quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem!

(2) Vd. post de 31 de Maio de 2007> Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)

Guiné 63/74 - P2032: História de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves

Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem enviada, em 26 de Julho, pelo Tino Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71:



Camarada Luís:

Serve este para responder às tuas dúvidas sobre o meu irmão, 2º. Sargento Mil Sérgio Neves (1). Mas primeiro que tudo, o meu agradecimento, pelo facto de editares o material que te mandei sobre o meu irmão.

Já tinham sido publicadas várias estórias sobre ele no sítio Moçambique – Guerra Colonial , enviadas por mim.

Sobre a relação que o meu irmão tinha com o Cmdt Daniel Roxo, quero fazer primeiro uma pequena introdução. O Sargento Neves era uma pessoa muito dada, e amigo do seu amigo, e por onde passava arranjava sempre grandes e bons amigos, pois era um grande falador, um extrovertido, e também um bom copo ou garrafa, conforme a situação. Quero com isto dizer que por norma é neste embiente que se convive, e se fica a conhecer os outros e se fica amigo do amigo, pois pode-se apresentar uma pessoa a outra, trocar-se algumas palavras, e depois fica por ali, se não houver algo como Vamos beber um copo (escusado será dizer que nessa altura era o que se fazia mais).

Portanto, quando o meu irmão se encontrava com o Cmdt Daniel Roxo, que não era todos os dias, porque o Cmdt DR, muitas vezes, passava semanas a fio no mato, havia copos com toda a certeza, e nessas alturas era então que o Cmdt DR o convidava para ir com ele para o mato (desconheço se para fazer alguma operação em especial, ou simplesmente para fazer alguma patrulha à zona).

Mas que eram grandes amigos, eram, porque quando ele me falou do Daniel Roxo pela primeira vez, ele descreveu-o assim: UM GRANDE AMIGO!... E alguns anos depois do 25 de Abril 1974 veio cá a Portugal um irmão do Cmdt Daniel Roxo que visitou o meu irmão.

Como operacional, só me contou que uma vez houve uma grande operação com Forças especiais (Páras, Fuzos, etc) e também FAP. Estando todas as tropas posicionadas a cercar o objectivo, começaram a fazer fogo com tudo ao seu alcance, mas numa determinada altura o meu irmão, que estava junto do Comandante da operação, reparou que não havia resposta do IN, sugeriu que acabassem o fogo e, se depois não houvesse resposta do IN, ele com a sua Secção iria lá entrar e sair pelo outro lado.

O Comandante aceitou a sua sugestão e avisou o resto das tropas de que se iria fazer aquilo.O resultado foi que o meu irmão fez precisamente o que prometeu, havia lá só meia dúzia de elementos IN (não me recordo se foram abatidos ou capturados) e várias armas e munições. Quando o meu irmão e a respectiva Secção apareceu no outro lado, nem queriam acreditar no que ele tinha feito.

Uma ressalva em relação ao editado no Blogue: Quando se diz Era bom, julgava eu, porque ele dizia-me que só se lembrava que era militar quando fazia de Sargento de Dia, porque na Secção dele era o único militar, e ele era o Chefe, e falava da esposa do Major Tal, da filha do Capitão tal, etc. etc.... Deve ler-se: (...) "porque na Secção dele era o único militar e o Chefe do restante pessoal que era civil, como por exemplo 'esposa do Major, a filha do Capitão, etc.', em suma os familiares dos oficiais de maior patente".

Quanto à fama e alcunha de Mercenário, talvez tenham exagerado muito. Foi ele que me disse que tinha ficado conhecido pelos amigos como o Mercenário.

Quanto ao escrito Em Mueda os cordeiros que chegam são os lobos que saem - Adeus Checas, ele disse-me, quando me mostrou a foto, que tinha sido ele que o tinha feito, daí estar junto da frase, como senda a sua assinatura, ele mesmo.

Aí vai mais uma foto do Mercenário.

Sem mais de momento

Um abraço

Tino Neves

Almada

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Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)



7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)