segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 7763 (1965/66) > Estrada Cufar-Catió> Segurança montada enquanto se levantam as minas A/C.



Foto: © Mário Fitas (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem do Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar 1965/66, e autor dos dois romances sobre a guerra da Guiné (1):

Animado com a presença e conhecimento pessoal dos camaradas tertulianos da Tabanca Grande, foi, com grande curiosidade e algum nervosismo, que esperei pelo início do filme "As duas faces da Guerra", de Diana Andringa e Flora Gomes (2).

Fiquei estupefacto quando, ao entrar no hall da Culturgest, nos vimos relegados para uma fase lateral - a esposa do Briote, ele próprio, eu, e amigos da ADFA - pois a parte central estava completamente cheia e, para alegria minha e concerteza de todos, com muita gente jovem (em fisionomia, pois nós em mente, ainda estamos aqui prás curvas, desde que não sejam muito apertadas). O que é certo é que com seiscentos e tal lugares, o grande auditório ficou praticamente lotado.

E começou o filme. Voltei à Guerra e revisitei Cufar de outros tempos e chafurdei nos pântanos, bolanhas e rios de maré. Praticamente sem me aperceber, o filme tinha terminado.

Gostei!...Óptimo testemunho histórico!

O filme estará um pouco próximo do espírito da nossa Tertúlia, a sã convivência e lúcida reflexão do que se passou há quatro dezenas de anos.

A linha do filme está proximamente direccionada da nossa palavra de ordem "Não deixes que sejam os outros a contar a tua história", só que pobre da Diana e do Flora, se tivessem de falar com todos os milhões de homens e mulheres que viveram esta Guerra, [nunca mais fariam mais nada na vida!].

O que foi feito, a meu ver, está bem feito! Repito!... um bom documento histórico! "E longa a caminhada, e muito teremos de falar e tentar compreender". Tanto do lado do PAIGC como do Português, há ainda muitas coisas por desvendar.

Um pouco "ainda a quente", volto a frisar que é uma obra de mérito, honesta e sincera. Portanto as minhas felicitações à Diana Andringa e ao Flora Gomes! Continuem a vossa obra.

É claro que terei de rever o filme e dissecá-lo. Não tanto pela realização em si, mas mais pelo conteúdo dos testemunhos efectuados.

Que me desculpe o pessoal da Tabanca, mas nós, entre nós, temos de debater determinados tabus, ou seja varrer todas as teias de aranha. Há muitas coisas de efeitos e causas diferentes.

Reafirmando, "ainda a quente" dos testemunhos efectuados, algumas coisas me ficaram bailando na mente.

Como homem de Operações Especiais e vivendo a Guerra como vivi, terei forçosamente de saber alguma coisa sobre Guerrilha e Contraguerrilha. Assim com responsabilidade posso referir:

(i) Abandono de Guileje: estou cem por cento de acordo! Só quem pisava lama da Guiné e se encontrava no terreno, tinha de ter "tomates", falando portuguêsmente, independentemente do resultado disciplinar, e saber ensinar aos senhores da bota alta engraxada que, se numa guerra convencional há avanços e recuos, na contraguerrilha tudo isso mais acontece.

(ii) Ainda sobre Guiledge, palavras do comandante Pedro Pires (3): Guerra é Guerra... Julgo que foi uma expressão pouco feliz de um homem com as suas responsabilidades.

Desculpem-me todos os camaradas, principalmente o chefe da Tabanca Grande, mas para ficar aliviado, eu teria retorquido ao comandante Pedro Pires:
- Precisamente por Guerra ser Guerra, a CCAÇ 763 em seis meses varreu o seu sector na margem direita do Cumbijã, e saltou para a margem esquerda, Flaque Injã, Cadique, Caboxanque, etc....etc.... agora digo: MERDA DE GUERRA!!!.

(iii) Infelizmente há outras coisas! Um "D" que não foi tocado, a situação dos militares brancos e negros que serviram o Exército Português e cujos problemas se mantêm pior que há quarenta anos.

Desculpem camaradas, mas por vezes teremos de espirrar.

Terminando, pois a Diana não tem culpa destas coisas, por esse motivo lhe peço desculpa.À Diana agradecia que transmitisse ao Flora os parabéns pela obra que realizastes.

Um Abraço

Mário Fitas
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Notas dos editores:

(1) Vd. posts de:

12 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (23): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

(2) Vd. post de 22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

(3) Comandante Pedro Pires (n. 1934): De seu nome completo, Pedro Verona Rodrigues Pires, nasceu em São Filipe, Fogo, Cabo Verde, em 29 de abril de 1934.

Estudou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foi aqui que encontrou os futuros líderes dos movimentos de libertação que lutaram pela independência das colónias portuguesas. Foi também alferes miliciano da Força Aérea Portuguesa.

Com o início da luta armada em Angola em 1961, saiu de Portugal no meio de uma leva de estudantes africanos que foi a salto para França (entre eles, estavam os angolanos Iko Carreira, Gentil Viana e Daniel Chipenda e os moçambicanos Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi).

De França seguiu para Marrocos, onde colaborou com o dirigente da Frelimo, o moçambicano Marcelino dos Santos, na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas. Em 1963, Pedro Pires já estava em Dacar, Senegal, de onde transitaria depois para Conacri, antes de seguir para Cuba e para a URSS, onde frequentou cursos de guerrilha.

O sucesso da luta do PAIGC, na Guiné, liderada por Amílcar Cabral e Osvaldo Vieira (frente Leste), Luís Cabral e Francisco Mendes (Norte) e ristides Pereira e Nino Vieira (Sul), levou o partido a admitir a hipótese de criar um foco de guerrilha em Cabo Verde, que seria comandado por Pedro Pires, tendo Honório Chantre como adjunto. As ilhas de Santiago e de Santo Antão eram os palcos escolhidos para a actuação da guerrilha, com o apoio de Cuba. A morte de Che Guevara, na Bolívia, em 1968, terá levado Havana (e o PAIGC) a recuar...

Em Janeiro de 1973, é surpreendido, pelo assassínio de Amílcar. Na sequência deste trágico acontecimento, foi um dos protagonistas do II Congresso do PAIGC, que criou uma Comissão Nacional para Cabo Verde. Devido à popularidade que já desfrutava entre os combatentes, foi-lhe atribuída a presidência dessa comissão.

Foi depois escolhido para comissário adjunto (secretário de Estado) das Forças Armadas, quando o PAIGC proclamou a independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973. Nessa altura, Pires aparecia como n.º 2 de Nino Vieira, que acumulava as funções de comissário (ministro) com as de presidente da Assembleia Nacional Popular.

Depois da Declaração de Independência de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, foi designado ministro-presidente, cargo que ocupou até 1991, quando — como resultado de sua iniciativa junto com outros — o sistema multipartidário foi introduzido no país e o MpD - Movimento pela Democracia, de Carlos Veiga, conseguiu a maioria.

Com o advento da democracia e do multipartidarismo, em 1991, o Comandante Pedro Pires substituiu Aristides na liderança do partido (já designado por PAICV após a cisão de Nino), antes de empreender uma longa travessia do deserto durante a governação do MpD.

Em 2001, apresentou-se finalmente como candidato presidencial contra Carlos Veiga e venceu as eleições com apenas 17 votos de diferença. Em 22 de Março de 2001 foi empossado como sucessor de António Mascarenhas Monteiro.

Fontes consultadas:

Wikipédia
Diário de Notícias

Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

Angola > 1961 > Desfile de tropas > O António Rosinha, furriel miliciano, aparece aqui em primeiro plano, assinalado com um X (1)... O alferes, que vem à frente, e os três furriéis, imediatamente a seguir, empunham pistolas-metralhadoras FBP (Fábrica Braço de Prata) (1)... AS praças, brancas e negras, usam a velha Mauser...

Foto: © António Rosinha (2006). Direitos reservados

1. Texto do António Rosinha (2):

Assunto - RTP: Chover no molhado ou... caça à audìência ? A Guerra (3)

por Antonio Rosinha


Depois de ver pela enésima vez, durante mais de 30 anos, as imagens do primeiro episódio da "NOSSA GUERRA", (mais um nome para a confusão), prometi para mim, que não emitiria opinião sobre o assunto, nem com familiares, muito menos para os tertulianos.

Embora tivesse assistido a uma das cenas em Luanda, pelo menos à manifestação em frente à embaixada da América, perto da minha residência. Estava achegar a casa, vindo do quartel, pois já havia sido re-convocado, a seguir ao célebre 15 de Março de 1961.

Para completar o relato dessa imagem, onde a população deitou o carro da embaixada à baía de Luanda, essa mesma população marchou para uma Igreja da missão adventista, perto do mercado dos Lusíadas, pois já se sabia que fora nessas missões financiadas pelos EUA, (para dilatar a fé e o império, provavelmente), que o caldinho das matanças fora organizado. Essa igreja, mais tarde foi destruída. Claro que o Joaquim Furtado, mesmo em nove epísódios, [não pdoe contar todos estes pormenores,] nem em 90...!

Mas como disse, prometi não falar, mas cá estou a faltar à promessa, tudo porque... eu vi, apalpei, cheirei, respirei, vi o princípio, o meio, e só não vi o fim, porque para mim ainda não terminou a nossa guerra, porra!!! E já saí de Bissau em 1994. No entanto escrevo, porque, outros se anteciparam a mim. O caso do nosso maior, o Homem garandi, o Luís.

E penso que os tertulianos que me lerem, como não me acompanharam no pelotão daquela vida, 1957-1975, me vão desculpar se eu contar algo que nenhum tertuliano testemunhou.

Peço ainda ao Luís ou co-editores que exibam a mesma foto em que o Luís fala da minha FBP.

