sexta-feira, 14 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2637: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (23): Buruntoni: um topázio muito pouco valioso

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > O Fur Mil Op Esp Humberto Reis, da CCAÇ 12, junto aos brazões das unidades que passaram por Bambadinca, e ao pau ao da bandeira. Ao fundo, vê-se a escola onde leccionava e vivia a misteriosa professora do ensino primário, caboverdiana, Dona Violete, aqui evocada, mais uma vez, por Beja Santos, que fez dela uma informante privilegiada sobre a história e a cultura da região. O Humberto Reis, pro sua vez, é o principal contribuinte (líquido), em termos de créditos fotográficos, do livro do Beja Santos, Diário da Guiné: 1968/69: Na Terra dos Soncó (Lisboa: Temas & Debates, 2008), cujo lançamento no dia 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia de Lisboa, foi um acontecimento literário e social... Os parabéns ao autor, Beja Santos, nosso querido amigo e camarada, à editora Temas & Debates / Círculo de Leitires e ao nosso querido co-editor Virgínio Briote que aproveitou para fazer uma reunião da nossa tertúlia... Quem perdeu este memorável evento fui eu, que estive no Simpósio Internacional de Guiledje, em Bissau... Aproveito para agradever publicamente, à Dra. Isabel Mafra, da editora Temas & Debates, a oferta de um exemplar do livro e as palavras amáveis que me dirigiu, a mim e ao nosso blogue... (LG)

Guiné > Zona Leste > Estrada Bambadinca-Bafatá > 1969 > Coluna da CCAÇ 12, a caminho de Bafatá, vendo-se ao fundo uma AM (autometralhadora) Daimler, do Pel AM Daimler 2046, instalado em Bambadinca, e que era comandado nesse tempo pelo Alf Mil Cav J. L. Vacas de Carvalho, nosso tertuliano de Montemor-o-Novo. A estrada Bambadinca-Bafatá era uma das poucas, na Guiné, que estava alcatroada. Para nós, era uma verdadeira autoestrada, originando acidentes (e alguns graves) por excesso de velocidade. Entre Junho de 1969 e Março de 1971, não me recordo de qualquer actividade da guerrilha neste troço: mina, emboscada, flagelação à distância... Ainda no nosso tempo, deu-se início à construção da nova estrada (alcatroada) Xime-Bambadinca. Este troço entre o Xime e Bafatá era de grande importância estratégica para os transportes terrestres na Zona Leste (Bafatá e Gabu). As Daimlers limitavam-se a fazer segurança à pista de aviação e, às vezes, às colunas logísticas para Mansambo e Xitole... Não sei se alguma vez chegaram ao Saltinho... A viagem a Bafatá era um passeio dominical... (LG).

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), remetido em 2 de Janeiro de 2008:

Luís, enquanto aguardo as tuas notícias, aqui vai o episódio n.º 23. Seguem igualmente propostas de ilustrações. Lembrei-me, caso concordes, podíamos mostrar a imagem da escola, já em derrocada. Tens aí também fotografias do Vacas de Carvalho, do Xime e de Amedalai. Recebe um abraço do Mário.

Operação Macaréu à Vista - II Parte > Episódio XXIII: OPERAÇÃO TOPÁZIO VALIOSO
por Beja Santos


(i) O regresso a Bambadinca, vindo de Bissau

No Dakota, mal saímos de Bissalanca, comecei a escrever febrilmente no caderninho viajante: recordações maravilhosas de um jantar em Mansoa, pela primeira vez atravessei o rio na jangada em João Landim, os casais Payne e Rosa acertaram pormenores quanto à vinda da Cristina; anoto que é urgente ter resposta se Bafatá me concede, a título excepcional, o gozo de uma licença para casar em Fevereiro, a Cristina anunciou que tem todos os papéis, está a prepara a cerimónia; procurar conversar com a Sr.ª D. Violete e escrever a Teixeira da Mota sobre a questão intrigante de Abdul Indjai, do Oio, premiado com o regulado do Cuor por Teixeira Pinto, e mais tarde banido para Cabo Verde, é importante esclarecer este triunfo e queda de um ídolo da Guiné do princípio do séc. XX.

O avião chega a Bafatá, o mercado ao ar livre está em todo o seu esplendor, compro um lenço para a Cristina, uma bolsa para a Celeste, caju para os meus sobrinhos, cola para enviar ao Paulo e ao Fodé. Enquanto não chega o jeep que me levará de regresso a casa, vou aos estabelecimentos Eduardo Teixeira onde descubro dois livros numa estante poeirenta de quinquilharias, entre policiais, que se revelarão muito boas leituras: Lenine, do filósofo Roger Garaudy, e O Socialismo no Futuro da Península, de Vitorino Magalhães Godinho. Aproveito ainda para escrever à minha Mãe, participando-lhe a iminência do meu casamento e pedindo-lhe para depositar dinheiro na minha conta.


Chego a Bambadinca, recordo que estava um céu límpido, um dia quente, na escola as crianças rodopiavam e gralhavam no recreio. Dirijo-me ao quarto e nisto oiço uma gargalhada estentórica e depois o bom acento alentejano. Acabo de conhecer o José Luís Vacas de Carvalho, o comandante do pelotão Daimler 2206, que vem substituir o Machado, o tal antigo estribeiro-mor de D. Violete.



O Alf Mil Cav J. L. Vacas de Carvalho, comandante do Pel Daimler 2206 (Bambadinca, 1970/72). Era (é), além de um companheirão, um exímio cantor de fado e tocador de viola... (LG)

Foto: © (2006). Direitos reservados

Se as nossas armas eram anacrónicas, nunca consegui perceber a utilidade daqueles veículos na guerra de guerrilhas. As Daimler pareciam apropriadas para as batalhas no deserto, no tempo do Afrika Korps, aqui, pensava eu, o seu desempenho era irrelevante. Todas as colunas ao Xitole levavam uma Daimler à frente, com a sua metralhadora Dreyse, lá dentro seguia um condutor e um apontador. O Vacas de Carvalho levava uma vida santa, sempre que aterrava um avião na pista de Bambadinca havia uma Daimler a montar segurança, ele comandava uma dúzia de praças e um furriel, vivia ocupado como instrutor de tiro das milícias, ouvimo-lo regularmente quando estávamos destacados na ponte de Udunduma, ele também era encarregado da escola e procurava fazer milagres com os soldados analfabetos, como todos nós cumpria tarefas como oficial de justiça e colaborava no reordenamento dos Nhabijões.

Irá revelar-se como um dos animadores das mesas de lerpa, aqui há uns tempos encontramo-nos no British Bar, em pleno Cais do Sodré, rememorámos façanhas e comédias e com a mesma voz possante do passado ele começou a sua narrativa neste modo:
- Beja, a primeira imagem que me vem à cabeça és tu a correr atrás de mim a atirares-me Lauroderme, aquele pó de talco que sempre usavas antes e depois das operações...

Enquanto conversávamos, foi como me viesse à memória esse dia, em finais de Janeiro, tinha a porta do meu quarto o furriel Vitorino Ocante, que se queria apresentar, bem como o Príncipe Samba, Albino Amadu Baldé, oriundo do Corubal, comandante de milícias de Missirá, uma das vitimas da mina anticarro de Canturé, em 16 de Outubro passado, tinha ainda os pés engessados, apoiava-se em muletas, vinha também cumprimentar e informar que seguia para Bissau para nova cirurgia. Após esta troca de cumprimentos, veio Bala, o ordenança do comandante, informar que o major de operações tinha urgência em falar comigo. Aproveitei para pedir ao Bala para falar com a Sr.ª D. Violete, pedia-lhe para me receber a seguir ao jantar.

(ii) Uma conversa com o major Herberto Sampaio


Mal entrei no gabinete, o major de operações [ do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70,] indicou-me uma cadeira em frente ao mapa e ter-me-á dito algo como isto:
- Espero que venha recuperado, parte amanhã para o Xime, vai participar numa batida à volta do rio Buruntoni. Chama-se operação Topázio Valioso. Não sei o que é que vocês vão encontrar, no reconhecimento aéreo não se vêem trilhos, não há sinal de vivalma. No entanto, eles estão activos. No dia 13, houve uma operação entre o Xime e a Ponta do Inglês, emboscaram com violência. A mata ali é muito fechada, não se consegue ver nada. Aqui há dias, a CCAÇ 12 e a companhia do Xime foram à Ponta do Inglês, de repente surgiu um trilho, foi-se por aí e apanharam população civil que andava a lavrar na bolanha do Poidom. Vamos agora saber se eles partem do Buruntoni, se têm alguma base entre o Baio e o Buruntoni. A companhia de Mansambo e o pelotão 63 saíram de Mansambo em direcção a Gundaguê Futa-Fala, se houver condições vocês regressam todos juntos até ao Xime, se não for possível fazer o reencontro, vêm separadamente. Aproveito para o informar que o mês foi anormalmente calmo, Missirá, Finete, Mansambo e Taibatá foram flageladas sem consequências, o prisioneiro que você levou para Bissau já regressou e deu muitos problemas, têm aparecido minas na estrada Xime-Bambadinca, foram detectadas a tempo. Hoje descansa, amanhã de manhã vai a Samba Juli e depois aos Nhabijões, é tudo uma coisa ligeira, a meio da tarde partem para o Xime. Recordo que chegou o tempo das insolações, cada um de vocês deve levar dois cantis, não esqueçam o mosquiteiro.



(iii) Um serão com D. Violete: recordações de uma professora no Cuor



À saída do gabinete, tenho o Mazaqueu à espera, o meu jovem amigo quer esferográficas, cadernos e algum dinheiro para doces e uma laranjada. Num aerograma para a Cristina, datado de 29 de Janeiro, refiro a minha preocupação com as cartas recentemente recebidas do Carlos Sampaio. A vida operacional em Cabo Delgado está a arrasar-lhe os nervos, a despeito da captura de armamento e de uma excelente relação com os seus militares. As suas cartas só falam dessa atmosfera a ferro e fogo, aqui e acolá há referências ao nosso futuro no projecto editorial para o qual ele me convidou, mas a sua prosa é crispada, há indícios seguros de desalento. Termino o aerograma lembrado-lhe que a minha ida a Lisboa é ainda uma completa incógnita, pelo que apoio a ideia de haver o casamento civil a 7 de Fevereiro, o resto fica tudo em aberto e renovo o meu pedido para visitar o major Cunha Ribeiro e o Casanova, ambos no Hospital Militar Principal. É nisto que Bala me vem informar que a Sr.ª D. Violete confirma que está disponível nesse serão.~

A professora recebe-me com a sua afabilidade habitual, mudou a oxigenação no cabelo, está maquilhada a rigor e conduz-me para a mesa da sala de jantar, sai e regressa com um bule fumegante. Enquanto serve o chá, recorda-me que lhe prometi levá-la a Bafatá em breve. Não esconde o sorriso quando eu abro o meu caderninho e atalhou prontamente:
- Sr. alferes, estou preparada para o seu interrogatório.

