quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2587: Gandembel: Será que ainda estão vivos os jovens que eu evacuei, em Outubro de 1968 ? (Jorge Félix, ex Alf Mil Piloto Aviador)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Foto 320 > "E nestas acções, a aeronave trazia sempre algo. Desta vez, uns cunhetes de armamento que se descarregam, enquanto o ferido espera a oportunidade de ser levado até ao Hospital Militar"

Foto e legenda: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem de um ex-camarada da Força Aérea, Jorge Félix:

Senhor Luis Graça:

A Guerra tirou-nos o sono ... Tropecei no seu Blogue. Vi pouco, muito pouco, mas chegou para me inquietar.

No post de 3 de Janeiro de 2008, num jantar de 27 de Dezembro 2007 (1), ouvi falar de Gandembel e fui ver o mapa e a minha caderneta de voo. (Fui piloto de helicópteros Al III em 68/69/70 na Guiné-Bissau). Lá encontrei que no dia 19 de Outubro de 68 fiz um TGER (transporte geral) para Gandembel. No dia 20 do mesmo mês um TEVS (tranporte evacuação). No dia 29 voltei lá para fazer outra evacuação. Não sei se lá voltei, pois por vezes marcávamos ZOPS (zona operacional) em lugar do nome da localidade.

Esta semana deve ter sido mexida, já la vão uns anitos, mas recordo-me que não era fácil a vida de Gandembel (2).

Passados estes anos todos, não tenho palavras para lhe transmitir com me encontro... eufórico?, pensativo?, saúdoso?, lamechas? com vontade de ter 20 anitos ...Será que os individuos que evacuei estão vivos ?

A hora é tardia e os anos pesam. Não sendo despropositado, gostava de dar um abraço a todos aqueles jovens que não conheço mas com quem vivi momentos que nos acompanham passados que já foram tantos anos. Mantenham viva essas memórias, eu por cá, se puder darei uma ajuda.

Voltarei , é tarde, muito tarde.

Jorge Félix (ex Alferes Miliciano Piloto Aviador)


2. Comentário de L.G.:


Jorge, aqui somos velhos camaradas e tratamo-nos todos por tu, do coronel ao soldado. É uma alegria e uma honra acolher-te na nossa Tabanca Grande. Julgo que és o primeiro piloto aviador de heli a aparecer por estas bandas. Os Melec têm aparecido, mas os pilotos andam mais arredios... Why ? Vocês também eram muito poucos, pelo que a probabilidade de dar com o nosso blogue também é bem menor... Mas, olha, foi um feliz acaso... E ainda bem que apareceste, porque nos falta a perspectiva da guerra da Guiné... by air.

Deixa-me dizer-te que tenho um amigo, o Lino Reis, natural da Lourinhã, que também foi Alf Mil Piloto Aviador, na Guiné, andou nos helis, como tu, mas julgo que mais tarde (talvez, 1970/72 ou 1971/73)... Ele depois enveredou pela carreira de piloto comercial... Hoje é advogado, ou pelo menos tirou direito. Não sei se ele costuma visitar o nosso blogue... Encontrei-o há uns tempos num 10 de Junho, em Belém, e, de vez em quando, na nossa terra... Mas, curiosamente, não temos falado muito da Guiné... Por pudor ? Não sei...

Espero, entretanto, que o Idálio Reis, que é o nosso herói de Gandembel/Balana, ele e os seus homens-toupeira, leia este poste e traga mais algum elemento novo sobre a tua a ida, em serviço, a Gandembel no já longínquo Outubro de 1968... No próximo sábado, dia 1, espero estar a caminho de Guileje, passando por Gandembel... Lembrar-me também de ti e de todos os valorosos pilotos aviadores cuja a cuja competência e coragem muitos de nós, tropa-macaca, devem a vida...
Não há nenhum camarada operacional do tempo da guerra colonial que não se lembre, ainda hoje, ao ouvir um heli nos nossos pachorrentos céus azuis, quão securizante era o som o helicanhão a rondar por cima das nossas cabeças, como um anjo da guarda protector...
Obrigado, também, pelos termos novos que aprendi contigo: TGER, TEVS, ZOPS... Conto, seguramente, contigo para não deixarmos que sejam os outros a contar a nossa história por nós... LG

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Notas de L.G.:


(2) Vd. a série de 11 artigos do Idáio Reis sobre a CCAÇ 2317 (Gandembel, Abril de 1968/Janeiro de 1969):


Guiné 63/74 - P2586: Historiografia da presença portuguesa em África (6): O Prof René Pélissier e o Inácio Maria Góis (Virgínio Briote)





História da Guiné (1841-1936) Vol. I

René Pélissier

Histórias de Portugal
282 Pags
€ 14,27+ IVA
Editorial Estampa
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René Pélissier, quem é?

Doutorado em letras, Pélissier é um especialista em história colonial Portuguesa recente. A vasta obra publicada (sete volumes em língua portuguesa) não abarca apenas Portugal, estende-se também a Espanha.

Os seus trabalhos ajudam-nos a entender as aventuras africanas e asiáticas dos povos ibéricos.

Correspondência com o Professor René Pélissier (I)


1. A propósito do lançamento do livro do Inácio Góis, o Meu Diário, recebemos em tempos uma mensagem do Professor René Pélissier:
Prezado Senhor,Sou o historiador e bibliógrafo francês da Guiné e não consigo encontrar um exemplar de uma edição de autor que a Biblioteca Nacional de Lisboa possui mas, sem dar o endereço do autor – editor.
Trata-se de Góis, Inácio Maria: O meu Diário (1). Guiné 1964-66 Companhia de Caçadores 674, s.l. s. d. Aljustrel: Mineira, 674 páginas cerca de 2006.

Seria capaz de me dizer onde posso arranjar o livro ou pelo menos como contactar o autor? Alguém no vosso blog conhece este senhor?
Muito obrigado pela sua ajuda
Melhores cumprimentos

Prof. René Pélissier



Prontamente, e com muito gosto, respondemos-lhe:

Caro Professor René Pélissier,

Já publiquei a sua mensagem no foranada, um blogue que reúne mais de 100 ex-combatentes na Guerra da Guiné, abrangendo todos os anos do conflito colonial. Estou certo que vamos encontrar o autor e, assim, satisfazer o seu pedido.

Procurei, em tempos, saber o porquê de um estrangeiro, dedicar tanto tempo da sua vida na pesquisa e publicação de tão vasta bibliografia sobre a aventura deste pequeno povo pelas terras africanas e asiáticas. E nunca consegui saber. Será que existe algum sítio onde eu possa procurar informação fidedigna sobre o Professor?

vb (Virgínio Briote)

2. Dias depois, o Prof Pélissier respondia-nos:

Prezado Senhor,

Agradeço muito a sua ajuda e li a sua mensagem no blogue.