Primeiro é para dizer que essas FBP estavam inoperacionais em geral, porque as poucas que existiam em Angola eram da instrução, e com tanto "monta e desmonta" as molas de recuperação já não actuavam. Mas a mim não me fez diferença, pois que, tirando a carreira de tiro, nunca fiz fogo a não ser à caça. Nem fiz nem ouvi. Vivi 200 dias por ano em toda a Angola, durante os 13 anos de guerra, menos a tropa, em barracas de campanha.


O 25 de Abril apanhou-me nas terras que Lobo Antunes chamou "Os cus de Judas", numa barraca de campanha, acompanhado por 10 serventes, aparelhos de topografia e um Land Rover em estudo de estradas. Apenas soube do 25 de Abril no Domingo a seguir.

Segundo, é para dizer que a minha vivência em Angola está bem demonstrada nessa foto, pois desde os 3 furriéis até aos soldados recrutas que me acompanham não estão por ordem de altura nem côr, e que profissionalmente e socialmente foi essa a minha vivência e de milhares. Dentro do fabuloso "espírito desorganizativo" peculiar.

O que é que me fez continuar em Angola (conscientemente) depois de ver o efeito daqueles massacres? E depois de o primeiro capitão do quadro vindo da metrópole, que eu conheci de camuflado (Sousa e Silva, ou Silva e Sousa), me ter massacrado durante uma viagem, que estava ali a sofrer, porque nós os que estavamos em Angola, eramos uns ladrões, roubávamos os pretos e maltratávamo-los etc.? (Essa viagem foi numa picada de uma manhã inteira entre Golungo Alto e Cerca em 1961, num Jeep Wyllis). Escrevo isto porque tenho antigos colegas, e hoje já muita gente lê o nosso Blogue.

A principal explicação, ouvimo-la todos na RTP, da boca de Holden Roberto a Joaquim Furtado:
-Vou reivindicar o massacre antes que o MPLA o reclame.

Em Angola todos assimilaram isso e a maioria sabia que o MPLA era URSS e a UPA era EUA. A guerra fria. E um pouco de demagogia enganava aquele povo. Até hoje Angola sofre os efeitos daquele dia. Pois inicialmente, era um movimento só no Congo, e os angolanos não esqueceram durante os últimos trinta e tal anos de guerra, e jamais esquecerão.



Foto do aldo: Embema daUPA (União dos Povos de Angola, vriada em 1954, pot Holden Roberto). Fonte: Wikipédia (Imagem do domínio público)Holden Roberto [1923-2007], cunhado de Mobutu [1930-1997] (e ajudado por ele e pelos EUA), desapareceu durante uns anos, e só apareceu no 25 de Abril, e todos Angolanos ficaram admirados, ao ponto de se dizer que deveria ser outra pessoa, por ele, (propaganda do MPLA?)... Mal falava português, apareceu em Angola com soldados que só falavam francês, e espero que Joaquim Furtado recupere uma das primeiras entrevistas dele após esse reaparecimento, em que perguntado porque o povo não aderiu, ele respondeu, como um bom adventista:
-São coisas diabólicas, sem explicação.

Outras explicações para a minha permanência em Angola, conscientemente, foi que desde a escravatura das Áfricas, até à construção daquelas cidades e fronteiras, aquela vivência sem ordem de alturas nem cores, aquela desorganização, aquele desenvolvimento/atraso, (também conheci o Congo Belga e a Namíbia e a Zâmbia nas fronteiras), nada tinha a ver com políticas Leste/Ocidente, Salazar, etc.... Tinha sim e muito a ver com Portugal e todos os africanos que conheci. E eram independentistas. Treze anos na Guiné vieram-me confirmar a lógica do meu raciocínio e de milhares em permanecer em Angola.

Prometo aos tertulianos que não volto a referir nada que não se refira só à Guiné.

Um abraço
António Rosinha
__________

Notas dos editores:

(1) Sobre a pistola-metralhadora FBP, a Wikipédia diz o seguinte:

(...) A FBP é uma pistola-metralhadora desenhada [, em 1948,] pelo Major Gonçalves Cardoso do Exército Português, que combina as funcionalidades da MP40 alemã e da M3 americana. O resultado foi uma arma de confiança e com baixos custos de produção.

A arma acabou por ser produzida pela Fábrica de Braço de Prata (FBP) em Lisboa, sendo utilizada pelas Forças Armadas Portuguesas durante a Guerra Colonial.

A versão original FBP m/948 apenas permitia o tiro totalmente automático, inconveniente que podia levar ao grande desperdício de munições. Em 1961 começou a ser produzida uma versão aperfeiçoada (FBP m/961) que permitia, além do tiro automático, o tiro semi-automático.(...)


(2) Vd.post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(3) Vd. post de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2193: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (1): 18 episódios, às terças feiras (João Tunes / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

1. Comentário do Inácio Silva (1) ao filme-documentário passado na Culturgest, em 19 de Outubro de 2007, da autoria de Diana Andringa e de Flora Gomes, “As duas faces da guerra” (2):

Diana Andringa e Flora Gomes, a par de outros jornalistas consagrados, através de provas dadas, trouxeram, esta noite, a público, a voz, o ver e o sentir dos ex-combatentes portugueses, intervenientes na Guerra decorrida na Guiné, iniciada pelo PAIGC, no ano de 1963.
Com humildade, Diana Andringa, admitiu que muito ficou por contar do que se passou nos onze anos de guerra, impossível de retratar numa película com cerca de 100 minutos.

Valeu a pena ter estado neste evento, fundamentalmente por duas razões:

(i) nos momentos que antecederam a passagem do filme, verifiquei que os sacrifícios porque passaram os ex-combatentes, quase todos com histórias comuns, sedimentaram a camaradagem, o respeito e a amizade entre todos, independentemente do seu posto ou do quartel para onde foram mobilizados;

(ii) ficar a saber aspectos e pormenores da guerra, quer do lado português mas, principalmente, do lado do PAIGC, desconhecidos da maioria dos ex-combatentes.

O documentário começa de uma forma arrepiante ao mostrar um singelo monumento, com o formato de uma pirâmide semidestruída, no qual constam, sulcados e com muito pó, os nomes de combatentes mortos em Geba [, em 1967], em simultâneo com o capim, símbolo de beleza natural, de respeito e de medo porque servia de esconderijo aos beligerantes, de onde, geralmente, surgiam as emboscadas.

Depois, são apresentados relatos de episódios, na primeira pessoa, da vivência da guerra, tanto do lado português, como do lado do PAIGC, geralmente descritos com emoção, alguns com comoção.

Facto relevante e revelador das agruras da guerra foi um excelente excerto das filmagens efectuadas por uma equipa da televisão francesa, autorizada pelo general António de Spínola, a acompanhar, numa operação, uma companhia de militares portugueses que viria a ser atacada, em emboscada [, na região de Có/Pelundo], na qual o soldado Capela perdeu a vida e outros camaradas ficaram feridos. Foi manifesto o sentimento de raiva, de tristeza e de impotência dos camaradas ao verem caído, no solo, sem vida, um seu elemento que poucos minutos atrás estava pujante de vida. Esta operação pretendia demonstrar aos jornalistas franceses que Portugal tinha o controlo da situação...

Talvez o aspecto mais revelador do documentário é a descrição, com algum pormenor, de certas tácticas de guerrilha empregues pelo PAIGC, sendo salientado o recurso frequente aos elementos infiltrados nas tropas portuguesas para obterem informações militares, para futuros ataques. Ao longo dos anos, foi notória a evolução das técnicas de guerrilha, por parte do PAIGC, que, aliadas a um cada vez melhor apetrechamento de material bélico, iam criando crescentes dificuldades às tropas portuguesas, tornando-as, dia a dia, ano a ano, mais vulneráveis.

De salientar, também, um aspecto digno de registo: os guerrilheiros do PAIGC, assumiam uma atitude disciplinar exemplar e de profundo respeito para com o seu comandante Amílcar Cabral. Esta atitude adveio dum facto importante: os guerrilheiros eram recrutados para as fileiras do PAIGC, através de convite, sem nenhuma obrigatoriedade, sendo que, se não a integrassem, teriam que manter segredo relativamente a tal convite e àquilo que lhes foi dado observar.

O documentário refere, ainda, passagens de portugueses que integraram voluntariamente as fileiras do PAIGC, bem como militares que desertaram ou foram capturados, alguns deles acabando por colaborar com a guerrilha. Embora o filme não o refira, verificou-se, igualmente, o apoio dos nativos Guineenses às tropas portuguesas, muitos deles recebendo treino militar e integrando companhias de combate.

Como corolário das enormes dificuldades criadas pelo PAIGC, os militares portugueses ocupantes do Destacamento de Guileje foram obrigados a abandoná-lo, juntamente com a população (ao todo, cerca de 600 pessoas), dirigindo-se para Gadamael, episódio que é relatado pelo último comandante do destacamento de Guileje [ou melhor do COP 5, o major Coutinho e Lima]. De nada serviram os avisos enviados ao General António de Spínola acerca das extremas dificuldades porque estava a passar toda a Companhia. O Presídio Militar foi o destino do Comandante...

Mas a principal e mais importante constatação, que nos rejubila, é a inexistência de ódio ou de ressentimento entre as partes beligerantes.

É com documentários deste tipo que ficam gravados para sempre, que são trazidos à memória dos portugueses – velhos e novos - aqueles tempos, aquele período negro da história de Portugal, vivido com ingentes sacrifícios pelos ex-combatentes. Período que os políticos no poder, depois do 25 de Abril, teimam em fazer de conta que não existiu.

Aconselho, pois, todos os ex-combatentes a publicitarem este documentário e a vê-lo, logo que possível, levando consigo familiares e amigos.

Da minha parte vai toda a minha admiração e agradecimento à equipa que deu luz a este projecto. Bem hajam.

Charneca da Caparica, 20 de Outubro de 2007.