Comecei por lhe falar de Sambel Nhanta, vem nos livros como residência do régulo do Cuor, o nome não consta nos mapas, só Sansão e Missirá. Abro um desses livros, mostro-lhe, ela vê e responde:
-É Caranquecunda, uma terra de fulas, a tabanca dos sapateiros, são os artistas que fazem sapatos e os amuletos para trazer as mezinhas, os guardas de corpo. Era importante pelo seu comércio, tinha lojas, as tropas de Bissau chegaram a pernoitar aqui. Mas não era uma povoação importante no Cuor. Verdadeiramente importantes, há cinquenta anos atrás e mesmo quando a guerra começou, eram Cancumba, Canturé e Mato de Cão, tudo por causa das destilarias e do amendoim.

Perguntei-lhe se já tinha ouvido falar de Abdul Indjai, o tal herói deportado. Sim, confirmou, Abdul era sobrinho de Infali Soncó, quando este se rebelou contra as autoridades portuguesas, ele ajudou a esmagar a rebelião e fora nomeado régulo. Mais tarde Infali voltou, mas acabou por ir morrer na região de Quínara, sucedendo-lhe Bacari, que ela ainda conhecera. Perguntei-lhe depois se tinha sido professora no Cuor.
-Estive três anos em Gã Gémeos, senhor alferes, entre 1959 e 1962. No fim desse ano, a luta começou e logo muito intensa, desapareceu a grande tabanca de Canturé, Chicri, Mato de Cão, Malandim, Cancumba, Maná, Aldeia do Cuor, Sancorlã, Paté Gidé, foi um mundo que se desmoronou, fiquei com a escola vazia, as populações fugiram para o mato, para Bambadinca, Galomaro, para as tabancas de Joladu. Gã Gémeos permitia-me ir de barco de manhã cedo e regressar a Bambadinca a meio da tarde. Estava perto de Canturé, onde residia grande parte da população do Cuor, aqui a agricultura era muito rica, o islamismo já tinha grande peso mas as famílias mandingas queriam que as crianças soubessem português. Este tremor de terra acabou nos inícios de 1963, só os Soncó ficaram em Missirá, todas as famílias juraram morrer com o seu régulo. Finete desapareceu nessa altura, creio que foi por volta de 1965 que voltaram quando as tropas da milícia vieram para os proteger. Era eu professora em Fá Mandinga, em 1957, quando dei pela presença de Amílcar Cabral a trabalhar entre Gambana e Canturé, se o senhor alferes lá voltar, irá encontrar blocos de cimento a assinalar os quilómetros em direcção a Geba. Aqui me tem em Bambadinca, a ensinar meninos que vêm fugidos de vários regulados, habituaram-se a viver aqui, estão à espera que a guerra acabe para voltar para as suas terras. Tenho saudades de Gã Gémeos, de subir o rio, ir até ao Gambiel, ali a floresta é muito bela.

Confirmei essa beleza, tinha estado várias vezes no Gambiel, um dos locais mais formosos e paradisíacos que conheci. Despedi-me, voltando a pedir licença para voltar em breve.
-Que tema quer tratar a seguir, senhor alferes?.

Beijando-lhe a mão, agradecendo o saboroso chá preto, lancei-lhe o desafio:
-Se concordar, vamos falar do islamismo, como tem sido possível não haver nesta guerra de guerrilhas uma guerra religiosa.

Ficou entusiasmada com a sugestão.


(iv) Queta Baldé fala-me do Xime

É escusado pôr a memória de Queta à prova: sabe muitíssimo mais do que esqueceu, antes de chegarmos ao regulado do Xime, que ele conhece como as suas mãos, pedi-lhe informações sobre as povoações que visitávamos a partir do eixo Bambadinca-Bafatá, descreveu-me Bantajâ Mandinga, Bantajâ Assá e Bantajâ Cuta como se lá tivéssemos ido ontem, recordou-me o caminho para Quecuta, as diferentes tabancas do regulado de Badora, como Sinchâ Dembel e Bricama. Fui deslizando a conversa para o Xime, a vivacidade de Queta aumentou. As suas recordações passavam por uma placa que o PAIGC afixara em Gundaguê Beafada, em 1964, dizendo “aqui começa a Guiné Cabo Verde”, e qual tinha sido na reacção das tropas vindas de Bafatá.

Queta é de Amedalai, vira nascer o quartel de Bambadinca, fizera parte das milícias que defenderam a Ponta do Inglês, vira formarem-se pelotões de milícia que defendiam Amedalai, Demba Taco, Taibatá e Moricanhe, conhecia a palmo a região da Ponta do Inglês até ao fundo do Corubal. E vira também desaparecer quartéis, vira desmantelar-se regulados, considerava uma desgraça total o abandono da Ponta do Inglês que viera permitir a total liberdade do PAIGC no Poidom e em Ponta Varela, a sua enorme capacidade ofensiva na estrada entre o Xime e Bambadinca, sobretudo entre Taliuará e Ponta Coli, aqui o mato é denso e as emboscadas ferozes de gente que vem bem armada e que não foge só porque há reacção das tropas portuguesas.

E depois da conversa ziguezagueante, perguntei-lhe se se recordava de mais um fiasco, a Topázio Valioso, cerca de trinta horas a vaguear entre o capim alto e o arvoredo frondoso, com dois guias permanentemente perdidos que ora iam em direcção de Gundaguê Beafada, ora em direcção do rio Corubal.
-Nosso alfero, passados estes anos todos, continuo a pensar que era um erro muito grande quando chegávamos a um quartel não se perguntar à tropa quem é que conhecia a região, todos nós tínhamos que aceitar andar atrás de um guia , ou de dois guias, só porque eram propostos pelo régulo do Xime ou pelo chefe de tabanca. A maior parte das vezes, esses guias tinham ido uma ou duas vezes ao Buruntoni em miúdos, a natureza tinha mudado completamente. Na época seca, estava tudo diferente, os guias fugiam da estrada, quando encostávamos para as palmeiras de Gundaguê Beafada começava a desorientação. Era aqui que se podia ir em direcção ao Baio, ao lado do rio Buruntoni, mas era muito perigoso, começava aqui uma terra de lalas, o PAIGC tinha sentinelas, foi aqui que perdemos em 1967 o nosso bazuqueiro, Mário Adulai Camará. Perdemo-nos no rio Buruntoni, na manhã seguinte a avioneta denunciou-nos, os dois guias não sabiam bem o que andavam a fazer, fomos arrastados para perto da Ponta do Inglês, quando chegámos ao rio Buruntoni era o fim da tarde, tivemos que descansar. Na manhã seguinte, continuou o castigo, nem nos encontrámos com a tropa de Mansambo, nem avistámos trilhos e depois veio a ordem da avioneta para regressarmos ao Xime a meio da tarde, já sem água e sempre a pensar em emboscadas na mata fechada de Madina Colhido. Felizmente que nada aconteceu, mas ficámos chateados, aquilo não era maneira de fazer guerra. Foi assim que se criou a ideia que não era possível ir ao Buruntoni, ora era possível ir ao Buruntoni a partir de Mansambo ou de Moricanhe, caminho que nunca se fazia porque em Mansambo não havia guias e nunca ninguém perguntou se nós servíamos para guias. Podíamos tê-los apanhado de surpresa e nunca aconteceu. Foi triste.

(v) Uma semana de leituras incomparáveis

Não há exagero, foram mesmo leituras incomparáveis. Primeiro, Um homem de talento, de Patricia Highsmith. Tom Ripley é, pelas minhas contas, o primeiro assassino metódico realmente bem sucedido. A pedido de um industrial afortunado, Herbert Greenleaf, Tom, um pequeno escroque, sem eira nem beira, sempre à procura de expedientes, vai até Mongibello, em Itália, para ver se traz de volta Richard Greenleaf, Dickie, que tenta a vida artística. Vai começar a vida afortunada de Tom, que começa por ter férias pagas e congemina o assassínio de Dickie, apropriando-se da sua identidade, até o fazer desaparecer, deixando poucos vestígios, desnorteando a pouco motivada polícia italiana. Tom, disfarçado de Dickie, passeia-se por Roma, inventa desculpas para não ver nem visitar amigos, escreve à namorada de Dickie em termos tais que esta se convence que os afectos se esfumaram. Nas cartas forjadas para os pais de Dickie, vai deixando no ar o sentimento de uma depressão, de um abandono. Em Roma, em desespero de causa, é obrigado a matar Freddie, um amigo de Dickie, numa situação desesperada que podia ter levado à revelação da trama urdida. Tom vai viver para Veneza e aí inventa um testamento de Dickie. No final, vai receber uma boa maquia, depois de andar inquieto com os interrogatórios policiais.



Capa de Um homem de talento, por Patricia Highsmifh, colecção Vampiro, nº149. "É uma obra determinante,irrecusável.Depois deste livro,o crime cerebral ganha ampla dimensão,passou a ser possível matar sem receber a sanção exemplar. Depois, está escrito como nunca se escrevera, mesmo sabendo-se que Georges Simenon é um gigante da literatura. Neste caso, a tradução de Mário Henrique Leiria ajuda muito" (BS).
Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


Tal como Sherlock Holmes era o detective inteligente, capaz de pôr a dedução ao serviço do problema, tal como Ellery Queen pusera fim ao detective dos músculos e ao policial de acção, introduzindo um equilíbrio entre o problema e o desfecho prodigioso, Patricia Highsmith reconstrói o policial dentro das regras da grande literatura, deixando-nos na dúvida se é necessário, doravante, acrescentar à literatura o qualificativo de policial. Um homem de talento é, com efeito, muito boa literatura e indisciplina os convencionais desfechos punitivos do criminoso. Eu ainda não sabia, mas Mr. Ripley ia ficar gloriosamente na literatura e até passar ao cinema.

A outra experiência avassaladora foi O Fogo e as Cinzas, de Manuel da Fonseca. Já li na Guiné Seara de Vento e Aldeia Nova, bem como alguma muito boa poesia. Mas este livro de contos instala a minha reconciliação com os cânones do neo-realismo: é uma escrita afogueada, vibrante, medularmente alentejana, é tudo simples e grande, sem pormenores balofos, piruetas popularuchas. Logo o arranque do primeiro conto:

“Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido; o pó redemoínha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila”.

São contos inesquecíveis: como a telefonia mudou aqueles lugares no fim do mundo; as declarações de amor entre miúdos, as maldades de um velho sovina que controla a existência de um filho adulto; uma noite de Natal numa venda, os amores de lavradores alentejanos, histórias de ódios, de misérias, de solidão. Manuel da Fonseca escreveu pequenas obras primas e faz-me amar ainda mais o Alentejo dos ganhões e malteses, universalizando o sofrimento desta terra bastarda.

Capa do livro O fogo e as cinzas, de Manuel da Fonseca. s/data, sem referência ao capista,1ªedição,Editorial Gleba, Lda (BS)

Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


Para a semana vou casar-me, haverá mesmo festa em Bambadinca. É um mês de Fevereiro em que vou descobrir que não tenho direito a férias nem a nenhuma licença. Espera-me a ponte de Udunduma, duas vezes irei ao Xitole, andarei em emboscadas e um dia abro uma carta e, aturdido, descubro que perdi o meu maior amigo na guerra. O mundo ia adquirir uma outra importância, a minha vida um outro significado. Será que vale a pena tentar falar desse meu sofrimento, desse desabamento?
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Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 29 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2595: Operação Macaréu à Vista - II PARTE (Beja Santos) (22): Meu amor, vai acabar entre nós este Oceano!
(2) Sobre a Professora de Bambadinca, vd. os seguintes postes:
(...) "Deambulo aos solavancos e o meu sonho vai até Bambadinca, do cemitério à vila. Bato à porta de Dona Violete da Silva Aires, professora, cabo-verdiana de pele clara, que me aguarda numa sala ampla, ao pé de um piano a cair de podre, com uma boquilha na mão. Serve-me uma infusão, faz-se silêncio, Dona Violete olha em direcção ao Geba. É uma mulher que esconde a devastação do tempo com camadas absurdas de pó de arroz e traços grossos de rímel. O cabelo oxigenado sai-lhe de um lenço vistoso, de cores fosforescentes, amarrado em laços grotescos sobre o carrapito. Tudo nela é amolecimento, solidão, alguma sensualidade mal contida" (...)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2636: Convívios (42): Encontro do BART 645 em Fátima, no dia 29 de Março de 2008 (Jorge Santos)

BATALHÃO DE ARTILHARIA 645
Guiné 1964/1966

Dia 29 de Março realiza-se o Convívio do pessoal do BART 645 - Águias Negras, em Fátima.

Contacto: Rogério Cardoso 939 339 340 – 214 833 507
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Nota do editor

(1) - O Brasão apresentado foi retirado de uma fotografia de um memorial de brasões de unidades existente em Mansabá, à época em que estive neste aquartelamento.
As minhas desculpas aos Águias Negras

Guiné 63/74 - P2635: Estórias do Juvenal Amado (6): O Falé e o burro do mato (Juvenal Amado)


Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74


1. Mensagem do camarada Juvenal Amado, em 27 de Fevereiro de 2008:


Caros camaradas:

Mais uma pequena estória que envolveu uma mina, desta vez sem tanta gravidade, felizmente.
Juvenal Amado




Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro> CCS / BCAÇ 3872 (1972/74) > Juvenal Amado num dos Postos avançados


Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro> CCS/ BCAÇ 3872 (1972/74) > Juvenal Amado junto ao Unimog do Falé que caiu na mina da picada de Cansamba

Fotos: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados


Estórias do Juvenal Amado > O Falé e o Burro do mato (2)

A explosão ouviu-se no quartel. Uma pequena coluna havia saído de Galomaro há pouco mais de meia hora, em direcção de Cansamba.

Cansamba era um pequeno destacamento que albergava um pelotão do Saltinho e que servia de posto avançado entre Dulombi, Cancolim e Galomaro. Distava nove quilómetros da Sede do Batalhão.

Os soldados destes postos de guarda avançada viviam em condições muito precárias. Não tinham luz eléctrica, os abrigos eram toscos de terra batida, pouco arejados e nada cómodos.

Em matéria de capacidade de defesa também era muito fraca. Para além de um morteiro 60 mm, tinham uns dilagramas (*), granadas de mão, uma bazuca que dificilmente funcionava, uma metralhadora pesada HK (**) e por último as G3.

Era um armamento de defesa que, como é bom de ver, dificilmente resistiria a um ataque, mesmo de média escala. Como não tinham luz eléctrica, penduravam-se garrafas de cerveja duas a duas, para que se alguém tocasse no arame farpado, elas tilintavam, denunciando assim os intrusos.

A primeira vez que flagelaram Cansamba, estávamos há poucos dias em Galomaro. Nessa noite eu estava num posto avançado do lado da bolanha. O fogachal começou deviam ser 19 horas. Nessa altura ainda estavam os velhinhos connosco e aquilo foi mais uma operação de boas vindas do que um ataque.

Os guerrilheiros também tinham a consciência de que era fácil para eles entrarem na zona, mas depois para saírem todos os destacamentos do perímetro lhes tentariam cortar a retirada.
Em todo o caso aqueles 9km, eram uma distância bastante significativa para que nós fôssemos em seu auxíio com rapidez, caso se tratasse de um grande ataque.

Por vezes o PAIGC usava como estratégia fazer ataques ao mesmo tempo que emboscava e punha minas às colunas de ajuda. Era pois uma operação muito perigosa e de progressão muito lenta no terreno.

A CCS fazia os reabastecimentos de géneros todas as semanas. À frente seguia uma Berliet carregada de sacos de areia. Não me recordo de quem a conduzia, mas logo de seguida vinha o Falé no seu burro do mato.

O pelotão de sapadores fazia a picagem, tomando por referência as marcas dos rodados das viaturas que ainda eram visíveis desde do último abastecimento. Os rodados das Berliet que lá passavam regularmente marcavam o terreno que os sapadores picavam à frente dos pés.

O Falé conduzia o seu Unimog com o acelerador de mão, sentado nas costas do banco e os pés no assento onde normalmente se sentava.

De repente o Unimog pisa uma mina, vai pelos ares e fica literalmente em cima de uma árvore. O nosso camarada é encontrado dentro do mato, a alguns metros de distância inanimado. Tem a farda camuflada em farrapos, está todo preto, sujo e com algumas escoriações. Felizmente está vivo e é levado para Galomaro, onde lhe são prestados os primeiros socorros.

Foi pedida a evacuação. O heli leva o nosso camarada para o Hospital Militar de Bissau, de seguida, após algumas semanas, já livre de perigo, é enviado para a Metrópole, onde acaba a sua comissão.

A explicação para que a mina, não rebentasse no rodado da Berliet, é que o rodado desta é mais largo que o do pequeno Unimog. Tinha sido posta para apanhar um carro mais pequeno e assim foi plantada por dentro dos rodados bem marcados que já lá estavam.

Podia ter sido mais uma tragédia irreparável, mas felizmente não era a hora do nosso camarada Falé, que voltei a abraçar no nosso convívio em Beja, passados 23 ou 24 anos. Vivo e de boa saúde.

Juvenal Amado
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Notas do autor do texto:

(*) Dilagrama. É uma granada de mão defensiva que mercê de um dispositivo é disparada pela G3. A munição é especial e a sua troca inadvertidamente por outra, provocou acidentes gravíssimos.

(**) HK. É uma metralhadora pesada calibre 7,62 mm. Parecida com a G3, é muito maior, pode-se troca os canos e usam-se as munições em fita ou carregadores vulgares. Estas armas equipavam também as Chaimites. A qualidade das nossas fitas de munições deixavam muito a desejar, uma vez que encravavam constantemente. Quando passavam pára-quedistas nas nossas unidades, já de regresso das suas operações, nós pedíamos-lhes as fitas deles. As ditas eram formadas por elos que se desmanchavam à medida que a arma fazia fogo. As que eram fornecidas às unidades de tropas regulares eram em lona ou em metal nas quais não nos podíamos fiar.
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Nota dos editores:

(1) - Vd. último post da série de 3 de Março de 2008>
Guiné 63/74 - P2606: Estórias de Juvenal Amado (5): Uma estória de amor

Guiné 63/74 - P2634: O Simpósio de Guiledge na RTP África. (Virgínio Briote)

O Simpósio de Guiledge na RTP África

O Rui Fernandes não é do nosso tempo. Não andou connosco nas picadas, não se atirou para o chão com o coração a galope, não mordeu o mesmo pó, não esbarrou nos ramos das árvores nas noites escuras, não praguejou com a culatra da G3, não disse mal da vida.

Em missão humanitária, o Rui esteve lá. Viu a Guiné e ama-a. Assim se explica o porquê de tanto interesse por aquela Terra. Notícias da Guiné que lhe apareçam à frente dos olhos, momentos depois estamos a vê-las. Hoje o Rui é o nosso homem na frente da coluna.

Memórias da Guerra, Gandembel. Construído em 1968 e abandonado nove meses depois.
Luís Graça em grande plano, o Carlos Silva sempre presente, o fermero Techera...

Na RTP África. Aos min 15,51”. Vídeo Repórter África de 2008.03.11, nesta página:
http://ww1.rtp.pt/multimedia/?tvprog=10184&idpod=12343
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Guiné 63/74 - P2633: Memórias dos lugares (4): Mato Cão (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52, 1972/73)






Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Pel Caç Nat 52 (1972) > Destacamento de Mato Cão. Legendas para quê ? O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, andou em bolandas e em bolanhas, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, tendo passado nada menos do que por três unidades no TO da Guiné: (i) pertenceu originalmente à CART 3492 / BART 3873 (Xitole / Ponte dos Fulas);(ii) depois mudou-se com armas e bagagens para Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão); e (iii) finalmente, CCAÇ 15 (Mansoa ) (1).


Fotos:  Joaquim Mexia Alves (2008). Direitos reservados.


1. Não sei se ele foi voluntário à força, ou não se gostava dos lençóis da Intendência Militar, ou se embirrava com os mosquitos, ou se era muito requisitado por ter o curso de ranger... Além disso, tinha alma de fadista e de poeta (e ainda tem)... A verdade é que dos poucos, de nós todos, que se pode gabar de ter sido operacional de três subunidades distintas.

Há dias ele escreveu a uma coisa bonita ao Beja Santos, na sequência da festa do lançamento do seu (dele, Mário) livro. Já aqui foi publicada. Mas voltemos a reproduzir alguns excertos:

(...) Foi linda a festa, pá!... Foi lindo o convívio, (não falemos do bacalhau!), foi linda a conversa, foi lindo o riso, foi lindo a visita à Sociedade de Geografia, foram lindos os 'discursos', foi lindo o som da Guiné, foi linda a tua emoção, foram lindas as cervejas que ainda bebi a matar saudades, ah, e o livro é lindo!

Não vale a pena dizer mais nada, porque não há mais palavras para dizer o que vai no coração. Ah, e senti um grande orgulho em ter sido comandante do 52!

Espero que tenhas percebido que o sujeito de pé e arma na mão, na fotografia do sintex, que colocaste no teu livro, é este teu camarada e amigo.

Começo hoje a mandar-te as fotografias que tenho do 52 e que, se não me engano, são todas do Mato de Cão. Ao mesmo tempo mando-as também para o blogue, para arquivo. Com tempo farei seguir legendas para todas. (...).


São algumas dessas fotos que publico hoje. Com um agradecimento, muito emocionado, ao Joaquim pela ternura do roteiro que ele fez para mim e que só hoje, infelizmente, tomei conhecimento... 

Passei, no meu regresso à Guiné, de 29 de fevereiro a 7 de março de 2008 por alguns dos sítios que ele sugere, a alta velocidade, com enormes ganas de parar... Quis controlar as minhas emoções, quando a vontade era de chorar; segui em frente, mesmo querendo ficar; não tirei fotografias, com muita raiva minha, por que me estava a armar em forte... 

Tinha apenas em mente o sul, nunca o leste... Queria apenas mostrar a mim mesmo que estava a passar o teste da catarse...Que eu, de facto, já tinha esquecido a Guiné... Não esqueci, claro está... E a Guiné, para mim, era apenas o Corubal, a perigosa margem direita do Corubal, o Geba, o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, as tristes tabancas em autodefesa de Badora e do Corubal, o Geba Estreito, Finete, Mato Cão, Missirá, o Cuor, Fá Mandinga... Era também Contuboel, era Bafatá... E pouco mais.

Joaquim, desta vez fui a Mansoa, onde nunca tinha ido... À procura de bianda para o almoço, imagina!... Mas não segui para Mansabá... Acabei por ir almoçar ao restaurante do Hotel Rural de Uaque... Tive depois um convite, do Zé Teixeira e do seu grupo de beduínos, para ir comer leitão a Jugudul, mas outros deveres, os trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje, me retiveram em Bissau... 

Passei pelo Mato Cão, vi o cotovelo do Geba Estreito, onde nos emboscávamos, admirei a extensa bolanha de Finete, passei por Bambadinca, vi vacas a pastar na imens~~ao da bolanha de Bambadinca, parei em Bambadinca no regresso, tomei a estrada (que não havia no nosso tempo) de Mansambo - Xitole - Saltinho... Não parei em Mansambo, nem no Xitole. Apenas no Saltinho, porque estava no programa... Mas lembrei-te de ti, do David Guimarães, do Beja Santos, do Humberto Reis, do Tony, do Marques e de tantos outros camaradas e amigos da minha CCAÇ 12 e de outras unidades com quem convivi, em Bambadinca, entre Julho de 1969 e Março de 1971...

Desculpa-me, mas não bebi um uísque, por ti e por mim, à memória do Jamil. Só bebi um uisquinho no avião de regresso a Lisboa, que as bactérias e os vírus na Guiné-Bissau é quem mais ordenam... E eu que gostava tanto, como tu, do meu uísquinho com uma duas pedras de gelo e água de Perrier.

Não subi o Corubal, mas fui a Cussilinta, e fui com contida emoção que revi os palmeirais que bordejam o rio... Não passei pelo Xime, porque não é esse agora o caminho de quem vem de Bissau. Não tomei o velho barco da outrora soberana Casa Gouveia nem me sentei na esplanada do Pelicano. E das ostras, só provei a sopa, uma colher, na casa de uns amigos...

Como vês, foi frugal, espartano, sanitarista... Mas um dia prometo voltar ao Mato Cão, e à bolanha de Finete, e à Ponta do Inglês, e à margem direita do Corubal... Já foram demasiadas emoções para uma semana só... Sempre gostei mais daquela terra no tempo das chuvas e do capim alto e das miríades de insectos... 

De qualquer modo, adorei o teu roteiro poético-sentimental... Quem sabe se não o voltaremos a fazer pelo nosso própio pé... Tu, eu e a malta de Bambadinca, que é muita e que faz parte da nossa Tabanca Grande... Obrigado, Joaquim. Vêmo-nos para Abril ou Maio, no III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia ou Tabanca Grande... Vou divulgar as datas que sugeres.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Janeiro de 2008 > Estrada Bissau-Bafatá > Passagem do Xico Allen pelas proximidades de Mato Cão, onde foi criado, no tempo do Polidoro Monteiro, comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), um destacamento, guarnecido pelo Pel Caç Nat 52 (2).

Foto: Xico Allen / Albano Costa (2008). Direitos reservados.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. alguns dos postes anteriores do Joaquim Mexia Alves (e de outros camaradas, com referências ao Mato Cão):

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2631: Dando a mão à palmatória (5): Recado para uma ida à Guiné (Joaquim Mexia Alves)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1997: Álbum das Glórias (22): O Alf Mil Pires, cmdt do Pel Caç Nat 63, em Mato Cão, na festa do meus 24 anos (Joaquim Mexia Alves)

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

(2) Vd.poste de 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2561: Ser solidário (5): Um mimo para o Beja Santos (Xico Allen/Albano Costa)

Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)



Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Um lugar repleto de história e de histórias... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje. Na foto, o Coronel Carlos Matos Gomes, na situação de reforma, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra como Nó Cego, Soldadó ou Fala-me de África (sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz); a seu lado, o o catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário, em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa... Por detrás, o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep do Comando-Chefe, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. Matos Gomes, na altura capitão dos comandos, foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história... Na Amura repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros heróis da pátria guineense, como Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Tina Silá, Pansau Na Isna, etc., a qume nesse dia prestámos homenagem (LG).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Texto base da intervenção do Coronel Diamantino Gertrudes da Silva na apresentação do Diário da Guiné, do Mário Beja Santos.

O Coronel D. Gertrudes da Silva, ele próprio escritor de crónicas de Guerra, teve a ambilidade e deu-nos o gosto não só de estar presente mas também de responder à solicitação que lhe foi feita para enquadrar a Guerra da Guiné no contexto da Guerra Colonial.

vb
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A Guiné no Contexto da Guerra colonial e do Regime do Estado Novo (*)

1. Notas Prévias

Antes de falar propriamente no assunto que aqui nos traz interessa, talvez, avançar com algumas notas prévias relativas ao próprio título e aos pressupostos de que parte o autor destas linhas.


Vamos falar de guerra, no caso, a da Guiné, guerra que aqui é tomada no sentido próprio de um conflito armado entre dois contendores com interesses antagónicos, cada um deles pugnando para derrotar o outro ou para quebrar a sua vontade de continuar a combater.
Que esta era uma guerra singular, sim, isso era, não convencional, dizem, insurreccional e subversiva para uns, de libertação e patriótica para outros, diferente do entendimento do Regime de então que em vez de guerra teimava em afirmar que era um conflito interno, portanto, uma questão de ordem pública que não tinha de se conformar, nomeadamente, com a Convenção de Genebra sobre o tratamento devido aos prisioneiros de guerra.

Guerra … colonial. E aqui está outra coisa que convém esclarecer, até porque há pessoas que quase instintivamente se abespinham quando ouvem alguém a referir-se à nossa guerra em África como “guerra colonial”. Acham que não – e estão no seu direito –, que nós nunca fomos colonizadores, que não tínhamos colónias, que Portugal era um caso muito especial, que organizado em províncias se estendia do Minho a Timor. Esquecem-se essas pessoas que como na questão da natureza da guerra, também na das colónias versus províncias havia da parte do Regime uma descarada manipulação. Se não vejamos:
Para não irmos lá mais atrás, reza o Artº. 3º do Acto Colonial de 1930 que “Os domínios ultramarinos (porque ultramarinos eram, já se vê) de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português” (parênteses e itálico nosso).

Em 1938 era emitido nas oito colónias portuguesas de então um conjunto importante de selos que tinham impressas as palavras “Império Colonial Português”. A Nação pluri-racial e pluri-continental ficaria lá mais para tarde.


Que foi o que veio a acontecer no início da década de cinquenta, quando a comunidade internacional começou a apertar connosco, mormente nos pelouros da ONU. Nada que atrapalhasse o Regime que, de pronto, resolveu a questão passando a designação dos territórios de além-mar de colónias para províncias ultramarinas, designação que, por teimosia e depois por inércia se manteve até 1975.

Se tivermos que nos pegar (na discussão, claro), que não seja por aqui. Que tão simples já não será a questão que vem a seguir, a própria designação do Regime de então, que uns teimam em chamar fascista e outros de Estado Novo, estes últimos com o argumento de que não era comparável nem ao regime instaurado em Itália por Benito Mussolini e muito menos ao implementado na Alemanha por Adolfo Hitler.


O nosso (e digo nosso de propósito) não seria uma coisa nem outra. Seria para aqui uma coisinha, como todas as nossas coisas, terminadas em inho e inha, pobres de nós, que somos uns coitadinhos.

É certo que ao contrário dos outros dois aqui referidos o regime de Salazar e Caetano nunca se reclamou de fascista ou de nazi, reservando para si o nome com que António Ferro, em 1934, categórica e enfaticamente o designa no “Decálogo do Estado Nono”. Novo, porque assume e reclama a ruptura com o anterior feita pela Revolução de 1926.

Por mim, com mais inho menos inho, o regime derrubado em 25 de Abril de 1974 tinha e assumia muitas das características tanto do nazismo como do fascismo. Entendimento meu, claro, que, como tudo o que da minha parte aqui for dito, deve ser entendido como uma opinião pessoal, portanto, sem relevância política ou pretensões científicas.

E, já agora, que nunca das minhas palavras se infira que aqui se ponha em causa a justeza da nossa participação na Guerra Colonial … ou do Ultramar, para os mais resistentes e convictos, que não será por aí …

Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, nós, os militares, cumprimos a parte que nos cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a Questão Colonial.

De resto, como dizia o mestre Kierkgaard, “A vida só pode ser vivida para a frente e explicada para trás”. E agora, sim, vamos a isto.

2. A Descolonização

Pois vamos começar mesmo por aqui. Porque a Guerra da Guiné só poderá ser entendida no contexto da Guerra Colonial, e esta no âmbito de factores históricos de natureza mais ampla, como é o caso da descolonização, que pressupõe, obviamente, um outro anterior a este, e que na história ficou arquivado com o título de “colonização” na lombada.