É muito difícil ter uma relação razoavelmente completa dos livros publicados sobre a guerra colonial e sugiro que, ao seu nível, o blogue tente fazê-lo para a Guiné, dando as referências bibliográficas completas (incluindo os endereços dos editores ou autores-editores). Não falo dos artigos que abundam!~

Sou muito pouco esperto em relação a informática, mas julgo que não deve haver sítio nenhum dedicado à minha contribuição "ultramarina". O que posso dizer é que existe no Diário de Noticias de 2 de Abril 2007 uma pequena entrevista minha que talvez possa responder a algumas das suas perguntas.Como sabe a Editorial Estampa já publicou sete volumes da minha autoria sobre a história mas é apenas uma pequena parte do que publiquei em francês sobre o assunto. A tradução custa muito e os leitores são poucos.
Tenho as maiores dificuldades em encontrar uma revista ou um jornal português sério que aceite gastar dinheiro para publicar crónicas bibliográficas internacionais, trimestrais sobre o tema "ultramarino".~

Agora estou á procura de um novo media, visto que a minha colaboração com uma revista portuguesa conceituada acaba no fim de 2007. Na Biblioteca Nacional de Lisboa pode ver o meu último livro de bibliografia (1712 resenhas!): intitula-se Angola-Guinées-Mozambique..., 748 páginas e verá o que pretendo fazer no domínio da informação.
Vamos ver se vou continuar ou desistir: sem media e interesse do público não vale a pena dedicar-se a tanto trabalho. E como sou um especialista independente e não partidário é raro que " je plaise aux Grecs et aux Troyens".

Muito obrigado.
René Pélissier


3. Transcrição (com a devida vénia) de extractos de uma pequena entrevista que o Professor Pélissier deu a Leonor Figueiredo, do DN.

O Prof Pélissier no DN em 02-04-07

O francês com uma paixão pela África portuguesa




O historiador francês René Pélissier apaixonou se pela nossa história colonial. E, apesar de não o dizer, adivinha-se que se enamorou do País e dos portugueses "mas de uma forma lúcida". Nesta relação ainda mal esclarecida que dura desde a adolescência, ainda não parou de escrever sobre o nosso passado e queixa-se de não ser reconhecido por Portugal. Em França, os adeptos do tema também não devem ser muitos. Apresenta-se René Pélissier, um homem só.

No livro que acaba de lançar, previne que não se trata de "libelo nem acusação" a Portugal. Mas isso esperar-se-ia de um historiador?
Só o historiador ideal é imparcial. A objectividade é uma fábula prisioneira de preconceitos, ideologias, antipatias e nacionalismo. Mas para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta-essência do ultra colonialismo sob os trópicos.

É a sua grande obra, fruto de 40 anos de pesquisa, muito mais do que a compilação de livros anteriores?

Certamente. É o meu testamento historiográfico em honra dos portugueses, se quiserem abrir os olhos sobre a sua história colonial recente. Nos livros anteriores, sobre a conquista de Angola, Moçambique, Guiné e Timor, fiz uma análise profunda do avanço da fronteira colonial. Mas faltava a visão global e o estudo da progressão da implantação no império. Neste livro para o grande público, não posso pormenorizar, o leitor ficaria perdido no formigueiro cronológico de 490 operações militares. É uma síntese documentada, em que demonstro que não houve colonização sem primeiro haver soldados, na África tropical continental e Timor.

Por isso defende que a colonização começa no séc. XX, e não no XV.

Quis dinamitar o mito dos "cinco séculos de colonização/exploração". Como falar de "cinco séculos" em que o colonizador não aparece, senão na viragem do século XIX para o XX?


Para destruir este mito que tanto mal fez a Portugal, nada melhor do que o estudo da sua história militar colonial desde 1800. É uma evidência que para haver colonização é preciso haver colonos. Ora, as estatísticas oficiais, apesar de frágeis, mostram que a esmagadora maioria dos colonos estavam concentrados em Luanda. Mesmo em 1900 – admitamos que havia dez mil europeus –, o povoamento branco era minúsculo.

Durante décadas crescerá muito lentamente. Penso mesmo que, em 1900, metade dos futuros angolanos, no mínimo, nunca tinha visto um único branco.

Sei que a África portuguesa nunca foi o Jardim do Éden, mas foi pior nas outras colónias tropicais europeias. A diferença é que as suas metrópoles nunca reivindicaram nem cinco, nem quatro, nem três (à excepção da África do Sul) séculos de colonização.

Estudou a política colonial de vários regimes. Há grandes diferenças entre monárquicos, republicanos, a ditadura militar e Salazar?

Não houve grandes diferenças entre a monarquia e a I República no plano militar, à excepção talvez de os oficiais da república não hesitarem em empregar métodos radicais.


Salazar herda uma situação militar "calma", o que convém à sua visão contabilística: o império deve não só bajular o orgulho nacional da metrópole, como também contribuir para enriquecê-la.

Em 1930 e 1940, era a ambição admitida por todos os colonizadores, europeus e japoneses. Salazar trouxe continuidade na gestão governamental e evitou a perda de parte ou de todo o seu império para os aliados. Mas, prisioneiro do mito da unicidade do caso português, esclerosou-se, acreditando poder escapar, só, ao desaparecimento dos impérios ultramarinos, mais ricos e desenvolvidos do que o seu.

Vítima do mito dos cinco séculos, não quis ver as realidades e preparar o futuro. A sua obstinação transformou-se em pesadelo para a maioria dos portugueses, de 1961 a 1975. E bem depois.

Chamou às colónias "antídoto" psicológico para "a falta de confiança, pessimismo e complexo de inferioridade dos portugueses". Continua a pensar assim?


Não. Desde 1974-75 parece que o português médio retomou confiança no seu futuro europeu.

Mas escreveu em Explorar (1979) que os portugueses tinham nove espelhos para se verem na História.

Agora terão menos, talvez, mas a fórmula de Eduardo Lourenço continua pertinente – "Portugal é um país que nunca soube viver a sua história, senão como História Santa". Ainda há trabalho a fazer para os "jovens" historiadores ou jornalistas lusófonos. A luta continua!

Acusou alguns jornalistas portugueses de terem feito propaganda. Quando? Como bibliógrafo, chega à mesma conclusão ao ler os muitos livros que têm sido publicados?

Sim, quando os PALOP ainda eram colónias do Estado Novo e mesmo depois, nos anos das ilusões, após 1974.


Agora é diferente, com a chegada de gerações de grandes profissionais. Consegui – e às vezes foi difícil, pois certos editores portugueses não sabem o que é um serviço de imprensa ou julgam que a minha opinião não vale o custo de envio – os livros de reportagem ou de análise que estes novos jornalistas publicam sobre os PALOP e Timor.

Alguns são notáveis e fazem um trabalho de historiador, o que escrevi, preto no branco, nas minhas crónicas bibliográficas internacionais na Análise Social.

A paixão por África começa aos 12 anos, ao ler a revista Science et Voyages. E o caso português?

É uma história de amor. Fiquei encantado com o Terceiro Império. O desconhecido fascina-me. Tive vocação de explorador tardia, mas obstinada! Interrogava-me: como conseguiram negligenciar os portugueses cultos, míopes pelos "fumos da Índia", a história feita pelos parentes há duas ou três gerações? Estava tão apaixonado pela mina de ouro que é a biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa que cheguei a pensar naturalizar-me português para entrar neste continente misterioso.
Porque não se naturalizou?
Por três razões: a primeira é que prefiro Fernão Mendes Pinto à poesia épica; a segunda, é que com o fim dos impérios coloniais, se tivesse exercido o meu espírito crítico como historiador não partidário, teria tido, como português, sérios problemas com a PIDE; a terceira é que fui para o terreno africano confrontar os livros com as realidades.


E como não gosto dos mitos, fiquei estrangeiro, mas sempre grande consumidor de publicações portuguesas – uma droga dura para mim, pois moro em França numa biblioteca ultramarina! -, mas livre de me exprimir, sem ser acusado de ser traidor à "nova" pátria.
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(1) Por vezes, as nossas lágrimas foram difíceis de conter nas matas infernais da Guiné-Bissau, entre a região norte de Bafatá e nordeste de Farim, junto à fronteira do Senegal, onde a CCaç 674 se encontrava acantonada na pequena povoação de Fajonquito. (...).

O meu Diário, Guiné - 1964/1966. Companhia de Caçadores 674, de Inácio Maria Góis. Edição do Autor. Gráfica Mineira, Ltd.- Aljustrel. Abril 2006.
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Notas de vb:


1. vd artigos de René Pelissier, Análise Social, vol. XXXVIII (166)

Militares, políticos e outros mágicos

Esta nota de leituras refere-se a numerosos livros sobre a guerra, nomeadamente a guerra colonial portuguesa (1961-1974). Um número que poderia ter sido muito maior se os editores nos tivessem facultado todos os títulos pedidos. É que alguns parecem ter dificuldade em fornecê-los, ou consideram que os serviços de imprensa lhes saem demasiado caros, ou então trabalham com pessoal negligente. Em suma, não se trata, portanto, de uma selecção baseada em escolhas políticas ou simpatias pessoais do autor. Uma bibliografia só pode falar daquilo que se tem à mão. É, todavia, manifesto um crescimento significativo das memórias de antigos combatentes portugueses, aliás bastante mais significativo do que a produção suscitada pela conquista colonial dos séculos XIX e XX. Tudo indica que, nas décadas futuras, esse fluxo aumentará exponencialmente, devido às centenas de milhares de portugueses letrados que foram mobilizados para a defesa do império, devido à diversidade das suas experiências e ao traumatismo gerado por uma guerra que a grande maioria odiava, quer a considerasse inútil, contrária aos seus projectos e desumana, quer tivesse a sensação de ir arriscar a sua vida por interesses políticos e económicos com que não se identificava. As guerras de descolonização deixam geralmente uma lembrança amarga no espírito dos europeus que as travam. Os portugueses não fogem, evidentemente, a essa regra e estamos longe do triunfalismo das «belas campanhas coloniais» à Mouzinho de Albuquerque, Alves Roçadas, João de Azevedo Coutinho e outros grandes ou pequenos heróis de há três ou quatro gerações. Não há, nem nunca haverá, heróis nas guerras que vamos visitar. Apenas vítimas de ambos os lados, pese embora aos propagandistas e historiadores nacionalistas.De qualquer forma, na guerra de 1961-1974, uma guerra esfarelada e sempre recomeçada, sem batalhas decisivas, sem oficiais triunfantes, sem desafio patriótico, não há quem consiga citar um único nome sonante de entre a monotonia dos milhares de oficiais esgotados no mato ou prudentemente refugiados num qualquer gabinete com ar condicionado.

Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)

1. Texto enviado ontem, através do endereço de correio electrónico Quinta Srª da Graça. Vim a descobrir, através de pesquisa na Net, que a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609, era de um camarada nosso, o José Manuel Lopes, autor deste poema.


Viagem sem regresso

não regressar
será o esquecimento
será o vazio
a dor
dor
que já se não sente
o não poder ver a gente
que nos abria o sorriso
e a vontade de amar.

josema
Guiné 1972


2. De facto, confirmei, através de um simples contacto telefónico, que o josema, que assina o poema, era o José Manuel Lopes, produtor de conhecidos e excelentes vinhos DOC, do Douro, e que tem também um turismo de habitação, na sua Quinta da Senhora da Graça. À conversa com ele, disse-me, no essencial o seguinte:

(i) teve conhecimento do nosso blogue, porque viu o programa Câmara Clara, da RTP Dois, da Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial, e teve dois convidados em estúdio, os escritores Lídia Jorge (autor da Costa dos Murmúrios...) e Carlos Matos Gomes (que assina Carlos Vale Ferraz, o autor de Soldadó); nessa edição, o fundador e editor deste blogue foi entrevistado; o nosso blogue foi amplamente divulgado; o programa passa também na RTP África e na RTP Internacional;

(ii) ficou muito sensibilizado e até emocionado, e foi visitar o blogue de que passou a ser visita diária;

(iii) foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, com o curso de Op Esp e a especialidade de Minas e Armadilhas;

(iv) a sua unidade era a CART 6250; esteve sempre em Mampatá, entre 1972 e 1974;

(v) fez segurança aos trabalhos da nova estrada Quebo - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia do Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC. A obra parou com o 25 de Abril... O novo troço deveria ter uns 30 quilómetros...

(vi) O José Manuel foi inesperadamente mobilizado para a Guiné, já com 18 meses de tropa... Juntou-e à malta da CART 6250, que era constituída por gente do interior (do Alentejo, das Beiras, do norte)... A unidade mobilizadora foi o regimento de Vila Nova de Gaia;

(vii) Depois de Bolama, seguiram em LDG para Buba. onde tuveram logo o baptismod e fogo, como era da "parxe do PAIGC";

(viii) ele e a companhia dele seguiram os acontecimentos de Guileje, e saíram de Mampatá para fazer segurança à CCAV 8530, restantes forças e população civil, que andaram perdidos, nesse perigoso campo de minas, que era todo o corredor de Guileje, montadas umas pelo PAIGC e outras pelas NT; aliás, a sua CART 625o foi uma das unidades que mais minas levantou, durante a guerra e no final da guerra; recorda-se que se pagava mil escudos por cada mina levantada...

(ix) tem histórias fantásticas, como a de um camarada nosso, natural da Régua, que foi encontrado inaninado, desidatrado, doente, no Rio Corubal, numa piroga à deriva, depois de ter fugido de uma zona controlada do PAIGC... Teria sido um dos sobreviventes do desastre do Cheche, na travessia do Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, na sequência da evacuação de Madina do Boé (Oficialmenet não houve sobreviventes!) ... Levado para Conacri, mostrou-se colaborante com o PAIGC e levado para uma zona libertada... Razão por que não estaria em Conacri, na prisão do PAIGC, em 22 de Novembro de 1970, quando os 26 portugueses foram libertados, na sequência da Op Mar Verde... Como tinha liberdade de movimentos, terá decidido mais tarde (em data que o José Manuel não precisou), procurar as NT, seguindo ao longo do Rio Corubal... Foi nessa altura que o encontraram... "Devia ter nais oito anos do que nós... Vive hoje na Régua, e com muitas dificuldades"... Pus a hipótese de ter sido companheiro de infortúnio do nosso morto-vivo do Quirafo, o António da Silva Baptista, que já nos contou que houve, no seu tempo de cativeiro, no Boé, um português que fugiu, seguindo o curso do Corubal... Uma história estranha e misteriosa, que fica por confirmar...

(x) há outras histórias, que vão enriquecer o nosso blogue e a nossa memória, incluindo o período do pós-25 de Abril, em que o José Manuel teve contactos frequentes e intensos com a malta do PAIGC (cujos graduados "andavam sempre com livros e cadernos debaixo do braço e tinham muito nível"); soube do 25 de Abril, quando vinha de uma operação no mato e viu os restantes camaradas, no heliporto de Mampatá, agitadíssimos, muito eufóricos, com os soldados a gritar: "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou!"... Isto passou-se a 26 de Abril. A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, que na vida civil era rádio-amador...

(xi) durante a sua comissão , ele próprio costumava andar com um lápis e um caderninho n0 bolso, onde nomeadamente ia escrevendo os seus poemas; tem muitas coisas dessa época, que nunca publicou nem mostrou a ninguém, além de inúmera documentação fotográfica; escreveu versos que eram acompanhados com músicas conhecidas da época, de autores contestatários como o Zeca Afonso; vai-me mandar o Cancioneiro de Mampatá (foi assim que eu logo o baptizei...); inclusive, prontifficou-se a mandar-me um poema por dia...

(xi) durante anos não falou da guerra colonial com ninguém, só mais recentemente foi ao convívio anual do pessoal da CART 6250;

(xii) esteve sempre em Mampatá onde a tropa vivia misturado com a população (maioritariamente, futas-fula), razão por que nunca foram atacados; não tinham artilharia, só mais tarde é que passaram a ter obus 14, que dava apoio às operações de segurança de construção da estrada Quebo-Mampatá-Salancaur... Também aqui, em Salancaur, abriram um destacamento (arame farpado, valas e tendas...);

(xiiii) fala da Guiné com a mesma paixão com que fala do seu Douro (donde nunca mais saiu, desde que regressou da Guiné, em Agosto de 1974)...

Passámos rapidamente a tratar-nos por tu, como velhos camaradas. Convidei-o a integrar a nossa Tabanca Grande, o que aceitou com visível regozijo... Quando puder entregará as fotos da praxe. Fica à espera do filho, para lhe digitalizar as fitos (Ele é um jovem enólogo e está neste momento fazer uma estágio na Austrália).

Convidei-o a assitir ao lançamento do livro do Beja Santos, no dia 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia de Lisboa... Vai ver se pode. Costuma vir a Lisboa, todos os meses, para fazer entregas de vinhos aos seus clientes.

José Manuel, estás apresentado. Estás em casa, entre amigos e camaradas! Sê bem vindo! Como vês, não há viagens sem regresso... A não ser as da morte. E por falarem regresso, tens histórias fabulosas de Mampatá, escritas por um velhinho, que por lá passou, um anos antes de ti, o nosso camarada Zé Teixeira (2)...L.G.
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2259: Blogpoesia (7): Nas terras de Darsalam, no Cantanhez, adormeceste, para sempre, como herói, meu querido Sasso (J.L. Mendes Gomes)

(2) Vd. poste de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2584: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (23): O diorama está pronto e é uma obra-prima (Pepito / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Dois anos de trabalho... do Nuno Rubim (1) e de um pequeno Grupo de Combate de gente valorosa e solidária, guineenses e portugueses (2), com destaque naturalmente para o Pepito e a sua esquipa da AD...

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Planta

  O Nuno Rubim a trabalhar no diorama, em casa (Seixal, Portugal) Fotos : © Nuno Rubim (2008) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.

 
Lisboa > Fundação Mário Soares > 12 de Novembro de 2007 > Um encontro inesperado: o nosso co-editor Virgínio Briote com o Teco e o Guedes... Estes dois últimos estiveram em Guileje, na CCAÇ 726 (Outubro de 1974 / Junho de 1966) , sob o comando do Nuno Rubim... Voltaram a agora a colaborar juntos no projecto Guilej (3) ... Além de colaboradores, o Nuno Rubim tem neles dois grandes amigos. O Teco, que é natural de Angola, tem um fabuloso arquivo fotográfico desse tempo (mais de 500 fotos); o Guedes saiu da CCAÇ 726 para se ofereceu, como voluntário, para os comandos, onde foi camarada do Briote... 

 Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


O saudoso Cap José Neto (1929-2007), à esquerda, com o Pepito, foi um dos primeiros grandes entusiastas da Iniciativa de Guiledje... Eles e e outros camaradas que passaram por Guileje e outros aquartelamentos do sul, contribuiram em muito para enriquecer o espólio documental da AD - Acção para o Desenvolvimento. Teria muito orgulho se fosse vivo, em "voltar a ver e a visitar o seu quartel e a sua tabanca", à escala de 1/72... Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Pepito, com data de ontem: Luís Olha para esta obra-prima do nosso Nuno Rubim. Concluiu hoje a montagem do diorama. abraço pepito 

  2. Adaptado da página oficial do Simpósio Internacional de Guiledje > Organização > Núcleo Museológico > Diorama De há cerca de 2 anos a esta parte, o Nuno Rubim pôs, apaixonadamente, voluntariamente, sem qualquer contrapartida, o melhor de si, a sua reconhecida competência, a sua visão histórica, o seu rigor de investigador, e o seu gosto pelo bricolage, na concepção do Núcleo Museológico de Guiledje e, em especial, do diorama do quartel de Guiledje, uma obra ímpar que ficou ontem concluída e que estará disponível durante o Simpósio. É algo "que nos enche de orgulho, a todos quantos se abalançaram a esta iniciativa", diz o Pepito. As fotografias que permitiram a feitura do diorama foram cedidas, na sua grande maioria, por Alberto Pires (Teco), ex-Fur Mil da CCAÇ 726, o qual foi incansável na sua pesquisa. Outras foram enviadas por Carlos Guedes, também da mesma Companhia (mais tarde, Comando). Ambos também forneceram informações preciosas sobre vários aspectos importantes da configuração do quartel. Foram também aproveitadas várias fotografias do saudoso Capitão José Afonso da Silva Neto, da CART 1613 (Junho de 1967/Maio de 1968) (Na altura, 2º Sargento, sendo o comandante o Cap Eurico Corvacho). 

Foi igualmente importante a colaboração de vários membros do nosso blogue, que forneceram informação relevante ao autor do diorama. Muitos colaboradores, guineenses e portugueses, contribuiram para este resultado, que também deve muito ao entusiasmo e a energia do Pepito e da sua equipa de gente magnífica. Seria injusto, por exemplo, não menciponar aqui a importância que tevce, para a concepção do diorama, o levantamento topográfico efectuado em Guiledje em 2005, por Fidel Midana Sambú, colaborador da AD- Acção para o Desenvolvimento. A título meramente exemplificativo apresentamos aqui uma selecção de algumas miniaturas que compõem o diorama do quartel de Guiledje. Os nossos parabéns ao autor da obra, que vai ficar no Núcleo Museológico de Guiledje, com muito orgulho (e uma pontinha de inveja) dos... tugas.

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Posto de transmissões (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Edificío dos oficiais e comando (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Posto de primeiros socorros, centro cripto e cantina (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Caserna do Pelotão de milícias da Companhia de Milícas nº 12 (miniatura)

 
. Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Cozinha e refeitório das praças (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Outro pormenor da cozinha (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Um abrigo (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma palhota (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma viatura Daimler (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma vaitura GMC (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Um jipe (ou jeep) (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma vitura White (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma avioneta DO 27 (miniatura) Fotos: © Nuno Rubim (2008) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados. Concepção do Diorama 

 (i) A povoação de Guiledje teve ali instalada unidades militares portuguesas desde Fevereiro de 1964 até 22 de Maio de 1973, altuar em que foi abandonada e ocupada pelo PAIGC. 

 (ii) Assumida a decisão de ser feito um diorama, foi necessário determinar a data que o mesmo iria representar, dado que ali estiveram instaladas 11 Companhias, além de outras unidades menores (Pelotões de cavalaria, de artilharia, de de caçadores nativos, de mílicias...) . No decurso desse período e sobretudo a partir de 1969, o aquartelamento sofreu alterações significativas (por exemplo, contrução de abrigos pela Engenharia Militar). CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965) CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim) CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) (contacto: Nuno Rubim ) CAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino) CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto) [infelizmente já desaparecio, José Neto, 1929-2007] CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos) CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata) CCAÇ 2617 (Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio Pimentel) CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho); CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio); CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho

 (iii) Foi decidido escolher a data de 1965-66 pela seguinte razão: foi nessa altura que aí esteve sediada a unidade que ali permaneceu mais tempo, a CCAÇ 726 que, com a unidade que se lhe seguiu, a CCAÇ 1424, foi também a Companhia que efectuou mais operações no sector e sofreu mais baixas em combate.

 (iv) O Diorama, ou maqueta, pretende pois representar o aquartelamento e a tabanca nesse período. 

 (v) A escala escolhida foi a de 1/72, pois isso permitiria adaptar modelos em miniatura comercializados. 

 (vi) Após aturado trabalho de estudo, e da recolha e análise de fotografias e declarações de ex-militares que ali estiveram no período em causa, foi possível desenhar um plano à escala para aí serem inseridas as localizações de edifícios, cubatas, abrigos e outros detalhes.

 (vii) Estes, depois de também serem desenhados à escala, foram construídos utilizando plástico, madeira, metal e resina, e depois pintados de forma a representá-los tão exactamente quanto possível. 

 (viii) No diorama poderão ser pois observados, além das infraestruturas, modelos de viaturas (GMC, Fox, Daimler, White...), depósitos, diversos utensílios etc…

 (ix) E também uma DO-27, a aeronave que proporcionava talvez o único momento de alegria para as tropas, pois era quem trazia e levava o correio e alguns frescos...

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 Notas de L.G.: 

 (1) Vd. poste de 10 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P862: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim (...) "Comandei em Guileje, sucessivamente (de castigo !..., eu qualquer dia conto esta estória) as CCAÇ 726 e 1424, depois de ter também comandado a CART 644 em Mansabá e a CCmds em Brá. O que foi a minha vivência em Guileje, fazem os amigos ideia... Foram de facto perto de 10 meses infernais, com mortos, feridos, estropiados, de ambos os lados, enfim o triste rosário de uma guerra que Portugal nunca devia ter travado. Tinha também um Grupo de Combate em Mejo, de que pouco tenho ouvido falar. Quando terá sido desactivado esse pequeno aquartelamento ? E ainda voltei à Guiné em 1972-74, mas isso é outra história..., que meteu o início da conspiração que levou ao 25 de Abril, entre outras coisas" (...).

Vd. ainda o poste de 18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2554: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (21): Chegou o Nuno Rubim, em Mejo o Capitão Fula (Pepito)

(2) Vd. postes de:



10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLV: Projecto Guileje (7): recuperação do quartel













segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2583: Álbum das Glórias (41): As ostras das esplanadas de Bissau ... ou Quem não arrisca, não petisca ? (Albano Costa / Luís Graça)



Guiné-Bissau > Bissau > Novembro de 2000 > O Hugo Costa, filho do Albano Costa, deliciando-se com as ostras guineenses...

Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > Rua onde ficava a célebre cervejaria Solmar, já evocada aqui no blogue pelo Hélder Sousa: "Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, Solmar, Solar do 10, Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano" (HS) (1).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Caro Luís Graça:

1. Mensagem do Albano Costa (Guifões, Matosinhos):

Estou a enviar estas duas fotos, para abrir o apetite das ostras, uma marca de Guiné do tempo colonial, e que ainda hoje é procurado pelos ex-combatentes, que regressam à Guiné, o que vai ser o teu caso.

Quando da minha passagem pela Guiné em Novembro de 2000, fomos comer ostras. O Hugo, admirado e torcendo um pouco o nariz com aquele pitéu, meio desconfiado como comprova uma das fotos, lá foi provando, gostou e foi mais um para as devorar.

Um abraço, Albano Costa


2. Comentário de L.G.:


Meu caro Albano:

Quem não comeu ostras em Bissau ? Ou os camarões tigres do Rio Geba ? Mesmo que não houvesse, naquele tempo, estações de depuração de marisco... Tal como não há hoje, segundo sei... Mas também não havia os graves problemas de saúde pública e de segurança alimentar que hoje apresenta uma cidade como Bissau, ou qualquer outra cidade de África, onde faltam os requisitos sanitários mínimos: por exemplo, tratamento da água de abastecimento público, saneamento básico, recolha do lixo, limpeza das ruas, higiene dos alimentos, etc.

Com muita pena minha, não vou provar as ostras de Bissau que faziam as delícias do pessoal da guerra do ar condicionado e dos desenfiados do Vietname, os que de vez em quando escapuliam-se, do mato, para Bissau.... Alimentos só cozinhados, e mesmo esses...

As mais elementares regras de saúde do viajante, em países como a Guiné-Bissau, mandam evitar, entre outras coisas, o consumo de alimentos crus ou mal cozidos... A regra de ouro, fora de casa e do nosso país - e isto é válido para a maior parte dos chamados paraísos tropicais que as agências de turismo nos impingem - é: Alimentos, se os não puderes cozinhar, ferver ou descascar, então esquece-os... E aqui é conveniente não arriscar, mesmo sabendo que Quem não arrisca, não petisca....

Vd. a brochura da UCS - Unidade de Cuidados de Saúde Integrados SA / Grupo TAP > Doenças Tropicais - Diarreia do Viajante.

De qualquer modo, fico muito sensibilizado pela teu gesto ternurento... A malta da minha geração aprendeu, de facto, a comer ostras nas esplanadas de Bissau... Nesse tempo, em Portugal, elas eram um luxo, sendo exportadas para Paris.... Les portugaises eram, então, muito apreciadas pelos franceses... Depois demos cabo dos nossos bancos de ostras com a poluição do Rio Tejo, com a poluição industrial e urbana...

Mas, em Bissau e no Vietname, naquele tempo em que eramos insconscientemente homens de múltiplos riscos e completamente apanhados do clima, quem é que ligava a uma diarreizinha ou a uma crise de paludismo ?

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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P2582: Notas de leitura (9): Cristóvão Aguiar, um escritor marcado pela guerra colonial (Beja Santos)

Capa do livro Braço Tatuado, de Cristóvão Aguiar. Lisboa: Publicaçõe D. Quixote, 2008.

Foto: Publicações Dom Quixote (com a devida vénia...)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: O Alf Mil António Pinto, o famoso comerciante Mário Soares, de Pirada, o Alf Médico (e hoje conhecido como o grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes e o Alf Mil Spencer (1).

Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados.