Inácio Silva
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Notas dos editores do blogue:

(1) Sobre o Inácio Silva, autor do blogue Relembrar para Não Esquecer, ,madeirense, reformado do Metro, residente na Charneca da Caparica, ex-operacional da CART 2732 (Mansabá, 1970/72),vd. os nossos posts:

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): o debate dos generais (Inácio Silva)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

(2) Vd. posts de:

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2186: Uma guerra, duas vitórias: entrevista de Diana Andringa à RTP África (Luís Graça)

19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2194: Pensamento do dia (13): É na guerra que se revela o pior e o melhor das pessoas (Diana Andringa, Visão, nº 763, de ontem)

20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

domingo, 21 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2199: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (6): A crítica de Leopoldo Amado

1. Da crónica semanal do Lepoldo Amado, na sua página hi5 Leopoldo:Diário (com a devida vénia...)

Leopoldo Amadao > Crónica de Sábado > As duas Faces da Guerra

20 de Outubro de 2007, 12:12

Assisti ontem à estreia em Portugal do filme “As duas Faces da Guerra”, de Diana Andringa e Flora Gomes. Para além de um documento histórico em si, este filme é, ele próprio, um importantíssimo documentário histórico, independentemente das observações criticas que um filme de natureza histórica possa suscitar – e suscita sempre – tanto mais que este possui intrinsecamente, do nosso ponto de vista, a dupla valia referida, para além também, obviamente, de um respeitável equilíbrio e sentido da história, pese embora o facto de, em certo sentido, ser nele notório um certo escamoteamento das contradições, divergências e confrontos de que esta guerra se rodeou, tanto entre os contendores como no seio de cada uma das partes tomadas separadamente, de resto, uma feliz opção histórico-cinematográfica que acabou neste filme por condicionar uma visão do conhecimento do passado – não tanto como a relação deste com o nosso tempo, na sua complexa teia de rupturas e continuidades – mas privilegiando antes uma abordagem das heranças diversas que produziu, positivas umas, negativas outras.

Outrossim, este filme da Diana Andringa e Flora Gomes – para lá dos tabus que as guerras engendram e sem desprimor para a importância histórica de que igualmente se revestiram as guerras de Angola e Moçambique no âmbito da guerra colonial/guerras de libertação – possui também o condão de reintroduzir a ideia segundo a qual a Guiné teria sido, indubitavelmente, o palco de guerra onde se registaram os maiores e mais violentos confrontos, maiores e mais situações dramáticas, maiores e mais apaixonantes episódios insólitos, mas igualmente a que suscita hoje uma maior profusão de livros, blogues colectivos, memórias diversas, teses académicas, para além de maiores e mais sensatas atitudes de reconciliação e aproximação que se registam hoje entre os antigos contendores, sejam eles europeus e africanos ou africanos entre si, considerando que, na fase terminal da guerra da Guiné, só os efectivos guineenses do Exército português eram cerca de três vezes superior aos do PAIGC.

Mas o que de melhor representa este filme, não é demais repeti-lo, é o seu refinado sentido do equilíbrio e da História, nele sobressaindo, claramente, o cunho individual, também refinado, do alto sentido artístico-histórico tanto de Diana Andringa como o de Flora Gomes. Dir-se-ia, aliás, que um filme com esta qualidade e com a dupla valia referida – para lá da sua indubitável beleza estética – só podia ter sido concebido e conseguido pela feliz parceria de cineastas de reconhecido valor e com provas sobejamente dadas e que, como tal, mostraram-se completamente despretensiosos e abertos à necessidade, quantas vezes adiada e esquadrinhada, de construção de um possível e novo mundo, com base nos ensinamentos e heranças históricas comuns, tanto positivas como negativas.

Parabéns, Diana! Parabéns, Flora!

Leopoldo Amado

Guiné 63/74 - P2198: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (5): Agradecimento de Diana Andringa

1. Mensagem de Diana Andringa, enviada esta madrugada:

Em primeiro lugar, quero agradecer a vossa comparência na estreia do documentário e todas as palavras simpáticas que nos (aos autores do filme) dirigiram.

Em segundo, pedir desculpa se não conversei com todos nem me despedi da maioria - mas, antes da projecção, além do nervoso, estava a tentar receber todos os convidados. E, depois, parei a conversar com alguns e demorei a chegar à saída.

Em terceiro lugar, lamento que o debate não se tenha efectuado ontem, logo a seguir ao filme. Mas os trabalhadores da Culturgest têm direito ao descanso... Para os que quiserem, hoje domingo, às 20, lá estarei, na Culturgest, para o debate.
Finalmente, aguardo as vossas críticas. Que, naturalmente, me interessam muito.

Obrigada outra vez,

Diana

2. Apelo do editor do blogue, L.G.:

Amigos e camaradas:

Agora agora gostava de conhecer a reacção, sincera, espontânea, dos nosssos tertulianos ao filme...

O filme ficou aquém (ou foi além) das vossas expectivas ? E quais eram essas expectativas ? Mexeu convosco, mexeu com as vossas emoções ? Foi (des)confortável ? Gostaram ? Mostrou, de facto, os dois lados da guerra ? Era politicamente (in)correcto ? Foi objectivo e equidistante ? Era mais pro-PAIGC, não foi isento ? Deu mais tempo de antena a uns do que a outros ? Os realizadores escolheram as pessoas certas, de um lado e de outro ? Ignoraram ou escamatearam coisas importantes e polémicas, de um lado e de outro ? Por exemplo, o Congresso do PAIGC em Cassaca,em 1964, ou a invasão de Conacri, pelas NT, em 22 de Novembro de 1970...

Enfim, foi importante ter sido realizado e mostrado este filme aos portugueses, aos guineenses e aos caboverdianos ? Ou foi dinheiro deitado ao lixo ?

Não se esqueçam que nós tínhamos vinte anos e já se passaram 40... E que em matéria de audiovisual há muito pouco para mostrar aos vindouros... Ou será que o exército ainda guarda a sete chaves documentos audiovisuais classificados ? Reparem que os realizadores do filme tiveram que ir buscar, aos franceses, um bocado de uma reportagem de guerra, para mostrar uma cena de uma emboscada do PAIGC com mortos e feridos para o nosso lado...

Fazendo minhas a pergunta e a resposta do meu camarada Humberto Reis:

Onde é que estavam os nossos fotocines, os nossos operadores de cinema militares ? Em centenas e centenas de quilómetros batidos, a pé (!), por nós e pelos nossos nharros da CCAÇ 12, nunca vimos um fotocine... Andavam na propaganda, sempre atrás do Spínola e da sua corte... A guerra, que se travava nas bolanhas e lalas, nas florestas-galeria, na savana arbustiva, nas picadas, no tarrafo, nos rios e braços de mar, nas tabancas, nos destacamentos, nos aquartelamentos do mato.... nada disso foi filmado. Restam as nossas fotos, os nossos testemunhos, o nosso sangue, suor e lágrimas...


Em suma, digam muito sinceramente o que sentiram e viram... Vamos publicar as vossas opiniões (dos que viram o filme)... Eu reservo a minha opinião para mais tarde, não quero inibir bem influenciar ninguém... Só quero que fundamentem as vossas opiniões: gostei ou não gostei do filme, por isto e por aquilo... Não é preciso ser crítico de cinema, para dar opinião sobre um filme... Nós estivemos lá, mesmo que cada nós só tenho visto um face da guerra... Por isso mesmo, juntar a nossa à parte...

Espero ir ao debate, hoje, às 20h, na Culturgest.

Luís Graça

PS - Atenção: É preciso não ignorar o seguinte: este filme foi feito com escassos recursos (humanos, técnicos, financeiros)... Não estamos na América, estamos em Portugal...

sábado, 20 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

Culturgest > DocLisboa2007 > 19 de Outubro de 2007 > Estreia do filme As
Duas Faces da Guerra, de Diana Andringa e Flora Gomes (Portugal, 2007) > Malta do nosso blogue > Da esquerda para a direita, o António Marques Lopes (um dos antigos combatentes portugueses, que aparece no filme, falando de Geba, Banjara e Barro); um camarada que não consigo identificar; o nosso historiador, o Leopoldo Amado; e o Xico Allen (que veio propositadamente do Porto, com o A. Marques Lopes e o Álvaro Basto).

Culturgest > DocLisboa2007> Num hall, repleto de gente, fazendo horas para a entrada do Grande Auditório, os nossos tertulinos Jorge Cabral, Luís R. Moreira e Humberto Reis.



Cuturgest > DocLisboa2007 > 19 de Outubro de 2007 > Ao centro o Luís Camões, ladeado à sua direita pelo Fernando Franco e, à esquerda, pelo Luís Nabais.


Culturgest > DocLisboa2007> 19 de Outubro de 2007> Da esquerda para a direita: ao centro, o nosso co-editor Virgínio Briote conversa com o coronel Carlos Matos Gomes, de costas; está ladeado, à sua direita pela sua esposa e pelo Mário Fitas, o autor do romance de "Pami Na Dondo, a guerrilheira" e à sua esquerda, o Inácio Silva e esposa.


Culturgest > DocLisboa2007> 19 de Lisboa > O Álvaro Basto e a esposa, que vieram do Porto com o A. Marques Lopes e o Xico Allen.

Culturgest > DocLisboa2007> O Coronel Nuno Rubim conversa com o seu antigo Alferes, o Virgínio Briote, tendo à esquerda um amigo (que me foi apresentado, coronel, mas cujo nome não fixei, I' m sorry), e à sua direita, a esposa do Virgínio Briote.


Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.




À hora marcada, lá estávamos nós na Culturgest. Eu tinha vindo de boleia, com o Humberto Reis. Noite de verão, a fazer lembrar a Guiné. Cá fora, reconheci um primeiro grupo de tertulianos... Os primeiros abraços...