Pois a descolonização, para não irmos lá mais atrás, já tinha levado à formação dos EUA na segunda metade do século XVIII, alastrando depois a outras partes da América por todo o século XIX. E foi nos finais deste século e princípios do século XX que por circunstâncias que não dá para aqui tratar que se verificou uma notável corrida para a ocupação e reivindicação de domínios coloniais, nomeadamente por parte da Inglaterra, da França e também da Alemanha.

Portugal, nessa altura, enfraquecido pelas lutas liberais, perdeu em parte essa corrida, como se veio a verificar na Conferência de Berlim (1884/85), onde as potências europeias procuraram regular as questões decorrentes do assalto colonizador ao Continente Africano.

Mas as coisas não ficaram bem e aí vinha a 1ª Guerra Mundial (1914-18) que entre outras coisas visava, da parte de quem a fomentou e desencadeou, uma nova partilha das possessões coloniais. E todos sabemos que dela saíram derrotados os Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Turco-Otomano. No final, a Alemanha, para além das condições humilhantes que lhe foram impostas, viu-se privada das suas possessões coloniais que passaram a protectorados sob administração de potências vencedoras, enquanto os outros dois impérios pura e simplesmente se dissolveram.

As condições em que se verificaram as dissoluções destes impérios e a emergência dos protectorados, vão explicar muito do que veio a seguir e, até, muito do que ainda hoje se passa, nomeadamente nos Balcãs e no Médio Oriente.

Seja como for, alguém ficou com umas tantas coisas encravadas na garganta e, na primeira oportunidade, aí estava a 2ª Grande Guerra Mundial (1939-45), guerra em que, em boa verdade, todos perderam, com excepção dos EUA que, vacinados com a Guerra de Secessão, assentaram que, a entrar em guerras, então que fosse na terra dos outros, o que neste caso os levou, no fim, a afirmarem-se como uma grande potência mundial. E assim se entende que de tão depauperadas as potências coloniais europeias, com mais ou menos resistência ou relutância, começassem a abrir mão de grande parte dos seus domínios coloniais.

Só para se ficar com uma ideia do vertiginoso movimento independentista que se segue, e só no que ao Continente Africano diz respeito, aí ficam alguns dados:

1947 – Independência da Libéria
1956 – Sudão
1957 – Gana
1958 – Guiné-Conakry
1960 – Benim – Camarões – Chade – Congo-Brazzaville – Costa do Marfim – Gabão – Madagáscar – Mali – Mauritânia – Níger– Rep. Centro/Africana – Congo Zaire – Senegal – Somália – Togo.
1961 – Serra Leoa – Tanzânia e início da Guerra em Angola
1962 – Argélia – Burundi – Ruanda
1963 – Quénia e início da Guerra na Guiné
1964 – Malawi – Zâmbia e início da Guerra em Moçambique (…)

Em Portugal, orgulhosamente sós, resistimos aos ventos de mudança, representando teimosamente a nossa comédia, pela Guerra Colonial transformada em tragédia, sob o pano de fundo da Guerra-Fria. Guerra-Fria que nos finais dos anos sessenta, princípios da década de setenta – atenção que vem aí o 25 de Abril – apresentava sinais contraditórios, uns de mudança outros de consolidação de um certo statuo quo.

Recordemos aqui, então só alguns desses sinais: Maio 68; Primavera de Praga (68); Conferência de Helsínquia (70) …); Conferência de Paris s/ Guerra do Vietname (68/74); Caso Watergate (72/74); Golpe de Pinochet (11 Set 73) e, por fim, como a culminar, a Guerra do Yom Kippur (73/74) que carregava no seu bojo a famosa Crise do Petróleo, que em três meses vê o seu preço ser multiplicado por quatro, interrompendo, de forma súbita e trágica aquilo que os economistas designam pelos trinta anos gloriosos de crescimento das economias ditas ocidentais a partir do rescaldo da 2ª GG.

3. A Guerra Colonial na Guiné

Mas deixemos lá, por agora, as potências ocidentais a debaterem-se com os problemas da Crise do Petróleo e regressemos à nossa Guerra Colonial e, no âmbito desta, que todos sabemos que se estendeu a três frentes (sem contar com a da retaguarda), à Guerra da Guiné, que se considera “oficialmente” iniciada com o ataque ao Quartel de Tite em 23 de Janeiro de 1963, seguido logo depois pela captura dos navios Mirandela e Arouca em 1 de Março do mesmo ano na região de Cacine.

E, mais do que a narrativa do que a partir daí foi acontecendo, terá maior interesse apontar alguns aspectos que caracterizam o que de específico teve a Guerra da Guiné no conjunto das três frentes da Guerra Colonial.

Comecemos, então, pelo que ela tem de comum com as outras duas:
- A guerra é conduzida nas três frentes por organizações que se reclamam do estatuto de “movimentos de libertação”.
- Todos eles beneficiam, como não poderia deixar de ser, de refúgio e apoios no exterior.
- Todos reclamam como finalidade a independência total.
- Com excepção da UPA/FNLA, marcadamente apoiada pelos EUA, todos os outros movimentos recebiam apoios, de entre outros, dos países do bloco socialista.

Depois vêm as diferenças que, como veremos, são muitas:


- Enquanto em Angola se nos opõem três movimentos de libertação, tanto na Guiné como em Moçambique, só há um movimento em luta contra as tropas portuguesas.


- Já no que respeita a vizinhanças – e aqui pensamos em refúgios e apoios –, nos casos de Angola e de Moçambique há países vizinhos amigos e inimigos de cada uma das partes em conflito, enquanto que na Guiné, tirando o Atlântico que vamos considerar neutro, as vizinhanças – Senegal e Guiné Conakry – são tudo do mesmo, ou seja, amigos do PAIGC e adversos a Portugal.


- Numa outra perspectiva, enquanto que em Angola e Moçambique no fulgor da Guerra Colonial ainda é possível distinguir um Norte (em guerra) e um Sul (poupado), na Guiné nem Norte nem Sul, é tudo mais ou menos por igual.


- No que respeita especificamente aos “movimentos de libertação”, em Angola opunham-se-nos a UPA/FNLA, o MPLA e a UNITA, liderados, respectivamente por Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi; em Moçambique era a FRELIMO, primeiro liderada por Eduardo Mondlane e depois por Samora Machel; na Guiné era o PAIGC liderado por Amílcar Cabral, morto ainda não se sabe bem por quem antes de almejar a independência da Guiné e Cabo Verde, que era esse o objectivo final da sua luta.


- Quanto a recursos, então, as diferenças são quase abissais, o que, não explicando tudo, explica quase tudo o que se estava e depois viria a passar. Angola era uma terra de promissão com os diamantes, o petróleo e tudo o mais que aqui não dá para especificar; Moçambique, ainda assim, lá se ia safando com o chá, o caju e, principalmente, os direitos de transportes logísticos dos países vizinhos do interior.

A Guiné, valha-nos Deus, não tinha quase nada: um pouco de arroz nas imensas bolanhas e uns restos da cultura de mancarra que lá ia sobrevivendo ao esgotamento de terras, já de si tão fracas, fomentado pela acção monopolista da Casa Gouveia.

Angola, das três, era assim justamente considerada a jóia da coroa, expressão que sugere o Império, aquele, que era o Quinto, imaginado e arquitectado pelo Padre António Vieira a seguir à Restauração e mais recentemente retomado pelo Prof. Agostinho da Silva, tudo inspiração no famoso sonho de Nabucodonosor decifrado pelo Profeta Daniel, isto só por mera curiosidade.

Mas voltemos à Terra e às terras da Guiné para concluir que, das três, ela constituía o elo mais fraco, onde, portanto, e logicamente, o esforço de guerra era natural que fosse mais forte. E, para além desta circunstancial singularidade, o líder e dirigente do PAIGC, Amílcar Cabral, era de todos os outros dirigentes que se nos opunham o mais prestigiado e em alguns casos, até, representante e porta-voz do conjunto dos restantes, nomeadamente dos que com o PAIGC eram alinhados, concretamente, o MPLA e a FRELIMO.

4. A Guerra Colonial e o Regime

Já alguém disse, e suponho que acertadamente, que se não fosse a Guerra Colonial muito provavelmente não teria havido nenhum 25 de Abril. Vamos ver.

Em 1968 o país é surpreendido com a queda de Salazar, primeiro da cadeira da biblioteca e depois da do poder. É substituído na governação por um delfim do Regime, o Prof. Marcelo Caetano, que ensaiou e deixou passar a ideia de uma “Primavera” política que viria aí.

Pois, por muito boas intenções que tivesse o Professor, uma coisa havia de que ele bem cedo se apercebeu, e que o amarrava de pés e mãos – a Questão Colonial.


A Questão Colonial era, de facto, nessa difícil encruzilhada, a “Magna Questão” do Regime. E de tal maneira estas duas coisas – Guerra Colonial e Regime – estavam tão intimamente intrincadas, que era bom de ver que quando caísse uma, a outra ruiria logo atrás. Felizmente, diga-se, desde já, que com o 25 de Abril caiu primeiro o Regime, pois doutro modo tudo seria ainda muito mais complicado e dramático.

Entretanto, o cerco vai-se apertando cada vez mais com o agravamento da situação militar e as sucessivas resoluções da ONU num tenaz esforço, na altura liderado pelos EUA.


No terreno, e situemo-nos já nas imediações de 1974, a situação militar se, em Angola, também pelo facto de ali lutarem contra nós e por vezes entre si três movimentos de libertação, a situação apresentava um certo equilíbrio, pior, bem pior estava no Norte de Moçambique e praticamente insustentável na Guiné.

5. A Caminho do Fim

No elo mais fraco da Guerra Colonial que nós já vimos ser a Guiné, a partir do ano de 1972 tudo se precipitou. Esgotada a solução “Por Uma Guiné Melhor”, a ilusão da “Paz Podre” com a tragédia da “Morte dos Majores”, a degradação da situação militar entrou numa fase quase vertiginosa e sem solução que se descortinasse.

Já em Maio de 1972, após negociações secretas com Leopoldo Shengor, o General Spínola, em carta enviada a Marcelo Caetano escreve a dado passo: Em resumo, creio não haver grande controvérsia quanto à opinião de que não ganharemos esta guerra pela força das armas … E, sendo assim, apenas se nos apresentam duas alternativas como resposta à oportunidade que nos foi oferecida: ou uma viragem da ordem política ou uma prolongada e inútil agonia.

Em resposta, feita de viva voz, Marcelo Caetano, por cegueira ou por que outra coisa não podia fazer, tanto não deu acolhimento às propostas do General, como admitia com obscena naturalidade a hipótese da derrota militar, o que parece claro no excerto que se segue e onde a “Magna Questão” nos aparece aqui bem nua e crua:

Observei ao general que por muito grande que fosse o seu prestígio na Guiné – e eu sabia que era enorme – ao sentar-se à mesa das negociações com Amílcar Cabral ele não teria na frente um banal chefe guerrilheiro, e sim o homem que representava todo o movimento anti-português apoiado pelas Nações Unidas, pela Organização da Unidade Africana, pela imprensa do mundo inteiro. Assim, ia-se reconhecer oficialmente o Partido que ele chefiava como sendo uma força beligerante e reconhecia-se mais, que essa força possuía importante domínio territorial, uma vez que aceitávamos negociar com ela um armistício (ou cessar-fogo) como preliminar de um acordo. (…)

A dificuldade do problema da Guiné estava nisto: em fazer parte de um problema global mais amplo, que tinha de ser considerado e conduzido como um todo, mantendo a coerência dos princípios jurídicos e da política que se adoptasse.

E foi aqui que, no decurso da conversa, fiz a afirmação chocante para a sensibilidade do general, dizendo mais ou menos isto:

- Para a defesa global do Ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo o caminho a outras negociações.


- Pois V. Ex.ª preferia uma derrota militar na Guiné? – exclamou escandalizado o general.
- Os exércitos fizeram-se e devem lutar para vencer, mas não é forçoso que vençam. Se o exército português for derrotado na Guiné depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, essa derrota deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar. É isso que eu quero dizer.
” (sublinhados nossos).

E o General, perante a evidente reedição do pesadelo do estigma do “Caso da Índia” não aguentou e o sentimento de inconformismo mais se acentuou, sendo este, talvez, um dos factores mais determinantes do Movimento Militar do 25 de Abril.

De degrau em degrau, em Março de 1973 vêm os mísseis terra-ar e com eles o comprometimento do apoio aéreo às nossas tropas, tanto em aviões como em helicópteros e uma grande ofensiva – assim como uma mini-ofensiva do Tet à nossa escala – das forças do PAIGC, que culminou nos mais conhecidos casos de Guidage e de Guileje e anunciava o desastre com que os militares não se conformavam, mas que estava dentro dos planos do Regime, como vimos mais atrás. Regime que, decisivamente, tinha entrado num caminho sem retorno. Em desespero de causa, ainda tentou fazer reverter a seu favor o denodado esforço de guerra dos militares, promovendo e apoiando o famigerado “Congresso dos Combatentes” em Julho de 1973.

Mal imaginavam os senhores do Regime, que nessa mesma altura começava efectivamente aquilo que veio a ser o “Movimento dos Capitães”, com alguns militares na rua – e lembro aqui o Coronel Vasco Lourenço – a recolher assinaturas dos seus pares com vista ao envio de um telegrama de repúdio daquele congresso que veio a ter o seguinte teor:

“Cerca de quatro centenas de militares dos quadros permanentes e combatentes do Ultramar com várias comissões de serviço, certos de interpretarem o sentir de outras centenas de camaradas que, por motivo de circunstâncias múltiplas, ignoram verdadeiramente o Congresso, desejam informar V. Exas. e esclarecer a Nação do seguinte:


1. Não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação.


2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar e, portanto, ao próprio Congresso, a necessária representatividade.


3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes.


4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão.
Subscrevem o presente telegrama, em representação simbólica das quatro centenas de militares referidos, dois militares que publicamente e por diversas vezes a Nação Portuguesa consagrou:


Capitão-tenente Alberto Rebordão de Brito (oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito; Medalha de Prata de Valor Militar com palma; Cruz de guerra de 1ª classe); 1.º Sargento graduado em alferes Marcelino da Mata (cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; Cruz de Guerra de 1.ª classe; Cruz de Guerra de 2.ª classe).


Solicita-se que ao presente telegrama seja dada publicidade igual à utilizada para as conclusões do Congresso.”


O esforço das Forças Armadas – e não só do exército, como parece confundir Marcelo Caetano – vai continuar, mesmo depois da proclamação unilateral da independência feita pelo PAIGC nas matas de Madina do Boé em 24 de Setembro de 1973, logo reconhecida por mais de 80 países.


O fim da Guiné enquanto colónia portuguesa parecia inevitável e próximo. Já em desespero, em 25 de Março de 1974 Marcelo Caetano aceita o envio de um emissário secreto que em Londres e num apartamento facultado pelo governo de Sua Majestade se vai encontrar com uma delegação do PAIGC chefiada por Victor Saúde Maria com vista a negociar as condições da independência da Guiné. As coisas ficaram encaminhadas. Só que entretanto ocorreu o 25 de Abril.



Academia Militar, 1963, Amadora. Cadetes do Curso do Cor Gertrudes da Silva.
Foto: © V. Briote. Direitos reservados.

Com um Regime orgulhosamente só (lá fora e cá dentro), com 40% do Orçamento afectado aos encargos da defesa, com milhares de mortos, milhares de feridos e muitos estropiados, com um esforço militar cinco vezes maior, em termos proporcionais ao dos EUA no Vietname, com a sangria das melhores energias da Nação na Guerra Colonial e na emigração, com a privação de todas as mais elementares liberdades, com um povo profundamente triste por tanta ausência e tanta perda era absolutamente necessária e, mesmo, inevitável qualquer coisa como foi o 25 de Abril, levado a cabo pelos militares, porventura porque sentiam melhor que ninguém a inutilidade da tragédia da Guerra Colonial, porque lhe preparavam uma saída ultrajante como a da Índia, porque talvez só eles estariam em efectivas condições de o fazer.


Viseu, 8 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor Ref

_________________

(*) Texto para intervenção no encontro do Blogue “Luís Graça & Camaradas da
Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.



1 António de Spínola, “País sem Rumo, pag. 29/31
2 Vários, “História Contemporânea de Portugal”, Vol. II, pag. 232.
3 “Hist. Contemp. de Portugal”, Vol. II, pag. 257.
4 Orlando Raimundo, “ A Última Dama do Estado Novo”, Temas e Debates, pag.117/118.

__________

Nota de vb:

O Coronel Diamantino Gertrudes da Silva foi admitido na Academia Militar em Outubro de 1962. Nº 1 do Curso de Infantaria, com o posto de Alferes foi mobilizado para Angola (região de Bessa Monteiro), integrado na CCaç 1642.


Em 1970, comandou a CÇAÇ 2781 na Guiné, que esteve destacada em Bissum, permanecendo no território até 1972, data em que a Companhia regressou à Metrópole. Colocado nesse ano em Viseu, no RI 14, aí permaneceu até à véspera do 25 de Abril de 1974. À frente das tropas que conseguiu reunir, deslocou-se para Lisboa e Peniche onde teve acção preponderante no desenrolar dos acontecimentos que se seguiram ao movimento militar.

Tem publicadas as obras:

Quatro Estações em Abril
Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: crónica/romance
Ano: 2007
Páginas: 312
P.V.P.: € 18.90


A personagem que, na trilogia que aqui se completa, nos vai abrindo o caminho e guiando os nossos passos, por uma só vez revela a sua inteira identidade e, mesmo assim, não o faz de moto próprio, mas através do endereço de uma carta onde se pode ler: “Para/ Alf. Júlio dos Santos Parente”. E é com o nome de Júlio que anda em Deus, Pátria e... a Vida, para depois seguir com o apelido Santos em A Pátria ou A Vida e continuar aqui a sua caminhada apresentando-se como Parente (dos santos, naturalmente).

Júlio dos Santos Parente – e a muitos acontece – para simplificar as coisas é mais conhecido por Silva, ou então por este apelido com um outro dependurado, e que não é para disfarçar, embora se lhe reconheçam algumas ambiguidades não propositadas, tanto no género como na ascendência, mas que nada tem a ver com uma velha primeira dama do antigamente.

Júlio, Santos, Parente, ou simplesmente Silva, é sempre o mesmo. Um militar que se entregou por inteiro, de corpo e alma ao 25 de Abril; que o viveu em lutas, exaltações, temores e angústias; que comandou as tropas afectas ao MFA que da Região Centro partiram no encalço de Peniche e de Lisboa; e que aqui nos dá conta da sua visão dos acontecimentos e da sua pessoal reflexão sobre os factos e vicissitudes da “Revolução dos Cravos” que mudou para sempre a face de Portugal. Um homem que é, simplesmente... um dos Capitães de Abril.Fonte: Da descrição do livro.
A Pátria ou A Vida

Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: Romance/crónica de guerra (colonial)
Ano: 2005
Páginas: 268
P.V.P.: € 16.80

(…)


Em "A Pátria ou a Vida" vive-se, sofre-se e morre-se sem heroísmos nem honrarias; caminha-se sempre sobre o arame que marca a fronteira entre dois valores que temos como sagrados. Porque a Pátria – lugar comum – nesses tempos era madrasta, tratando como estranhos os seus próprios filhos. Não de sua própria natureza, que essa era boa, e por isso sempre lhe fomos afeiçoados; mas por força dos homens a que, ilegitimamente, se foi entregando, todos com jeitos de abastados morgados, a largar-nos por aí, feitos filhos bastardos.
Da descrição da obra.
Deus, Pátria e…a Vida

Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: Crónica de guerra (colonial) / romance
Ano: 2003
Páginas: 280
Preço com desconto: € 12.6

(Um livro que narra o percurso de um jovem que cedo conhece as agruras da guerra colonial e que sempre leva na memória os cantos da sua aldeia da Beira, bem interior...


Relatos por vezes sanguinários, em contraste com alguma pureza ingénua e original, revelam como pode passar-se dos "brandos costumes" para uma violência e crueldade de difícil entendimento. Momentos da nossa História recente que ainda nos incomodam mas que é preciso contar).
(…)


Extracto da descrição da obra.

Guiné 63/74 - P2631: Dando a mão à palmatória (5): Recado para uma ida à Guiné (Joaquim Mexia Alves)

Joaquim Mexia Alves, à esquerda da foto, no lançamento do livro Diário da Guiné, 1968-1969, de Mário Beja Santos, que está ao centro. À direita está o Henrique Matos que foi o 1.º CMDT do Pel Caç Nat 52

Foto: © Henrique Matos (2008). Direitos reservados.

1. Caros camaradas

Porque a informática nem sempre ajuda, por vezes desajuda, enquanto o nosso Luís andou por terras da Guiné-Bissau a minha ligação à Internete falhou insistentemente.

