quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

Mesna Tchude Nhanga

Idrissa Cumpom

Dauda Cassamá

Quissif Na Mboto

Cusna Sambé

Bacar Cassamá

Alficene Mané

Malan Djassi

Queba Djassi

Marcos da Silva


Malan Camará

Caldeira Mendes

Cadjali Cissé

Bion Na Biahatchiba

Laminé Camará

Eis alguns dos Antigos Guerrilheiros do PAIGC, que operaram na região sul, tendo alguns deles participado no cerco e ocupação de Guiledje, de 18 a 22 de Maio de 1973 (Op Amílcar Cabral). No âmbito do Projecto Guiledje, equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento entrevistaram-nos, gravaram e filmaram os seus depoimentos, em DVD. São também convidados especiais do Simpósio Internacional de Guiledje. Vamos ter, os tugas que lá forem, oportunidade de confraternizar com eles.

Olhando para estes rostos, alguns dos quais precocemente envelhecidos por uma vida duríssima (anos e anos de guerrilha pura e dura, a que se somaram as não menos penalizantes condições de vida e de trabalho num novo país independente, em construção), eu só consigo descortinar serenidade, sabedoria, coragem, experiência de vida... Talvez orgulho pela missão (cumprida), orgulho por terem sido protagonistas da sua própria história... Talvez (aqui e ali, e é preciso adivinhar) alguma desilusão, algum desencanto, algum desapontamento pelo rumo dos acontecimentos que nos escapam, pelos amanhãs que não cantaram (ou não cantaram para todos, para a grande maioria do povo)... Mas não vejo ódio, nem agressividade, nem ressentimento...

Foram homens, idealistas e generosos, que eram tão jovens como nós, e que amavam a sua terra como nós amamos a nossa, oriundos de diferentes comunidades e grupos, partilhando diferentes credos (animistas, muçulmanos, cristãos...), reunidos sob a mesma bandeira, e que, como combatentes, foram bons, determinados, abnegados, corajosos...

Também tiveram sorte no campo de batalha, que a sorte protege os audazes (como dizem os nossos comandos): hoje estão vivos; mas muitos milhares dos seus camaradas pagaram, com o sacrifício da sua própria vida, a sua opção pela luta de libertação... Estão vivos, mas não tiraram benefícios pessoais por ter sido guerrilheiros do PAIGC, combatentes da liberdade ou heróis vivos, aos olhos dos seus filhos, parentes, amigos, vizinhos...

Muitos voltaram a ser camponeses, um ou outro seguiu a pobre carreira de armas, outros quiçá já tiveram inclusive de sair do seu país, por motivos políticos, económicos ou outros... Que as revoluções também, aqui como noutros lados, costumam tragar muitos dos que as fazem...

Homens que ontem eram o IN, eram nossos inimigos (não individualmente, mas como exército, como máquina, como entidade mítica; porque estávamos, objectivamente, de um lado e de outro do campo de batalha, empunhando uns a Kalash e outros a G3...); homens que hoje queremos que sejam nossos amigos e até irmãos; homens que, no mínimo, merecem o nosso respeito, senão mesmo a nossa admiração... Há sempre em todas as guerras uma estranha cumplicidade entre combatentes de um lado e de outro...

Oxalá possam, todos estes antigos guerrilheiros do PAIGC, viver o que resta das suas vidas em paz, em segurança, em dignidade... E espero poder encontrar alguns deles em Guileje e dar-lhes um abraço do tamanho do Cumbijã, ou do Geba, ou do Corubal, ou do Cacheu, rios míticos de uma Guiné que também nos pertence um bocadinho, ou de algum modo... Quanto mais não seja, pela simples razão de que lá deixámos dois dos nossos verdes anos... (LG)


Fotos: Guiledje - Simpósio Internacional (2007) (fotos editadas por L.G).. Com a devida vénia... Parabéns ao(s) fotógrafo(s) da AD.

Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)

Continuamos a transcrever a História do BCaç 2879. Depois da formação do Batalhão e da viagem rumo à Guiné, publicamos hoje a chegada a Bissau, com as impressões que a cidade deixou ao nosso Camarada Carlos Silva, ex-Furr Mil do Batalhão e hoje um ilustre advogado, há mais de vinte anos a defender causas de ex-combatentes brancos e negros.
 vb
 __________ 

Bissau - Breve descrição Durante a estadia que foram de alguns dias na Amura e no Quartel dos Adidos, sediado nos arredores da cidade e a caminho do aeroporto de Bissalanca, sempre que surgia uma oportunidade e tínhamos possibilidade, apanhávamos boleia nas viaturas militares e lá íamos dar uma passeata até à baixa, onde éramos matraqueados com o célebre cantarolar de pelos mais velhos de “salta periquito, salta periquito, a velhice vai no metrópole”…

1969 – Vista aérea de Bissau e do ilhéu do Rei 

Podemos caracterizar Bissau como uma cidade bastante bonita, simpática e alegre, plantada à beira mar, praticamente plana, com declives pouco acentuados, aliás, na Guiné o relevo é pouco acentuado.

Dotada de boas avenidas e ruas transversais, bastante arborizada com mangueiros, cajueiros, a ponciana, espécie de acácia que embeleza a urbe na época da floração, etc.

É de salientar a avenida principal, Av. da República, que parte da zona ribeirinha do Cais do Pidjiguiti até à Praça do Império, onde se situa o Palácio do Governador da Província. A avenida marginal, lindíssima, repleta de palmeiras e coqueiros, passando pelo jardim junto à Fortaleza de S. José da Amura.

As ruas perpendiculares umas às outras, tem uma extensão enorme, como por exemplo a célebre Estrada de Sta. Luzia que parte da Fortaleza da Amura, e vai até onde ficava situado o Quartel-general. Nesta estrada situa-se o Hospital Civil Central.

As casas térreas, com a sua traça típica da época colonial e rodeadas de lindíssimos jardins, sempre bem tratados. Apenas se via um ou outro prédio de dois ou três andares, tal como aquele onde estavam instalados os serviços da TAP. Portanto, não destoavam do restante casario, enquadrando-se na cidade de forma harmoniosa. Praticamente, com o início, por trás do Palácio do Governador, estendia-se até ao Quartel-General o célebre bairro designado por Pilum ou Pilão.

A cidade estava dotada de boas infra-estruturas escolares, Liceu Honório Barreto, hospitalares, Hospital Central – após a independência da Guiné passou a designar-se por Hospital Simão Mendes em homenagem a um combatente responsável pela área da saúde do PAIGC e que morreu em combate (1) e Hospital Militar, considerado um dos melhores hospitais da África Ocidental, desportivas, tais como o Estádio do Sport e Benfica de Bissau e outras, o Hotel Portugal e o Grande Hotel, pensões etc.

Infelizmente devido à guerra, havia muito movimento na cidade, pelo facto de ali se concentrarem milhares de militares. Os que ali estavam colocados, cumprindo a sua comissão até ao fim e os que estavam por lá em trânsito, ora aquando da sua chegada à Guiné, ali teriam de aguardar por transporte a fim de serem colocados nas suas respectivas zonas de intervenção no interior, ora quando aguardavam pela hora do embarque de regresso para a Metrópole.

Havia muito movimento devido à circulação constante das viaturas militares, na cidade, e, entre esta e as Unidades instaladas na periferia, a caminho do aeroporto, assim como se via uma grande circulação de viaturas civis.

Existia muita actividade comercial e de restauração. Na baixa, as lojas estavam completamente cheias; Casa Gouveia, Ultramarina, Pinto, Taufik Saad, Mercado Central etc. Os militares compravam tudo e mais alguma coisa. Desde roncos (2) para levarem para as suas famílias, namoradas e amigos, passando pela compra de máquinas fotográficas, aparelhagem, gravadores Akai, gira-discos, ventoinhas Termozeta, whisky, tapetes com motivos orientais, carpetes, arcas de cânfora, enfim, um mundo de objectos.

Nos restaurantes e cervejarias verificava-se um ambiente de frenesim constante, essencialmente com os militares. Os clientes não deixavam os empregados de mesa descansarem um minuto. Ora pedindo mariscada com aquele molho picante, gindungo, que sabor! Ora pedindo ostras, quentinhas a sair do forno, que maravilha! Bem regadas com cerveja grande bazucas, fantas, coca-cola, whisky, gin, etc., pois o calor apertava e a sede também, pelo que, havia uma grande necessidade de refrescar as gargantas sequiosas.

Deste modo, quer durante o dia, quer à noite, a rapaziada passava o tempo de lazer na cervejaria Sol Mar ou na esplanada do Bento, mais conhecida pelo Q.G, onde se saboreava o cair violáceo da tarde sob as acácias, numa amena cavaqueira, bebendo umas bazucas, apreciando a passagem de modelos multicoloridos das guineenses e de algumas europeias, ou ainda na mais recente e mais moderna cervejaria O Pelicano (3), situado na marginal, mais cosmopolita, onde à noite se podia desfrutar duma esplêndida vista para o cais e para o Ilhéu do Rei, experimentando os sabores, quer da comida guineense, ostras ou camarão com gindungo, chabéu, moqueca, caldo de mancarra, acompanhado dumas imperiais, bebendo um bom whisky, um refrescante gin tónico ou misturas destas bebidas alcoólicas com coca-cola que ainda não era conhecida na Metrópole e onde também se podia comer um bom bife com ovo a cavalo.

Os mais atrevidos davam uma saltada até ao Pilão (Cupilão ou Pilum) ver o desfile da moda feminina, aproveitando para satisfazer os prazeres da carne, não descurando a segurança, mantendo sempre um camarada de sentinela, ou então iam até à boite, designada pomposamente por Chez Toi, onde paravam as meninas da Metrópole.

Bissau, 1969 > Praça do Império e Palácio do Governador

Bissau, 1969 > Avenida da República: Casa Gouveia (à esquerda); Palácio da Justiça (à direita)

Bissau, Praça do Império,1969 > Monumento ao Esforço da Raça.

Bissau, 1969 > Praça do Império: Monumento ao Esforço da Raça, Palácio ao fundo

Bissau, 1969 > Ponte Cais e Ihéu do Rei no Estuário do Rio Geba.

Bissau, 1969 > Av Marginal, com os seus belos coqueiros, Ponte Cais e Ihéu do Rei.

Bissau, 1969 > Av Marginal

Fotos: Carlos Silva

__________

Notas de Carlos Silva: (1) Cabral, Luís, Crónica da Libertação – Edição “ O Jornal “ 1984, pág.

(2) Roncos -Objectos de missanga, amuletos etc. A palavra poderia também significar êxitos ou triunfos.

(3) O postal pode ver-se in Loureiro, João – Livro de Postais Antigos da Guiné, postal 102, pág. 66

__________

Nota de vb: Fotos da responsabilidade de Carlos Silva e postal in Loureiro, João – Livro de Postais Antigos da Guiné, postal 102, pág. 66. vd artigos de 20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva) 15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

Matosinhos > 23 de Janeiro de 2008 > Minitertúlia de Matosinhos > Depois do almoço das Quartas-Feiras na Casa Teresa, a rapaziada disponível foi dar uma ajuda a preparar os 31 pacotes de dádivas que seguirão em breve para a Guiné, em contentor. Na foto, que foi tirada pelo A. Marques Lopes, reconheço mais três elementos da nossa Tabanca Grande (peço desculpa por não reconhecer os restantes): o David Guimarães (de pé, em primeiro plano, no lado direito); o Álvaro Basto, sentado, ao lado do António Pimentel (que está vestido de camisola azul); e, ao fundo, de pé, o Zé Teixeira. Alguns destes camaradas (o Álvaro, o Pimentel, o Teixeira, por exemplo) partirão em breve, de jipe, para Guiné-Bissau, num caravana de sete jipes e uma carrinha, devendo chegar a Bissau a 29 de Fevereiro de 2008. A eles se juntará, entretanto, de novo em Matosinhos, o Xico Allen, o nosso globetrotter... Boa viagem, camaradas! (LG)

Foto: © Álvaro Basto (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem, de ontem, do Álvaro Basto, da minitertúlia de Matosinhos, que veio acompanhada de um vídeo (2 m 14s) com a notícia, dada no Primeiro Jornal da SIC, de 21 de Janeiro último, da viagem de jipe do Padre Almiro Mendes (1), já aqui referida no nosso blogue (2):

Luís:

A notícia está na SIC On Line pelo que penso que constitui domínio público mas, como dizes e bem, com estes gajos nunca se sabe (3).

Estive a ler as condições gerais de utilização mas não vi nada que referisse direitos de autor nas notícias publicadas.



De facto, o nosso camarada Xico Allen vai noutro carro (no do Fernando do Saltinho) mas tinha combinado com o Padre Almiro fazerem a viagem juntos, já que iriam sair no mesmo dia e percorrer o mesmo itinerário.

Falámos com o Xico hoje de manhã (a minitertúlia de Matosinhos reunida no seu habitual almoço das quartas feiras) e ele ia já a atravessar o Atlas em direcção ao sul de Marrocos. Acho que o Sr. Padre tem o pé pesado e abre que se farta... está protegido pelos santos da sua devoção. O pior é que por lá, o catolicismo não tem grande implantação como é sabido. Mas, para já, está tudo a correr bem.

Só a título de curiosidade, hoje estivemos a preparar 31 pacotes de dádivas para fazermos embarcar no contentor da Associação Memórias e Gentes de Coimbra que o vai despachar em breve para ser aberto aquando da nossa chegada a Bissau, prevista para 29 de Fevereiro próximo.

Como se pode ver pela foto anexa os ajudantes formavam um belo grupo, até o David Guimarães e o Marques Lopes (ficou a tirara a foto) apareceram para dar uma mãozinha. Serviu para se fazer a digestão das sardinhas e da feijoada de búzios da Casa Teresa em Matosinhos.

Um abraço grande
Alvaro Basto

2. Comentário de L.G.:

Álvaro: Vamos acompanhar a viagem do Xico Allen, do Almiro Mendes e demais camaradas e amigos da Guiné através do nosso blogue... Vai-nos dando notícias... O A. Marques Lopes pode dar-te uma ajuda... Aqui há muita malta, no sul, que gostaria de poder estar no vosso lugar ou ao vosso lado... Preparem-se bem para a viagem Porto-Bissau, que é já daqui a menos de um mês. Preparem-se bem, física, mental e espiritualmente... Vocês são uns cotas de uns morcões que merecem o nosso respeito... Um abraço para ti e para o teu velhote (que presumo esteja já no Brasil). Luís
_______

Notas de L.G.:

(1) Notícia da SIC On Line, de 21 de Janeiro de 2008:

Mais de 3 mil quilómetros para doar jipe a missionários

Padre, mecânico e duas enfermeiras viajam até à Guiné-Bissau

Um padre do Porto iniciou hoje uma viagem que não é só de fé. Almiro Mendes partiu para a Guiné-Bissau onde vai entregar um jipe, essencial para o trabalho dos missionários. Em Lisboa, um mecânico e duas enfermeiras juntam-se à comitiva.