Pelo número de convites distribuídos, devíamos ser mais de 30. Nós, a malta da tertúlia, novos e antigos, mais os seus familiares e amigos. Pela multidão que se concentrava no hall da Culturgest, a estreia do filme da Dina e do Flora prometia ser um sucesso. E, na realidade, o Grande Auditório estava praticamente cheio quando se deu início à projecção do filme, A Diana estava visivelmente feliz, recebendo os seus muitos amigos e convidados. O Flora não podia estar. Por compromissos de agenda, estava àquela hora nos Estados Unidos.

A apresentação e crítica do filme ficam para um próximo post. A minha crítica e a crítica dos demais amigos e camaradas que queiram publicitar, aqui, os seus comentários e reacções.

Para já deixem-me dizer quem estava, quem encontrei, de quem me lembro. Como devem imaginar, quantos encontros, apresentações e algumas surpresas, é muito natural que eu cometa a indelicadeza de omitir alguém:

(i) A. Marques Lopes, o Xico Allen e o Álvaro Basto (mais a esposa) que tinham acabado de chegar do Porto; O Pimentel era também para vir, mas não veio, por não ter conseguido desenvacilhar-se de compromissos prévios.

(ii) o João Carvalho e o Zé Martins – os dois Gatos Pretos de Canjadude; foi uma oportunidade para conhecer pessoalmente o João, o nosso wikipedista;

(iii) O Tino Neves, que me promteu passara para vídeo, algumas cenas do passado no Natal em Nova Lamego;

(iv) o Inácio Silva, acompanhado da esposa: ficou com pena de não poder rever o seu camarada Carlos Vinhal, nosso prezado co-editor;

(v) o António Santos (que veio acompanhado da mulher e do filho);

(vi) o António Duarte, ex-CART 3493 e ex-CCAÇ 12 , também com o seu filho;

(vii) o nosso querido co-editor Virgínio Briote e a esposa (que estavam para ir ver o filme no Cinema Londres, na 2ª feira)

(viii) O Benjamim Durães, da CCS/BART T 2917 (Bambadinca, 19770/72) (trouxe-me uma lembrança do último convívio da sua unidade, em Setúbal, a que eu não pude ir);

(ix) O Carlos Américo Cardoso (o nosso único representante do famigerado Hospital Militar de Bissau), e que veio com a sua simpática filha;

(x) O intendente Fernando Franco;

(xi) O Hélder de Sousa, que me trata carinhosamente como comandante (fico embaraçado, Helder!), e que mora em Setúbal, tal como o Durães;

(xii) O Jorge Cabral (que eu apanhei, malandro, a fumar o seu cachimbo!);

(xiii) O nosso historiador Leopoldo Amado que, com ar feliz, se disse estar bem encaminhado a publicação, em livro, de uma versão da sua tese de doutoramento (editora Campo das Letras, Porto);

(xiv) O Luís Camões, que me perguntou pelo GG (o seu camarada cripto da CCAÇ 12 e o nosso Bob Dylan de Bambadinca, na época de 1969/71); O GG, de facto, não apareceu, preferindo ver o filme na próxima 2ª feira.

(xv) O Luís F. Moreira, o ex-Alf Sapador da CCS / BART 2917, que tal como eu não esquece o dia 13 de Janeiro de 1970;

(xvi) O Luís Nabais e esposa (finalmente, conhecemo-nos!);

(xvii) O Mário Fitas, que não conhecia pessoalmente e que a teve a gentileza de me oferecer um exemplar dos seus dois livros; no mais recente (Pami Na Doindo, a guerrilheira) escreveu a seguinte dedicatória:
Silêncios parados, ressoar de passos do passado! Para o Dr. Luís Graça, agradecendo toda a disponibilidade para com todos os que fizeram o 'Vietname Português'. Um abraço sincero do Mário Vicente.
Obrigado, Mário, o Doutor é que está mais, camarada! Fica o pedido de autorização para publicares no nosso blogue a belíssima narrativa da tua guerrilheira...
(xvii) Também tive a oportunidadade de novos camaradas, dos quais não fixei lamentavelmente o nome, no meio daquela multidão toda (espero que me contactem, e se apresentem ao resto da tertúlia). Um deles foi o Delfim Rodrigues, que veio propositadamente de Coimbra, e estava acompanhado de um amigo de Lisboa. Tinha-nos escrito na véspera o seguinte:
Boa noite: Chamo-me Delfim Rodrigues e fui 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAV 3366 do BCAV 3846 que esteve em Suzana e Varela em 1971/73.
Amanhã vou estar na estreia do filme "As duas faces da guerra" na Culturgest pois consegui que me comprassem um bilhete. Apesar de não ter ainda pedido a minha entrada na Tertulia, gostaria de vos conhecer pois estarei sozinho deslocando-me de Coimbra onde moro. Gostaria de entrar para a Tertúlia mas ainda não tenho as fotos digitalizadas, se me aceitarem, enviá-las-ei mais tarde. Como não sou grande coisa a escrever não tenho preparado qualquer texto para vos enviar. Delfim Rodrigues, Nº Mec 075142/70, 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem.

Dei um abraço ao Delfim e as boas vindas à nossa tertúlia. Vou pedir ao Carlos Vinhal para formalizar a sua entrada. Recorde-se que, até agora, só tínhamos um um representante dessa unidade: vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1942: Susana, chão Felupe (Luís Fonseca, CCAV 3366, 71/73) .

(xxviii) Houve outros camaradas que disseram que vinham, como o Manuel Rebocho, e que eu gostaraia muito de conhecer pessoalmente mas que não apareceram. Muito provavelmente desencontrámo-nos.

Um outro caso é o Victor Alves, que foi furriel miliciano vagomestre na CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73), o periquito do Jaime Santos, o primeiro vagomestre da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadina, 1969/71). O Victor vive em Santarém e aderiu em Junho deste ano nosso blogue: vd. 11 de Junho de 2007 >

Guiné 63/74 - P1832: Convívios (15): CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971-73), 2 de Junho de 2007, Azeitão: o 34º encontro anual (Victor Alves).

O Victor disse-me que vinha, de Santarém, com mais malta, ver o filme. Também nos desencontrámos, seguramente. Só falei com ele pelo telefone.

(xx) Falta-me ainda mencionar o nome do Jorge Canhão, que teve a gentileza de me oferecer um exemplar, fotocopiado, da História do BCAÇ 4612/72.

O Jorge é também dos novos membros da nossa tertúlia >
18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72.
A todos (incluindo aqueles cujos nomes não fixei ou que omiti, por lapso) o meu agradecimento pelo interesse manifestado em ver o filme e aproveiar o ensejo para um curto convívio da nossa tertúlia. Devido ao adiantado da hora (a sessão acabou para lá da 1ª hora da manhã, do dia 20), não houve debate e a malta dispersou-se... O que foi pena. Haverá mais oportunidades de ver ou rever o filme em conjunto.
Obrigado à Diana Andringa e ao Flora Gomes pelo filme de que eu, desde já, quero dizer que gostei muito. Farei, noutro post, a minha apreciação crítica. Penso que os camaradas, em geral, gostaram do filme. Falei, muito rapidamente, com meia dúzia, no final.
Entenda-se: não é o filme da guerra da Guiné, nas sim um filme-documentário sobre o verso e o reverso, as duas faces, de uma guerra que envolveu portugueses, caboverdianos e guineenses (e já, agora, também cubanos, que os houve como médicos e conselheiros militares)...

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2196: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (3): Para a petite histoire do filme (Diana Andringa)

Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 (1967/69) > Croqui do monumento erigido, em Geba, aos "mortos que tombaram pela pátria"... Em 1995, a jornalista Diana Andringa visitou Geba, na região de Bafatá, e escreveu, a propósito deste monumento, semi-destruído, uma peça, belíssima mas pungente, no Público,de 10 de Junho de 1995, e reproduzida depois no nosso blogue (1)... Foi a partir daqui que começou a amadurecer a ideia do filme, As Duas Faces da Guerra, que acabou por realizar, em 2007, com o guineense Flora Gomes (2).

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem da Diana Andringa, com data de 2 de Abril de 2007. Na altura, considerei que era uma mensagem pessoal, não devendo ser divulgada no blogue. Hoje, penso que já faz parte da petite histoire deste filme que se estreia hoje, em Lisboa, com a presença de um pequeno núcleo de representantes da nossa Tabanca Grande, a convite da equipa de produção e realização (2).

Luís Graça,

o meu nome é Diana Andringa, sou jornalista e estou a fazer um documentário, com o realizador guineense Flora Gomes, sobre a guerra colonial/luta de libertação na Guiné Bissau: "As Duas faces da Guerra".

A razão deste documentário é simples: a primeira vez que fui à Guiné impressionou-me o facto de todos aqueles com quem falava me repetirem que nunca tinham combatido os portugueses, mas apenas o colonialismo de Salazar. E a ideia - muito estranha para um(a) civil - de que da guerra tinha nascido um maior conhecimento e uma maior amizade entre os dois povos, havendo até como que uma "fraternidade de armas" entre combatentes de ambos os lados. (Reforçou a vontade de fazer o filme encontrar em Geba uma pedra com nomes de militares, certamente jovens, mortos no dia em que, em Lisboa - opondo-me a essa guerra e defendendo o direito dos povos das colónias à independência - eu fazia 20 anos.)

Regresso agora da Guiné e de Cabo Verde, onde estivemos a entrevistar antigos combatentes do lado do PAIGC - e também algumas pessoas que estavam em contacto com os militares portugueses. Interessou-me sempre perceber se, alguma vez, um desses combatentes se tinha defrontado com alguém que conhecesse, ou de quem fosse amigo. Não consegui encontrar essa história.


Li agora, no seu blogue, a história do encontro de Mário Dias
com o Domingos Ramos (3). Não creio que saber que o Domingos Ramos, como o Mário Dias, preferiu não disparar sobre um amigo, o ponha em causa junto do PAIGC. Um dos organizadores do ataque a Guileje disse-me, sobre o abandono do quartel:
- Ainda bem que saíram, se não teríamos de os aniquilar.