Por coincidência houve o lançamento do Diário da Guiné do nosso camarada Mário Beja Santos que também veio aumentar um pouco o trabalho editorial do Blogue. Quem se manteve firme no seu posto de comando? O nosso companheiro Briote. Claro que não chegou para tudo e agora há que pôr o trabalho em dia.

Esta introdução, para quê?

Primeiro para pedir desculpas públicas ao nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, porque nos enviou um bonito poema com o título Recado para uma ida à Guiné, que classifico como um roteiro de saudade e não foi publicado na devida altura.

A sua publicação, agora, pode parecer despropositada, pois o Luís já foi à Guiné-Bissau e, tendo regressado, não poderá cumprir o itinerário proposto.

Deixo-vos o texto para apreciarem e, se um dia lá forem, aproveitem a sugestão.

Com renovadas desculpas ao Mexia Alves, leiam e deliciem-se.
Carlos Vinhal

2. Recado para uma ida à Guiné,
por Joaquim Mexia Alves (2)

Vai, Luís,
Para essa terra quente
Que viveu dor e sofrimento
Para se fazer País.
Vai e leva o meu abraço
Porque num dia,
Num momento,
Também aí fui feliz.
Passa por Mansoa
E sobe para Mansabá
E ao carreiro da morte
Pára e contempla
Das árvores do Morés
O seu porte.
Deixa uma lágrima
E um voto
Por todos os que aí ficaram.
Depois desce a Jugudul
E segue a estrada nova
Que tanto sacrifício me deu.
Passa por Portogole
E mais à frente um bocado
Sobe ao Mato Cão,
E fica ali sentado
Com uma cerveja na mão
A assistir ao Pôr-do-Sol.
Agora que vês Bambadinca
Depois de parares um pouco
Segue em frente
Pela estrada do meu suor
A caminho do Mansambo,
Que fica à tua direita.
Na Ponte dos Fulas
Vai a pé,
Ali para a tua esquerda,
Sim dentro da mata,
Vá, anda,
Porque vais encontrar,
Se agora não me engano,
Uma mata de caju
Onde o macaco cão
Faz barulho que ensurdece.
Volta à estrada
Para o Xitole
E, quando lá chegares,
Senta-te naquela varanda,
Mesmo que destruída,
(reconheci-a entre mil),
E bebe por mim um uísque
Em memória do Jamil.
Segue para o Saltinho,
Banha-te naquelas águas
E não pares,
Arranja um barco
E sobe o Corubal.
Quando chegares ao Xime,
Desembarca na lama preta
E sobe por um bocado,
Apenas para ver a vista.
Regressa ao Geba.
Lá está a Nau Catrineta
Que tem muito que contar,
Embarca agora nela,
Deixa a maré te levar,
Porque assim à noite
Estarás em Bissau, a varar.
Já é tarde,
Estás cansado,
No físico, no coração,
Então senta-te no Pelicano,
E come…
Um ninho de camarão.
Vai, Luís,
Leva-me contigo,
Mata feridas, mata mágoas,
Mata saudades até,
E abraça por mim
A Guiné…

Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 27 de Fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 2 de Março de 2008 > O Zé Teixeira, no tchon nalu, em pleno Cantanhez, no meio de duas mulheres da população local. Belíssimas, gentis e vistosas mulheres nalus, de porte altivo e de grande dignidade. Na carta de Cacine, a toponomia é Jemberem, a norte de Madina de Cantanhez... Hoje todo o mundo diz e escreve Iemberém. De resto, um dos afluentes do Rio Cacine é o Rio Iemberem... Será que terá havido um erro dos nossos cartógrafos ou uma gralha tipográfica ?


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 1 de Março de 2008 > Onde quer que chegue, o Zé Teixeira conhece sempre alguém, antigo militar de unidades africanas, antigo milícia, antigo combatente do PAIGC, etc. E tem uma enorme facilidade de relacionamento humano. Ei-lo aqui em Iemberém, local onde a comitiva do Simpósio Internacional de Guileje pernoitou dois dias... Fica em plemo coração do Parque Nacional do Cantanhez. E é um orgulho para os seus habitantes e para a equipa da AD - Acção para o Desenvolvimento que lá tem projectos... Uma surpresa que contrasta com a tristeza que se sente em Bissau...

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 2381 (1968/70) > Mampatá Foreá > 3 de Novembro de 1968 > Alguns militares portugueses, entre eles o Zé Teixeira (em segundo plano, de óculos esfumados), em operação de rescaldo de um ataque do PAIGC, ao destacamento e à tabanca, à hora do almoço.

Imagem do José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro, CCAÇ 2381( Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70). Ele esteve em Ingoré (no norte, em treino operacional) e foi depois colocada no sul (Bula, Aldeia Forbosa, Mampatá, Empada) (Maio de 1968 / Maio de 197o). O Zé voltou à Guiné em Março de 2005, e partir daí já lá foi mais duas vezes, a última das quais por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje. Deve estar de volta a casa, nos próximos dias, fazendo o percurso de jipe, de Bissau até ao Matosinhos. Daqui vai um grande abraço para ele e para os demais camaradas da tertúlia do Norte... Que os bons ventos do deserto vos tragam a casa, sãos e salvos... Passámos, juntos, momentos de grande emoção na semana de 29/2 a 7/3/2008 (LG).

Foto: © José Teixeira (2005). Direitos reservados.


1. Mais três poemas do José Manuel, recebidos em 4, 5 e 6 de corrente. Foram escritos na Guiné (1). O José Manuel foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74 (2). Ainda não temos nenhuma foto dele nem do tempo dele. Aproveito para o convidar a ler alguns dos excertos do diário do Zé Teixeira que passou também por Mampatá, uns anos anos (3). Aproveito também para lhe agradecer as suas gentilezas: José Manuel veio à festa do Beja Santos e trouxe alguns dos vinhos da sua Quinta da Graça para a malta provar... Sei que deixou para mim, ao cuidado do Virgínio Briote, uma garrafa de vinho fino... Obrigado, José Manuel! Como dizia um outro poeta, maldito, Luíz Pacheco (morto há pouco tempo), ainda melhor que a poesia, são as mulheres, e ainda melhor que as mulheres é o vinho, que nos faz esquecer as mulheres... Os teus poemas transportam-nos ao encanto, ao sortilégio, ao perigo das matas e das picadas de Tombali, mas também à solidão e à miséria da nossa condição de homens, combatentes, sem razão nem para matar nem para morrer... (LG).


Estradas amarelas
corpos cobertos de pó
pica na mão à procura delas
o polegar ferrado no pau
tac, tac, tac, tac, tac, tac
tacteando por sons diferente
o Fernandes com cara de mau
espeta no solo o ferrão da pica
tac, tac, tac, tac, tac, TOC
o calafrio
depois o grito
anunciando o perigo
o grupo é mandado parar
chega o Vilas à frente
e todos manda afastar
de joelhos no chão
numa simulada carícia
afaga a terra com a mão
com gestos simples e perícia
vai cavando devagar
hei-la... está aqui
lisa preta a brilhar
parece inofensiva a maldita
deita-lhe a mão e grita
és minha, já te tenho
volta-a
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz
esta não
esta não causará dor.


Tenho saudades
do amor que não se compra
daquele que se sente
o tal
que vem de dentro
e
que não acaba
com um orgasmo
não quero mais
ser
aquele que se vai
assim que se vem
não quero mais
ficar vazio
não quero mais
ficar sem eco
não quero mais
perder o elo
que me liga
a ela
seja ela quem for
não quero mais
fazer amor
sem ter de oferecer uma flor.

Josema
Bissau 1974


Saborear a vida

é sentir os outros
é sentir o vento
é sentir a água
é tocar...
num corpo de mulher


guiné 1972
josema
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores:
9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

(2) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

(3) Alguns dos excertos de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):

6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968

(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).

(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...).

(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).

(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).

(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).

(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).

Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau > 4 de Março de 2008 > Painel 1 (Guiledje e a Guerra Colonial / Guerra de Libertação) > Intervenção de Pedro Lauret, dirigida à mesa, e mais concretamente a Manuel dos Santos, ou Manecas, antigo comandante militar do PAIGC, que fez um comunicação sobre Amílcar Cabral e a componente militar do PAIGC: achegas para a compreensão dos meandros estratégicos e tácticos da guerra de libertação nacional.

Vídeo: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Pedro Lauret foi o único represente da Marinha no simpósio, pelo lado dos ex-combatentes portugueses. Como orador, fez uma comunicação, no dia 5 de Março, no âmbito do painel 2 (Guerra colonial / luta de libertação nacional: problematização conceptual, contextualização histórica e importância historiográfica), subordinada ao título A Marinha no Teatro de Operações da Guiné: Guiledje e Gadamael, Maio-Junho de 1973, o papel da Marinha (1).
Sinopse da comunicação:

A Guiné, atravessada por uma multiplicidade de rios e braços de mar, com uma rede viária escassa será um Teatro de Operações privilegiado para a actuação da Marinha. Mais de 80% de todo o reabastecimento será efectuado por via fluvial. A evolução dos meios navais, as missões as potencialidades e as dificuldades, encontradas no teatro de operações. A missão hidrográfica, os levantamentos e as cartas hidrográficas, a balizagem e a farolagem. Os fuzileiros navais. A partir de Maio de 1973 com as dificuldades sentidas pela Força Aérea, a Marinha irá ser chamada a um maior esforço apesar das grandes dificuldades em meios. A Marinha e o Inferno dos 3 G’s – Guiné, Maio-Junho 1973.

Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).

Foto: © Pedro Lauret (2006) . Todos os direitos reservados.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > Os tugas de volta a Cacine, outrora um importante baluarte no sistema de defesa do Rio Cacine contra as infiltrações e ataques do PAIGC. Foi sede do Destacamento de Fuzileiros Especiais 22. Hoje, é uma terra com ar desolado e decadente. Partimos de Cananima, do outro lado do rio, num barco de pesca, depois de um belíssimo almoço onde não faltou o saboroso e fresquíssimo peixe local. Embarcados, éramos um grupo de 30 participantes do Simpósio. O nosso capitão de mar-e-guerra ficou em terra a planear as eventuais operações de socorros a náufragos. Na foto, o regresso ao barco, depois de uma duas horas em Cacine: em primeiro palno, o jornalista do Correia da Manhã, correspondente em Guileje, José Marques Lopes, seguido da Júlia, esposa do Coronel Nuno Rubim, e da Diana Andringa...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Pedro Manuel Cunha Lauret Saldanha e Albuquerque - CV abreviado:

(i) É capitão-de-mar-e-guerra na situação de reforma.