1. Texto de Beja Santos, com data de 30 de Janeiro último (2):


Título: Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial
Editora: Dom Quixote, Lisboa
Ano: 2008
ISBN: 978-972-20-3494-4
Páginas: 136
Dimensões: 15,5x23,5 cm
Colecção: Autores de Língua Portuguesa
Ano de Edição: 2008
Encadernação: Brochado
Preço com IVA: 12,00 €



OS ESCRITORES MARCADOS PELA GUERRA COLONIAL
por Beja Santos


Cristóvão de Aguiar acaba de reeditar em nova versão Braço Tatuado que apareceu inicialmente no livro Ciclone de Setembro, editado em 1985 (Braço Tatuado, Retalhos da Guerra Colonial, por Cristóvão de Aguiar, Publicações Dom Quixote, 2008).

É hoje apreciável o número de títulos disponíveis, só da responsabilidade de escritores, sobre a sua experiência na Guerra Colonial. Basta referir os primeiros livros de Lobo Antunes, alguma poesia e prosa de Manuel Alegre, romances de Lídia Jorge e João de Melo, contos e novelas de Álvaro Guerra, o teatro de Fernando Dacosta e, quanto aos escritores africanos, Luandino Vieira e Pepetela.

Continua por dar resposta a esta questão cultura indispensável: durante treze anos, a Guerra Colonial envolveu centenas de milhares de militares e afectou directamente milhões de civis. A que se deve, a despeito de um número já considerável de testemunhos, incluindo os de recorte literário, o silêncio desses protagonistas?

Há quem procure justificar a falta de estantes cheias de títulos sobre a Guerra Colonial devido ao facto dos diferentes heroísmos não se poderem traduzir numa voz colectiva, isto é, o que se passou em três frentes de combate teve diferentes identidades e resultados militares díspares. Além disso, tendo a Guerra Colonial terminado com o 25 de Abril e a independência das colónias, terá parecido a muitos protagonistas que os seus testemunhos estavam deslocados, precisavam da temperança de um silêncio entre gerações para não serem tomados como pura nostalgia ou ressabiamento ideológico. Acresce, com a má sorte que tem vindo a acontecer na vida das ex-colónias, num sofrimento que passa pela fome, guerras civis, destruição e corrupção económicas, se saldam na degradação das condições de vida, parece haver pouco espaço para voltar aos cenários de horror desses conflitos armados ou cantar a voz da liberdade que acompanhou a independência desses povos.

Seja qual for a resposta consistente que se vier a dar a esta questão cultural incómoda (que por ora ninguém parece querer afoitar-se a responder), os protagonistas passam a papel os seus testemunhos.

Cristóvão de Aguiar combateu na Guiné entre 1965-1967. É um momento crucial em que o PAIGC começa a demolir e a rechaçar as posições no leste e norte da Guiné, cultivando e ocupando territórios onde as tropas portuguesas nem sempre podiam ir e quando iam era por curta permanência.

Braço Tatuado é um relato poderoso de quem está a fazer a guerra na região este, acima de Bafatá. É um presente no teatro da guerra carregado de memórias: um militar que vai com a sua mãe a casa de uma cartomante que lhe lê o seu destino, um cerimonial de beatas à volta do dia destinado às inspecções que culminaram com o seu apuramento para todo o serviço militar.

O alferes parte com trinta e três homens, um casal de cães de quartel, em três viaturas Unimog, chama-se Arquelau Mendonça, viera adido para a companhia independente de caçadores 666, agora é pau para toda a colher, vai de Jabicunda para Sonaco, a guerra agora é a doer. Ele relata assim:

“Cerrada é a noite. Não se vislumbra um coalho de lua. Seguimos em fila indiana, num combóio humano, agarrados uns aos outros pela cintura. Não se pode fumar, nem acender qualquer foco ou lanterna - o inimigo está atento, mantém as suas sentinelas nos locais estratégicos. Nas próprias tabancas há gente que informa por meio de batuques e outros sinais, da nossa passagem e do rumo que tomamos... As operações de longa envergadura são delineadas, propositadamente, para noites de lua nova - o luar africano entorna-se na noite com tal refulgência que a torna num quase dia. Os senhores da guerra têm tudo previsto. Consultam almanaques e tabelas até ao pormenor... Súbito, cada qual fica mais sozinho, mais chegado à sua pequenez. O companheiro de ilharga - um informe volume cozido e atado de escuridão. Tocamo-nos. Tocamo-nos numa brusca necessidade de nos sentir-mos irmanados na rifa do destino que nem sequer adivinhamos qual seja”.

Aos horrores da guerra: executar um inimigo que nos serviu de guia e depois escrever no relatório que foi abatido por tentativa de fuga no teatro de operações. Guerra significa também misteriosas relações de poder: ameaças de punição, desautorização, desacreditação. Os soldados podem chamar-se Barrancos, Vila Velha, Cartaxo, Sintra, Pombal. O capitão chama-se Carvalho e o alferes Mendonça. Pelo nome se conhece a classe e a hierarquia. Fazem-se patrulhamentos, batidas, emboscadas e golpes de mão. Há feridos em combate e acidentados em combate. Temos depois as alquimias dos relatórios, é nessa prosa que um desastre se torna num retumbante feito militar. Do Sonaco parte-se para Pirada.

Cristóvão de Aguiar fala em Mário Soares, um célebre comerciante português de Pirada que, produto das circunstâncias, tem bom relacionamento com os guerrilheiros. É através de Soares que se dão e obtêm informações. Temos depois os comportamentos bizarros, os actos de heroísmo, as manhas, os oportunismos, o autor deambula pela guerra, satiriza, caustica, observa costumes, pega nos pontos altos e obscuros da alma humana, nas cartas que não chegam, na solidão, na perda do autodomínio, na bebedeira, no inesperado suicídio. Isto durante o primeiro ano da comissão, depois a 666 participa em muitas operações, deambula, faz acção psicosocial, é um sofrimento repetitivo.

Até que um dia chega a rendição, volta-se a Bissau, à um discurso de despedida, o alferes volta para a sua ilha de São Miguel. Sete anos depois a guerra acaba e é este fim da guerra é saudado em termos quase poéticos:

“Súbito, tudo se transformou. Deixaram as picadas de ser trilhos de medo. Silenciaram-se as bocas da metralha. Arredaram-se as nuvens de sangue. Nasceu um povo e um país”.

Narrativas como a de Cristóvão Aguiar lembram-nos que há feridas que mantêm abertas. Virá o dia em que todos estes apontamentos e testemunhos serão tomados em conta como episódios de uma História de Portugal ainda desvanecida e todas esta épica terá o seu enquadramento. Até lá, bons testemunhos e bons escritos como o de Cristóvão de Aguiar precisam de ser reconhecidos pelos os seus contemporâneos como textos de sofrimento que as novas gerações precisam de conhecer. Em Portugal e em África, pois claro.
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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1492: O Álbum das Glórias (7): Eu, o Mário Soares, o grande cantautor de Coimbra, Luiz Goes, e o Spencer (António Pinto)

(2) Vd. último poste desta série > 25 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2580: Notas de leitura (8): Braço Tatuado-Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão Aguiar (Victor Dores / Amaro Rodrigues)

Guiné 63/74 - P2581: Bibliografia (19): Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

1. Convite para o lançamento de Na Terra dos Soncó, Diário da Guiné 1968-1969.





O Círculo de Leitores e a Temas e Debates têm o prazer de convidar V. Ex.a para a sessão de lançamento do livro




Diário da Guiné
1968-1969
Na Terra dos Soncó
da autoria de Mário Beja Santos


que se realiza no dia 6 de Março, às 18.30 horas, na Sociedade de Geografia, Sala Algarve, Rua das Portas de Santo Antão, 100.

O livro será apresentado por Mário de Carvalho e General Lemos Pires.
Será servido um porto de honra.

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2. Braima Galissa dará um pequeno espectáculo de korá, às 18:00.
O korá é um dos mais belos instrumentos musicais do mundo.Tem uma caixa de ressonância constituída por metade de uma cabaça, coberta de pele de cabra, bem seca. Uma haste, encaixada na cabaça, serve de braço. Ao longo do braço estão as cordas, alteadas por um cavalete de madeira.
Um dos seus jograis guineenses mais reputados, Braima Galissa, vai aparecer na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 6 de Março, antes do lançamento do livro.
Quando o convidei ele disse-me: Não posso faltar.Os Soncó são corajosos, fazem parte das nossas melodias. Ora, tu és um Soncó até morreres...

Por favor, não falte.
Mário Beja Santos
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3. Almoço: Presenças confirmadas até 25/02/2008

1. Henrique Matos
2. A. Marques Lopes
3. António Graça de Abreu
4/5. António Santos e Esposa
6. Delfim Rodrigues
7. Mário Fitas
8. Rui A. Ferreira
9. Raul Albino
10/11. Carlos Vinhal e Esposa
12/13. Albano Costa e Esposa
14/15. Carlos Marques dos Santos e Mulher Teresa M. Santos
16. Cor Hélder Pereira
17. Júlio Pinto
18. Dr. José Monteiro
19. José Manuel Bastos
20/21. Reis Martins e Esposa
22. Filipe Ribeiro
23. Mário Beja Santos
24. Fernando Chapouto
25. Torcato Mendonça
26. Manuel Chamusca
27. José Aurélio Martins
28. Carlos Murta
29. Manuel Paes (?) e Sousa
30. Cor Carronda Rodrigues
31. Cor Marinho
32. Ten Cor Heitor Gouveia
33. V. Briote
34. Helder Sousa
35. Custódio Castro
36. Humberto Reis
37. Carlos Santos
38. João Parreira
39. Cor Gertrudes da Silva
40. Alfredo Carvalho Rodrigues
41. Fernando Franco
42. Jorge Cabral

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vd artigos de:

20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2559: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

14 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2537: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2521: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

4 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2505: Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó. O livro do Mário Beja Santos, o nosso livro (Virgínio Briote)

11 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2429: Lançamento do meu/nosso livro: 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia, com Lemos Pires e Mário Carvalho (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2580: Notas de leitura (8): Braço Tatuado-Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão Aguiar (Victor Dores / Amaro Rodrigues)




Sobre Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão de Aguiar (1)

Senhor Director,


A Guerra Colonial (1961-1974) constituiu uma das mais trágicas encruzilhadas da História portuguesa e é ferida que ainda não cicatrizou na memória dos que a viveram. Não foi só o caudal de feridos, estropiados, desaparecidos, desertores e mortos que essa guerra provocou. Foi também a memória de um tempo em que o medo, a angústia, a crueldade e a intolerância foram postos ao serviço dos mecanismos repressivos do Estado Novo.

A "Síndrome do Stress-Pós-Traumático da Guerra" não é mera figura de retórica é uma enfermidade que atinge hoje milhares de ex combatentes (há estudos que apontam para cerca de 140.000), com reflexos directos nas suas famílias, havendo mesmo psiquiatras que afirmam tratar-se de um problema de saúde pública.

Os que ontem eram jovens na flor da idade, vivem hoje o trauma e o recalcamento dessa guerra escusada e inglória. Na guerra aprenderam a amar melhor a paz. Vendo a morte a rondar por perto, aprenderam o valor excepcional de viver. E, porque calaram durante longos anos a indignação, têm vindo a dar testemunho dos horrores vividos e sentidos.

Nesta matéria, e no âmbito da produção literária, há autores incontornáveis que, através da escrita, fizeram (e continuam a fazer) catarse e exorcismo da memória: Álamo Oliveira, António Lobo Antunes, Cristóvão de Aguiar, Fernando Dacosta, Fernando Assis Pacheco, João de Melo, José Martins Garcia, Manuel Alegre, Mário de Carvalho, entre outros.

Por outro lado, o cinema português tem vindo também a dar importantes contributos na revisitação desse conflito armado, havendo a destacar filmes como O mal Amado (1974), de Fernando Matos Si1va; Um Adeus Português (1985), de João Botelho; Inferno (1999), de Joaquim Leitão; Preto e Branco (2002), de José Carlos de Oliveira; Os Imortais (2003), de António Pedro de Vasconcelos, entre outros.

Mais recentemente, dois excelentes comentários televisivos vieram avivar a memória dessa guerra e lançar novas formas de compreensão da mesma: As Duas faces da Guerra, de Diana Andringa; e A Guerra, de Joaquim Furtado.

É neste contexto que surge o livro Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial (Dom Quixote. 2008), de Cristóvão de Aguiar, agora reeditado em nova versão.

Este romance começou por constituir uma das partes de Ciclone de Setembro (1985), tendo sido mais tarde autonomizado com o título O Braço Tatuado (1990). E esta é uma atitude de coerência de Cristóvão de Aguiar, na medida em que estamos perante um escritor que, contínua e continuadamente, reescreve os seus livros.

O autor, cumprindo serviço militar obrigatório, viveu uma experiência traumática de dois anos no pior palco da guerra colonial: Guiné. E, por isso mesmo, faz uma “digressão retrospectiva” (pág. 28) a vivências, perplexidades e amarguras dos dias incertos dessa guerra - feita de ataques, flagelações, emboscadas, contra-emboscadas e outras atrocidades...

Os soldados da companhia 666 vivem o jogo da vida e da morte num quotidiano povoado de angústias e medos. As ciladas e as armadilhas espreitam a cada momento. E, nas páginas deste livro, ecoam rajadas de G-3, explosões de granadas, minas, morteiros, rockets, canhões, armas ligeiras e semiautomáticas. Há ordens insensatas, missões absurdas e relatórios hipócritas. Há picadas de incerteza, montes baga-baga e "rios secos de angústia" (pág. 34).

E há a ração de combate, a leitura expectante de cartas e aerogramas. E há a loucura do capim, o desespero do cacimbo, a miséria dos autóctones, os efeitos do paludismo, as densas matas, as extensas bolanhas, a violação de mulheres indefesas, as sevícias sobre os prisioneiros... E, enfim, o horror de matar e ver morrer e uma contundente chamada de atenção para o desrespeito pela vida humana.

Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial denuncia a hierarquia "castrense e castradora" e o regime político que sustenta uma guerra sem fim à vista.

O livro desenrola as teias do delírio e da loucura, este aspecto, é bastante significativo e sintomático o suicídio de Niza - tatuado com os dizeres AMOR DE LENA, a sua amada que o trocaria por outro...

Anti-heróis, inadaptados numa guerra onde o que conta é manter-se vivo, as personagens (humaníssimas) deste livro entregam-se com sinceridade a contar o tempo que lhes falta para o definitivo adeus às armas, aguardando, com impaciência, que o navio Uíge ("em sua colonial majestade" - pág. 131) os transporte de regresso a Portugal.

Como aspecto positivo da guerra, ficarão apenas as amizades que se construíram, as cumplicidades que se aprofundaram, as experiências de grupo que se viveram.
De salientar que Cristóvão de Aguiar percepciona a guerra não só sob o ponto de vista de ex-combatente, mas também na perspectiva do próprio povo africano, afinal tão vítima como nós dessa guerra escusada e inglória. Os portugueses lutavam pela sua sobrevivência, tal como os guerrilheiros do PAIGC lutavam pela sua libertação. Há aqui um olhar humano e uma consciência crítica sobre o logro da guerra colonial.

Escrito com desenvoltura narrativa. Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial é um murro no estômago. Urge lê-lo, sabido que é curta a memória dos homens.


Victor Rui Dores
Horta, Açores

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Com a devida vénia ao Victor Rui Dores e os agradecimentos ao Amaro Rodrigues por nos ter alertado para esta carta ao leitor, também ela um notável testemunha sob a pele de uma recensão ao livro Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial, do Cristóvão de Aguiar.
vb
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(1) Cristóvão de Aguiar nasceu na ilha de São Miguel em 1940. Frequenta Filologia Germânica, em Coimbra, curso que interrompe para tirar o Curso de Oficiais Milicianos (COM). Em 1965 parte para a Guiné, deixando o livrinho de poemas, Mãos Vazias, publicado. Regressado em 1967, conclui o curso, lecciona em Leiria e volta a Coimbra para apresentar a sua tese de licenciatura, O Puritanismo e a Letra Escarlate.

Foi redactor da revista Vértice, colaborador, depois do 25 de Abril, da Emissora Nacional com a rubrica "Revista da Imprensa Regional" e leitor de Língua Inglesa na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra.

A experiência da guerra forneceu-lhe material para um livro, incluído inicialmente em Ciclone de Setembro (1985), de que era uma das partes, e autonomizado mais tarde com o título O Braço tatuado (1990) e que agora reedita em nova versão.


Da sua obra, por diversas vezes premiada destacamos:

Raiz Comovida I - A Semente e a Seiva (1978), Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa,

Relação de Bordo I - Diário ou nem Tanto ou talvez Muito Mais (1964-1988), Grande Prémio de Literatura Biográfica da APE/CMP,
Raiz Comovida: Trilogia Romanesca (2003), Trasfega - Casos e Contos (2003), Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra
e Nova Relação de Bordo - Diário ou nem Tanto ou talvez Muito Mais (2004) e Marilha (2005), os quatro últimos publicados na Dom Quixote.

Em Setembro de 2001 foi agraciado pelo presidente da República com o grau de Comendador da Ordem Infante Dom Henrique.

Texto extraído das Publicações D. Quixote. Com a devida vénia.

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Nota de VB

(1) Vd. vídeo promocional em http://youtube.com/watch?v=MdzdDo0fnoA

Guiné 63/74 - P2579: Álbum Fotográfico do Hugo Moura Ferreira (3): Em Sangonhá, a sul de Gadamael, com a CCAÇ 1621 (1968)



Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > 1968 > Picada de Sangonhá para Cacine.

A CCAÇ 1621, que esteve antes em Cufar e Cachil, terminou a sua comissão em Sangonhá, em 1968 [, em 29 de julho de 1968, data do abandonado do aquartelamento e  tabanca]. Os guerrilheiros do PAIGC foram, massacrados pela nossa força aérea em 6 de Janeiro de 1969, quando atacavam Ganturé, a apartir da antiga pista de Sangonhá. Terão tido 36 mortos, e muitos feridos (1).

Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > 1968 > Mulheres de Sangonhá, ao tempo da CCAÇ 1621.




Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > Coluna de Sangonhá para Cacine. Na última foto o ex-Fur Mil Ferreira Pinto.

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados.


Depois de estar em Cufar e Cachil, a CCAÇ 1621 foi terminar a comissão em Sangonhá, que ficava a sul de Gadamael-Porto (1). O aquartelamento (e a tabanca) foram abandonados pelas NT em emados de 1968.

Fotos que foram cedidas por antigos camaradas de armas ao Hugo Moura Ferreira (2), entre eles o ex-Fur Mil Correia Pinto, e que nos foram enviadas em Julho de 2006, na sequência do Convívio anual do pessoal da CCAÇ 1621, em 2 de Julho de 2006.

O Hugo esteve na Guiné de Novembro de 1966 a Novembro de 1968, como Alf Mil Inf, primeiro na CCAÇ 16121, em Cufar e Cachil (de Novembro de 1966 a Junho de 1967), e depois na CCAÇ 6, em Bedanda (de Julho de 1967 a Julho de 1968).

 O Hugo já não acompanhou a companhia, com destino a Sangonhá, por ter sido transferido para Bedanda (CCAÇ 6 - antiga 4ª Companhia de Caçadores) . A grande maioria do pessoal desta unidade era do Minho e Trás-os-Montes. O Hugo esteve pela primeira vez com eles, no convívio de 2 de Julho de 2006 .
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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

(...) "No dia 6 de Janeiro de 1969, cerca das 8 horas da manhã as forças do PAIGC, estacionadas na antiga pista do quartel abandonado de Sangonhá, iniciaram um ataque bastante cerrado com armas pesadas ao Destacamento de Ganturé, tendo caído algumas granadas no interior do mesmo.

"O pessoal do destacamento [de Ganturé] respondeu com morteiro 81 e 60, mas o ataque continuava. Então pediram apoio a Gadamael, que reagiu com mesmo tipo de armamento e, se a memória não me falha, também com o obus 8,8 [, ou peça de artilharia 11,4 ?]. Mesmo assim a festa não parava e então pediu-se o apoio aéreo, que surgiu, composto por dois Fiat.

(...) "Passado algum tempo regressaram 4 Fiat e mais tarde 2 T-6 e uma DO [- Dornier 27]. Entraram pelo lado de
Cacine e de imediato iniciaram o lançamento de bombas, cuja explosão era perfeitamente audível e sentida através de fortes tremores do solo. (Estávamos a uma distância de cerca de 6/8 Kms em linha recta).

(...) "Somente no dia 9 [de Janeiro de 1969, três dias depois], com apoio aéreo, é que fomos ao local. No percurso encontrámos carretéis de fio telefónico com uma extensão de cerca de 4/5 kms, abrigos individuais ao lado da estrada, e, na antiga pista [ de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.

" O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim..." (...).


(2) Vd. postes do Hugo Moura Ferreira:


22 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCV: CCAÇ 16121 (Cufar); CCAÇ 6 (Bedanda) (1966/68)

10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha

8 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1159: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (2): Bedanda, ontem (CCAÇ 6, 1970) e hoje

Vd. também o Sítio do Moura Ferreira, na Net. E ainda:

8 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2334: Encontro de ex-combatentes, em Lisboa, no Pelicano Dourado (A.Marques Lopes)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXX: As Companhias de Caçadores Indígenas (Hugo Moura Ferreira, CCAÇ 6)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVII: Metade da CCAÇ 6 (Bedanda) foi fuzilada (Hugo Moura Ferreira)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVI: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXI: Ainda o caso do Seni Candé (Pelotão de Milícias nº 143) (Hugo Moura Ferreira)

20 de Março de 2006 > Guine 63/74 - DCXLIV: Projecto Guileje (10): obus 14, procura-se! (Hugo Moura Ferreira)

10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVII: Cufar, a Bissalanca do Sul (Moura Ferreira)

10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)