Num jipe que vai fazer muita estrada, milhares de quilómetros, mais exactamente 3.352 quilómetros do Porto até Bissau, vão muitas coisas.

Por detrás da aventura está uma missão colectiva, que ultrapassou os limites da paróquia. E uma imensa vontade de regressar à Guiné-Bissau.

Em Lisboa, um outro jipe e mais três pessoas, um mecânico e duas enfermeiras, juntam-se à comitiva.

A viagem até Bissau deve demorar 8 a 10 dias. A aventura vai passar por Espanha, Gibraltar, Marrocos, Mauritânia, Senegal e Gambia.

(2) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau

(3) Pedido anterior de esclarecimento do editor L.G.:

Álvaro: (i) Gostaria de inserir o vídeo , com a tua autorização, no blogue, mas não sei se os gajos da SIC vão refilar (Não podes ser tu a pedir a autorização ? )...Uma das nossas normas (que noutros sítios não se respeita) é o respeito pelos direitos de autor...Podíamos publicar este excerto, com um comentário teu, um enquadramento...

(ii) O Xico Allen: foi ou não foi nesta caravana ?

Um abraço. LG

Guiné 63/74 - P2475: Memória dos lugares (4): Bambadinca, 2006 (Rui Fernandes / Virgínio Briote)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > 2007 > Antigo restaurante e café, hoje em ruínas. O painel Luta Felupe é da autoria do artista guineense Augusto Trigo, que vive em Portugal. O painel foi restaurado, digitalmente, pelo Rui Fernandes. A foto é do próprio Rui Fernandes, que a cedeu à AD.

Foto: © Rui Fernandes (2007). Direitos reservados

Memória dos lugares (4) > Rui Fernandes, um Amigo da Guiné

1. Quando publicámos um poste sobre o Pintor Guineense Augusto Trigo, o Rui Fernandes escreveu-nos dando conta da satisfação ao ler o artigo sobre o autor de várias pinturas e painéis da Guiné, algumas das quais se encontram no seu país natal.

Na altura cometemos um lapso. Incluímos as fotos de algumas dessas obras sem fazermos menção ao autor. Tinha sido o Rui Fernandes, o autor das mesmas, que as cedeu à AD-Bissau, de onde as retirámos (1).

O Rui Fernandes não foi combatente. Esteve na Guiné, em missão profissional, entre 2003 e 2006, e nas horas vagas conseguiu recuperar digitalmente um mural do Augusto Trigo, que se encontra em Varela, num edifício abandonado e em adiantado estado de degradação.

Na mensagem que então nos enviou, o Rui, sabendo que entre os nossos leitores existem profissionais de muitos ramos, incentivava a nossa tertúlia a, numa próxima ida à Guiné, verificar da possibilidade em o recuperar.



Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > 2007 > Antigo restaurante e café, hoje em ruínas. O painel Luta Felupe é da autoria do artista guineense Augusto Trigo, que vive em Portugal. A foto é de Rui Fernandes.

Foto: © Rui Fernandes (2007). Direitos reservados

Nos cerca de três anos que lá permaneceu o Rui percorreu toda a região administrativa de Bafatá (Zona Leste) e visitou outras regiões do restante território.

“Percorri muitos dos locais por onde os ex-combatentes andaram, contactei com vários guineenses que pertenceram à nossa tropa. (…) de tabanca em tabanca os nossos guias normalmente eram ex-militares, porque eram os únicos que falavam português.

"Cada tabanca falava o seu dialecto e na região eram vários e mesmo o crioulo dificilmente era falado, apenas nas cidades e vilas maiores. Em muitos dos locais os "velhotes" diziam: 'há mais de trinta anos que não vejo um branco' e alguns ficavam a olhar para a bandeira colada no carro com espanto/alegria.

"Quase todos os ex-militares tinham escrito num papelito os nomes dos superiores, as moradas e por vezes o telefone, é marcante.

"Quando podia ler o vosso blogue tentava depois fazer a ponte onde estava a passar com a vossa vivência naquele local.

"Ainda neste momento vou lendo diariamente e acabo por descobrir material sobre vivências passadas em locais por onde andei na restante Guiné. Hoje mesmo, antes de ver o seu mail, fui ao link do artigo P2463 sobre a retirada de Madina.”
(...)



2. O Rui Fernandes voltou ao nosso contacto, enviando-nos algumas fotos do seu espólio recente, tiradas aquando da sua estadia na Guiné-Bissau.

Vamos então revisitar lugares que muitos de nós fizeram seus, nos afastados anos da Guerra da Guiné (2).

Os lugares de muitos de nós > Revisitar Bambadinca (I)




Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região).

Foto: Humbero Reis (2005)

Foto 1 > No P2431 vem uma fotografia da escola de Bambadinca (1997), ou "o que resta da antiga escola…." Na verdade em 2003 já não era este o aspecto, pois foi recuperada. A foto acima é de 2006. O telhado é que ficou em zinco (Bambadinca, 2006).

Foto 2 > Mesmo à esquerda da escola e que se vê mal nesta foto (2006).

Foto 3 > A antiga casa do administrador de posto (Bambadinca, 2006)


Foto 4 > A casa que foi do Administrador de Posto (Bambadinca, 2006).

Foto 5 > A 3ª casa, junto à estrada (Bambadinca, 2006).

Fotos 6 > A 3ª casa, junto à estrada (Bambadinca, 2006).

Foto 7 > A capela e, ao lado, a antiga secretaria da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto 8 > Vd. Referências nº 12 (pelotão de Morteiros), nº13 (Capela), nº14 (Secretaria) da foto aérea. Estas instalações pertencem hoje à Missão Católica (Bambadinca, 2006).

Foto 9. Crianças cantando o Hino Nacional enquanto é hasteada a bandeira antes das aulas (Bambadinca, 2006).


Fotos: © Rui Fernandes (2008). Direitos reservados.
__________

Notas de vb:

(1) Vd posts de :

25 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 – P2213: Dando a mão à palmatória (2): Rui Fernandes, o fotógrafo do pintor Augusto Trigo (Virgínio Briote)

14 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

(2) Tenho trocado algumas mensagens com o Rui Fernandes a propósito destas imagens. Agradecer publicamente a disponibilidade dele é justo, mas não é tudo. É marcante (usando a expressão dele acima, quando fala das populações quando o viam) o sentimento que transmite quando fala daquelas gentes e dos seus lugares. Quem fala assim da Guiné, de uma maneira tão Amiga, permitam que fale em nome da tertúlia, nosso Amigo é. E é como amigo da Guiné e dos guineenses, que o convidamos a integrar a nossa Tabanca Grande.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)


Guiné > Região do Cacheu > Susana > Junho de 1972 > Dia de ronco... dia da morte do comandante do PAIGC, Malan Djata, cuja cabeça foi cortada por elementos da população, felupe, após a sua captura na sequência de um ataque falhado ao aquartelamento de Susana.

Foto: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados.


Guiné > Ilha de Bolama > Bolama > CCAÇ 13 > 1969 > O Dudu, à esquerda, e o nosso camarada e amigo Carlos Fortunato que, tal como o Luís Fonseca, privou com (e tem uma grande admiração por) os felupes.

(...) "O recruta africano que surge na foto é Dudu, 2º comandante de um pelotão de milícias felupes, o 1º comandante chamava-se Ampánoa, cada felupe tem apenas um nome. Foram enviados para Bolama, para serem treinados por nós e integrado nas forças regulares, mas não irão integrar a nossa companhia, pois regressarão à sua região em Varela (região norte zona de Cacheu), no entanto contrariamente ao planeado, acabarão depois por integrar temporariamente a CCaç. 14, antes de irem para Varela.

"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura (a minha altura é 1,84m, e como se pode ver na foto ele é praticamente da minha altura),e grande robustez física" (...)


Foto e legenda: Carlos Fortunato > Guerra na Guiné - Os Leões Negros (com a devida vénia...)


1. Texto de Luís Fonseca , ex-Fur Mil Trms, CCAV 3366/BCAV 3846 (Suzana e Varela , 1971/73), enviado em 5 de Janeiro último:

Caro Luis:

Vi algum tempo atrás Flags of our Fathers (Bandeiras dos nossos pais) [, o filme de Clint Eastwood]. Os primeiros 5 minutos do filme transportaram-me à nossa realidade. Quarenta anos depois aqueles ex-combatentes dizem, na película, que "... qualquer parvalhão julga que sabe o que é a guerra... sobretudo aqueles que nunca combateram... heróis e vilões não faltam, mas geralmente não são aquilo que pensávamos... só os seus companheiros podem testemunhar os seus feitos"

Perguntarás por que carga de água esta introdução e o tem que ver com aquilo que já escrevi em anteriores intervenções. As relações são, a meu ver, evidentes.

Os heróis e os vilões, sejam militares ou civis, não nascem por decreto nem tão pouco por meras conveniências de uma qualquer conjuntura.

Falei, ainda que superficialmente, do João Uloma (2). Herói para uns, vilão para outros. Mas esta personagem, foi apenas mais um guerreiro felupe, produto de uma ancestral forma de vida num mundo já bem próximo do século XXI.

Já referi que, para entender os Felupes, a sua forma de agir e de estar, era preciso, com alguma certeza, não só viver com eles como recuar alguns séculos. Eles aprenderam, a expensas suas, que a frase Honra aos vencidos nunca lhes foi aplicada.

Reagiram sempre a domínios locais, regionais e extra-continentais. Os portugueses no séc. XIX (Djufunco ou Bolor - 1879) e no séc. XX (Varela, Catões e Suzana - 1934), já o tinham comprovado.

Não tenho outro conhecimento que me ajude a avaliar quantos, quais e quando esse espírito de chão foi igualmente utilizado contra os vizinhos do Norte. Os do outro lado do grande rio (Casamance, em francês ou Casamança, em português) que se dizem muçulmanos, não djolas [ou diolas, em português; jolas, em francês]. Passo a exemplificar.

Os incidentes que vou citar ocorreram em 1972 (Abril/Setembro), entre a população de um grupo de tabancas fronteiriças (Cassolol) e elementos das forças armadas do Senegal, mais propriamente tropas pára-quedistas, as chamadas forças especiais.

Questões antigas, talvez com algumas dezenas ou mais que uma centena de anos dizendo respeito ao cultivo das bolanhas e seus produtos, à colheita de vinho de palma e a tentativa de ter temporariamente bajudas. De quando em vez alguém se lembrava de desenterrar o machado de guerra. Das vezes anteriores, que se saiba pela diplomacia felupe, tudo tinha ficado no campo das ameaças mútuas.

Desta feita tudo foi mais longe. A tropa senegalesa veio até à zona dos Cassolol para obter vinho de palma e os favores de algumas bajudas. Só que, como sempre sucedeu, os habitantes negaram-se a aceitar tais pedidos.

Pelo que me foi referido, a tropa senegalesa forçou a entrada na zona do palmal da tabanca, chegando a disparar sobre um dos recolhedores de vinho que se encontrava no cimo duma palmeira. A população destas tabancas, em regime de auto-defesa, portanto armada, reagiu. Estranhamente, tendo em vista o armamento utilizado (Mauser e arco e flecha de um lado, espingardas automáticas FN do outro), da troca de tiros resultou um saldo desfavorável aos intrusos que, além de muito material de guerra, deixaram no terreno seis mortos. A população sofreu dois feridos ligeiros, tratados pela tropa, sendo um deles o recolhedor de vinho que caiu da palmeira.

Quanto o nosso Grupo de Combate chegou ao local, não encontrou um cenário agradável. Estávamos em chão Felupe e, como referido em anteriores escritos, assim foram tratados os senegaleses, como invasores. Mais uma vez não houve prisioneiros, nem honra aos vencidos.

O que se encontrou foram seis corpos decapitados, embora soubessemos posteriormente que na retirada os paraquedistas senegaleses levaram mais cinco feridos. Claro que para a população a ocasião foi de ronco.

Em Bissau a notícia caiu como uma bomba. Havia conversações com o Senegal, reunião de alto nível em Cap [ou Cabo] Skirring (voltarei a esse assunto), e este incidente caía na pior altura.

Na noite seguinte novos confrontos se travaram. Os senegaleses flagelaram a povoação com morteiros a partir, agora, do seu território. Dir-se-ia que foi uma flagelação em rajada, tal a sequência de saídas e rebentamentos, perfeitamente audíveis em Suzana, distante alguns quiómetros. Cerca de uma hora foi quanto demorou o festival.

Era impensável, naquelas circunstâncias, sair em socorro da população pelo que foi decidido que logo que fosse possível, mínimo de claridade, se rumaria para o objectivo.

Quando da saída, estranhos pressentimentos acompanhavam os que foram escalados para o efeito. Felizmente que esses receios provaram-se infundados. A população, que face ao poder de fogo utilizado, deveria ter sofrido grandes baixas, não teve um único ferido. Quase que me atrevia a dizer, digo, que, na melhor estratégia de guerrilha, as morteiradas senegalesas bateram uma zona vazia, isto é, a população tinha-se posto a bom recato. Informação, suspeição, antecipação, inteligência, sorte, chama-lhe o que achares melhor.

Aproveitando a oportunidade foi efectuado patrulhamento ao longo do trilho dos marcos de fronteira, mostrando-nos ostensivamente, e nada foi detectado, nem sequer os restos mortais dos militares abatidos para os quais havia ordem expressa de serem recolhidos e entregues à autoridades senegalesas. Existiam apenas marcas de rasto de botas de quem veio por trilho e fugiu a corta-mato.

Foi-nos permitido, pela população, trazer os despojos materiais, como sendo uma honra concedida a poucos.

A diplomacia Felupe sempre funcionou, muito mais em circunstâncias que pudessem trazer benefícios. Situações houve em que a verdade apenas veio à luz do dia bastante mais tarde. Às vezes por mero acaso.

O ataque à tabanca de Elia, também em auto-defesa, em Setembro de 1971 é bom um exemplo. No dia seguinte ao ataque a informação recolhida foi de que não tinha ocorrido nada de especial e que os homens do PAIGC, não conseguindo entrar na tabanca, tinham fugido causando apenas um ferido de média gravidade que conseguiu fazer a pé a distância entre Elia e Suzana e que, quando o médico verificou o seu estado, decidindo evacuação para Bissau, diria Bissau nega, cose indicando gestualmente tal acto. A sua chegada coincidiu com a saída do Grupo de Combate que iria verificar o que se havia passado.

Veio a saber-se, um ano após, que as coisas não tinham corrido bem assim e que os nossos inimigos na altura deixaram no terreno mais de duas dezenas de baixas, de que na manhã seguinte, quando da chegada das NT, não havia qualquer sinal.

O que pretendo evidenciar, por agora, é o que está subjacente ao conceito de chão, não partilhado por outras etnias guineenses. Para os Felupes, o seu solo é inviolável. Podem não ter bandeira nem hino, mas têm pátria, terra que é sua e dos seus antepassados e que deve ser venerada e defendida porque faz parte da sua história, é a sua história.

Não ouso dizer se estão certos ou errados na sua forma de agir. Respeito-os, por muito mal que os seus rituais e crenças possam horrorizar o dito mundo civilizado (3).

As minhas desculpas por tão longa dissertação.

Nota: A foto diz respeito ao ronco da população, quando da morte de Malan Djata.

Kassumai
Luis Fonseca
______________

Notas dos editores:

(1) Vd. último poste desta série > 6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2410: Cusa di nos terra (14): Susana, Chão Felupe - Parte VIII: Onde se fala dum Tintin em apuros... (Luís Fonseca)

(2) Vd. poste de 1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (12): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luís Fonseca)

Vd. restantes postes sobre os felupes, da autoria do nosso camarada Luís Fonseca (que reside em Vila Nova de Gaia):

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

16 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luís Fonseca)

25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luís Fonseca)

(3) Foram encontrados 5 registos sobre os felupes, num total de cerca de 200 mil, na base de dados bibliográfica Memória de África ® , da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro:






[154540] Agência Geral das Colónias
Felupes / Agência Geral das Colónias. In: Boletim Geral das Colónias. - Ano XXII, Nº 252 (Junho 1946), p 104-106. Descritores: Guiné Portuguesa, Usos e costumes, felupes. Cota: s/cota. INEP

[152845] CISSOKO, Mário A.R.
Birassu : Povo e Escola: Nos Reinos Felupes e noutras regiões da margem direita do rio Cacheu / Mário A.R. Cissoko. - Bissau : ASDI, 1994. - 234 p. ; 30 cm. - Programa Educação pos-graduação. Copenhaguem - Bissau. Descritores: Guiné-Bissau, Cacheu, Felupes, Educação, Etnologia. Cota: 37.014.53(665.7). BPINEP.

[94194] ALMEIDA, Carlos Lehmann de
Inquérito etnográfico sobre a alimentação dos felupes / Carlos Lehmann de Almeida. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. 10, nº 40 (1955), p. 617-634. Descritores: África, Guiné Bissau, População autóctone, Alimentação humana, Felupes. Cota: PP373. AHM.

[154514] MOTA, Teixeira da
Músicos felupes / Teixeira da Mota. In: O Jornal Bolamense . - Ano III, Nº 31(Fevereiro de 1959), p 6. Descritores: Guiné Portuguesa, felupes, Profissão artística. Cota: s/cota. INEP.

[152247] JOURNET, Odile
Sens et fonction de la maladie en milieu Felup : Nord Guinée-Bissa: Rapport final du project : Prophylaxie et carences dans les systémes de protection et d'hygiéne infantiles, traditionnels et modernes, en Guinée-Bissau / Odile Journet, André Julliard, colab. Yves Gallot. - Lyon : A.D.R.E.S.S., 1987. - [5], 247 p. : map., quad. ; 30 cm. Descritores: Guiné-Bissau, felupes, Doença. Cota: 397+613.95(665.7)(047). BPINEP.

Guiné 63/74 - P2473: Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )















Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (167/68) > Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007) > Aspectos da vida quotidiana da companhia... Na primeira foto, assinala-se a vermelho o Francesinho, com a sua concertina... Na foto a seguir, também foto de grupo (a segunda a contar de cima), o então 2º Sargento Neto, de pé, de óculo escuros, vem assinalado a vermelho... As fotos seguintes falam por si, não precisando de legenda...

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Fotos do José Neto † , reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007) > Ao centro, o Francesinho, o herói desta estória (1). Foto do saudoso Cap José Neto (1929-2007), o nosso primeiro tertuliano a deixar-nos, pelas leis naturais da vida.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Comentário de L.G.:

O Zé, que foi (e é ou continua a ser, velando por nós) o patriarca da nossa tertúlia (onde estve apenas um ano e picos), quis partillhar connosco, aos setenta e seis anos, uma parte "muito significativa" das memórias da sua vida militar.

Um pouco antes de morrer - inesperadamente, vítima de cancro do pulmão -, enviou-nos "trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família"...

Tenho que te agradecer, mais uma vez, Zé, onde quer que estejas! As tuas memórias de Guileje foram (são) também as memórias das nossas vidas, dos teus rapazes, dos nossos camaradas.. Eras o mais velho de todos nós, já partiste mas a tua saudosa memória ficou connosco. Deste-nos ume exemplo de generosidade, de energia, de alegria de viver, mas também de coragem e de abnegação na fase terminal da tua doença (que foi fulminante). Em tua memória e à memória dos teus rapazes da CART 1613, de quem falavas comos e fossem teus filhos e que estiveram contigo em Guileje, volto reproduzir, agora na 2ª série do teu/nosso blogue, o sumaríssimo mas incisivo retrato do Francesinho que tu desenhaste com mão de mestre, sentido de justiça, humor e sobretudo com grande sensibilidade humana...

Olha, em Março de 2008, estaremos em Guileje e far-te-emos uma pequena homenagem. Pepito, não esqueceremos o Zé, nosso amigo comum, amigo de Guileje, amigo da Guiné e e do seu povo!... Um (e)terno Alfa Bravo para ti, camarada, que repousas no céu dos guerreios! (LG)


2. Estórias de Guileje > O Francesinho (2)
por José Neto †

Com pouco mais de metro e meio de altura, franzino, quase imberbe, era um poço de força, energia e boa disposição que a todos espantava.

Geralmente, quando o pessoal regressava das duras caminhadas pelas matas e bolanhas vinha estafado e atirava-se para cima do catre para descansar. Essa não era a prática do Francesinho. Tomava um duche, ficava como novo e, com a sua concertina algo desafinada, espalhava alegria por toda a tabanca e arredores.

Era emigrante em França, para onde foi com os pais ainda criança, e pela nossa Lei não estava sujeito ao serviço militar, mas quando atingiu a idade própria veio apresentar-se e foi incorporado.

Constava nos seus documentos que era analfabeto e agricultor e, no entanto, falava correctamente francês e era operário especializado da indústria metalomecânica.

O mais surpreendente, se é que o Francesinho não fosse ele uma permanente surpresa, era a correcção com que falava português com a pronúncia e os ditos da sua região, as terras do Basto.

A sua única preocupação era a de que, quando acabasse a tropa, as nossas autoridades lhe passassem um papel para apresentar no birú [bureau, escritório, em francês] da fábrica onde trabalhava, justificando que esteve ao serviço da sua Pátria.

Desgraçadamente não foi preciso o papel, mas julgo que o tal birú da fábrica decerto deu por falta do portuguesinho, alegre e diligente, nascido na freguesia de Ribas, concelho de Celorico de Basto e falecido heroicamente em combate na Guiné Portuguesa (3).

As últimas mãos que afagaram aquele rosto de menino, antes de se soldar a urna de chumbo que o trouxe de volta, foram as do Capitão [Eurico] Corvacho e as minhas. Não é vergonha dizer que não contivemos as lágrimas que nos correram pela cara abaixo.

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste anterior desta série > 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(...) Na expectativa do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (Bissau, 1-7 de Março de 2008), que será também o da celebração da amizade entre os nossos dois povos e entre os antigos combatentes de um lado e do outro, damos início à publicação de histórias/estórias tendo como sujeito/objecto o aquartelamento e a tabanca de Guileje, as NT que os defenderam e, eventualmente, os guerrilheiros do PAIGC que nos combateram até ao abandono daquela posição militar no sul da Guiné, em 22 de Maio de 1973 (...).

(2) Extracto da VII parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (falecido em Maio de 2007, com o posto de capitão, reformado).