(ii) Nasceu em Lisboa, a 23 de Janeiro de 1949.

(iii) Efectuou os estudos secundários no Liceu Camões (1960/67), em Lisboa, onde foi dirigente da Acção Católica (JEC), participando em movimentações estudantis.

(iv) Entrou para a Escola Naval em 1967, tendo terminado o curso de Marinha em 1971.

(v) Foi um dos fundadores, em 1970, de uma organização política clandestina de Oficiais da Armada.

(vi) Em Setembro de 1971 iniciou uma comissão na Guiné, como oficial imediato da Lancha de Fiscalização Orion, exercendo uma intensa actividade operacional até Agosto de 1973; participou no início das operações conhecidas pelo cerco a Guidaje em Maio de 1973, e nesse mesmo mês e seguinte nos acontecimentos de Guileje e Gadamael.

(vii) Em Outubro de 1973, já no continente, efectuou os primeiros contactos com o Movimento dos Capitães, por designação de um grupo de oficiais da Armada.

(viii) Fez parte da comissão que redigiu o Programa do Movimento das Forças Armadas, e outros importantes documentos – em conjunto com Vítor Alves, Melo Antunes, Franco Charais, Vítor Crespo, Almada Contreiras.

(ix) Após o 25 de Abril integrou o gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

(x) Faz parte da Comissão Coordenadora do MFA Armada, da Assembleia do MFA Armada e Assembleia do MFA Nacional.

(xi) Em 1976, especializou-se em sistemas de armas, embarcando em 1977 como chefe de serviço de Artilharia na fragata Comandante Roberto Ivens, participando em numerosos exercícios nacionais e no âmbito NATO.

(xii) Desembarcou em 1979 vindo a desempenhar funções técnicas no Gabinete de Estudos da Direcção Geral do Material Naval onde foi nomeado para a frequência de numerosos cursos no âmbito da electrónica, sistemas digitais e informática.

(xiii) Em 1981 concluiu uma pós graduação em Estratégia e Organização, no Instituto Superior Naval de Guerra.

(xiv) Em 1983, em comissão civil, exerceu as funções de engenheiro no Grupo de Oficinas de Armamento e Electrónica do Arsenal do Alfeite, acumulando com Chefe de Serviço de Informática do Arsenal.

(xv) Em 1986 passou à reserva e depois à reforma, iniciando actividade empresarial no âmbito
da engenharia e consultoria informática.

(xvi) Foi Membro fundador da Associação 25 de Abril, integrando actualmente a sua Direcção.

(xvii) Coordenou a equipa que produziu o site da Associação 25 de Abril e dirige, actualmente, no mesmo âmbito, um site sobre a Guerra Colonial.

(xviii) Dirige um projecto de investigação histórica designado Marinha: do fim da segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974, que conta com o apoio do Chefe do Estado Maior da Armada.

(xix) Foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Fonte: Site oficial do Simpósio Internacional de Guiledje > Oradores > Pedro Lauret

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta nova série, Fórum Guileje:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

(2) Postes do nosso amigo e camarada Pedro Lauret:

1 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)

18 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1767: Spínola e Senghor encontram-se na região de Casamance em 1972 (Pedro Lauret)

27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2222: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (4): Aspectos positivos e negativos (Pedro Lauret)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Três homens (solitários) de Guileje. Da esquerda para a direita: o ex-major Coutinho e Lima (que em 22 de Maio de 1973, era o comandante do COP 5, sendo hoje coronel na reforma); Abílio Delgado (ex-Capitão dos Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972); e Nuno Rubim, (que comandou duas companhias, em Guileje, a CCAÇ 726, e a CCAÇ 1424, no período de 1965/66).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Texto do Mário Fitas (1):

Caro Manuel Lema Santos,

Li, e senti a profundidade do seu texto Ainda sobre o 'Simpósio de Guilege' (2).

Fui um simples Fur Mil de Operações Especiais, em Cufar, de Março de 1965 a 1966, fazendo parte da CCAÇ 763 comandada na altura pelo então Capitão Carlos da Costa Campos, já não existente entre nós, mas cuja urna entrou na sua última morada, pelas mãos de elementos da CCAÇ 763, e que no seu regresso à Guiné para outra comissão, onde foi promovido a Coronel, comandadou o COP3, na altura das operações em Guidaje.

A empatia gerada entre mim e o Cor Costa Campos levou-nos a falar, e analisar pormenorizadamente, muita coisa sobre a Guerra da Guiné.

Já tive oportunidade de falar na nossa Tabanca Grande, não só sobre a colaboração da Armada bem como da Força Aérea Portuguesas, nos teatros da referida Guerra. E que reafirmo o meu grande reconhecimento, por tudo o que por nós fizesteis. Tenho a certeza que este reconhecimento seria subscrito em absoluto, por todos os elementos da CCAÇ 763.

Tenho plena consciência que determinados tabus ainda se encontram instaurados entre nós, mas que teremos de ter a capacidade de nos ouvirmos, e debater com clarividência, para que seja a verdade da Guerra na Guiné contada na primeira pessoa.

Muitos foram de facto os que sofreram e sofrem. Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha!

Tenhamos a capacidade de ultrapassar todas as barreiras, e deixemos ao Povo Português o que foi uma Guerra de facto e não uma batalha. Dum lado e do outro que as mãos se unam, e façam a História dos seus Povos.

Tudo isto, para lhe demonstrar a minha admiração, pela clarividência e honestidade do seu texto.

Há momentos tristes, mas a verdade tem de ser nosso apanágio. Estou consigo! Estas suas palavras devem fazer parte do legado da Nossa Tertúlia!

Já que, de certeza, muitas vezes subiu e desceu o mítico Cumbijã, um abraço do tamanho desse maravilhoso rio.

Mário Fitas

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

(2) Vd. poste de 12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)



Vídeo: Jorge Félix / You Tube (2008). (com a autorização do autor...). Agradecimento ao Bana, ao Luís Morais e ao extinto grupo musical, fabuloso, mítico, Voz de Cabo Verde... De um lado e doutro da barricada, se calhar ouvíamos a mesma música... Pelo menos, os tugas e os caboverdianos do PAIGC...



1. Mensagem do Jorge Félix (1):



Caro Luís Graça,

Não faltarão novidades para contar da terra das Bolanhas .Entretanto, durante a vossa estadia na Guiné-Bissau, coloquei um video, Nha Bolanha, que gostaria visses e comentasses.

Estou a acabar de ler o Diário da Guiné, do Beja Santos. Muito interessante. Logo no inicio fala do Brandão, aquele de quem eu falei na nossa conversa telefónica. Tenho uma versão um pouco diferente, e gostava de trocar umas palavras com ele. Será que me podes dar o email ou converso com ele na tertúlia ?

Jorge Félix

2. Em resposta a um pedido de esclarecimento meu (vd. ponto 3):

Luís Graça:

As imagens foram captadas de uma emissão da RTP. Ninguém me pediu autorização para lá aparecer .

Recordo-me que foi o Coronel Piloto Aviador Nico, na altura tenente, que filmou em super 8 mm.

A música é do extinto grupo, Voz de Cabo Verde, canta o Bana. Também ainda é vivo o Luís Morais, excelente músico.

Penso que a música, tendo mais de 30 anos, já é de "utilidade pública", não sei se há problemas de direitos de autor. É uma honra o Nha bolanha ir para o nosso blogue, nem que seja por link, vê-se de igual maneira.

Já enviei um e-mail ao Beja Santos sobre o livro Memórias da Guiné 68/69. Vou esperar resposta, pois também gostaria que postassem as minhas críticas que fiz ao livro. Junto um imagem de satélite que enviei ao Beja Santos, mostra o teatro de operações que o livro recorda.

Como aprendi por esta andanças, um abraço do tamanho do Geba.
Jorge Félix

Imagem de satélite da região de Bambadinca, incluindo a bacia hidográfica do Rio Geba e do Rio Corubal. Na imagem, pode reconhecer-se alguns pontos de referência que nos eram familiares, no tempo da guerra colonial, como Ganturé (na margem esquerda do Rio Corubal), Enxalé, Mato Cão, Missirá e Bocol (a norte do Rio Geba), Ponta Varela, Xime e Bambadinca (a sul do Rio Geba). Também é visível, a amarelo, o traçado da estrada (alcatroada) que vem Bissau, passa a norte do Mato Cão, atravessa o Rio Geba (Estreito) perto de Bambadinca, seguindo a esquerda Bafatá e em frente para o sul (Xitole, Saltinho, Quebo...).

Foto: Jorge Félix (2008).

3.Resposta de L.G.:

Jorge: Já vi o teu microfilme, Nha Bolanha, no You Tube. Parabéns pela ideia e sua execução.

Diz-me duas coisas: (i) as imagens são tuas, originais ? (ii) quem é o cantor, o autor da letra e música ?

Posso pôr o teu filme na nosso blogue, desde que não haja problemas de direitos de autor… Em último caso, ponho um link… Mas gostava de fazer referência ao autor da música…

Obrigado pelas imagens da tua caderneta de voo. Vou publicar.


4. Comentário final do editor do blogue:

Tens razão, é uma obrigação partilharmos, uns com os outros, e com os nossos filhos e netos, com os nossos antigos inimigos, os seus filhos e netos, estas imagens e estes sons que ninguém nos pode roubar...

A voz do Bana, o sax de Luís Morais, a silhueta de um heli nos céus da bolanha, o terrível matraquear do helicanhão, tu e os teus camaradas pilotos, as enfermeiras pára-quedistas, as bolanhas, os palmeirais, a serpente do Rio Geba, o pôr do sol na Guiné, a nota de tensão dramática na paisagem, tudo isso faz parte intrínseca da(s) nossa(s) vida(s). Tal como o sangue que corre nas nossas veias. A Guiné e a guerra da Guiné marcou-nos a todos indelevelmente. Ninguém nos condenou ao silêncio...

Meu caro Jorge: O nosso blogue não tem, de resto, quais propósitos comerciais... Fazemos apenas blogoterapia... E tu, que és um homem da imagem (andaste pela televisão, pelo cinema...), faz-nos o favor de mandar mais (2)... Estás autorizado a usar as nossas próprias imagens. Se bem te recordas, passaste a fazer parte da nossa Tabanca Grande...
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Notas de L.G.:

(1) 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

(2) Vd. postes desta série:

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)

13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

15 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2463: Vídeos da Guerra (7): Madina do Boé - A Retirada (José Martins)