E mesmo pessoas torturadas pela PIDE me explicaram que tinham visto, durante a prisão, cenas de humanidade por parte de portugueses.

Queria, por isso, ver se conseguia que o Mário Dias nos contasse esse encontro com o Domingos Ramos no documentário. Vou filmar nas próximas 2 semanas e, se ele aceitasse este pedido, haveríamos de encontrar uma data que lhe conviesse.

Já lhe enviei um mail, sem êxito. Será que o Luís Graça pode interceder por mim? Ficar-lhe-ia muito grata.

Pode contactar-me por este mail ou pelo meu telemóvel (...).

Melhores cumprimentos,

Diana Andringa
Jornalista
(carteira profissional nº 80)

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXIII: Antologia (4): 'Homenagem aos mortos que tombaram pela pátria': Geba, 1995 (Diana Andringa)

(2) Vd. posts de:

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2186: Uma guerra, duas vitórias: entrevista de Diana Andringa à RTP África (Luís Graça)

19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2194: Pensamento do dia (13): É na guerra que se revela o pior e o melhor das pessoas (Diana Andringa, Visão, nº 763, de ontem)

(3) Vd. posts de:

1 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2148: Blogoterapia (34): Da minha proverbial preguiça ao carro de granadeiros e ao Domingos Ramos que eu conheci (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P2195: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (6): Hoje perdi o meu braço direito, o Casanova

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Comando e CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > Edifício do comando > "Até sinto as botas a calcar este saibro incendiado pela laterite...Por aquela porta terei entrado centenas e centenas de vezes, à procura de um duche, dormida, mesa, repouso. Entrei por ali em todos os segundos que faz um dia. Contornando à squerda ,vendo a linha de janelas, tínhamos o gabinete do Major de Operações, cheio de mapas e sigilo, depois o gabinete do 1º Comandante e depois do 2º. Ao fundo, o universo do cripto, ali o Calado [, o Alf Mil Trms,] não deixava entrar ninguém. Em frente a este corpo do edifício, estendia-se a estrada que, trezentos metros à frente, bifurcava para o Xime e Mansambo. Passei por ali a última vez em 1991, vindo de Aldeia Formosa. Depois do que vi à ida, preferi virar a cara, no regresso" (Beja Santos, 13 de Julho de 2007).


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Texto enviado, em 3 de Setembro último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).



Luís, vim hoje de férias e reenvio-te o episódio nº6, na sua versão revista. Como estamos a acabar o período de Missirá, peço-te que vejas as fotografias que ainda não foram editadas a elas referentes.

Peço-te igualmente que me digas se queres entrar em contacto com o Coronel Coutinho Lima, o oficial superior que foi punido por ter abandonado o Guileje. Espero tenhas tido uma boas férias. Amanhã telefono-te. Um abraço, Mário.

Operação Macaréu à Vista - II Parte (6) > Hoje perdi o meu braço direito (1)

por Beja santos

Nova conversa esotérica com Lânsana Soncó

Caminhamos para o fim de Setembro, começo a desinteressar-me em responder às cartas incendiadas que chegam dos entes queridos. Limito-me a agradecer as notícias, comunico que há portadores que levam artesanato, bebidas alcoólicas e tabaco, a minha Mãe está cada vez mais doente, registo novas recusas dos papéis de Bafatá que enviei para o casamento por procuração, volto a escrever à Cristina:

“Desce à Feira da Ladra, se quiseres aproveita a visita ao meu tio Luís Sardo, no Laboratório Medicamenta, em frente a Stª. Engrácia, vais por uma rua íngreme, a descair para Stª. Apolónia, é aí a conservatória onde te entregam a minha certidão. Em Bafatá voltaram-me a pedir a data de nascimento do teu pai. Continuo a receber cartas cheia de arrufos, pedradas e acusações. Há momentos em que nem apetece pegar neste correio. Estou cada vez mais preocupado com o Casanova: agreste, emagreceu muito, não fala praticamente connosco. Aguardo que David Payne venha de férias, sinto que o meu mais directo colaborador caminha para um abismo. Passámos hoje uma dia em domesticidade, com limpeza de arrecadações, pinturas, lavagens de morteiros, arranjos na estacaria e no arame farpado. Amanhã vou a Bambadinca, encontraram algumas alternativas para nos ajudar com esta crónica falta de pessoal. Estamos a ir a Mato de Cão com quinze homens, visto que continuamos a ser obrigados às emboscadas nocturnas e não quero desleixar os trabalhos em Finete. Reflectindo melhor, sugiro que alteremos os nossos projectos para casar em Fevereiro”.

Exausto e melancólico, volto a lanchar com Lânsana, sempre com o caderninho preto à mão e com o apoio do Benjamim e do Cherno como tradutores. A pequenada da escola onde Lânsana ensina a religião islâmica assiste curiosa e ganha a batalha a Jobo Baldé, levando uma pratada de pão quente e Umaru Baldé fica autorizado a fornecer-lhes umas boas fatias de marmelada.

Hoje a conversa centra-se na época seca, nas suas fainas. O padre Lânsana fala na colheita do amendoim, na pesca no rio Gambiel, no cultivo da batata doce nas bolanhas. Aí o Cherno intervém, trocam comentários, fala-se a seguir no pequeno comércio onde se comercializa mandioca por batata doce, em que o amendoim é vendido nas lojas da Casa Gouveia em Bambadinca, bem como o coconote das palmeiras. Depois, Lânsana, Benjamim e Cherno voltam a conversar entre si, põem-se de acordo que a época seca se inicia em Novembro, quando começam os frios que nos obrigam a dormir com camisa e com lençol, é um tempo que vai até aos fins de Abril, há menos mosquitos.

Hoje, Lânsana bebe um chá feito de ervas naturais, que ele próprio trouxe. Está farto de erva cidreira e do chá Li-Cungo, os únicos que consigo encontrar em Bafatá, a próxima vez que for a Bissau tenho que descobrir chá de Ceilão ou da Índia. Falamos depois dos doces e sobremesas dos mandingas. Lânsana, às vezes interrompido por Cherno, fala dos bolinhos de massa de amendoim feitos com farinha de arroz, e onde se põe açúcar ou mel, que aliás também se põe na farinha de mandioca. Aqui a conversa inflecte para o mel, ardo de curiosidade, para mim as abelhas eram assassinas, o mel impensável. Lânsana explica-me que não é bem assim. Acontece que se anda à procura das colmeias, à noite as abelhas são afugentadas pelas tochas acesas, são trazidas as placas onde se aproveita o mel, muito usado pelos pobres que não têm dinheiro para o açúcar.

Escrevo no caderninho: “Confirmo que as frutas que aqui se comem são a papaia, as mangas, as laranjas e o abacaxi”. É nisto que chega o furriel Pires e que me lembra que temos de falar com urgência da folha de vencimentos. Aqui se suspendeu o inquérito, continuará em breve pois temos que falar das madeiras do Cuor, preciso de saber mais sobre esse Mato de Cão que era uma ponta povoada por mandingas no planalto e balantas junto ao rio. O último proprietário de Mato de Cão parece ter sido Mamadu Tubabó (tubabó significa branco em mandinga, disse-me o Cherno). A ver se o Lânsana me ajuda a esclarecer tudo. Tenho igualmente que ir a Santa Helena falar com os irmãos Brandão (António e Manuel) por causa das indústrias de madeira que existiam antes da guerra.

Nova conversa com o Comando em Bambadinca

Volto ao comando de Bambadinca para analisar o nosso plano operacional, escrevi uma carta alertando para a situação insustentável em que vivemos. Estão inicialmente presentes Jovelino Corte Real e Herberto Sampaio. Entreguei o memorando (mais um) onde se expõe a actual situação de meios. Se é verdade que Bafatá pretende retirar a última secção da milícia de Missirá, observei que perderemos a total capacidade de movimento até Mato de Cão, não se pode deixar Missirá entregue à população civil e aos militares doentes.

Fiz questão de informar que revi alguns dos meus pontos de vista e era para mim agora claro que a gente de Madina estava bem informada da minha perda de capacidade ofensiva. Insistia na necessidade de envolver as forças de intervenção disponíveis em Bambadinca (explicitei: a CCaç 12 e o Pel Caç Nat 54) para me apoiarem nas idas diárias a Mato de Cão, no sentido de continuar a ser possível garantir as emboscadas nocturnas, poder continuar a patrulhar nos 5 Km mais próximos e viabilizar a segurança necessária nas viagens do Sintex.

A primeira boa notícia foi a de que a partir do início de Outubro a CCAÇ 12 passará a ir regularmente a Mato de Cão (assim foi, logo nos primeiros dias de Outubro os sucessivos pelotões começaram a participar nas vigilâncias, isto quando a gente de Madina atacou um barco em S. Belchior). A segunda boa notícia foi a de que o Pel Caç Nat 54 iria brevemente render o Pel Caç Nat 52 e que o comando de Bafatá tomara a decisão de manter dois pelotões de milícias completos em Missirá e Finete, pois estaria em preparação uma nova quadrícula entre o Cuor e Enxalé (parecia que finalmente estavam a ver os perigos de um inimigo com crescente capacidade ofensiva junto do Geba). A terceira notícia pareceu-me extemporânea: o novo comando desejava preparar uma operação que redimisse o desaire da Anda Cá e pretendia a minha opinião. Terei respondido que não havia presentemente condições, eu estava com a tropa desfalcada, preparava-se o reordenamento dos Nhabijões, propunha que se esperasse por Novembro, quando se aproximasse a época seca.

