sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2479: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (10): Lançamento oficial, ignorado pela RTP-África

Guiné-Bissau > Bissau > Universidade Colinas do Boé > 24 de Janeiro de 2008 > Cerimónia de lançamento oficial do Simpósio Internacional de Guileje > Mesa, presidida pela Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini.

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso amigo Pepito, da comissão organizadora do Simpósio Internacional: Guileje na rota da Independência da Guiné-Bissau (1):

LANÇAMENTO OFICIAL DO SIMPÓSIO

Foi hoje, dia 24 de Janeiro, feita a apresentação oficial e pública do Simpósio Internacional de Guiledje.

O acto decorreu nas instalações da Universidade Colinas do Boé sob a presidência da Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini, na presença dos Embaixadores da União Europeia, de Portugal, da Guiné-Conakry, de Cuba, do Senegal, dos representantes do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, AD - Acção para o Desnvolvimento e Universidade Colinas de Boé, dos orgãos de comunicação social privados e comunitários, bem como de muitos jovens interessados pela História da Guiné-Bissau.

Como o assunto era relativo à História e Cultura, a televisão nacional e a RTP África, sempre mais preocupadas em dar relevo a outras questões mais relevantes como o narcotráfico e a presença da AL-QAEDA, primaram pela ausência. Critérios....

A sessão começou com a apresentação de um conjunto de slides evocativos de Guiledje, das companhias portuguesas que por lá passaram, dos combatentes do PAIGC e do Quartel antes e depois do assalto final.

O Grupo Os Fidalgos apresentaram um excelente conjunto de músicas guineenses, algumas das quais serão repetidas no Sarau Cultural que ocorrerá durante o Simpósio [Vd. programa no sítio ofical do Simpósio].

Guiné-Bissau > Bissau > Universidade Colinas do Boé > 24 de Janeiro de 2008 > Cerimónia de lançamento oficial do Simpósio Internacional de Guileje > Dois momentos da actuação do Grupo Teatral Os Fidalgos ( 2).

Seguiram-se as diversas intervenções dos promotores e patrocinadores (3) que realçaram a importância do Simpósio como contributo para a reconciliação nacional à volta de valores fundamentais como a Independência e a figura impar de Amílcar Cabral, a aproximação ainda maior dos guineenses e portugueses, os ensinamentos da Luta para esta nova fase de desenvolvimento e o facto de ser a primeira vez na história que antigos povos que se confrontaram de armas na mão se vão encontrar de forma fraternal para abordar o seu passado comum.

Todos consideraram que o Simpósio irá contribuir para a criação de uma nova imagem da Guiné-Bissau, um país de HISTÓRIA e CULTURA.



Guiné-Bissau > Bissau > Universidade Colinas do Boé > 24 de Janeiro de 2008 > Cerimónia de lançamento oficial do Simpósio Internacional de Guileje > Dois aspectos da assistência

A finalizar, procedeu-se a uma breve degustação de algumas bebidas feitas com aromas silvestres e que serão consumidas durante o Simpósio, tendo três delas ganho o primeiro combate: Grad, Pó di Pila e Patchanga.


Guiné-Bissau > Bissau > Universidade Colinas do Boé > 24 de Janeiro de 2008 > Cerimónia de lançamento oficial do Simpósio Internacional de Guileje> Três bebidas, de produção artesanal, premiadas...

Repare-se no nome das bebidas, associadas ao armamento do PAIGC: Grad, Pó di Pila e Patchanga. Recorde-se que: (i) o Grad, ou Graad, ou Jacto do Povo, era o Foguetão 122 mm; (ii) a Patchanga era a famosa irritante 'costureirinha' (segundo a designação dos 'tugas'), a Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal 7,62 mm M-941 (PPSH), de origem soviética; (iii) O Pó de Pila deveria ser o Lança Granadas-Foguete PANCEROVKA P-27 (também conhecido, na giría dos guerrilheiros do PAIGC, como Bazuca Bichan, Lança Grande, Pau de Pila)(4). (LG).

Fotos: © Pepito / AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados. (Texto e fotos editados por L.G.)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série:

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

(2) Este grupo de teatro tem um blogue próprio, um "sítio que aborda a cultura na Guiné Bissau", e que se chama justamente Os Fidalgos. Animam também o Centro de Intercâmbio Teatral de Bissau, que é uma parceria com a AD - Acção para o Desenvolvimento (do nosso Pepito) e a Cena Lusófona.

Em meados de 2007 tive o privilégio de assistir, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, ao espectáculo apresentado por este grupo, com a peça Namanha Makbunhe (escrita a partir da obra-prima Macbeth, de William Shakespeare).

Vd. também poste de 10 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1831: Macbeth em África ou Namanha Makbunhe no Teatro da Trindade, com os Fidalgos, grupo de teatro de Bissau (Beja Santos)

(3) Promotores:

Acção para Desenvolvimento (AD)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP)
Universidade Colinas do Boé (UCB)

Patrocionadores:

Governo da Guiné-Bissau
União Europeia
Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)
Instituto Marquês de Valle Flôr

Comissão de Honra:

Presidente da República da Guiné-Bissau, General João Bernardo Vieira
Dr. Francisco Benante, Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau
Dr. Martinho N’Dafa Cabi, Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau
Doutor Nuno Severiano Teixeira, Ministro da Defesa de Portugal
Doutor João Cravinho, Secretário de Estado da Cooperação Internacional de Portugal
Prof Doutor Patrick Chabal, docente da King’s College, Londres, Grã-Bretanha
Prof Doutor Luís Moita, Vice-Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal
Dr. Óscar Oramas, Ex-Embaixador de Cuba na Republica da Guiné-Conakry.
Prof Doutor João Medina, Professor Catedrático da Universidade de Lisboa, Portugal
Flora Gomes, Cineasta guineense
Prof Doutor Peter Mendy, docente no Rhoad Islands College, Boston, USA.