Vd. postes de:

11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXI: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

Vd. ainda os seguintes postes de (ou sobre) o nosso camarada José Neto:

31 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1910: Cap Zé Neto (1929-2007): Homenagem da AD - Acção para o Desenvolvimento, de Bissau

(3) Julgo tratar-se do soldado António de Sousa Oliveira, da CART 1613/BART 1896, natural de Celorico de Basto, freguesia de Cruz-Ribas, morto em combate no dia 28 de Dezembro de 1967 (segundo elementos que colhi na lista dos mortos do Ultramar, organizada por concelhos, pelos nossos camaradas que criaram e que gerem a página Moçambique, Guerra do Ultramar, e a quem endereço os meus cumprimentos e os meus agradecimentos pelo trabalho realizado, contribuindo para a preservação da memória da guerra do ultramar/guerra colonial, não apenas em Moçambique como nas restantes frentes).

Guiné 63/74 - P2472: Guineenses da diáspora (1): Luís Humberto Monteiro, há 23 anos no Brasil (Virgínio Briote)


O Luís Humberto, procedendo a arrumações (?), num local (Brasil?) que não indicou.

Foto: Luís Humberto Monteiro (2008).



Notícias da diáspora guineense... Não podemos ignorá-la... Os melhores quadros da Guiné-Bissau (médicos, engenheiros, juristas, investigadores, gestores, empresários...), mas também muitos dos seus melhores jovens vivem e trabalham no estrangeiro... Que esperança resta a quem fica ? É importante conhecermos as histórias de vida, os sentimentos, as emoções, as expecativas de quem, um dia, por uma razão ou outra partiu, à procura de melhor sorte..

O termo diáspora não tem nada de crítico, depreciativo, paternalista ou, muito menos, neocolonialista. Ainda recentemente se realizou, em Lisboa, de 7 a 9 de Dezembro último, o I Fórum de Diálogo e de Intercâmbio da Diáspora Guineense em Portugal... em que, de resto, participou como orador o nosso tertuliano Leopoldo Amado...

Por outro lado, as remessas de dinheiro, enviadas pelos guineenses da diáspora para as suas famílias são de uma importância vital para a economia da Guiné-Bissau. Segundo uma estimativa do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), um organismo ligado à ONU, a Guiné-Bissau seria o país de África mais dependente das remessas dos seus emigrantes:

(...) Em África há países cuja 'dependência' das remessas é mais do que notória, sendo a Guiné-Bissau um deles. Com uma diáspora recente, e com o país praticamente paralisado economicamente, as transferências da diáspora guineense responderam, em 2006, por 48% do PIB desse país, o que o coloca no primeiro lugar de África. Em S. Tomé e Príncipe, essa contribuição ficou calculada em 39%, seguindo-se a Eritreia com 38%...

Relativamente a Cabo Verde, cuja contribuição das remessas para a formação do PIB tem vindo a decrescer com a expansão de outros sectores económicos, nomeadamente o turismo, as divisas dos emigrantes agora representam 34%, ainda assim um dos mais altos do mundo (...) (A Semana 'on line').

Abramos, pois, uma nova série para falar sobre (e deixar falar) a diáspora guineense... (LG)


1. Do Brasil, mensagem de Luís Humberto Freire Monteiro, 15 de Janeiro de 2008, enviada ao co-editor vb:

Gostaria de conhecer um pouco da tua história como comando e dos demais companheiros, tais como o Djamanca (...).


2. Comentário do vb:

Pensei que fosse um antigo Camarada da guerra da Guiné, residente no Brasil, querendo saber de Camaradas que eventualmente tenha conhecido naquelas terras. Respondi em 20 de Janeiro de 2008:

Luís Humberto,

Publiquei em tempos um blogue, o
http://tantasvidas.blog.pt/, um 'ajuste de contas' com o meu passado militar. Nele pode encontrar referências e imagens do Djamanca e de outros Camaradas daqueles tempos.

Cumprimentos,

vb

3. Nova mensagem do Luís Humberto Monteiro, com data de 21 de Janeiro

Agradeço por ter respondido meu e-mail. Eu sempre tive admiração dos comandos africanos desde os idos anos 72. Na verdade eu já era um moço, e com certeza se não fosse a independência eu seria dos comandos.

Pena que a nossa história fala pouco ou quase nada a respeito. Na verdade digo mais, a política de Spínola POR UMA GUINE MELHOR, houvesse tido sucesso, seria uma Guiné Melhor, e não a Guiné de hoje.

Eu sou Guineense radicado no Brasil por conta própria, há 23 anos e sempre tive curiosidade de ler as informações que o Sr. Luís Graça nos proporciona na Internet, daí eu vi que tu eras um dos comandos no front em Bissau.

Resolvi-te mandar este pequeno e-mail solicitando algumas informações a teu respeito e a dos demais comandos.

O que poderes me mandar a respeito da guerra colonial eu agradeço desde já,
Um grande abraço


4. Identificado o Autor da mensagem, prossegui, incentivando-o a dizer algo sobre ele:

Caro Luís Humberto,

Une-nos um passado comum. Assim quis a História dos nossos Povos Irmãos. Nem sempre nos demos muito bem, o que só dignifica a natureza de que és feito. Pertences a um Povo indomável, orgulhoso da Mãe África.

Luís, fala algo de ti, apresenta-te. Onde nasceste, quando, quem eram os teus Pais, qual a tua etnia de origem, onde estudaste, como foste parar ao Brasil. Lembras-te de alguma coisa da Guerra no teu País? Tens uma foto tua, para dar a tua entrada no blogue? E permites que a faça?

Um abraço, com os desejos que sejas muito feliz,

Vb

5. Não tardou a resposta do Luís Humberto (*):

Eu sou Guineense radicado no Brasil há 23 anos, vim para cá aos 19 anos, porque percebi após o golpe de estado do NINO, Bissau estava indo para bancarrota, resolvi sair fora em 1984, quatro anos após o golpe de estado.

Nasci em Bissau no bairro de Am[e]dalai, estudei na missão católica, frequentei o liceu de Bissau, e a minha etnia é PEPEL.

No Brasil formei minha família com Brasileira e tenho dois filhos (um casal), especializei-me na área de informática , tenho nível médio, é com essa formação que sustento minha família.

Não tenho partido político desde 1998 e não vou a Bissau de férias.

Eu lamento profundamente que a Independência que todos nós almejámos não era essa independência (dependência) que hoje a Guiné-Bissau vive. Temos um velho ditado que diz TEMPO DI TUGA MÁSSABI (traduzindo, Tempo Colonial Era Melhor). O PAIGC não gostava muito de ouvir isso.

Volto a repetir a título de informação, me interessei pelo blogue do Sr. Luís Graça, porque é o que mais abordou a nossa história da guerra , e por seres um dos daquela época, resolvi te procurar.

Muito obrigado pela interação.

__________

(*) Em anexo o Humberto enviou-me o artigo transcrito abaixo e publicado, em 18 de Janeiro de 2008, no sítio
http://www.didinho.org/pensador.htm

Crónica de um Descrente!



Elia, o homem mais velho da aldeia. Foto de
Ernst Schade, publicada na página do Fernando Casimiro (Reprodzida aqui, com a devida vénia...).


Por Marinheiro da Solidão (em homenagem a Jorge Cabral)
Janeiro de 2008

Após quase 4 horas de viagem, o avião inicia o seu trajecto descendente. Começa-se a vislumbrar o verde do meu país , cortado por braços de água. Uma imagem quase idílica. Não há dúvida que a mãe natureza foi generosa.

O avião imobiliza-se. Somos recebidos por um bafo de humidade. Estamos em casa. O aeroporto encontra-se apinhado de gente. Está quente. Vejo vários aparelhos de ar condicionado, mas nenhum parece funcionar.