Chegou depois o major Cunha Ribeiro que informou estar previsto para fins de Outubro a substituição de viaturas, era inaceitável não dispormos de nenhuma mobilidade. Com efeito, independentemente da época das chuvas, o Augusto e as sucessivas equipas de desempanagem da CCS de Bambadinca já tinham perdido as ilusões sobre os nossos Unimog: não havia milagres para as duas viaturas precocemente envelhecidas. No momento presente, estávamos a viver os atoleiros com pneus estoirados, imprevistas substituições de câmaras de ar, uma secção a montar segurança na bolanha de Finete a um burrinho doente.

À saída da reunião, o major Sampaio pede-me que o acompanhe ao seu gabinete. É aí que me informa que vamos muito em breve fazer um RVIS sobre o Geba, possuem-se informações seguras de que há várias canoas que atravessam regularmente o Geba até aos Nhabijões, há que as localizar e destruí-las.

É com estas promessas que cambo o Geba, é uma viagem serena até Caranquecunda onde vamos assistir, seriam cinco da tarde, a um bombardeamento aéreo sobre Madina: ouve-se o zunir dos T-6, as sacudidelas do solo, são estremeções que ressoam por toda a mata. Durante meia hora, deverá ter sido o inferno entre Madina e Belel. Em silêncio, ficámos todos a pensar no próximo ajuste de contas de Madina connosco.


O colapso do Casanova

A 27 de Setembro [de 1969], fui completamente surpreendido pela violência da crise de nervos em que se abateu o Casanova. Sabíamos que ele estava muito doente, cometi a imprudência de o incumbir diariamente de responsabilidades que excediam a sua capacidade física e psicológica. Tive a oportunidade de conversar com ele e com o Pires sobre o que se passou nessa tarde tão sombria para nós, e ainda recentemente voltei a recapitular os acontecimentos, as versões não coincidem quanto às causas e ao decorrer dos acontecimentos.

Tínhamos almoçado pela uma da tarde, nada previa o desfecho trágico que ocorreu duas horas depois. Estava no meu abrigo a conferir os documentos enviados pelo BENG 447 (tratava-se de mais chapa, sacos de cimento e portas pré-fabricadas), e subitamente o Alcino entrou de repelão aos gritos:
- Ó meu alferes, o nosso furriel Casanova está em fúria, grita com todos, está armado, ameaça matar gente se não lhe obedecerem!

Do limiar da porta, presenciei o impensável: o Casanova gesticulava, vociferava, os soldados batiam as palmas, como se estivessem a divertir-se. O meu braço direito parecia tresloucado, mandava-os calar, sob ameaça. Começava a meia hora mais dolorosa da minha vida, ia avançando, procurava persuadi-lo a não usar a violência, dava pequenos passos, ia confirmando que ele me ouvia e respondia até ao momento em que cheguei junto dele e lhe retirei bruscamente a G3 pelo tapa chamas. É exactamente nesse momento que ele cai pelos joelhos e se enrodilha no solo.

Só a 2 de Outubro é que consigo escrever à Cristina:

“Desculpa este tempo de silêncio, vivemos um acontecimento que nos magoou muito. A 27, o Casanova sucumbiu a uma crise violenta de nervos que o deixou na semidemência. Viveu uma hora em delírio e espasmos, pedi um helicóptero que o levou para o hospital de Bissau. Admito que ele será evacuado para Lisboa, o neuropsiquiatra local não pode dar vazão a um número tão elevado de doentes. Não podes imaginar o abalo que tudo isto nos provocou, as tentativas falhadas para o serenar, vê-lo partir uma maca a delirar, irreconhecível. Já escrevi à irmã a relatar os acontecimentos, escrevi igualmente ao Pedro Abranches para me informar sobre a evolução deste caso. Sei muito bem que nada ficará como dantes, acabo de perder o meu braço direito. Tenho o problema de consciência de não ter agido a tempo e horas”.

Infelizmente, foi tudo ainda mais doloroso para o Casanova, a sua recuperação será muito lenta. No meu abrigo, vezes sem conta, vou gritar comigo, protestarei com as paredes, incriminando-me por não sermos capazes de ver um amigo querido definhar, procedendo correctamente.

Estou a sofrer muito. Na próxima quinzena, ainda irei sofrer mais, quando explodir uma mina anti-carro, em Canturé. Ainda hoje vivo em silêncio o dia 16 de Outubro, sabendo que irei prestar contas diante de Deus.

As leituras da semana

O que li esta semana foi interessante: Os armários vazios, por Maria Judite de Carvalho e O mistério dos bombons envenenados, por Anthony Berkeley, um policial soberbo. Maria Judite de Carvalho de que eu já lera Tanta Gente, Mariana, dá-nos aqui uma narrativa que retrata o desencanto e uma nova feminilidade urbana dos anos 60. Dora Rosário é a pequena burguesa a quem o marido não deixa trabalhar, vivendo uma pobreza envergonhada. Enviuva, dedica-se ao comércio dos móveis antigos, investe na educação da filha, Lisa. É uma existência morna, com os afectos contidos, relações estudadas com uma sogra déspota e ciente da sua classe. Esta existência acabrunhada parece ganhar um novo fôlego quando surge Ernesto, um advogado de sucesso. Ora o que acontece é que Ernesto se vai apaixonar por Lisa e esta retribui. Tudo acaba em casamento de estadão na Basílica de Estrela, o novo sogro ajuda Dora que regressou à vida resignada, aos seus armário vazios, à sua trágica continuidade melancólica.


Capa do livro de Maria Judite de Carvalho, Os armários vazios. Lisboa: Portugália Editora.1966 (Colecção Contemporânea,; 83). Capa de João da Câmara Leme.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


O que destingue Maria Judite de Carvalho é este poder descritivo do intimismo psicológico onde os seres humanos vão sendo desenhados de uma forma branda, haja o conflito que houver, reservando-se o desfecho surpreendente para o final onde, como é com a maior das naturalidades, os personagens descem às tragédias do quotidiano: “Abri-lhe a porta, fui à janela vê-la, não sei bem porquê. Estava a chover e ela uma mulher cinzenta, um pouco curvada, perdida na cidade deserta depois da peste e do saque. Reparei que o seu caminha era incerto e hesitante, às guinadas, como se estivesse levemente embriagada ou ainda não tivesse acordado totalmente de um longo sono. A chuva continuava, uma chuva mansa e igual, quase lenta, sem interesse em tombar, escorrendo como que passivamente de um céu doente e velho, lacrimejante, fatigado se existir. Era uma dia igual a tantos, agora que eu vivia só”.



Capa do romance policial, de Anthony Berkeley, O mistério dos bombons envenenados. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vamprio, 185). Capa de Lima de Freitas.


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


O livro de Berkeley é um assombro. Um grupo de intelectuais e especialistas reúne-se num Círculo Criminal onde procuram, com objectividade e rigor, decifrar homicídios aparentemente sem solução à vista. Uma caixa com bombons envenenados entra num clube, o destinatário oferece a caixa a outra pessoa, esta leva-a para casa, a mulher morre envenenada. Todos os participantes do Círculo vão apresentando as suas versões, umas atrás das outras são derrubadas, tal a sua fragilidade. Como nas Mil e Uma Noites, as versões sucedem-se, uma com mais apoio e verosimilhança, outras rejeitadas por excesso de fragilidade. Até ao momento em que uma versão aproveita depoimentos anteriores e surpreende o auditório: o criminoso, com elegância, sai da cena, dando sinal que a vida do Círculo não poderá ser afectada pela surpreendente revelação. È o momento mais alto da obra de Barkeley, nascera aqui um clássico.

E da literatura passo para a música. Na minha última ida a Bafatá comprei um presente para David Payne: a Sinfonia nº2 Ressurreição, de Mahler. O Payne, sempre que podia ouvia esta versão da Orquestra Philharmonia dirigida por Otto Klemperer. É o grande Mahler, uma sinfonia heterodoxa, com coros vozes, onze momentos distintos em que no final soprano, contralto e coro anunciam ao ouvinte: “Ó sofrimento, tu que em tudo penetras, arrebatas-me! Ó morte, sempre vitoriosa, agora és vencida! Com as asas que eu conquistei, cheio de amor, eu esvoaço para a luz onde nunca ninguém penetrou!”.

O David Payne merece este presente, é o mais querido dos amigos, dentro de dias, o sofrimento e a morte vão ser nossos vizinhos, quando ele me vier ajudar depois da explosão da mina anticarro e da emboscada em Canturé.

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Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior > 12 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2174: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (5): Aquela Terceira Semana Prodigiosa de Setembro

Guiné 63/74 - P2194: Pensamento do dia (13): É na guerra que se revela o pior e o melhor das pessoas (Diana Andringa, Visão, nº 763, de ontem)

"Nas guerras sai o que de pior e melhor existe nas pessoas. É nos extremos que nos revelamos" (Diana Andringa, Visão, nº 763, de hoje)

Em entrevista ao semanário Visão (nº 763, de 18 de Outubro de 2007, p. 156), Diana Andringa, a co-realizadora do filme As Duas Faces da Guerra (a estrear hoje, em Lisboa, no DocLisboa2007), traz algumas reflexões sobre a guerra e os homens que a fazem e sofrem, na sequência da sua experiência com a feitura deste filme (mais de 30 horas de depoimentos filmados em Portugal, Cabo Verde e Guiné).

Essas reflexões, que consideramos de antologia, merecem destaque no nosso blogue:

“Noutros tempos, Diana não tinha grande condescendência para com os soldados portugueses, achavam que eles deviam desertar e pronto, a minha simpatia ia toda para aqueles que lutavam pelo lado certo.

"Com o tempo foi mudando: Aquela pedra [, tumular, encontrada no Geba, em 1995,]aqueles mortos de 20 anos, o medo, o isolamento, a morte do camarada ao lado (...). Os homens da minha geração passaram por este trauma. Não foi o de poder morrer, todos nós sabemos que podemos morrer. Mas nem todos sabemos que podemos matar, violar, torturar, decepar pessoas. Foi uma geração que ficou marcada por isto, e os filhos nunca o entenderam. No meio de todo o horror, houve quem conseguise pôr um travão e nunca perder a humanidade...