Links > Outros Sites

Luís Graça & Camaradas da Guiné

Xitole

(4) Vd. poste de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1890: PAIGC: Gíria revolucionária... ou como os guerrilheiros designavam o seu armamento (A. Marques Lopes)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

Mesna Tchude Nhanga

Idrissa Cumpom

Dauda Cassamá

Quissif Na Mboto

Cusna Sambé

Bacar Cassamá

Alficene Mané

Malan Djassi

Queba Djassi

Marcos da Silva


Malan Camará

Caldeira Mendes

Cadjali Cissé

Bion Na Biahatchiba

Laminé Camará

Eis alguns dos Antigos Guerrilheiros do PAIGC, que operaram na região sul, tendo alguns deles participado no cerco e ocupação de Guiledje, de 18 a 22 de Maio de 1973 (Op Amílcar Cabral). No âmbito do Projecto Guiledje, equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento entrevistaram-nos, gravaram e filmaram os seus depoimentos, em DVD. São também convidados especiais do Simpósio Internacional de Guiledje. Vamos ter, os tugas que lá forem, oportunidade de confraternizar com eles.

Olhando para estes rostos, alguns dos quais precocemente envelhecidos por uma vida duríssima (anos e anos de guerrilha pura e dura, a que se somaram as não menos penalizantes condições de vida e de trabalho num novo país independente, em construção), eu só consigo descortinar serenidade, sabedoria, coragem, experiência de vida... Talvez orgulho pela missão (cumprida), orgulho por terem sido protagonistas da sua própria história... Talvez (aqui e ali, e é preciso adivinhar) alguma desilusão, algum desencanto, algum desapontamento pelo rumo dos acontecimentos que nos escapam, pelos amanhãs que não cantaram (ou não cantaram para todos, para a grande maioria do povo)... Mas não vejo ódio, nem agressividade, nem ressentimento...

Foram homens, idealistas e generosos, que eram tão jovens como nós, e que amavam a sua terra como nós amamos a nossa, oriundos de diferentes comunidades e grupos, partilhando diferentes credos (animistas, muçulmanos, cristãos...), reunidos sob a mesma bandeira, e que, como combatentes, foram bons, determinados, abnegados, corajosos...

Também tiveram sorte no campo de batalha, que a sorte protege os audazes (como dizem os nossos comandos): hoje estão vivos; mas muitos milhares dos seus camaradas pagaram, com o sacrifício da sua própria vida, a sua opção pela luta de libertação... Estão vivos, mas não tiraram benefícios pessoais por ter sido guerrilheiros do PAIGC, combatentes da liberdade ou heróis vivos, aos olhos dos seus filhos, parentes, amigos, vizinhos...

Muitos voltaram a ser camponeses, um ou outro seguiu a pobre carreira de armas, outros quiçá já tiveram inclusive de sair do seu país, por motivos políticos, económicos ou outros... Que as revoluções também, aqui como noutros lados, costumam tragar muitos dos que as fazem...

Homens que ontem eram o IN, eram nossos inimigos (não individualmente, mas como exército, como máquina, como entidade mítica; porque estávamos, objectivamente, de um lado e de outro do campo de batalha, empunhando uns a Kalash e outros a G3...); homens que hoje queremos que sejam nossos amigos e até irmãos; homens que, no mínimo, merecem o nosso respeito, senão mesmo a nossa admiração... Há sempre em todas as guerras uma estranha cumplicidade entre combatentes de um lado e de outro...

Oxalá possam, todos estes antigos guerrilheiros do PAIGC, viver o que resta das suas vidas em paz, em segurança, em dignidade... E espero poder encontrar alguns deles em Guileje e dar-lhes um abraço do tamanho do Cumbijã, ou do Geba, ou do Corubal, ou do Cacheu, rios míticos de uma Guiné que também nos pertence um bocadinho, ou de algum modo... Quanto mais não seja, pela simples razão de que lá deixámos dois dos nossos verdes anos... (LG)


Fotos: Guiledje - Simpósio Internacional (2007) (fotos editadas por L.G).. Com a devida vénia... Parabéns ao(s) fotógrafo(s) da AD.

Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)

Continuamos a transcrever a História do BCaç 2879. Depois da formação do Batalhão e da viagem rumo à Guiné, publicamos hoje a chegada a Bissau, com as impressões que a cidade deixou ao nosso Camarada Carlos Silva, ex-Furr Mil do Batalhão e hoje um ilustre advogado, há mais de vinte anos a defender causas de ex-combatentes brancos e negros.
 vb
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Bissau - Breve descrição Durante a estadia que foram de alguns dias na Amura e no Quartel dos Adidos, sediado nos arredores da cidade e a caminho do aeroporto de Bissalanca, sempre que surgia uma oportunidade e tínhamos possibilidade, apanhávamos boleia nas viaturas militares e lá íamos dar uma passeata até à baixa, onde éramos matraqueados com o célebre cantarolar de pelos mais velhos de “salta periquito, salta periquito, a velhice vai no metrópole”…

1969 – Vista aérea de Bissau e do ilhéu do Rei 

Podemos caracterizar Bissau como uma cidade bastante bonita, simpática e alegre, plantada à beira mar, praticamente plana, com declives pouco acentuados, aliás, na Guiné o relevo é pouco acentuado.

Dotada de boas avenidas e ruas transversais, bastante arborizada com mangueiros, cajueiros, a ponciana, espécie de acácia que embeleza a urbe na época da floração, etc.