À entrada uma oficial da Polícia de estrangeiros e Fronteiras dá-me as boas vindas. Quase que nem olha para o meu passaporte. Diz-me directamente e sem grandes subterfúgios:
- Amigo...Nô tene peditório!
Diz-me isso com o ar de quem não está à espera de uma resposta negativa. Confiança acima de tudo! Siga!

Passado esta recepção agradável, chega a etapa de arranjar um pedaço de chão em frente ao tapete rolante. As pessoas armam-se como podem para a batalha da colheita de malas.. Aqui e ali ouve-se:
- Amigo, amigo, qui mala i di mi, qui mala i di mi...
Após uma longa batalha e litros de suor...tenho a minha mala. Dizem-me que tive sorte. Ela chegara intacta! Pelos vistos, não tem sido costume.

Segue-se a etapa da abertura e revista das malas. Diz-me um militar todo solícito:
- Djubi dé...pa ka no cansau kabeça, danu dê qualquer kussa...

Que simpático, penso eu! Ao fim de 2 horas no aeroporto, vejo o sol. Vamos enfrentar a cidade de Bissau.

Cá estou eu na Avenida principal a caminho do centro da cidade. De ambos os lados vejo, em construção, autênticos palacetes... dizem-me que é a nova moda (da estrada do aeroporto a Antula, do Bairro de Ajuda ao Sacor, passando por Safim). Pelos vistos, muita gente recebeu heranças inesperadas em pouco mais de um ano. A julgar pelo que vejo, acredito!

Chegado a casa, dizem-me que estão há 5 dias sem água ou luz. Não acho estranho, estou mentalmente preparado! Mas de repente...dizem-me que sou um sortudo...Não é que "luz ku iagu bin"! Alegria total.

Nos dias seguintes sou brindado por imagens de jeeps e mais jeeps (seja o célebre Hummer ou o K7 ou sei lá mais o quê). Está bem que a estrada não está lá grande coisa, mas com aqueles carros quem é que precisa de estradas? O trânsito está infernal na Av 14 de Novembro. Pelos vistos não há mais nenhuma estrada de jeito!

Encontro toda a gente preocupada com os salários...Todos perguntavam se o governo iria pagar antes das festas (tanto muçulmanas como católicas). Pelos vistos, até ao fim do ano não houve nada para ninguém! Também não ouvi nenhum governante dar explicações. Aliás, em duas semanas, não me lembro de ter ouvido alguém com responsabilidades no país dizer alguma coisa sobre qualquer coisa.

Pessoas próximas contam-me de casos passados no Hospital Simão Mendes. Parecem tirados de um filme de terror de 7ª categoria. Por exemplo, na maternidade há preços para tudo. Uma cesariana custa à grávida 45.000 francos XFO, tendo ainda de pagar:
- O jantar do médico (com letra bem pequena) - 10.000 XFO
- As noites passadas no hospital (sendo que o dormir no chão custa 2500 XFO/noite)
- As enfermeiras cobram para cada curativo ou cada injecção, tendo ainda as pobres parturientes de se levantar, indo ter com as excelentíssimas senhoras enfermeiras (elas dizem que sim) aos seus cadeirões respectivos para fazerem, muito contrariadas, o tal penso!

Sinto-me nauseado. Prefiro não ouvir mais. Mas pelos vistos nem tudo corre mal. As discotecas encontram-se cheias. Qual cenário hollywoodesco...é ver chegar carros topo de gama com jovens da nossa praça que, de um momento para o outro, são os novos ricos do país, concorrendo pela posse das miúdas, mesas na discoteca e em casos extremos fazendo uso das suas belas pistolas em plena pista para marcar o seu território nos negócios! Um cenário a lembrar os gangs dos Estados Unidos..muitos filmes andam a ver de certeza. Dizem-me que são presos na hora pelos Ninjas. Mas no dia seguinte encontro-me com eles pelas ruas esburacadas de Bissau. Afinal quem é que manda?

Pela primeira vez na vida, estou desejoso para que as férias em Bissau cheguem ao fim. Mas antes de deixar o país sou confrontado, no aeroporto Osvaldo Vieira, com mais uma sessão de peditórios, desde o pessoal que anda a fazer revista das malas ao oficial de polícia que tem como obrigação controlar o passaporte no acto de saída (a este, digo que já não me resta um único euro...olha-me com um ar furioso! -ali bu passaporte!). Agradeço.

Finalmente, o Airbus da TAP faz-se à pista e descola! Pela primeira vez sinto-me aliviado ao deixar o meu país.

Durante a viagem vem-me à cabeça o poema, Desafio, de
Tony Tcheka.

Desafio

Até parece
que a Sul o tempo parou
até parece que o Sol
que nos queima
é obtuso e sisudo
até parece
que fomos privados
do apetite
da vontade
da lucidez
até parece
que irrompemos
d'algum ventre enteado
palavra que parece
Até parece que perdemos o Norte
e que o Sul é recôndito
confinado à malvadez
e cozinhados da fada má
Sul é amargo da boca
e o Santo na mão
Será sina castigo ou destino
marcado nos porões negreiros?
E o desespero a fome
a doença os bolsos minguados
todos esses fieis companheiros serão mosteiros
ou simples penitência
para salvar a alma do corpo sofredor?
Mas palavra que apetece
soltar um grito
e desafiar de vez
esta força imensa
que se alimenta da minha doir
da nossa dor!
__________

Nota de vb:

A propósito de um artigo do Leopoldo Amado (salvo erro) "Coisas de Brancundade", escrevia eu, vb, há tempos atrás a um Camarada do blogue:

"O que dirão os que lutaram pela independência dos seus chãos? Foram tão dignos na luta, como indignos devem ter sido alguns que assumiram o poder depois de Setembro de 1974.

Mas, este assunto é deles, de um país independente. Como é que verão, como é que eles nos verão a discutir assuntos da vida deles?

Do nosso blogue, sei-o porque já o ouvi, fala-se que é um blogue do lado deles, do PAIGC, entenda-se. Que estamos a glorificar a luta deles, com pouco respeito pelos nossos que lá deixaram a carne, os ossos, tudo. E que o Simpósio da Guiné, é o exemplo da negação da nossa luta e da justiça da luta deles.

E, se agora, abrimos o blogue a um diário da Guiné actual, o que dirão de nós? E, no entanto, faz-nos falta que alguém nos fale da Guiné."


A resposta do Camarada:

"Não temos medo das palavras... O nosso blogue deve ser um espaço aberto, crítico mas aberto e franco. E porque não fraterno ? Agora, não é decididamente do PAIGC. O que se passa hoje na Guiné-Bissau (e que é trágico, deprimente) não tira qualquer legitimidade (histórica) à luta do PAIGC.

A nossa guerra estaria, sempre fatalmente, condenada à derrota. Eu sei que é duro dizê-lo, em letra de forma, ainda hoje, perante camaradas (portuguses e guineenses) que deram o melhor da sua juventude na luta contra a guerrilha do PAIGC (e muitos a vida ou a saúde). Respeito profundamente esse sentimento de perda, de luto e de impotência. "

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2471: Glória às nossas enfermeiras pára-quedistas e aos malucos das máquinas voadoras (Henrique Cerqueira, Bissorã e Biambe, 1972/74)

1. Mensagem, de 14 do corrente, do Henrique Cerqueira (1)


Olá, camarada Luís e restantes Tertulianos.

Hoje resolvi escrever alguma coisa para o nosso Blogue e a motivação foi despoletada pelo facto de ver publicado um artigo no blog referente às DO - Dornier 27 (2).

Sim, senhor, é necessário lembrar todos os nossos camaradas pilotos e restantes equipas que tantas vezes nos trouxeram um raio de esperança quando estávamos envolvidos em situações de aflição e daí eu recordar uma situação que se passou comigo.