O filme de Diana Andringa (portuguesa, de 60 anos, nascida em Angola) e Flora Gomes (guineense, de 57 anos, nascido em Cadique) está construído com base em depoimentos e estórias de um lado e de outro:

Gosto muito de pessoas, gosto muito da voz. Há lá coisa mais bonita do que uma pessoa inteligente a falar ?

Mais logo um pequeno grupo (relativamente privilegiado...) da nossa Tabanca Grande terá a oportunidade de assitir à estreia do filme, na Culturgest, às 23h, bem como de conhecer pessoalmente a Diana.- A ela, ao Flora e à restante equipa que produziu e realizou este documentário, desejamos boa sorte!

AVISO À NAVEGAÇÃO >

Estreia do filme "As Duas Imagens da Guerra", DocLisboa2007, Lisboa, Culturgest, Grande Auditório, 19 de Outubro de 2007, 23h
Amigos e camaradas:

Amigos e camaradas:

Falei há um hora atrás (10.30h da manhã) com a Diana Andringa. Ele disse-me que tinha
enviado um mail a toda a malta da tertúlia, independentemente de querer e poder ou não ver o filme, a dar instruções para levantar o convite. (Ainda não vi o mail).

Junto à bilheteira, estará alguém ligada à produção do filme com os convites. É uma moça, alta, bonita, descontraída, caboverdiana, que se chama Isabel Mendes...

Eu vou com o Humberto Reis, meu vizinho. Devemos lá estar por volta das 22h. Não se esqueçam que o filme começa às 23h. O local é na zona do Campo Pequeno: Culturgest , edifício sede da CGD, entrada pela portaria da R Arco do Cego (estação de metro: Campo Pequeno).

A Diana diz que haverá espaço para trocar impressões. Esperemos que gostem do filme. É um filme-documentário, é cinema, não é reportagem, baseado em 30 horas de depoimentos, de estórias de combatentes dos dois lados, filmados em Portugal, Cabo Verde e Guiné (Bissau, Mansoa, Bafatá e Guileje). A Diana diz que o filme passará na RTP mas ainda não sabe se sairá, comercialmente, em DVD. O orçamento deles (escasso)
está esgotadíssimo. O filme foi feito com uns escassos milhares de contos, sendo financiado pela RTP e pelo INCAM.

Tenho pena que muita malta nossa não possa estar connosco. Quando der na RTP, avisaremos. É pouco provável que passe nas salas comercais... Aí só passam os filmes comerciais, de Hollywood, que não falam de nós... É por isso que são importantes festivais como este, o DocLisboa2007, em que são apresentados 150 filmes (!), do cinema dito documental, e em muitos casos de produtores independentes (dos EUA à
Noruega, de Portugal a Angola)...

Há grandes filmes para ver, e que estão em competição no festival. O "nosso" (vamos torcer por ele) está em competição na categoria "Investigações" (documentários sobre temáticas sociais, políticas, etc.). Junto o programa do DcLisboa2007, para "abrir o apetite"... Até mais logo. Luís

Luís Graça
Telemóvel: 93 281 08 72 / 93 845 5475

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2186: Uma guerra, duas vitórias: entrevista de Diana Andringa à RTP África (Luís Graça)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2193: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (1): 18 episódios, às terças feiras (João Tunes / Luís Graça)

Angola > Luanda > 1961 > Desfile de tropas pára-quedistas na marginal... Cerca de 10 pessoas vieram fugidas do norte, fugindo do terror da UPA.

Fonte: Espaço Etéreo: O Despertar dos Combatentes do Ultramar > Página de © Joaquim Coelho (2004) (com a devida vénia...)


1. Reprodução, com a devida vénia, do texto do nosso camarada e corredor de maratona... bloguística (já vai no 5º ano!) João Tunes > "A não perder", publicado em 15 de Outubro último no seu blogue Água Lisa (6):


Série documental «A Guerra» estreou na RTP1 terça-feira, dia 16 de Outubro (1)


A série documental «A Guerra», realizada por Joaquim Furtado sobre o período da guerra colonial - que [estreou] terça-feira na RTP1 - vai revelar «muita informação nova sobre factos dados hoje como estabelecidos», segundo o jornalista.

O documentário, que percorre de forma cronológica 13 anos de conflitos nas antigas colónias portuguesas, resulta de uma «pesquisa bastante aprofundada com recurso a muitas fontes para dar uma visão global dos acontecimentos», explicou Joaquim Furtado à Agência Lusa.

«Traz novas informações, novas visões sobre algumas verdades oficiais», disse, apontando como exemplos os acontecimentos logo no início da guerra em Angola, e o episódio que ficou conhecido como o «Massacre de Mueda», em Moçambique, onde morreram centenas de pessoas.

Ao longo de oito anos, viu mais de seis mil filmes, oriundos, nomeadamente, dos arquivos da RTP, dos serviços de audiovisuais do Exército, muitos arquivos particulares e realizou cerca de 200 entrevistas a protagoniastas dos vários lados do conflito.

Sublinhou que, apesar de existir um enquadramento histórico do trabalho, a perspectiva da obra é a de um jornalista: «O meu objectivo é poder dar um contributo para os historiadores tratarem este período», assinalou.

«É essencialmente um visão global com as perspectivas de quem viveu este período chamando-lhe guerra colonial, guerra no Ultramar ou guerra da libertação», destrinçou, sobre os vários protagonistas envolvidos.

2. Comentário de L.G.:

Joaquim Furtado baliza a guerra [do ultramar, colonial ou de libertação, conforme as idiossincracias de cada espectador e a a sua posição político-ideológica] entre o 15 de Março de 1963 (início da rebelião da UPA do aristocrático Holden Roberto no norte de Angola) e a última emboscada na Guiné, dois dias depois do 25 de Abril, na região de Canquelifá, que terá feito vítimas de ambos os lados. Enfim, é discutível, mas é uma tentativa de arrumação de um longo período de guerra de guerrilha e contra-guerrilha em três frentes, a milhares de quilómetros da sede do Último Império Colonial...

O que me impressionou - para além do horror da violência primária, primordial e gratuita (só de um lado, ainda não vimos a resposta do terror branco...) - foi sobretudo o cinismo, o autismo, a hipocrisia, a arrogância, para além da incompetência, das autoridades portuguesas, nacionais e locais, para lidar com a trágica situação, e sobretudo para a prevenir...

A 17 de Março há um comunicado governamental referindo "alguns incidentes junto à fronteira" (sic), quando a essa hora já havia centenas e centenas de pessoas chacinadas, civis, homens, mulheres e crianças... Imagens de horror (o Holden Riberto veio dizer, antes de morrer, que a UPA foi completamente ultrapassada pelos acontecimentos...), imagens que correram mundo, captadas pela máquina fotográfica dos primeiros fotojornalistas improvisados (Horácio Caio, Manuel Graça, etc....) e que o salazarismo tão bem soube aproveitar para pôr a marcha a sua máquina da repressão: Para Angola, rapidamente e em força!...

Mas a tropa, metropolitana, só chega um mês e meio depois. Angola fica a milhares de quilómetros de São Bento. O Salazar nunca pôs os pés em África, mas vai fazer dos acontecimentos de 1961 em Angola a sua "muralha de aço", bloqueando todas as soluções políticas para o "problema ultramarino"...

E serão os pára-quedistas os primeiros a morrer mas também a salvar a situação... O que aconteceu nesse mês e meio em que os colonos se auto-armaram e deram uma resposta à sua maneira ? O terror branco não está documentado neste 1º episódio...

Do lado militar português, ouve-se sobretudo o depoimento do Hélio Felgas (que, no meu tempo, é comandante do Agrupamento de Bafatá, antes de cair em desgraça aos olhos do Spínola) e do antigo comandante da base aérea do Negage, Soares Moura... Mais uma vez a força áerea foi a preciosa ajuda que veio do céu, no apoio às aterrorizadas e indefesas populações.

Estranho, por outro lado, que o jornalista não tenha feito logo a pergunta: Why ? Porquê esta rebelião das massas, dos oprimidos e explorados negros da rica região do café ? Como eram as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores negros ? Como se pode explorar e manipular tanto de ódio de classe (mais que racial...) ? Quem eram os brancos (e os seus criados bailundos) que viviam nesta região ? Qual o verdadeiro papel de teóricos da violência anticolonista e revolucionária como Frantz Fanon (2) ? Qual a sua influência em Holden Roberto, que o cita e admira ?

Espero que os próximos episódios tragam mais pistas... e mais dicas. O narrador deveria explicar, pro exemplo, quem era o Frantz Fanon, citado várias vezes pelo Holden Roverto, na sua entrevista, e hioje completamente esquecido... Ora o Frantz Fanon era um intelectual engagé, como estava na moda dizer-e (e menor grau praticar-se), amigo de Jean-Paul Sarte que publicamente defendeu e justificou a violência revolucionária da UPA... Também se poderia dizer algo mais sobre o apoio dos americanos, do Kenedy e dos pastores protestantes à UPA, um movimento, de base originalmente tribal, aparentemente sem ideologia nem estratégia política...

Por outro lado, há o ponto de vista dos colonos brancos e seus aliados, bem como dos rebeldes da UPA/FNLA. Na Net podem encontrar-se alguns testemunhos que completam estes depoimentos dos entrevistados pela equipa de Joaquim Furtado:

Memórias Angola, 1951-1975 > Página de Telémaco A. Pissarro

Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA) > A histórica União das Populações de Angola (UPA)

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Notas dos editores:

(1) Vd. também Diário Digital / Lusa > 15 de Outubro de 2007 > Série documental «A Guerra» estreia terça-feira na RTP1




(2) Frantz Fanon (1925-1961):

nascido na Martinica, escritor, médico psiquiatra, formado em França, e provavelmente o mais influente teórico do anticolonialismo do Séc. XX. Foi militante da FNLA (Frente Nacional de Libertação Argelina). Morreu de leucemia, aos 36 anos.