É de salientar a avenida principal, Av. da República, que parte da zona ribeirinha do Cais do Pidjiguiti até à Praça do Império, onde se situa o Palácio do Governador da Província. A avenida marginal, lindíssima, repleta de palmeiras e coqueiros, passando pelo jardim junto à Fortaleza de S. José da Amura.

As ruas perpendiculares umas às outras, tem uma extensão enorme, como por exemplo a célebre Estrada de Sta. Luzia que parte da Fortaleza da Amura, e vai até onde ficava situado o Quartel-general. Nesta estrada situa-se o Hospital Civil Central.

As casas térreas, com a sua traça típica da época colonial e rodeadas de lindíssimos jardins, sempre bem tratados. Apenas se via um ou outro prédio de dois ou três andares, tal como aquele onde estavam instalados os serviços da TAP. Portanto, não destoavam do restante casario, enquadrando-se na cidade de forma harmoniosa. Praticamente, com o início, por trás do Palácio do Governador, estendia-se até ao Quartel-General o célebre bairro designado por Pilum ou Pilão.

A cidade estava dotada de boas infra-estruturas escolares, Liceu Honório Barreto, hospitalares, Hospital Central – após a independência da Guiné passou a designar-se por Hospital Simão Mendes em homenagem a um combatente responsável pela área da saúde do PAIGC e que morreu em combate (1) e Hospital Militar, considerado um dos melhores hospitais da África Ocidental, desportivas, tais como o Estádio do Sport e Benfica de Bissau e outras, o Hotel Portugal e o Grande Hotel, pensões etc.

Infelizmente devido à guerra, havia muito movimento na cidade, pelo facto de ali se concentrarem milhares de militares. Os que ali estavam colocados, cumprindo a sua comissão até ao fim e os que estavam por lá em trânsito, ora aquando da sua chegada à Guiné, ali teriam de aguardar por transporte a fim de serem colocados nas suas respectivas zonas de intervenção no interior, ora quando aguardavam pela hora do embarque de regresso para a Metrópole.

Havia muito movimento devido à circulação constante das viaturas militares, na cidade, e, entre esta e as Unidades instaladas na periferia, a caminho do aeroporto, assim como se via uma grande circulação de viaturas civis.

Existia muita actividade comercial e de restauração. Na baixa, as lojas estavam completamente cheias; Casa Gouveia, Ultramarina, Pinto, Taufik Saad, Mercado Central etc. Os militares compravam tudo e mais alguma coisa. Desde roncos (2) para levarem para as suas famílias, namoradas e amigos, passando pela compra de máquinas fotográficas, aparelhagem, gravadores Akai, gira-discos, ventoinhas Termozeta, whisky, tapetes com motivos orientais, carpetes, arcas de cânfora, enfim, um mundo de objectos.

Nos restaurantes e cervejarias verificava-se um ambiente de frenesim constante, essencialmente com os militares. Os clientes não deixavam os empregados de mesa descansarem um minuto. Ora pedindo mariscada com aquele molho picante, gindungo, que sabor! Ora pedindo ostras, quentinhas a sair do forno, que maravilha! Bem regadas com cerveja grande bazucas, fantas, coca-cola, whisky, gin, etc., pois o calor apertava e a sede também, pelo que, havia uma grande necessidade de refrescar as gargantas sequiosas.

Deste modo, quer durante o dia, quer à noite, a rapaziada passava o tempo de lazer na cervejaria Sol Mar ou na esplanada do Bento, mais conhecida pelo Q.G, onde se saboreava o cair violáceo da tarde sob as acácias, numa amena cavaqueira, bebendo umas bazucas, apreciando a passagem de modelos multicoloridos das guineenses e de algumas europeias, ou ainda na mais recente e mais moderna cervejaria O Pelicano (3), situado na marginal, mais cosmopolita, onde à noite se podia desfrutar duma esplêndida vista para o cais e para o Ilhéu do Rei, experimentando os sabores, quer da comida guineense, ostras ou camarão com gindungo, chabéu, moqueca, caldo de mancarra, acompanhado dumas imperiais, bebendo um bom whisky, um refrescante gin tónico ou misturas destas bebidas alcoólicas com coca-cola que ainda não era conhecida na Metrópole e onde também se podia comer um bom bife com ovo a cavalo.

Os mais atrevidos davam uma saltada até ao Pilão (Cupilão ou Pilum) ver o desfile da moda feminina, aproveitando para satisfazer os prazeres da carne, não descurando a segurança, mantendo sempre um camarada de sentinela, ou então iam até à boite, designada pomposamente por Chez Toi, onde paravam as meninas da Metrópole.

Bissau, 1969 > Praça do Império e Palácio do Governador

Bissau, 1969 > Avenida da República: Casa Gouveia (à esquerda); Palácio da Justiça (à direita)

Bissau, Praça do Império,1969 > Monumento ao Esforço da Raça.

Bissau, 1969 > Praça do Império: Monumento ao Esforço da Raça, Palácio ao fundo

Bissau, 1969 > Ponte Cais e Ihéu do Rei no Estuário do Rio Geba.

Bissau, 1969 > Av Marginal, com os seus belos coqueiros, Ponte Cais e Ihéu do Rei.

Bissau, 1969 > Av Marginal

Fotos: Carlos Silva

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Notas de Carlos Silva: (1) Cabral, Luís, Crónica da Libertação – Edição “ O Jornal “ 1984, pág.

(2) Roncos -Objectos de missanga, amuletos etc. A palavra poderia também significar êxitos ou triunfos.

(3) O postal pode ver-se in Loureiro, João – Livro de Postais Antigos da Guiné, postal 102, pág. 66

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Nota de vb: Fotos da responsabilidade de Carlos Silva e postal in Loureiro, João – Livro de Postais Antigos da Guiné, postal 102, pág. 66. vd artigos de 20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva) 15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

Matosinhos > 23 de Janeiro de 2008 > Minitertúlia de Matosinhos > Depois do almoço das Quartas-Feiras na Casa Teresa, a rapaziada disponível foi dar uma ajuda a preparar os 31 pacotes de dádivas que seguirão em breve para a Guiné, em contentor. Na foto, que foi tirada pelo A. Marques Lopes, reconheço mais três elementos da nossa Tabanca Grande (peço desculpa por não reconhecer os restantes): o David Guimarães (de pé, em primeiro plano, no lado direito); o Álvaro Basto, sentado, ao lado do António Pimentel (que está vestido de camisola azul); e, ao fundo, de pé, o Zé Teixeira. Alguns destes camaradas (o Álvaro, o Pimentel, o Teixeira, por exemplo) partirão em breve, de jipe, para Guiné-Bissau, num caravana de sete jipes e uma carrinha, devendo chegar a Bissau a 29 de Fevereiro de 2008. A eles se juntará, entretanto, de novo em Matosinhos, o Xico Allen, o nosso globetrotter... Boa viagem, camaradas! (LG)

Foto: © Álvaro Basto (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem, de ontem, do Álvaro Basto, da minitertúlia de Matosinhos, que veio acompanhada de um vídeo (2 m 14s) com a notícia, dada no Primeiro Jornal da SIC, de 21 de Janeiro último, da viagem de jipe do Padre Almiro Mendes (1), já aqui referida no nosso blogue (2):

Luís:

A notícia está na SIC On Line pelo que penso que constitui domínio público mas, como dizes e bem, com estes gajos nunca se sabe (3).

Estive a ler as condições gerais de utilização mas não vi nada que referisse direitos de autor nas notícias publicadas.



De facto, o nosso camarada Xico Allen vai noutro carro (no do Fernando do Saltinho) mas tinha combinado com o Padre Almiro fazerem a viagem juntos, já que iriam sair no mesmo dia e percorrer o mesmo itinerário.

Falámos com o Xico hoje de manhã (a minitertúlia de Matosinhos reunida no seu habitual almoço das quartas feiras) e ele ia já a atravessar o Atlas em direcção ao sul de Marrocos. Acho que o Sr. Padre tem o pé pesado e abre que se farta... está protegido pelos santos da sua devoção. O pior é que por lá, o catolicismo não tem grande implantação como é sabido. Mas, para já, está tudo a correr bem.

Só a título de curiosidade, hoje estivemos a preparar 31 pacotes de dádivas para fazermos embarcar no contentor da Associação Memórias e Gentes de Coimbra que o vai despachar em breve para ser aberto aquando da nossa chegada a Bissau, prevista para 29 de Fevereiro próximo.

Como se pode ver pela foto anexa os ajudantes formavam um belo grupo, até o David Guimarães e o Marques Lopes (ficou a tirara a foto) apareceram para dar uma mãozinha. Serviu para se fazer a digestão das sardinhas e da feijoada de búzios da Casa Teresa em Matosinhos.

Um abraço grande
Alvaro Basto

2. Comentário de L.G.:

Álvaro: Vamos acompanhar a viagem do Xico Allen, do Almiro Mendes e demais camaradas e amigos da Guiné através do nosso blogue... Vai-nos dando notícias... O A. Marques Lopes pode dar-te uma ajuda... Aqui há muita malta, no sul, que gostaria de poder estar no vosso lugar ou ao vosso lado... Preparem-se bem para a viagem Porto-Bissau, que é já daqui a menos de um mês. Preparem-se bem, física, mental e espiritualmente... Vocês são uns cotas de uns morcões que merecem o nosso respeito... Um abraço para ti e para o teu velhote (que presumo esteja já no Brasil). Luís
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Notas de L.G.:

(1) Notícia da SIC On Line, de 21 de Janeiro de 2008:

Mais de 3 mil quilómetros para doar jipe a missionários

Padre, mecânico e duas enfermeiras viajam até à Guiné-Bissau

Um padre do Porto iniciou hoje uma viagem que não é só de fé. Almiro Mendes partiu para a Guiné-Bissau onde vai entregar um jipe, essencial para o trabalho dos missionários. Em Lisboa, um mecânico e duas enfermeiras juntam-se à comitiva.

Num jipe que vai fazer muita estrada, milhares de quilómetros, mais exactamente 3.352 quilómetros do Porto até Bissau, vão muitas coisas.

Por detrás da aventura está uma missão colectiva, que ultrapassou os limites da paróquia. E uma imensa vontade de regressar à Guiné-Bissau.

Em Lisboa, um outro jipe e mais três pessoas, um mecânico e duas enfermeiras, juntam-se à comitiva.

A viagem até Bissau deve demorar 8 a 10 dias. A aventura vai passar por Espanha, Gibraltar, Marrocos, Mauritânia, Senegal e Gambia.

(2) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau

(3) Pedido anterior de esclarecimento do editor L.G.:

Álvaro: (i) Gostaria de inserir o vídeo , com a tua autorização, no blogue, mas não sei se os gajos da SIC vão refilar (Não podes ser tu a pedir a autorização ? )...Uma das nossas normas (que noutros sítios não se respeita) é o respeito pelos direitos de autor...Podíamos publicar este excerto, com um comentário teu, um enquadramento...

(ii) O Xico Allen: foi ou não foi nesta caravana ?

Um abraço. LG

Guiné 63/74 - P2475: Memória dos lugares (4): Bambadinca, 2006 (Rui Fernandes / Virgínio Briote)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > 2007 > Antigo restaurante e café, hoje em ruínas. O painel Luta Felupe é da autoria do artista guineense Augusto Trigo, que vive em Portugal. O painel foi restaurado, digitalmente, pelo Rui Fernandes. A foto é do próprio Rui Fernandes, que a cedeu à AD.

Foto: © Rui Fernandes (2007). Direitos reservados

Memória dos lugares (4) > Rui Fernandes, um Amigo da Guiné

1. Quando publicámos um poste sobre o Pintor Guineense Augusto Trigo, o Rui Fernandes escreveu-nos dando conta da satisfação ao ler o artigo sobre o autor de várias pinturas e painéis da Guiné, algumas das quais se encontram no seu país natal.

Na altura cometemos um lapso. Incluímos as fotos de algumas dessas obras sem fazermos menção ao autor. Tinha sido o Rui Fernandes, o autor das mesmas, que as cedeu à AD-Bissau, de onde as retirámos (1).

O Rui Fernandes não foi combatente. Esteve na Guiné, em missão profissional, entre 2003 e 2006, e nas horas vagas conseguiu recuperar digitalmente um mural do Augusto Trigo, que se encontra em Varela, num edifício abandonado e em adiantado estado de degradação.

Na mensagem que então nos enviou, o Rui, sabendo que entre os nossos leitores existem profissionais de muitos ramos, incentivava a nossa tertúlia a, numa próxima ida à Guiné, verificar da possibilidade em o recuperar.



Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > 2007 > Antigo restaurante e café, hoje em ruínas. O painel Luta Felupe é da autoria do artista guineense Augusto Trigo, que vive em Portugal. A foto é de Rui Fernandes.

Foto: © Rui Fernandes (2007). Direitos reservados

Nos cerca de três anos que lá permaneceu o Rui percorreu toda a região administrativa de Bafatá (Zona Leste) e visitou outras regiões do restante território.

“Percorri muitos dos locais por onde os ex-combatentes andaram, contactei com vários guineenses que pertenceram à nossa tropa. (…) de tabanca em tabanca os nossos guias normalmente eram ex-militares, porque eram os únicos que falavam português.

"Cada tabanca falava o seu dialecto e na região eram vários e mesmo o crioulo dificilmente era falado, apenas nas cidades e vilas maiores. Em muitos dos locais os "velhotes" diziam: 'há mais de trinta anos que não vejo um branco' e alguns ficavam a olhar para a bandeira colada no carro com espanto/alegria.

"Quase todos os ex-militares tinham escrito num papelito os nomes dos superiores, as moradas e por vezes o telefone, é marcante.

"Quando podia ler o vosso blogue tentava depois fazer a ponte onde estava a passar com a vossa vivência naquele local.

"Ainda neste momento vou lendo diariamente e acabo por descobrir material sobre vivências passadas em locais por onde andei na restante Guiné. Hoje mesmo, antes de ver o seu mail, fui ao link do artigo P2463 sobre a retirada de Madina.”
(...)



2. O Rui Fernandes voltou ao nosso contacto, enviando-nos algumas fotos do seu espólio recente, tiradas aquando da sua estadia na Guiné-Bissau.

Vamos então revisitar lugares que muitos de nós fizeram seus, nos afastados anos da Guerra da Guiné (2).

Os lugares de muitos de nós > Revisitar Bambadinca (I)




Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região).

Foto: Humbero Reis (2005)

Foto 1 > No P2431 vem uma fotografia da escola de Bambadinca (1997), ou "o que resta da antiga escola…." Na verdade em 2003 já não era este o aspecto, pois foi recuperada. A foto acima é de 2006. O telhado é que ficou em zinco (Bambadinca, 2006).

Foto 2 > Mesmo à esquerda da escola e que se vê mal nesta foto (2006).

Foto 3 > A antiga casa do administrador de posto (Bambadinca, 2006)


Foto 4 > A casa que foi do Administrador de Posto (Bambadinca, 2006).

Foto 5 > A 3ª casa, junto à estrada (Bambadinca, 2006).

Fotos 6 > A 3ª casa, junto à estrada (Bambadinca, 2006).

Foto 7 > A capela e, ao lado, a antiga secretaria da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto 8 > Vd. Referências nº 12 (pelotão de Morteiros), nº13 (Capela), nº14 (Secretaria) da foto aérea. Estas instalações pertencem hoje à Missão Católica (Bambadinca, 2006).

Foto 9. Crianças cantando o Hino Nacional enquanto é hasteada a bandeira antes das aulas (Bambadinca, 2006).


Fotos: © Rui Fernandes (2008). Direitos reservados.
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Notas de vb:

(1) Vd posts de :

25 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 – P2213: Dando a mão à palmatória (2): Rui Fernandes, o fotógrafo do pintor Augusto Trigo (Virgínio Briote)

14 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

(2) Tenho trocado algumas mensagens com o Rui Fernandes a propósito destas imagens. Agradecer publicamente a disponibilidade dele é justo, mas não é tudo. É marcante (usando a expressão dele acima, quando fala das populações quando o viam) o sentimento que transmite quando fala daquelas gentes e dos seus lugares. Quem fala assim da Guiné, de uma maneira tão Amiga, permitam que fale em nome da tertúlia, nosso Amigo é. E é como amigo da Guiné e dos guineenses, que o convidamos a integrar a nossa Tabanca Grande.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)


Guiné > Região do Cacheu > Susana > Junho de 1972 > Dia de ronco... dia da morte do comandante do PAIGC, Malan Djata, cuja cabeça foi cortada por elementos da população, felupe, após a sua captura na sequência de um ataque falhado ao aquartelamento de Susana.

Foto: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados.


Guiné > Ilha de Bolama > Bolama > CCAÇ 13 > 1969 > O Dudu, à esquerda, e o nosso camarada e amigo Carlos Fortunato que, tal como o Luís Fonseca, privou com (e tem uma grande admiração por) os felupes.

(...) "O recruta africano que surge na foto é Dudu, 2º comandante de um pelotão de milícias felupes, o 1º comandante chamava-se Ampánoa, cada felupe tem apenas um nome. Foram enviados para Bolama, para serem treinados por nós e integrado nas forças regulares, mas não irão integrar a nossa companhia, pois regressarão à sua região em Varela (região norte zona de Cacheu), no entanto contrariamente ao planeado, acabarão depois por integrar temporariamente a CCaç. 14, antes de irem para Varela.

"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura (a minha altura é 1,84m, e como se pode ver na foto ele é praticamente da minha altura),e grande robustez física" (...)


Foto e legenda: Carlos Fortunato > Guerra na Guiné - Os Leões Negros (com a devida vénia...)


1. Texto de Luís Fonseca , ex-Fur Mil Trms, CCAV 3366/BCAV 3846 (Suzana e Varela , 1971/73), enviado em 5 de Janeiro último:

Caro Luis:

Vi algum tempo atrás Flags of our Fathers (Bandeiras dos nossos pais) [, o filme de Clint Eastwood]. Os primeiros 5 minutos do filme transportaram-me à nossa realidade. Quarenta anos depois aqueles ex-combatentes dizem, na película, que "... qualquer parvalhão julga que sabe o que é a guerra... sobretudo aqueles que nunca combateram... heróis e vilões não faltam, mas geralmente não são aquilo que pensávamos... só os seus companheiros podem testemunhar os seus feitos"

Perguntarás por que carga de água esta introdução e o tem que ver com aquilo que já escrevi em anteriores intervenções. As relações são, a meu ver, evidentes.

Os heróis e os vilões, sejam militares ou civis, não nascem por decreto nem tão pouco por meras conveniências de uma qualquer conjuntura.

Falei, ainda que superficialmente, do João Uloma (2). Herói para uns, vilão para outros. Mas esta personagem, foi apenas mais um guerreiro felupe, produto de uma ancestral forma de vida num mundo já bem próximo do século XXI.

Já referi que, para entender os Felupes, a sua forma de agir e de estar, era preciso, com alguma certeza, não só viver com eles como recuar alguns séculos. Eles aprenderam, a expensas suas, que a frase Honra aos vencidos nunca lhes foi aplicada.

Reagiram sempre a domínios locais, regionais e extra-continentais. Os portugueses no séc. XIX (Djufunco ou Bolor - 1879) e no séc. XX (Varela, Catões e Suzana - 1934), já o tinham comprovado.

Não tenho outro conhecimento que me ajude a avaliar quantos, quais e quando esse espírito de chão foi igualmente utilizado contra os vizinhos do Norte. Os do outro lado do grande rio (Casamance, em francês ou Casamança, em português) que se dizem muçulmanos, não djolas [ou diolas, em português; jolas, em francês]. Passo a exemplificar.

Os incidentes que vou citar ocorreram em 1972 (Abril/Setembro), entre a população de um grupo de tabancas fronteiriças (Cassolol) e elementos das forças armadas do Senegal, mais propriamente tropas pára-quedistas, as chamadas forças especiais.

Questões antigas, talvez com algumas dezenas ou mais que uma centena de anos dizendo respeito ao cultivo das bolanhas e seus produtos, à colheita de vinho de palma e a tentativa de ter temporariamente bajudas. De quando em vez alguém se lembrava de desenterrar o machado de guerra. Das vezes anteriores, que se saiba pela diplomacia felupe, tudo tinha ficado no campo das ameaças mútuas.

Desta feita tudo foi mais longe. A tropa senegalesa veio até à zona dos Cassolol para obter vinho de palma e os favores de algumas bajudas. Só que, como sempre sucedeu, os habitantes negaram-se a aceitar tais pedidos.

Pelo que me foi referido, a tropa senegalesa forçou a entrada na zona do palmal da tabanca, chegando a disparar sobre um dos recolhedores de vinho que se encontrava no cimo duma palmeira. A população destas tabancas, em regime de auto-defesa, portanto armada, reagiu. Estranhamente, tendo em vista o armamento utilizado (Mauser e arco e flecha de um lado, espingardas automáticas FN do outro), da troca de tiros resultou um saldo desfavorável aos intrusos que, além de muito material de guerra, deixaram no terreno seis mortos. A população sofreu dois feridos ligeiros, tratados pela tropa, sendo um deles o recolhedor de vinho que caiu da palmeira.

Quanto o nosso Grupo de Combate chegou ao local, não encontrou um cenário agradável. Estávamos em chão Felupe e, como referido em anteriores escritos, assim foram tratados os senegaleses, como invasores. Mais uma vez não houve prisioneiros, nem honra aos vencidos.

O que se encontrou foram seis corpos decapitados, embora soubessemos posteriormente que na retirada os paraquedistas senegaleses levaram mais cinco feridos. Claro que para a população a ocasião foi de ronco.

Em Bissau a notícia caiu como uma bomba. Havia conversações com o Senegal, reunião de alto nível em Cap [ou Cabo] Skirring (voltarei a esse assunto), e este incidente caía na pior altura.

Na noite seguinte novos confrontos se travaram. Os senegaleses flagelaram a povoação com morteiros a partir, agora, do seu território. Dir-se-ia que foi uma flagelação em rajada, tal a sequência de saídas e rebentamentos, perfeitamente audíveis em Suzana, distante alguns quiómetros. Cerca de uma hora foi quanto demorou o festival.

Era impensável, naquelas circunstâncias, sair em socorro da população pelo que foi decidido que logo que fosse possível, mínimo de claridade, se rumaria para o objectivo.

Quando da saída, estranhos pressentimentos acompanhavam os que foram escalados para o efeito. Felizmente que esses receios provaram-se infundados. A população, que face ao poder de fogo utilizado, deveria ter sofrido grandes baixas, não teve um único ferido. Quase que me atrevia a dizer, digo, que, na melhor estratégia de guerrilha, as morteiradas senegalesas bateram uma zona vazia, isto é, a população tinha-se posto a bom recato. Informação, suspeição, antecipação, inteligência, sorte, chama-lhe o que achares melhor.

Aproveitando a oportunidade foi efectuado patrulhamento ao longo do trilho dos marcos de fronteira, mostrando-nos ostensivamente, e nada foi detectado, nem sequer os restos mortais dos militares abatidos para os quais havia ordem expressa de serem recolhidos e entregues à autoridades senegalesas. Existiam apenas marcas de rasto de botas de quem veio por trilho e fugiu a corta-mato.

Foi-nos permitido, pela população, trazer os despojos materiais, como sendo uma honra concedida a poucos.

A diplomacia Felupe sempre funcionou, muito mais em circunstâncias que pudessem trazer benefícios. Situações houve em que a verdade apenas veio à luz do dia bastante mais tarde. Às vezes por mero acaso.

O ataque à tabanca de Elia, também em auto-defesa, em Setembro de 1971 é bom um exemplo. No dia seguinte ao ataque a informação recolhida foi de que não tinha ocorrido nada de especial e que os homens do PAIGC, não conseguindo entrar na tabanca, tinham fugido causando apenas um ferido de média gravidade que conseguiu fazer a pé a distância entre Elia e Suzana e que, quando o médico verificou o seu estado, decidindo evacuação para Bissau, diria Bissau nega, cose indicando gestualmente tal acto. A sua chegada coincidiu com a saída do Grupo de Combate que iria verificar o que se havia passado.

Veio a saber-se, um ano após, que as coisas não tinham corrido bem assim e que os nossos inimigos na altura deixaram no terreno mais de duas dezenas de baixas, de que na manhã seguinte, quando da chegada das NT, não havia qualquer sinal.

O que pretendo evidenciar, por agora, é o que está subjacente ao conceito de chão, não partilhado por outras etnias guineenses. Para os Felupes, o seu solo é inviolável. Podem não ter bandeira nem hino, mas têm pátria, terra que é sua e dos seus antepassados e que deve ser venerada e defendida porque faz parte da sua história, é a sua história.

Não ouso dizer se estão certos ou errados na sua forma de agir. Respeito-os, por muito mal que os seus rituais e crenças possam horrorizar o dito mundo civilizado (3).

As minhas desculpas por tão longa dissertação.

Nota: A foto diz respeito ao ronco da população, quando da morte de Malan Djata.

Kassumai
Luis Fonseca
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Notas dos editores:

(1) Vd. último poste desta série > 6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2410: Cusa di nos terra (14): Susana, Chão Felupe - Parte VIII: Onde se fala dum Tintin em apuros... (Luís Fonseca)

(2) Vd. poste de 1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (12): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luís Fonseca)

Vd. restantes postes sobre os felupes, da autoria do nosso camarada Luís Fonseca (que reside em Vila Nova de Gaia):

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

16 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luís Fonseca)

25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luís Fonseca)

(3) Foram encontrados 5 registos sobre os felupes, num total de cerca de 200 mil, na base de dados bibliográfica Memória de África ® , da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro:






[154540] Agência Geral das Colónias
Felupes / Agência Geral das Colónias. In: Boletim Geral das Colónias. - Ano XXII, Nº 252 (Junho 1946), p 104-106. Descritores: Guiné Portuguesa, Usos e costumes, felupes. Cota: s/cota. INEP

[152845] CISSOKO, Mário A.R.
Birassu : Povo e Escola: Nos Reinos Felupes e noutras regiões da margem direita do rio Cacheu / Mário A.R. Cissoko. - Bissau : ASDI, 1994. - 234 p. ; 30 cm. - Programa Educação pos-graduação. Copenhaguem - Bissau. Descritores: Guiné-Bissau, Cacheu, Felupes, Educação, Etnologia. Cota: 37.014.53(665.7). BPINEP.

[94194] ALMEIDA, Carlos Lehmann de
Inquérito etnográfico sobre a alimentação dos felupes / Carlos Lehmann de Almeida. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. 10, nº 40 (1955), p. 617-634. Descritores: África, Guiné Bissau, População autóctone, Alimentação humana, Felupes. Cota: PP373. AHM.

[154514] MOTA, Teixeira da
Músicos felupes / Teixeira da Mota. In: O Jornal Bolamense . - Ano III, Nº 31(Fevereiro de 1959), p 6. Descritores: Guiné Portuguesa, felupes, Profissão artística. Cota: s/cota. INEP.

[152247] JOURNET, Odile
Sens et fonction de la maladie en milieu Felup : Nord Guinée-Bissa: Rapport final du project : Prophylaxie et carences dans les systémes de protection et d'hygiéne infantiles, traditionnels et modernes, en Guinée-Bissau / Odile Journet, André Julliard, colab. Yves Gallot. - Lyon : A.D.R.E.S.S., 1987. - [5], 247 p. : map., quad. ; 30 cm. Descritores: Guiné-Bissau, felupes, Doença. Cota: 397+613.95(665.7)(047). BPINEP.

Guiné 63/74 - P2473: Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )















Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (167/68) > Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007) > Aspectos da vida quotidiana da companhia... Na primeira foto, assinala-se a vermelho o Francesinho, com a sua concertina... Na foto a seguir, também foto de grupo (a segunda a contar de cima), o então 2º Sargento Neto, de pé, de óculo escuros, vem assinalado a vermelho... As fotos seguintes falam por si, não precisando de legenda...

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Fotos do José Neto † , reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007) > Ao centro, o Francesinho, o herói desta estória (1). Foto do saudoso Cap José Neto (1929-2007), o nosso primeiro tertuliano a deixar-nos, pelas leis naturais da vida.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Comentário de L.G.:

O Zé, que foi (e é ou continua a ser, velando por nós) o patriarca da nossa tertúlia (onde estve apenas um ano e picos), quis partillhar connosco, aos setenta e seis anos, uma parte "muito significativa" das memórias da sua vida militar.

Um pouco antes de morrer - inesperadamente, vítima de cancro do pulmão -, enviou-nos "trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família"...

Tenho que te agradecer, mais uma vez, Zé, onde quer que estejas! As tuas memórias de Guileje foram (são) também as memórias das nossas vidas, dos teus rapazes, dos nossos camaradas.. Eras o mais velho de todos nós, já partiste mas a tua saudosa memória ficou connosco. Deste-nos ume exemplo de generosidade, de energia, de alegria de viver, mas também de coragem e de abnegação na fase terminal da tua doença (que foi fulminante). Em tua memória e à memória dos teus rapazes da CART 1613, de quem falavas comos e fossem teus filhos e que estiveram contigo em Guileje, volto reproduzir, agora na 2ª série do teu/nosso blogue, o sumaríssimo mas incisivo retrato do Francesinho que tu desenhaste com mão de mestre, sentido de justiça, humor e sobretudo com grande sensibilidade humana...

Olha, em Março de 2008, estaremos em Guileje e far-te-emos uma pequena homenagem. Pepito, não esqueceremos o Zé, nosso amigo comum, amigo de Guileje, amigo da Guiné e e do seu povo!... Um (e)terno Alfa Bravo para ti, camarada, que repousas no céu dos guerreios! (LG)


2. Estórias de Guileje > O Francesinho (2)
por José Neto †

Com pouco mais de metro e meio de altura, franzino, quase imberbe, era um poço de força, energia e boa disposição que a todos espantava.

Geralmente, quando o pessoal regressava das duras caminhadas pelas matas e bolanhas vinha estafado e atirava-se para cima do catre para descansar. Essa não era a prática do Francesinho. Tomava um duche, ficava como novo e, com a sua concertina algo desafinada, espalhava alegria por toda a tabanca e arredores.

Era emigrante em França, para onde foi com os pais ainda criança, e pela nossa Lei não estava sujeito ao serviço militar, mas quando atingiu a idade própria veio apresentar-se e foi incorporado.

Constava nos seus documentos que era analfabeto e agricultor e, no entanto, falava correctamente francês e era operário especializado da indústria metalomecânica.

O mais surpreendente, se é que o Francesinho não fosse ele uma permanente surpresa, era a correcção com que falava português com a pronúncia e os ditos da sua região, as terras do Basto.

A sua única preocupação era a de que, quando acabasse a tropa, as nossas autoridades lhe passassem um papel para apresentar no birú [bureau, escritório, em francês] da fábrica onde trabalhava, justificando que esteve ao serviço da sua Pátria.

Desgraçadamente não foi preciso o papel, mas julgo que o tal birú da fábrica decerto deu por falta do portuguesinho, alegre e diligente, nascido na freguesia de Ribas, concelho de Celorico de Basto e falecido heroicamente em combate na Guiné Portuguesa (3).

As últimas mãos que afagaram aquele rosto de menino, antes de se soldar a urna de chumbo que o trouxe de volta, foram as do Capitão [Eurico] Corvacho e as minhas. Não é vergonha dizer que não contivemos as lágrimas que nos correram pela cara abaixo.

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste anterior desta série > 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(...) Na expectativa do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (Bissau, 1-7 de Março de 2008), que será também o da celebração da amizade entre os nossos dois povos e entre os antigos combatentes de um lado e do outro, damos início à publicação de histórias/estórias tendo como sujeito/objecto o aquartelamento e a tabanca de Guileje, as NT que os defenderam e, eventualmente, os guerrilheiros do PAIGC que nos combateram até ao abandono daquela posição militar no sul da Guiné, em 22 de Maio de 1973 (...).

(2) Extracto da VII parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (falecido em Maio de 2007, com o posto de capitão, reformado).

Vd. postes de:

11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXI: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

Vd. ainda os seguintes postes de (ou sobre) o nosso camarada José Neto:

31 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1910: Cap Zé Neto (1929-2007): Homenagem da AD - Acção para o Desenvolvimento, de Bissau

(3) Julgo tratar-se do soldado António de Sousa Oliveira, da CART 1613/BART 1896, natural de Celorico de Basto, freguesia de Cruz-Ribas, morto em combate no dia 28 de Dezembro de 1967 (segundo elementos que colhi na lista dos mortos do Ultramar, organizada por concelhos, pelos nossos camaradas que criaram e que gerem a página Moçambique, Guerra do Ultramar, e a quem endereço os meus cumprimentos e os meus agradecimentos pelo trabalho realizado, contribuindo para a preservação da memória da guerra do ultramar/guerra colonial, não apenas em Moçambique como nas restantes frentes).