Pois como já disse anteriormente, eu terminei a comissão na CAÇ 13 em 1974, mas quando fui para a Guiné fui colocado em Biambi que era a 3ª Companhia do BCAÇ 4610/72.E então passados dois meses mais ao menos e no cumprimento da minha obrigação, fiz parte de um dos muitos patrulhamentos em missão no mato. É então que após o atravessamento de uma famosa bolanha (Insentaque) fomos surpreendidos por uma emboscada do inimigo e aí tivemos dois feridos graves nos milícias e um furriel, de seu nome Fonseca, natural do Porto.

Até aqui tudo normal para a situação que se vivia na altura, pese embora o facto de ainda sermos muito Periquitos e ser o nosso primeiro embrulhanço. A consequência de toda a nossa inexperiência foi que em poucos segundos gastámos tudo que eram munições e ficámos todos como baratas tontas, tanto pela falta das ditas munições, como não sabíamos mesmo o que fazer com os feridos. Penso que estarão mesmo a ver a cena.

Bom, lá conseguimos entrar em contacto com o aquartelamento e pedir apoio aéreo, assim como evacuação para os feridos. Após algum tempo lá apareceu o LOBO MAU, ou seja o Héli Canhão, e logo de seguida outro Heli para o transporte de feridos.

É aqui que me lembro de ver em pleno mato a sair do Heli uma enfermeira de camuflado e camisola branca bem justa ao corpo. Foi como saísse um anjo para nos ajudar, teve um efeito tão grande de tranquilidade que nunca mais me esqueci desse dia e por mais estranho que possa parecer é a imagem dos Helis e da enfermeira naquele caos que se tinha instalado que ainda hoje guardo do meu primeiro contacto com a verdadeira guerra.

Mais tarde e por motivos diversos viajei em Helicóptero e em DO, e por incrível essas viagens foram duas tentativas falhadas de me transportarem do Biambi para Bissorã, mas isso será outra estória.

Fui ainda informado mais tarde que uma dessas gloriosas enfermeiras foi morta por ter sido apanhada por uma hélice duma DO. Não sei se foi verdade ou não, mas não duvido que todos esses pilotos como pessoal de enfermagem e especialistas da Força Aérea Portuguesa eram mesmo uns Grandes e Gloriosos Malucos, de quem guardo muita gratidão. Não tenho fotos deles mas tenho grandes imagens no meu coração desses bravos camaradas da Guiné.

Quero ainda recordar aqui o Alferes Barros, nunca mais soube nada dele. Era um homem do norte mas parece que vivia em Cascais. De igual modo o Furriel Fonseca, o tal ferido que é do Porto, mas muito em especial o meu fiel amigo e carregador Guineense INHATNA BIOFA que me acompanhou até ao final da comissão na CCAÇ 13.

Bom, isto foi uma estória com o intuito de lembrar em especial todos os Pilotos e pessoal das Força Aérea Portuguesa.

Aproveito para esclarecer aqui que nenhum oficial superior ou outro nunca conseguiu me incutir o espírito militar, pois, como a maioria de todos nós, fomos obrigados a ir para a guerra. Só que isso não significa que, mesmo contrariados, nós os milicianos e restantes obrigados não tenhamos cumprido com a nossa missão que se quiserem até lhe podem chamar de Patriota. E daí existir hoje este meio maravilhoso que nos permite até de ter saudades, sejam elas de factos ou de pessoas. É que foram tês anos das nossas vidas vividas em comum e que irão estar sempre presentes até ao dia do juízo final.

Malta da tertúlia, desculpem lá mas se não agradar a estória têm sempre o rolete do rato para acelerar para a próxima.

Um abração a todos os camaradas Tertulianos
Henrique Cerqueira

Ex-Fur Mil Bat 4610/72 Biambi
e CCAÇ 13 Bissorã até Julho de 1974

PS - Mais uma vez peço ao camarada Luís Graça que, se por qualquer motivo não achar interesse na publicação desta estória ou necessitar de alguma correcção em termos de formato ou escrita, está completamente à vontade. Lembro ainda que não tenho precisão de datas e até de nomes pois que andei muitos anos sem falar neste assuntos e muitas datas e nomes já foram...
___________

Notas dos editores:
(1) Vd. posts anteriores:

26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2219: Tabanca Grande (37): Apresenta-se Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil (BCAÇ 4610/72 e CCAÇ 13, 1972/74)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2368: Direito de resposta (1): Do Ex-Capitão Carlos Matos de Oliveira, ao Ex-Fur Henrique Cerqueira, da CCAÇ 13 (Bissorã, 1972/74)
(2) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

Guiné 63/74 - P2470: Diorama de Guileje (5): Geradores na Guiné (José Nunes)


Foto: Nuno Rubim (2007).


1. Em 13 de Janeiro de 2008, José Nunes (1) escreveu:

Estive na Guiné de 15 de Janeiro de 1968, 15 Janeiro de 1970.

Fiz assistências e electrificações em aquartelamentos, Porto Gole, Enxalé, Ponta do Inglés, Bolama, Bissum-Naga.

Acerca dos manuais que o Camarada Coronel precisa, deve ser difícil pois nunca os vi em 2 anos e um dia de Comissão, nem na escola Militar tivemos acesso a eles.

Os grupos geradores mais utilizados eram: 500/250KVA, 150, 50/47,5 KVA (2).

No QG, na Central nova, havia dois Dorman de 250 KVA, com 6 cilindros, refrigeração a água por radiador e, um grupo gerador de emergência Lister de 75 KVA.

Na Central velha, existia operacional um Deutz de 12 cilindros em V, refrigerado a ar e um Lister de 50 KVA.

Na Engenharia e no Hospital Militar estavam os grupos geradores maiores.

No mato, normalmente, encontravam-se geradores com potências de 50, 20 e 7,5 KVA.

As marcas Stanford e Frapil para pequenas potências até 20KVA.
As motorizações eram diversas: Dorman, Deutez, Lister e EFI produção nacional.

Em Porto Gole havia um Lister de 47,5/50 KVA, na Ponta do Inglês havia um Gerador de 20KVA que lá fui levar com um operador de Motores Fixos.

Ajudei a transferirr o grupo gerador, na lama, da LDP para cima do Unimog, a descarregar no local e a fazer ligações de potência.

Por azar, o meu camarada inverteu a polarização na excitação e o gerador ficou inoperacional.
Tive de me pirar porque fui lá desenfiado só para ajudar e para ver se o Operador vinha no mesmo dia para Bissau, mas ficaram sem iluminação e o Engenheiro ficou lá até ao próximo transporte, regressando eu a Porto Gole onde levei uma valente piçada.

Ponta do Inglês, iluminação? A bazucas cheias de petróleo penduradas no arame farpado.

A iluminação nos aquartelamentos era feito com cibes a fazer de postes, linhas de cobre nú de 2,5 mm2, circuito fechado em anel, lâmpadas Philips 150 Watts spot.
Os quadros eléctricos eram em baquelite, equipados com fusíveis ou disjuntores quando os havia.

Não havia uniformização nos geradores, tal como muita coisa era comprada ao sabor de quem dava melhor percentagem, mas a maioria dos aquartelamentos tinha geradores de 7,5 ou 20 KVA.

Até breve, com amizade.
Matenhas para toda a Tabanca.
____________________

Notas dos editores:

(1) - Vd. post de 22 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2469: Tabanca Grande (55): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista de Centrais (BENG 447, 1968/70)

(2) - Vd. post de 11 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2432: Diorama de Guileje (1): Geradores: Grupos Diesel Lister ou Frapil: fotos ou manuais, precisa-se (Nuno Rubim / Victor Condeço)