O seu livro-testamento é Les Damnés de la Terre [Os Condenados da Terra]. Paris: Maspero. 1961. Prefácio de Jean-Paul Sartre. Reedição em 2002: Paris, La Découverte.

Citação de Frantz Fanon: « La violence qui a présidé à l'arrangement du monde colonial, qui a rythmé inlassablement la destruction des formes sociales indigènes, démoli sans restrictions les systèmes de références de l'économie, les modes d'apparence, d'habillement, sera revendiquée et assumée par le colonisé au moment où, décidant d'être l'histoire en actes, la masse colonisée s'engouffrera dans les villes interdites. Faire sauter le monde colonial est désormais une image d'action très claire, très compréhensible et pouvant être reprise par chacun des individus constituant le peuple colonisé. »

Guiné 63/74 - P2192: O último morto da guerra do ultramar: onde e quando? Guiné, Angola ou Moçambique? (Nuno Mira Vaz)


Angola > 1961 > Desfile de tropas > O António Rosinha, furriel miliciano, aparece aqui em primeiro plano, assinalado com um X (1)... Repare-se no tipo de armamento das NT: pistola-metralhadora FBP, para os graduados; espingarda Mauser, para as praças...Farda: caqui amarelo... Capacete de aço...

A avaliar pelas revelações do 1º episódio da série A Guerra, argumento e realização de Joaquim Furtado, que começou a ser apresentado na RTP 1, no passado dia 16, as NT estavam muito mal preparadas para fazer face à revolta da UPA no Norte de Angola, iniciada em 15 de Março de 1961, com o massacre dos brancos e dos seus aliados negros, nas fazendas de café, postos administrativos e lojas de comércio em povoações mais isoladas. O melhor: segundo a peça televisa do Joaquim Furtado, tudo indica que, devido ao seu autismo, arrogância e incompetência, as autoridades portuguesas, tanto em Lisboa como em Angola, terão sido completamente apanhadas de surpresa pelos acontecimentos em 15 de Março de 1961. Os colonos brancos e os seus serviçais tiveram que se organizar em auto-defesa... e o governador de então é incitado a comprar armas no estrangeiro... Havia então 1500 homens, em armas, de origem metropolitana, e uns escassos milhares, do recrutamento local, para fazer frente aos rebeldes de Holden Roberto, inicialmente apenas armaos de catanas e canhangulos...

O primeiro morto militar português, oriundo da metrópole, na guerra do ultramar, terá sido um pára-quedista, em Abril de 1961, no norte de Angola... E o último morto ? Foi já depois do 25 de Abril de 1974, na Guiné, em Angola ou em Moçambique. Enfim, não é uma questão bizantina, tem um grande carga simbólica... Talvez alguém mais tenha estudado esta questão na nossa Tabanca Grande... (LG)

Foto: © António Rosinha (2006). Direitos reservados


Capa do livro de Nuno Mira Vaz >
Guiné, 1968 e 1973. Soldados uma vez, sempre soldados!
Lisboa: Tribuna da História, 2003.
96 pp.

Foto: Livraria do Guarda-Mor (com a devida vénia...)

1. Mensagem de ontem, 17 de Outubro, enviada pelo coronel pára-quedista e escritor Nuno Mira Vaz (2):

Meu caro Luís Graça:

Sou leitor assíduo do blogue que criou e permita-me que o felicite pela obra entretanto realizada (1). Contacto-o porque uma sua afirmação de hoje está muito longe da realidade (2) . De facto, não foi em Canquelifá, em Abril de 74, que morreram os últimos combatentes dos dois lados. Só para lhe dar um exemplo (porque há muitos mais), foi morto pelos guerrilheiros da Frelimo no dia 4 de Agosto de 1974, na região de Inhamiga (Moçambique) o Major Pára-quedista e meu amigo do peito Manuel Lopes Morais.

Creia que me move apenas a vontade de honrar um blogue que muito prezo, ao qual desejo, bem como ao seu criador e actuais co-responsáveis, as maiores venturas.

O camarada de armas
Nuno Mira Vaz


2. Resposta do editor L.G.:

Caro Nuno: Muito obrigado. É, de facto, um erro factual... Fui induzido em erro pelo trabalho de Joaquim Furtado, que começou a ser divulgado na RTP... Lamento a morte do nosso camarada e seu amigo Manuel Lopes Morais, já tão tardiamente, em Moçambique...

Vou publicar o seu comentário, se mo permite, a bem da verdade e da honra... E já agora sentir-me-ei honrado se você quiser escrever no nosso espaço... O blogue é também seu.

Cordiais saudações.
Luís Graça

3. Resposta do Mira Vaz:

Caro Luís:

Agradeço o amável convite, mas declaro-me impreparado para dar tal passo. Podíamos discorrer a respeito da formatação a que os militares da minha geração foram submetidos, mas o resultado seria sempre o mesmo - ao menos por enquanto. Quem sabe, um dia ...

Cumprimento-o com simpatia e admiração pela obra realizada.

O camarada de armas
Nuno Mira vaz

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Notas de L.G.:

(1) vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(2) Vd. post de 16 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2182: Blogoterapia (35): Programa da RTP1, Prós e Contras: Éramos todos bons rapazes (David Guimarães)

(...) Comentário de L.G.:

É miserável que o jornalismo de investigação e de arquivo sobre a guerra do ultramar, guerra colonial ou guerra de libertação (ao gosto do freguês) só chegue à televisão pública 46 anos depois do 15 de Março de 1961 (no norte de Angola) e 33 anos depois dos últimos mortos e feridos em combate, de um lado e de outro, em 27 de Abril de 1974, na zona de Canquelifá (Zona Leste, Guiné)...


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Notas de L. G.:


(1) Vd. post de 10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1581: O elogio dos pára-quedistas das 121ª e 122ª CCP (Nuno Mira Vaz / Vitor Junqueira)

(2) Nota biográfica:

Nuno Mira Vaz >

(i) Coronel de Cavalaria na reserva;

(ii) Mestre em Estratégia e Doutor em Ciências Sociais na área das Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa;

(iii) Fez toda a vida militar nas Tropas Pára-quedistas, tendo cumprido quatro comissões de serviço em África entre 1961 e 1974;

(iv) Entre 1986 e 1989 foi 2º Comandante do Corpo de Tropas Pára-quedistas;

(v) Colocado como assessor no Instituto de Defesa Nacional em 1989, foi responsável editorial da revista Nação e Defesa entre 1997 e 2000 e desempenha funções de coordenador da Área de Relações Internacionais, Estratégia e Geoestratégia desde 1994;

(vi) Professor de Sociologia Militar na Academia Militar desde 1997;

(vii) Autor de diversos livros e colaborador assíduo de publicações que se ocupam de matérias relacionadas com segurança e defesa.

Fonte: Instituto de Defesa Nacional > Divulgação > Publicações > Colecção Atena > Autores(com a devida vénia...)

Guiné 63/74 - P2191: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (5): O baptismo de um periquito no Enxalé


Foto 1 > Guiné > Zona Leste > Enxalé > 1966 > O meu Baptismo no Enxalé: (i) Ali sentado no meio, de camuflado ainda novo, pelo aspecto já devia estar bem tratado, com alguns elementos da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67) que me deixaram gratas recordações, (ii) a saber da esquerda para a direita: Furriéis Milicianos Passarinho, Lopes e o nosso Futebolista, infelizmente já falecido. (iii) A seguir enchendo a caneca está um madeirense e quem domina garrafa é o Alf Mil Sousa. (iv) Ao lado está o Fur Mil Teixeira (actual Presidente da Junta de Freguesia da Sé, em Faro) e ainda a comer está um 2º Sargento que não me lembro o nome. (v) Os restantes são militares madeirenses, da CCAÇ 1439.

Foto 2 > Primeira lição no Geba, eu, periquito, com os velhinhos da CCAÇ 1439 no Sintex, que até tinha um pequeno motor fora de borda e base para metralhadora.

  Foto 3 > Batelões a descer o Rio Geba. Como curiosidade vê-se, ampliando, que o último chamava-se Lisboa. (1)


Fotos: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68) (2): Caros tertulianos: Aqui vai um pequeno episódio a que chamei Baptismo no Enxalé (3). Saídos de Bolama no final de Agosto de 66 (4) , subimos o Geba numa LDM e depois de deixar os nossos companheiros do Pel Caç Nat 53 no Xime, chegamos a um lamaçal que era o local onde se desembarcava para o Enxalé e onde já nos esperava pessoal e viaturas da CCAQÇ 1439 (madeirenses). O percurso relativamente curto foi picado e serviu para nos dar as primeiras imagens e contar algumas histórias ( pintadas de negro), sobressaindo um ataque que tinham sofrido recentemente sem grandes consequências. Com o capitão de férias, comandava a companhia o Alf Mil Freitas. A tarde ainda ia a meio e como tinhamos apanhado água durante a viagem, a primeira operação foi reunir o pessoal e proceder à limpeza do armamento. Estavamos ali sentados no chão com as G3 que nos tinham sido distribuídas em Bolama, novinhas em folha desmontadas, quando desata uma fogachada dos diabos e nós, apanhados como se costuma dizer com "as calças na mão", a correr como moscas tontas à procura dos abrigos. Assim como começou de repente, parou e era ver agora o pessoal velhinho a rir com este grande ronco. Afinal, tinham sido apenas umas rajadas já combinadas com o pessoal das guaritas, mas para nós, periquitos depenados, o som parecia amplificado e tivemos que aguentar com um risinho muito amarelo. Como é bom de ver, a festa só acabou no bar com o pessoal devidamente regado. Anexo uma foto do baptismo e outras do Enxalé. Grande abraço Henrique Matos

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 Notas dos editores: