quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3239: Efemérides (11): Comemoração do 35.º Aniversário da declaração unilateral da Independência da República da Guiné-Bissau (Casa da Guiné-Bissau, Coimbra)

Comemoração dos 35 anos da Independência da Guiné-Bissau



Caros amigos, caros compatriotas

O nosso programa das comemorações da independência da Guiné-Bissau vai continuar na próxima semana (quarta-feira dia 1 de Outubro de 2008) com a sessão inaugural de um ciclo de conferências com o qual se pretende fazer o balanço dos 35 anos da independência. Para este ciclo, que vai durar um ano, convidaremos especialistas guineenses e portugueses de várias áreas do saber para connosco debaterem não só os problemas que o nosso país tem enfrentado, mas também as possíveis soluções para arrancar a Guiné-Bissau do letargo em que jazz. Estão todos convidados a participar e a divulgar esta actividade. Em anexo segue o programa geral da sessão inaugural.

Com os melhores cumprimentos

Casa da Guiné-Bissau em Coimbra

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CASA DA GUINÉ-BISSAU EM COIMBRA

E

ORGANIZAÇÃO DOS ESTUDANTES DA GUINÉ-BISSAU EM COIMBRA


Comemorações dos 35 anos da independência da Guiné-Bissau


CICLO DE CONFERÊNCIAS

Sessão inaugural
Dia 1 de Outubro (quarta-feira) 21, 00 horas
Auditório Salgado Zenha (Associação Académica de Coimbra)


Conferencistas:
Doutor Eduardo Costa Dias (Sociólogo/ISCTE)
Doutor Leopoldo Amado (Historiador guineense)

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Nota: artigo relacionado em

24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3236: Efemérides (10): 35.º Aniversário da declaração unilateral da Independência da República da Guiné-Bissau (V. Briote)

Guiné 63/74 - P3238: Antropologia (12): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

O Crioulo da Guiné-Bissau (IV)

Património do Crioulo Guineense

Provérbios, adivinhas, contos
Beja Santos

O crioulo guineense é uma singularidade cultural que ainda não está bem estudada: língua veicular entre as populações nativas, foi sobranceiramente tratada pelo colonizador como uma algaraviada que a língua portuguesa se encarregaria de deitar para o caixote do lixo da História.

Em “O Crioulo da Guiné-Bissau, Filosofia e Sabedoria”, publicado em 1989, Benjamim Pinto Bull lançou luz sobre a imensidão da riqueza linguística desse crioulo que se adaptou ao longo dos séculos e que faz comunicar os guineenses no Cantanhez ou no Monte Abraão, tal o seu vigor da sua originalidade.

Os provérbios guineenses que Pinto Bull conseguiu inventariar abarcam um universo onde cabem o divino e a providência, a casa e a família, a constelação das relações humanas, os múltiplos elementos naturais que envolvem o agricultor ou o pescador, mas também o cosmopolita e também as viagens e as deslocações. Da análise a este rico inventário, Benjamim Pinto Bull reflecte sobre o seu enraizamento na vida quotidiana do guineense, são provérbios que falam de recados, mensagens de prudência ou avisos morais, é uma ordem das coisas não introduzindo clivagens brutais entre os islamismo e o animismo mas não escondendo contradições aparentes no seu discurso proverbial, designadamente entre a religião e as superstições.

No tocante ao divino, há sempre a aceitação do juízo de Deus e seu inefável poder e misericórdia do tipo: sabe Deus o que faz; quem nada tem, Deus o mantém; quem cospe para o céu, na cara lhe cai.

Digamos que esta sabedoria não sai de qualquer classificação do que é o respeito pelo divino ou o convite ao seu acatamento. O que denuncia a profunda riqueza do provérbio em crioulo tem a ver com a vida doméstica e familiar: Recomenda-se prudência e fala-se no baga-baga (“Bu sinta riba di baga-baga, bu na rui cõ”, ou seja, estás sentado em cima de uma baga-baga e estás a dizer mal do solo, por outras palavras conversas com uma pessoas e dizes mal de alguém que até pode ser familiar ou amigo do criticado, recomendo-te toda a prudência).

Mas há mensagens de valor universal, do tipo “filho de peixe sabe nadar”, “de pequenino se torce o pepino”, “quem feio ama, bonito lhe parece”.
Os valores familiares, como sabemos, são quase místicos para quase todos os africanos, como nos lembra este provérbio: “Kasamentu ta kaba, ma kuñadadia ka ta kaba” ou seja pode haver separação, divórcio ou morte mas a cunhadia não acaba.
A moralidade africana fala da hospitalidade, da amizade inseparável (“Sila ku Prera dus kurpu nu korsõ”, Sila e Pereira, dois corpos num só coração), o auxílio mútuo, a compreensão, a tolerância e a verdade (“Bardadi e suma malgeta, e ta iardi” ou seja a verdade é como o piri-piri, arde).

Encontramos provérbios que nos referem a desavença, a vingança, a astúcia, a curiosidade, mas também a confiança, a solidariedade, a injustiça, a longa experiência e os aspectos práticos da vida.
Os provérbios crioulos envolvem animais como as fábulas de La Fontaine: a pintada (galiña di mato), a tartaruga, o mangusto e o abutre. Um outro aspecto colateral ao valor dos provérbios tem a ver com a fé no divino, a saúde e o sofrimento, o uso de fórmulas invocativas e esconjuratórias do crioulo, que acabam por pesar nas sentenças, sobretudo as que têm a ver com as superstições e o sincretismo religioso.

Igualmente as tradições e os costumes carecem de análise, pois vão ser usados recorrentemente na abordagem dos grandes valores da cultura guineense: o respeito pelos velhos, o culto dos mortos e as respectivas cerimónias, por exemplo.
O espaço ocupado pelas adivinhas não é fácil de mapear. Como observa Pinto Bull, na mesma adivinha há muitas vezes duas ou três palavras que nos podem levar a integrá-la em categorias diferentes; como nos provérbios, certas letras maiúsculas precedem a adivinha crioula e no final há um comentário sucinto. Obviamente que a fórmula é sempre a mesma: Qual é a coisa? Qual é ela? As adivinhas constituem um rico manancial da narrativa oral.
Os anciãos, sobretudo à noite, à volta da fogueira, empolgam as crianças com estes jogos de adivinhas que falam de mistérios, trabalhos agrícolas e das relações morais que vinculam as comunidades.

Como escreve Pinto Bull, a maior parte das adivinhas da Guiné tem as suas raízes profundas nas aldeias, na vida quotidiana do trabalhador guineense, por isso falam de abóboras, arroz, mandioca, porco ou rio. A adivinha é um exame, instiga à conversação e o diálogo, toda a pergunta tem solução.

Todo este entrelaçado da filosofia e da sabedoria tem o seu ponto alto nos contos ou stória: Deus e os animais, os homens e os animais, os animais entre si, um único, dois ou três animais como personagens principais. A lebre pode pedir a Deus para que lhe dê mais esperteza. Deus pode chamar a lebre e mandá-la pela floresta à procura da pele de jibóia para fazer sandálias; um caçador vai à caça encontra um crocodilo, este suplica-lhe para ele não lhe tirar a vida, começa aqui a moralidade; a lebre pode conversar com o hortelão? O jambatutu, o rei dos pássaros, terá de aparecer nestes contos, terá a sua imagem maltratada, o falcão pode conversar com o abutre, a lebre com a perdiz ou com a hiena, esta com a coruja, o camaleão com o elefante, ou então a lebre, o elefante e o hipopótamo, mas também o cão, a cabra e a vaca.
A estrutura do conto tem grande plasticidade o importante são a motivação e as ligações, pode recorrer a antagonistas, uma vítima e um caçador, é indispensável que o processo narrativo consagre o diálogo, alguém que peça clemência, há um momento de tensão ou maldade, segue-se a reparação e a moral da história.
Segundo Pinto Bull é em torno destas stória que o crioulo brilha mais alto. É uma língua engenhosa, exalta o direito à diferença, a protecção do mais fraco, o saber vencer e derrubar todos os obstáculos. É neste estrutura narrativa que o contador educa e alerta o auditório para os valores da justiça, da solidariedade, da hospitalidade, do respeito pelas tradições, os exemplos de coragem.

Com mensagem à guisa de conclusão, Pinto Bull insiste que o português continuará a ser a língua de expressão oficial mas o crioulo a língua que corporiza a unidade dos povos da Guiné, é e será a língua da nação que cimenta uma comunicação entre tão díspares línguas maternas.

Para Pinto Bull, a lusofonia é exactamente isto: complementaridade, uma unidade dentro da diversidade, um convívio linguístico sincero e fraterno. E o autor despede-se dos seus leitores com mais de dois mil vocábulos crioulos de um glossário comparando-os com o português e francês já que estas duas línguas são indispensáveis para estudar mais profundamente o que é a essência do crioulo da Guiné-Bissau.
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Notas de vb:

(1) Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), autor de "Diário da Guiné": 1968-1969: Na terra dos Soncó. Lisboa: Temas & Debates. 2008. Uma obra de que o nosso blogue se orgulha de apoiar e de ter visto nascer. Começou por ser uma série, publicada semanalmente no nosso blogue, ao longo do ano de 2007. Está prevista a saída do 2º volume, em Novembro próximo com o título provisório: Diário da Guiné: 1969-1970: Tigre Vadio. Disponível também no Círculo de Leitores. (Luís Graça)

(2) artigos relacionados em 14 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

Guiné 63/74 - P3237: Estórias cabralianas (39): O Marido das Senhoras (Jorge Cabral)

1. Mais uma das geniais estórias (ou histórias, como queiram) cabralianas... Cabralianas, de Cabral, Jorge Cabral, porventura o único combatente da Guiné que não sofre de stresse pós-traumático de guerra (*). Julgo que inclusive tem uma declaração psiquiátrica a atestar tal facto, e que anda sempre com ele na carteira. E nessa qualidade é porventura o único de todos nós que estaria apto para lá voltar, na outra encarnação... Como penitência, está-nos a pagar uma promessa de cinquenta contos. Este é o 39º... Só faltam 11, o que em euros dá qualquer coisa como 55 ... Não é muito mas, nos tempos que correm, dá-nos jeito. Na Guiné dá para comprar dois sacos de arroz e fazer feliz uma família durante um mês. Aqui vai a segunda das duas estórias que nos mandou há dias (**). Não se esqueçam de lhe dizer: Obrigado!

LG


2. Estórias cabralianas (39) > O Marido das Senhoras
por Jorge Cabral


Todos nós tínhamos uma fé. Os africanos eram na sua maioria muçulmanos, os europeus católicos e eu era tudo. Frequentava a mesquita e a igreja, mas também prestei culto aos Irãs balantas. Porque não?

O mais religioso de todos era porém o furriel Paiva (***).

No seu abrigo–quarto construíra um pequeno altar, onde colocou quatro imagens das Santas da sua devoção e, entre elas, o retrato de Salazar.

Sempre alumiado por uma vela, o local era visitado com respeito pelos Soldados Africanos, mulheres, filhos e demais população.

No final do mês de Julho de 70, logo de manhãzinha, o Milícia Demba informou-me compungido:
- O furriel Paiva está muito triste. Morreu o Salár.

Estremunhado não percebi:
– Quem? Quem morreu?
- Foi o marido das Senhoras! – respondeu-me convicto.


© Jorge Cabral (2008). Direitos reservados

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Notas de L.G.:

(*) Ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do
Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 . Actualmente, jurista e professor universitário. Nasceu, trabalha e vive em Lisboa. O seu sonho, modesto, era voltar a ser chefe de tabanca; o seu sonho maior era poder ainda um dia ser convidado para reitor da Universidade de Fá-Mandinga...

(**) 23 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)

(***) Aviso do autor (JC): "Quanto ao devoto furriel, claro que não se chamava Paiva"...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3236: Efemérides (10): 35.º Aniversário da declaração unilateral da Independência da República da Guiné-Bissau (V. Briote)

24 de Setembro de 2008, dia da declaração unilateral da Independência da República da Guiné-Bissau




A luta armada teve início oficialmente em 23 de Janeiro de 1963 com a flagelação ao aquartelamento de Tite. Tanto quanto sabemos foi Arafan Mané (1944-2004) quem tomou a iniciativa do ataque, sem o conhecimento prévio de Amílcar Cabral (1924-1973), que terá sabido do facto através de uma estação de rádio.

Tite, o Como, a zona do Oio, a mata do Cantanhez, Madina e Guileje, rapidamente foram pasto de um fogo que se expandiu durante esses anos por quase todo o território. Os ventos ajudavam, eram fortes e de feição. Emboscadas, ataques a aquartelamentos e povoações, minas e armadilhas foram deixando marcas na população e nos combatentes dos dois lados.

Bissau era o descanso dos guerrreiros. Nos intervalos da guerra, combatentes do Exército, da Marinha e da Força Aérea paravam em Bissau, a maioria para virem a Lisboa de férias. Outros estacionavam nas enfermarias do HM 241, tentando prolongar as vidas.

Alguns guerrilheiros aproveitavam as idas a Bissau para visitar as famílias e conhecidos e actualizar os movimentos das tropas portuguesas, informações que depressa transmitiam por um tam-tam qualquer aos Comissários do Partido.

Foi assim a luta, de início de fraca intensidade (como agora se diz) e endurecendo à medida dos anos. No princípio as longas, as Seskas e as Mausers, logo depois a Simonov e a Kalash cuspiam metralha. E a guerrilha foi avisando que, em breve, novas armas mais mortíferas estavam a chegar.

Do lado das Forças Portuguesas a G-3, a bazooka e os morteiros de 60, os Dorniers 27, os T-6 preparados para bombardeamentos (em breve período os F-86 da Nato, baseados na Ilha do Sal), os Fiats G-91 a partir dos finais da década de 60, as LDMs, LDGs e os Navios Patrulhas aguentaram-se até ao fim.

Em poucos anos, a guerrilha estreou os morteiros pesados, os RPGs, o canhão sem recuo, os foguetões e os Strella, estes em 1973.

Estava-se perto do fim. A manobra do PAIGC, de sair de Bissau e das povoações maiores para se infiltrar e disseminar pelas tabancas, tinha-se revelado de enorme importância.

Os Fiats G-91 entraram, as operações com recurso aos Allouettes-3 tornaram-se correntes, mas o ânimo das nossas tropas já não era o mesmo.

Na metrópole, quem queria e podia punha-se na alheta. Em qualquer canto, em França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia ouvia-se falar a língua de Camões.

Uma Guerra que nunca devia ter sido feita. Uma Guerra que não devia ter terminado. Uma Guerra perdida nas bolanhas e nas matas. Uma Guerra perdida em Lisboa...

A Guerra começou oficialmente em Janeiro de 1963 e terminou em 9 de Setembro de 1974. Os últimos soldados portugueses (oficialmente) regressaram a Lisboa em 15 de Outubro.
Foi até ao fim, até os dois Povos dizerem que bastava.




Passam hoje trinta e cinco anos sobre a data em que o PAIGC declarou unilateralmente a Independência, reconhecida por Portugal em Setembro de 1974.

Os dois Países separaram-se irmanados. Para além de um passado comum resta uma Amizade sem limites à Terra e àquelas boas Gentes.

vb
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Artigo relacionado em

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3035: Efemérides (9): 33.º aniversário da independência de Cabo Verde (António Rosinha/Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P3235: Bibliografia de uma guerra (31): Memórias literárias da Guerra Colonial em Angola



Convite da Biblioteca-Museu República e Resistência/Grandella para assistir à conferência de Nuno Roque da Silveira, Um outro lado da Guerra, integrado no ciclo das "Memórias Literárias da Guerra Colonial", a decorrer de 25 Setembro a 20 Novembro, às 5ªs Feiras, 19H00.

Amanhã, 25 Setembro às 19H00, nº 419 da Estrada de Benfica, Lisboa


"De novo a coluna militar avançava nas suas rodas, em picada estreita, e em cada viatura cada um de nós ignorava o que se passava à frente ou atrás e dos lados, a floresta abraçava-nos, comprimia-nos, podíamos colher ramos e afastar os que tolhiam a vista. Senti-me receoso pois sabia que qualquer inimigo que se escondesse nessa mesma floresta, me poderia tirar o quico da cabeça, dar-me uma catanada, entregar-me uma granada despoletada, ou até pregar-me um tremendo susto com um grito ou com uma risada."

UM OUTRO LADO DA GUERRA: Zemba, Angola, 1963/64.

Autor: Nuno Roque da Silveira
Editora: EDIÇÕES COLIBRI
Edição: 2007
ISBN: 978-972-772-73
349 Páginas
Preço de Capa: 15 EUR


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Nota de vb: artigo relacionado em

10 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3191: Bibliografia de uma guerra (30): Memórias literárias da Guerra Colonial (José Martins)

Guiné 63/74 - P3234: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (3): O Honório que eu conheci... em Luanda (Joaquim Mexia Alves)


Angola > Luanda > Ilha de Luanda > Restaurante Coconuts > 19 de Setembro de 2004 > Em frente a praia, privativa ou quase. Com seguranças, em todos os lados. O apartheid do dinheiro. Uma almoço de peixe grelhado com vinho ficava então, no mínimo, entre 40 a 50 dólares (o equivalente ao salário mínimo na função pública, em Angola). Imagino que tenha havido, entretanto, uma escalada de preços nos hotéis e restaurantes. A ilha tem outros restaurantes com acesso directo à praia. Os bares e discotecas também são muito frequentados à noite, em especial pelos estrangeiros... Entretanto, em quatro anos, muita coisa deve ter mudado. E, espero, que para melhor. Durante a guerra colonial, a Ilha de Luanda era já ser muito procurada pelos nossos camaradas que por lá passaram ou lá viveram, como o Joaquim Mexia Alves e o Honório.

Foto: © Luís Graça (2004). Direitos reservados.


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, com data de 22 de Setembro último:

Caros Luis, Virgínio e Carlos:

Quando vi hoje o post sobre o Honório (*) pensei colocar um comentário, mas depois decidi escrever antes este mail e vocês farão dele o que quiserem, colocá-lo como post, ou como comentário.

Conheci muito bem o Honório de quem fui bastante amigo diário, quando estive em Angola a trabalhar depois da comissão na Guiné (**).

Era um individuo generoso, disponível, amigo do seu amigo e bastante amigo do gin tónico, exactamente como eu, pelo que passámos longas tardes na Barracuda, restaurante da Ilha de Luanda com a respectiva praia, beberricando os nossos gins e observando as miúdas que por acaso a maior parte eram bem graúdas, salvo seja.

O Honório era Cabo Verdiano e, ao que sei, sobrinho de um dos homens importantes de Cabo Verde a seguir à independência.

Era "escuro", muito "escuro" e gozava com isso. Era uma pessoa bem disposta e cheia de humor.

Muitas vezes eu chegava à praia e ele estava deitado nas cadeiras da Barracuda a bronzear-se, como ele dizia!
- Apanhei esta cor porque estou sempre aqui - dizia ele.

Era considerado um óptimo piloto, sem medo e que não regateava qualquer serviço. Confesso que não tinha a ideia de ele ter voado Fiat (***), pois pensava que apenas voaria aviões de hélice.

Realmente a seguir a Angola, ao que sei, esteve nos TACV, onde era comandante e se não me engano Chefe de Pilotos. Ao que sei, depois a vida não lhe terá corrido muito bem.

Recordo com saudade tantas tardes e noites juntos numa amizade sem interesses, franca e aberta.

Presto assim homenagem a um homem que nunca regateou o seu auxílio a quem lho pediu.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de

22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

(**) Vd. poste de 1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)


(...) Aquela gente vivia como se não houvesse gente a morrer na guerra, como se nada se passasse e quando eu dizia qualquer coisa acerca disso, olhavam para mim como se eu fosse um qualquer "alien" completamente desfasado da realidade. Claro que isto não podia dar bom resultado, e as noitadas, os copos sempre em exagero, os problemas e "desaguisados" constantes, não prenunciavam nada de bom para a minha vida futura.

Os meus pais preocupados, bem como o resto da família, arranjaram uma solução que me propuseram.

Um dos meus irmãos mais velhos tinha empresas em Angola e Moçambique, e assim, se eu concordasse iria uns tempos para Angola, adaptar-me a trabalhar, a fazer algo de útil pela vida e depois logo se veria o que se seguiria, pois em Lisboa a coisa ia-se complicar e o reentrar no curso de Medicina era coisa que nem os maiores sonhadores acreditavam que eu fizesse.

Assim, passados pouco mais de dois meses de ter saído da Guiné, no dia 8 de Março de 1974, esta “praça” desembarca no aeroporto de Luanda.(É curioso que o país e a tropa complicaram como o caraças a minha ida para Angola, o que não tinha acontecido quando foi para eu ir para a Guiné. Porque é que seria????)

Aberta a porta do avião, levei com aquele calor e aquela humidade que aproximam o clima de Luanda do da Guiné, e foi quase como um regressar a "casa". Daqui para a frente, o clima, a sociedade, os amigos, e até, curiosamente a situação politica, ajudaram-me a encontrar um equilíbrio para poder continuar com a minha vida.

Regressei pouco antes da independência, mas já com outra vontade de viver.(...)



(***) Posterior mail do JMA, de 23 de Setembro, com a seguinte informação:

Caros Camaradas: Há coisas que eu não entendo! Ando desde ontem a dizer isso mesmo que aqui está afirmado! O Honório nunca voou nos Fiat! Tive o cuidado de confirmar essa minha certeza com o Victor Barata. Ou os meus mails não vos chegaram? Abraço camarigo. Joaquim Mexia Alves

Guiné 63/74 - P3233: Blogues da nossa blogosfera (2): Rumo a Fulacunda , de Henrique Cabral (CCAÇ 1420, 1965/67)

1. Mensagem de 23 de Setembro de 2008, do nosso camarada Henrique Cabral (1), ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Guiné, 1965/67, convidando-nos a visitar o seu novo Blogue Rumo a Fulacunda, dedicado à sua Unidade.

Amigos e Camaradas,
…de navegações - em matas e bolanhas naquele tempo na Guiné e hoje na Net (2).

Começo por agradecer a todos quantos visitaram e comentaram o ENTRE FOGO CRUZADO pois num tão curto espaço de tempo já muito contribuíram para o seu enriquecimento.

Venho agora dar-vos a conhecer o RUMO A FULACUNDA, esperando que possa agradar-vos e ser um complemento ao anterior.

Lamento não ter fotos de alguns locais mas aguardo a vossa contribuição que nestes casos será preciosa.

Saudações cordiais
Henrique

2. Comentário de CV:

Quem conhece já o Entre Fogo Cruzado, vai encontrar no Rumo a Fulacunda o mesmo bom gosto na apresentação do Blogue e verá belas fotografias dos sítios onde estivemos e onde passámos. Recomendo.

Aqui ficam os endereços:

Entre Fogo Cruzado - http://entrefogocruzado.wordpress.com/

Rumo a Fulacunda - http://rumoafulacunda.wordpress.com/

Não posso deixar de dar os parabéns ao camarada Henrique Cabral por porporcionar tão belas páginas, sobre a Guiné, não só aos ex-combatentes, mas a todos os cibernautas.



Fabricando o aparelho para subir às palmeiras, com crintim. O cibe, é uma espécie de palmeira de tronco esguio e direito cuja madeira é muito forte e pesada.

Imagem retirada de
Entre Fogo Cruzado, com a devida vénia ao Henrique Cabral


Fulacunda > No porto, aproveitando a subida da maré, uma LDM atascada é rebocada por outra.

Imagem retirada de
Rumo a Fulacunda, com a devida vénia ao Henrique Cabral

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Notas de CV

(1) - Vd. poste de 9 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2339: Tabanca Grande (44): Henrique Cabral, Fur Mil, CCAÇ 1420 (Mansabá, 1965/67), editor do Blogue Entre Fogo Cruzado

(2)- Vd. poste de 8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3034: Blogues da nossa blogosfera (1): Bissau Calling (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3232: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (2): O Honório, meu amigo (Torcato Mendonça / Alberto Branquinho)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Um Dornier, DO 27, na pista, de terra batida, do aquartelamento. Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2006). Haverá quem sabe responder à pergunta: o Honório também andou pelo sul, pela região de Tombali ?

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Foto do José Neto † , reeditada por Albano Costa). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Guileje CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971 > CCAÇ 2617... A chegada da avioneta com o correio (e, às vezes, alguns víveres)... Na foto, em primeiro plano, da esquerda para a direita, o Fur Mil Abílio Pimentel, um alferes e o piloto da aeronave, cuja identidade se desconhecia, até o membro da nossa Tabanca Grande, o Jorge Félix, ex-Alf Pil Av, identificar a aeronave (um Cessna vermelho) que pertencia aos TAGCV - Transportes da Guiné e Cabo Verde e o piloto, de nome Castro... Ou seja naquele tempo (1970/71) já havia aviação civil, mesmo que só houvesse um Cessna vermelho...

Foto : © Abílio Pimentel / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados. (Reprodução com a devida vénia...)


1. Comentário do Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69), e nosso muito querido amigo e camarada, meio alentejano e meio algarvio, com residência (fixa) no Fundão, ao último poste do Alberto Branquinho (*):

Levantei-me e corri em busca de um espelho para ver a minha cor...o dia decorreu mal e podia ter provocado alteração...olhei e, reflectido no dito, apareceu um velho pêra quase branca, olheiras de noitada ou...

Estarrecido dei um passo atrás e voltei. Porra esqueci-me de ver a cor, isto pode ser a senilidade ou pior a vir...!

Mas: Conheci o Piloto Honório, era antigo aluno das agrícolas, deu-me uma boleia até Bigene, carregaram um caixão e viemos até Bissau...Era amigo do Cap Neto que estava em Nova Lamego...passou, o Neto, pelo desastre do Cheche e contou-me...

Tratava o Honório por Irmão e vice-versa. Lastimo, mas lastimo mesmo, a morte de um ex-Camarada que era um Homem estimado pela malta apeada e não só. Não me lembro a cor da sua pele.

A Nônô, em noite de amor quando despi a camisa, perguntou-me de onde eu era...era mais clara que eu...é do Sol, disse-lhe eu...mas isto da cor tem porras...misturem o verde e o azul, ou o vermelho e o preto e por ai fora. Querem falar de homens? Aí é mais fácil, há uma raça A HUMANA...e ponto.

Abraços do Torcato

2. Mensagem, de última hora, do Alberto Branquinho:

Caro Luis Graça:

A propósito do conteúdo do POST 3226 (**) venho dizer o seguinte:

1- Parece que há quem tenha ficado incomodado com a referência a "preto", "mulato" no meu texto do Post 3224 a propósito do Honório. Essas palavras devem ser entendidas como "faits-divers" reportados ao tempo em que ocorreram (porque ocorreram mesmo) e que, mesmo agora, teriam sido verosímeis. O Honório foi meu amigo, cheguei a ser seu passageiro numa viagem em Dornier entre Bambadinca e Bissau e, mais tarde, nos TACV, entre o Sal e a Praia. Convem não esquecer que eu próprio sou "Branquinho"... ( Que "gosto" de falar de mim !!! ).


2- Estava convencido que ele também voava T6.

3- No que se refere às "...questões de fractura, conflito e transição..." depois da independência de Cabo Verde e com o regresso dele à terra natal, sei que sofreu, sei de um só pormenor, ele não falava no assunto e foi essa a razão por que escrevi "... várias vicissitudes...".

4- No que respeita à sugestão para se falar da Marinha, foi isso que senti e foi isso que disse no meu último mail com o qual enviei um texto sobre algumas experiências dos vários casos de transporte fluvial e quase-marítimo da minha Companhia.

Um abraço ( extensível, como é óbvio, aos co-Editores )

Alberto Branquinho

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Notas de L.G.

(*) Vd. poste de:´


22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...

(**) Vd. poste de:

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3231: O Nosso Livro de Visitas (29): José Carlos Ferreira, 1.º Cabo Caixeiro da CCS/BCAÇ 3832, Mansoa (1970/73)

1. Comentário deixado pelo nosso camarada José Carlos Ferreira no P1934 (1) de 8 de Julho de 2007:

Amigo Luís

Dei com o vosso blogue e encontrei notícias que me fez lembrar o que passamos na Guiné.

Vou começar pela minha identificação:

Sou o ex-1.º Cabo Caixeiro, José Carlos Ferreira da CCS/BCAÇ 3832 que esteve em Mansoa de 1970 a 1973.

Vi que o César Dias contactou com o Germano Santos que esteve também em Mansoa na mesma altura. Fala no Alferes Rito Rodrigues das Transmissões, conheci esse senhor que tinha por hábito no início de cada mês chatear com as belas frases "Zé Carlos esta m... deu prejuízo", desculpa o termo mas era isso mesmo eu ouvia, porque nessa altura estava no bar de oficiais, onde tinha alguns amigos como o Major Rocha das com quem tinha amizade.

Adorava encontrar e ter noticias do Alferes Monteiro da companhia de milícias julgo que era do Porto, do Alferes Amorim, o "nosso fotografo", era ele quem nos tirava as fotos e deve ter algumas bem bonitas dessa altura e, mais teria a contar.

Espero um dia ter a possibilidade de me encontrar com vocês pelo que espero notícias vossas.

Um abraço e até um dia destes.

Naturalmente conheces e Zé Rodrigues das transmissões que era da Costa da Caparica, se tiveres notícias dele agradecia.

Um abraço
Zé Carlos

2. Comentário de CV

Camarada Zé Carlos

Obrigado pelo teu comentário e por nos leres.

Quero convidar-te a aderires à nossa Tabanca Grande, onde poderás participar, escrevendo as tuas memórias sobre a guerra que viveste em Mansoa.

Pelo que contas, eras impedido do Bar de Oficiais, mas mesmo assim há sempre umas histórias, quer sejam de guerra, quer sejam até de humor que também têm cabimento no nosso blogue.

Envia duas fotos em formato JPEG, tipo passe de preferência, uma do tempo de tropa e outra actual e serás apresentado formalmente à Tertúlia.

Em nome do Luís Graça, do Virgínio Briote, do resto dos camaradas e, de mim próprio, deixo-te um abraço.
Carlos Vinhal

OBS: - Nem que quiséssemos, não podíamos contactar contigo, pois não sabemos o teu endereço electrónico.
____________________

Nota de CV

Vd. poste de 8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1934: Mansoa era uma vila lindíssima, um jardim (Germano Santos)

Guiné 63/74 - P3230: Tabanca Grande (89): José Paracana, ex-Alf Mil, Analista de Segurança das Transmissões, QG do CTIG, 1971/73




José Paracana
ex-Alf Mil
Analista de Segurança das Transmissões
QG do CTIG
1971/73



1. Relembremos as mensagens anteriores do nosso camarada José Paracana (1).

Por puro acaso encontrei um antigo camarada combatente da Guiné, enquanto estou a banhos no Algarve! E ele falou-me no blogue que já li parcialmente!

Fui alferes miliciano lá, de 4 de Setembro de 1971 a 4 de Setembro de 1973.

Prestei serviço no Quartel General e era Analista de Segurança das Transmissões. Por acaso guardo alguns documentos interessantes desse tempo conturbado. Que estão em minha casa, claro.

Conheço o Prof. Dr. Julião Sousa, é meu colega de naipe no coro dos antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra! É um bom homem, ao que me pareceu já.Tenho as minhas histórias, como todos, claro. E muitos slides e fotos da Guiné da época.

(...)

Não peguei em armas quando lá estive (felizmente para mim...); mas de mim dependiam informações/formações para as NT não sofrerem mais flagelos!

Depois contarei a minha comissão!

(...)

2. Comentário de CV

Caro José Paracana, estás apresentado formalmente à tertúlia da Tabanca Grande.

Poderás, quando quiseres, começar a enviar os teus trabalhos, baseados nos documentos que tens em teu poder e que poderão contribuir para o conhecimento total de algumas situações ainda pouco esclarecidas no nosso blogue.

Atravessaste um tempo algo conturbado da guerra da Guiné e muita coisa não terá chegado ao conhecimento geral.

Aguardamos, pois, que nos comeces a contar o que sabes.

Até lá recebe um abraço de boas vindas em nome da tertúlia.

Carlos Vinhal
_______________

Nota de CV

(1) - Vd. poste de 13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3201: O Nosso Livro de Visitas (26): José Paracana, ex-Alf Mil, QG do CTIG, 1971/73

Guiné 63/74 - P3229: História resumida da Companhia de Terminal e do Batalhão de Intendência (José Martins)

1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2008, o nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, enviou-nos um resumo da História da Companhia de Terminal e do Batalhão de Intendência.

Nunca é demais agradecer a disponibilidade do José Martins sempre pronto para nos fornecer dados importantes sobre a história da guerra colonial na Guiné.



Guiné > Região de Tombali (Catió) > Cufar > Rio Cumbijã >1973 > Foto que documenta as brutais consequências do accionamento de uma mina, colocads pela guerrilha do PAIGC junto ao cais acostável de Cufar, onde havia um destacamento do PINT (Pelotão de Intendência) 9288 ... A mina, escondida no lodo, foi accionada por um barco, ao atracar ao cais. O barco, que levava carga da Intendência, pegou fogo e ficou destruído...


Companhia de Terminal

Identificação CTerm

Comandantes:


Cap SGE [1] Herman Mendes Schultz Guimarães
Cap SGE Luís dos Santos Figueiredo

Inicio: 01NOV72

Extinção: Finais de SET74

Síntese da Actividade Operacional

A subunidade foi criada a partir do Destacamento de Terminal existente no CTIG [2], a título experimental, desde 01ABR72.

Após aprovação do respectivo QO [3] por despacho ministerial de 07JUN72, ficou na dependência directa da Chefia do Serviço de Transportes da Guiné.

Desenvolveu a actividade inerente à sua especialidade, relativas às tarefas de estiva, transportes exteriores e internos por meios rodoviários, fluviais e aéreos, despacho e desalfandegamento de todos os materiais e bagagens transportados por via aérea ou marítima; para o efeito dispôs de secções de cargas no cais da Bolola e na BA 12 [4]

Em finais de SET74 foi extinta e desactivada.

Glossário

1. SGE - Serviço Geral do Exército.

2. CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné

3. QO – Quadro Orgânico

4. BA – Base Aérea

Acidente ocorrido em 02 de Março de 1974, com o rebentamento de uma mina anticarro, por um batelão carregado de gasolina, ao acostar ao cais de Cufar.

Morreram, de imediato, os seguintes civis assalariados/estivadores em serviço na Companhia de Terminal – Cufar. A causa da morte foi considerada resultante de Ferimentos em Combate, e os seus corpos foram inumados no cemitério de Cufar:

AISSELÉ IÉ, número 579, filho de Aliam Cá e Oqueamione Ié, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;

AUGUSTO AJUPKIQUE, número 289, filho de José Ajuplique e Maria Sábado, natural da freguesia de Caio, concelho de Teixeira Pinto;

AUGUSTO FERNANDES, número 747, casado com Dabedi Sanha, filho de Fernando João e Enguesse Pauiça, natural da freguesia de Encheia concelho de Bissorã;

INDOM Á CÓ, número 56, filho de Indato Có e Odiquiu Ié, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;

JOSÉ DA SILVA IÉ, filho de Lefem Ié e Equidjoque Ié, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;

OCANTE DJÚ, número 418, filho de Acevelo Djú e Maria Djú, natural da freguesia de Bigene, concelho de Farim;

ODAILÓ IÉ, número 295, filho de Odor Ié e Anhola Dju, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;

Nesse mesmo dia, 02 de Março de 1974, depois do acidente acima descrito, rebentou uma mina antipessoal seguida de emboscada, que feriu o assalariado/estivador LONA INSALA, casado com Insuli Cabi, filho de Insala Ungué e Sidú Indami, natural da freguesia de Santa Ana, concelho de Mansoa, que veio a falecer a 07 de Março de 1974, no Hospital Central de Bissau, por ferimentos em combate, tendo sido inumado no Cemitério de Bissau.

Também ficaram feridos no rebentamento da mina anticarro:

CARLOS ALBERTO PITA DA SILVA, Furriel Miliciano de Intendência, com o número mecanográfico 12957372, do Pelotão de Intendência nº 9288, mobilizado no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar, em Lisboa, solteiro, filho de Teodoro Boaventura Pita da Silva e Maria Isabel Ivens Ferraz Pita da Silva, natural da freguesia do Monte, concelho do Funchal – Madeira, tendo falecido em 17 de Março de 1974 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate, tendo sido inumado no Cemitério de Nossa Senhora das Angústias, no Talhão dos militares falecidos no ultramar.

RODRIGO OLIVEIRA SANTOS, Soldado - Caixeiro, com o número mecanográfico 18070469, do Pelotão de Intendência nº 9288, mobilizado no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar, em Lisboa, solteiro, filho de Manuel Gomes dos Santos e Gracinda Alves de Oliveira, natural de Fafião, freguesia de Romariz, concelho da Feira, faleceu, vitima de ferimentos em combate, tendo sido inumado no Cemitério de Romariz.


BInt, cuja divisa era, Bene Servire Maxima Gloria Est

Batalhão de Intendência da Guiné

Identificação BInt

Comandantes:


Major SAM [1] Carlos Gonçalves
Major SAM António Monteiro
Major SAM Augusto Soares Pinheiro
Major SAM José Maria Teixeira
Major SAM António Monteiro Alves dos Santos
Major SAM António Avelino de Abreu Parente
Major SAM António Madeira Peste
Major SAM António Alberto Bravo Ferreira
Major SAM Emídio José Brandão dos Santos Marques

2.ºs Comandantes (a partir de 01AGO67)

Capitão SAM Manuel de Oliveira Rego
Capitão SAM José Luís de Sousa Jorge
Capitão SAM António José Calvo de Almeida Pereira
Capitão SAM Manuel António Duran dos Santos Clemente

Início: 01JUN64

Extinção: 14OUT74

Síntese da Actividade Operacional

O BInt foi criado com base em QO [2] aprovado por despacho ministerial de 21NOV63 e englobou uma Companhia de Intendência, uma Companhia de Depósito, então constituídas, e os quatro destacamentos de Intendência, então existentes em Bissau, Tite, Bula e Bafatá, este instalado depois em Bambadinca, a partir de 02JUN66, e, mais tarde, outro pelotão instalado em Farim, a partir de 01JAN67, sendo considerado uma unidade da guarnição normal.

Em 01ABR68, as funções de Companhia de Depósito passaram a ser executadas por um novo órgão, então criado, o Depósito Base de Intendência e a partir de 01SET68, o batalhão passou a ser constituído pelas subunidades designadas por Companhias de Intendência de A/D [3], Companhias de Intendência de A/G [4], e Pelotões de Intendência, tendo ainda sido instalado outro pelotão em Cufar, a partir de 01AGO73.

Nesta situação, forneceu apoio logístico às unidades e subunidades em serviço na Guiné, efectuou a reparação dos meios de frio, máquinas de escritório e de bobinagem, entre outros, para o que dispunha também de equipas itinerantes.

Ministrou também instrução de formação de especialidade de intendência de padeiros, magarefes, caixeiros e outras. Manteve ainda as reservas de combustíveis e lubrificantes e accionou o funcionamento dos centros de fabrico de pão e de abate.

Em 14OUT74, após entrega das instalações e equipamentos ao PAIGC [5], o batalhão foi desactivado e extinto.

1. SAM – Serviço de Administração Militar
2. QO – Quadro Orgânico
3. A/D – Apoio Directo
4. A/G – Apoio Geral
5. PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde

José Martins

Fotos: © Fernando Franco(2006). Direitos reservados.
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Nota de CV

Vd. poste de 12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3196: Em busca de...(39): Companhia Terminal (Bissau, 1973/74) (Daniel Vieira)

Guiné 63/74 - P3228: Convite (8): Casa da Guiné de Coimbra, dia 24 de Setembro de 2008, exibição de As Duas Faces da Guerra e Jantar-convívio

CASA DA GUINÉ EM COIMBRA

CONVITE

Prezado/a
A Casa da Guiné-Bissau e a organização dos Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra convidam V. Exª a assistir ao seguinte programa de actividades integrado nas comemorações da independência da Guiné-Bissau:

DIA 24/09/2008 (quarta-feira) –


- 17h00 (Auditório do Instituto Português da Juventude, na Rua Pedro Monteiro) –

Exibição do documentário: "As duas faces da Guerra" da jornalista Diana Andringa e do realizador guineenses Flora Gomes (com a presença de Diana Andringa). Trata-se de um documentário sobre a guerra colonial/luta de libertação nacional. A seguir a exibição haverá debate com a presença da Jornalista Diana Andringa.



- 19, 00 às 21, 15 horas – Jantar-convívio na Cantina Amarela (prato típico guineense).

Solicitamos divulgação.

Com os melhores cumprimentos

Casa da Guiné-Bissau em Coimbra
Organização dos Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra

Guiné 63/74 - P3227: Em bom português nos entendemos (2): Estória ou História (Ferreira Neto e Carlos Vinhal)


1. A propósito do uso da palavra Estória, no nosso Blogue, como narrativa das nossas experiências e vivências na Guiné, recebemos uma mensagem do nosso camarada Ferreira Neto, ex-Cap Mil da CART 2340, (Canjabari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69), com data de 21 de Setembro de 2008:

Caro Vinhal

Logo de início, tivemos oportunidade de falar no assunto. No seu super dicionário não constava a palavra, nem nos meus.

Ao longo deste tempo, pessoas a quem eu recomendava a leitura do nosso "blogue", exprimiam o desejo de se efectuar a correcção, porque a nossa contribuição é com histórias e não com contos.

Sou teimoso por natureza, e nem a propósito, ontem topei um sítio de nome <Ciberdúvidas e dele extraí o que se segue:

História e estória, mais uma vez

[Pergunta]
Na resposta História e estória, de 10/02/2003, faz-se referência a um registo no dicionário Houaiss de estória como sendo «narrativa de cunho popular e tradicional», dando a entender que, neste sentido, seriam conceitos diferentes. Mas, se se consultar história no mesmo dicionário, lá vem, também, a mesma definição: «Narrativa de cunho popular e tradicional». Ou seja, no meu entender, Houaiss tem a mesma posição de Morais e Aurélio, que atribuem o mesmo significado aos dois vocábulos. Os dicionários da Academia das Ciências 2001, Cândido de Figueiredo, José Pedro Machado, Lacerda, Porto Editora, Torrinha e Prosódico de António Carvalho e João de Deus não registam o vocábulo estória. Para mim, simples amador na matéria, estória é grafia antiga ou linguagem popular, sendo costume meter a palavra entre aspas ou em itálico. Esta moda recente (não tão recente como isso...) de distinguir facto histórico usando História, de ficção, usando estória, nada mais é que a importação do Inglês, que tem, esse sim, dois vocábulos e dois conceitos: History e story. Nenhuma língua latina faz essa distinção de conceitos, que eu saiba. Estarei errado? Com os meus cumprimentos

[Resposta]
Muito obrigados pelas suas observações pertinentes. O uso da forma "estória" refle(c)te certamente a influência semântica do inglês. Essa forma está atestada em documentos do período medieval, mas, ao que parece, como variante gráfica e fonética de história, sem implicações ao nível do sentido

Estória "vs" História

[Pergunta]
Quando é que se usa a palavra estória em vez de história?

[Resposta]
Estória é uma palavra vinda do Brasil. Note-se, era assim que se grafava no século XV. Só depois veio história. Um brasileiro lembrou-se de grafar história, quando se tratava de "ciência histórica" e de grafar estória para significar "narrativa de ficção", "conto popular", etc. Mas os dicionários brasileiros aconselham a que se escreva sempre história, embora se aceite a liberdade jornalística da distinção de um e outro conceitos.

Espero perante o que foi exposto, seja legítimo fazer-se a respectiva correcção.
(...)

Um abraço, extensivo a toda a famíla
F. Neto

2. No mesmo dia foi enviada ao camarada Ferreira Neto a seguinte mensagem

Caro Professor (*)
Prazer em vê-lo de novo. Há muito que não dava sinais.

Com respeito à história da Estória, já alguém que defende a língua portuguesa nos blogues, se nos dirigiu e chamou a atenção para o uso errado (?) do termo.

Esta palavra está, bem ou mal, a ser utilizada no nosso Blogue desde a fundação e compete ao Luís Graça dar instruções para se abolir ou não o seu uso. Eu sou apenas um humilde colaborador que tem a quarta classe adiantada.

O meu velhinho Dicionário da Porto Editora, que o meu pai me comprou há 50 anos, não tem o termo estória. O mesmo acontece com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa.

Confesso que concordo com professor, não gosto da estória.
(...)

Vou dar conhecimento desta sua mensagem aos restantes editores do Blogue.

Passo a terminar enviando-lhe um abraço e votos de boa saúde.
(...)
Carlos Vinhal

OBS:-
- As partes suprimidas das mensagens ou nada têm a ver com a Estória, ou são de âmbito particular.
- Os negritos são da responsabilidade do editor.


3. Comentário de CV

Dei umas voltas pela Net e:

i- na Infopédia, Enciclopédia e Dicionários da Porto Editora, encontrei o que abaixo transcrevo, com a devida vénia:

estória
nome feminino; história de carácter ficcional ou popular; conto, narração curta
(De história, ou do ing. story, «id»)

ii - ainda na Infopédia encontrei:

Luuanda

Luuanda (1963), da autoria de Luandino Vieira (1935-), é uma obra histórica, vista como um autêntico livro de ruptura, ruptura com a norma portuguesa.
Pelo seu cariz inovador, mereceu o reconhecimento geral e foi galardoado com dois importantes prémios - 1º Prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga, atribuído em Luanda em 1964, e o 1º Prémio do Grande Prémio da Novelística, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, em Lisboa, em 1965.

Luuanda é composto por três histórias - ou "estórias", como o próprio Luandino Vieira gosta de as retratar: "Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos", "A estória do ladrão e do papagaio" e "A estória da galinha e do ovo".
Todo o texto de Luuanda apresenta-se com uma forte dramatização, teatralização, onde toda a narrativa nos descreve e dá a conhecer o espaço angolano, sempre em contraste absoluto com o espaço do homem branco - os prédios, as casas, as ruas asfaltadas e limpas, o espaço claro e arejado.

As "estórias" de Luuanda retratam as coisas do dia-a-dia dos musseques angolanos: as histórias das famílias, o ambiente caótico, de confusão, que a própria arquitectura do musseque representa; o confronto de ideias e comportamentos entre novos e velhos e entre pretos e brancos que lá entravam por diversos motivos: inspeccionar os andamentos, cobrar as rendas, policiar os desacatos, etc.
(...)

iii - Na Wikipédia encontrei:

Estória
é um neologismo proposto por João Ribeiro (membro da Academia Brasileira de Letras) em 1919, para designar, no campo do folclore, a narrativa popular, o conto tradicional.

Alguns consideram o termo arcaico, por ser encontrado também em textos antigos, quando a grafia da palavra na língua portuguesa ainda não fora consolidada.

O termo acabou por não ter uma aceitação generalizada, não figurando nos dicionários portugueses e apenas em alguns brasileiros. Apesar de ter sido usada na linguagem coloquial, o termo nunca figurou na norma culta.

iii - No site Sua Língua, encontrei um artigo de autoria de Cláudio Moreno que passo a transcrever, com a devida vénia:

A história de "estória"

Perdi a conta dos leitores que me perguntam sobre a famigerada estória. Uns querem saber se realmente existe essa distinção entre estória e história. Outros teriam ouvido que a palavra existiu outrora, mas hoje seria considerada arcaica. Há quem especule que estória tenha nascido de um erro de tradução. Quase todos perguntam se é uma distinção útil e necessária, ou se não passa de supérfluo balangandã. Peço perdão àqueles que fiz esperar, mas aqui vai minha resposta a todos.

Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas daquela área. E não se tratava de inventar, mas sim de reabilitar (hoje usariam o horrendo resgatar...) uma forma arcaica, comum nos manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do Inglês; sem ela, alega o próprio Luís da Câmara Cascudo - para mim, um dos escritores que mais contribuíram para nossa língua -, não se pode entender frases como "Stories are not History", ou títulos como "The History of a Folk Story". Que o mestre Cascudo me perdoe: a intenção era boa, mas sem nenhum fundamento lingüístico.

Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heróico em que a estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Da mesma forma, vamos encontrar homem, omem, omee (algumas vezes com til no primeiro e) e até ome. Nota-se que o emprego do "h" e das vogais ainda não estava estabilizado na escrita. Entretanto, já no séc. XVI - em Camões, por exemplo - a grafia de homem e história era a que é usada até hoje. Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também experimentaram essa variedade de formas para história, mas terminou prevalecendo a forma única (historia e histoire, respectivamente).

Em segundo lugar: grande coisa se o Inglês pode fazer a distinção entre story e history! E daí? Como o folclórico Napoleão Mendes de Almeida nos lembra, eles também distinguem entre can (poder, conseguir) e may (poder, no sentido legal e ético): "You can, but you may not" é uma rica frase em Inglês que só poderíamos traduzir com um aproximado "Você pode, mas não deve". Esse autor, que abominava estória, pergunta ironicamente: "Se curtos de inteligência foram nossos pais em não terem descoberto essa história de "estória", curtos de inteligência continuamos todos nós em não forjarmos distinção gráfica e fonética para "poder", para "educação", para "raio", para "oficial" e para outros vocábulos de formas diferentes em Inglês, como curtos de inteligência são todos os outros idiomas que têm palavras com mais de uma significação".

Dessa vez Napoleão bateu no prego e não na tábua. Uma olhada no meu Oxford e me dou conta que para nosso raio, por exemplo, o Inglês tem (1) ray (onde temos "raio de luz", "pistola de raios"), (2) radius (o "raio de um círculo") e (3) lightning (a "descarga elétrica"). É mais do que comum o fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como tive a oportunidade de mencionar em outro artigo (Atravessando o Canal da Manga), o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Invejamos o story do Inglês? Eles então devem ficar verdes diante de nosso ser e estar, distinção fundamental na vida e na Filosofia, que eles simplesmente desconhecem. Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição.

Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam apenas em distinguir "a História do Brasil das Histórias da Carochinha". Do ponto de vista lingüístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (já falei sobre ele na seção de Links), condena essa invenção "brasileira" (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de "uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados". Certo o professor Henriques, errados os folcloristas: ninguém vai confundir a história de um país com a história do bicho-papão.

Segundo, erraram porque enxergavam apenas dois pólos bem definidos: a história que se refere ao passado e ao seu estudo, e a estória da narrativa, da fábula. A experiência nos diz que essas invasões de searas alheias geralmente pecam por um raciocínio simplista, reducionista. Quem mexe no que não entende, termina fazendo bobagem... e não deu outra. Nossos estudiosos não perceberam que a distinção sugerida, apetecível do ponto de vista deles, acabaria criando incertezas e hesitações em frases corriqueiras como "Deixa de histórias!"; "Essa já é outra história"; "Que história é essa?"; "Eu e ela temos uma velha história". Qual das duas formas usar? Por tão pouco benefício, por que assombrar ainda mais os que escrevem em Português? Faço questão de frisar "os que escrevem" - porque aqui, também, reside outra falha da proposta de João Ribeiro: as duas formas não seriam distinguíveis na fala, já que a realização da vogal "E" inicial de estória é geralmente /i/ (como em espada, esperto, etc.). Ambas seriam pronunciadas da mesma maneira: /istória/. E quantas outras palavras, derivadas de história, deveriam ser alteradas? Historieiro? Historiento? As historietas passariam a ser estorietas? Os aficionados em quadrinhos passariam a usar EQ em vez do consagrado HQ? Como se vê, "muito trabalho por nada", como reza a comédia de Shakespeare.

De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã de obter maior precisão em seus conceitos. Isso se verifica, por exemplo, na Filosofia, na Lógica, na Lingüística, na Psicanálise (onde me chama a atenção a impressionante inquietação lingüística dos lacanianos). Como é natural, essas variantes vão fazer parte de um código específico, cujo emprego passa a ser indispensável para os especialistas dessa área, mas não entram no grande caudal da língua comum. A criação, a utilização e, muito seguidamente, a agonia e morte dessas formas são registradas em discretos dicionários especializados, convenientemente isolados do grande rebanho representado pelos dicionários de uso.

Infelizmente, como nos piores pesadelos dos ecologistas, estória rompeu as cercas de segurança, saiu do pequeno rincão do Folclore e invadiu nossas vidas. O responsável por isso foi João Guimarães Rosa (pudera não!). Como escreve meu mestre Celso Pedro Luft, com uma ponta de inesperada ironia, Rosa decidiu "glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras Estórias. Corriam os anos de 1962. Primeiras estórias ... todos os fãs do mineiro imortal ficaram absolutamente alucinados. E foi estória para cá, estória para lá, estória para todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória". Depois, em 1967 veio Tutaméia, com o subtítulo "Terceiras Estórias", e o póstumo Estas Estórias, publicado em 1969. Muito tem sido escrito sobre a inovação da linguagem rosiana; a sintaxe de seu narrador é, a meu ver, a criação literária do século. No entanto, sou obrigado a observar que, em termos não-literários, essa inovação é zero. Nenhuma das palavras montadas, deformadas ou inventadas por ele jamais será usada, a não ser por imitadores (que já andam escasseando...). É uma linguagem só dele; funciona admiravelmente no universo de sua obra, mas é seu instrumento pessoal, e nunca será nosso. Ouso dizer que a única influência rosiana no Português foi a divulgação desse equívoco que é estória. Tenho certeza de que Guimarães Rosa, místico de quatro costados, entenderia: deve ser vingança dos deuses da Língua.


Resumindo e concluindo. Embora não eu goste de utilizar o termo estória, mas uma vez que a Língua Portuguesa está a ser invadida por termos brasileiros e não só (dizem que faz parte da evolução de uma língua que se quer viva), acabo por me render a este e a outros termos que à força de se lerem e ouvirem, acabam por entrar no nosso dia-a-dia, quer na escrita, quer no modo de falar.

Deixo aberta a discussão a quem achar que o assunto deve ser debatido, porque em Bom português nos entendemos.
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Nota explicativa de CV

(*) - Acho que devo uma justificação à tertúlia pelo facto estar a ir contra as normas vigentes.

As relações entre mim e o ex-Cap Ferreira Neto não são as mesmas que mantenho com os restantes camaradas do Blogue. Eu não consigo abstraír o facto de ter conhecido o Engenheiro Ferreira Neto, há muitos anos, como professor da Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, que frequentei e onde me licenciei para a vida. Daí o meu tratamento de Professor ou Engenheiro e não o tu habitual. Para evitar mal-entendidos, ressalve-se que eu é que impus ao nosso camarada Ferreira Neto esta excepção.

Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

Logótipo do blogue do nosso amigo e camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 . O Victor foi Melec/Aviões/Instrumentos-BA2 EMEL BA2 BA4 BA12 BA5 BA2 AB1. O blogue existe desde Junho de 2007 e tem tido uma crescente aceitação por parte do público-alvo a que se dirige, os antigos especialistas da BA12 (Bissalanca, 1965/74).

Foto: ©
Victor Barata (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


1. Mensagem de Jorge Félix, de 24 de Maio de 2008, publicado no blogue do nosso amigo e camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74:


O Ar quente da Guiné >
223-Jorge Félix
Ex-Alf Pilav Helis
Braga

Caro Victor:

Depois de tanto silêncio, escrevo-te pela terceira vez. Desta feita é por causa de um poste do amigo e camarada José Luis Ribeiro Monteiro que esteve em Bissalanca na mesma altura que eu, Outubro de 68 a Julho de 70. (O post é de 28 de Setembro 2007).

Falam-se de assuntos que eu vivi também e outros de que não estou de acordo. Talvez por já terem passados muitos anos alguns factos são 'adulterados' sem outra intenção que não seja falar duma vivência que parece que aconteceu.

Ora vamos lá aos casos pontuais.

1- Quando o José Monteiro chegou a Bissau já por lá voavam os Fiat. Já tinham abatido um (Ten Coronel Costa Gomes) poucos meses antes. Voavam nessa altura o Cap Vasquez, o Cap Nico e o Ten Cruz, em Fiat.

2- Outra confusão que está a fazer é com o Sarg Honório, excelente piloto, na época a voar somente DO 27.

O Honório nunca voou helicópteros como piloto, e se fizer um esforço de memória lembrará que o Honório passava muitas épocas no destacamento de Nova Lamego, com as DO 27. Quem está ainda vivo e pode dizer quem era o Piloto do Spinola, se é que havia um piloto, é o Sr General Almeida Bruno. Ele deve ter uma memória disso. Pela minha parte não quero ter o epíteto de piloto de ..., mas o certo é que voei muitas e inesquecíveis manobras com os dois Senhores referidos, Capitão Almeida Bruno e Brigadeiro Spínola.

Victor, posta o que melhor entenderes, como fizeste com a minha estória do Borrachão, e dá esta memória ao camarada José Monteiro a quem envio um forte abraço.

Escutámos as mesmas mornas e bebemos da mesma chuva.

Um abraço

Jorge Félix

2. Comentário do editor do blogue, L.G.:

Amigos e camaradas, brancos, pretos e mulatos, gente da nossa Tabnaca Grande:

O Honório é uma figura que perdura na nossa memória. E foi aqui tão oportuna como justamente evocado pelo Alberto Branquinho. Não tanto por ser cabo-verdiano (cuidado com a demasiada ênfase nas questões da 'cor da pele'...), como sobretudo por ser, aos olhos do comum militar no TO da Guiné, um 'gajo maluco', popular, que gostava do seu copo e que fugia um bocado aos cânones do militar-como-mandava-a-puta-da-sapatilha... (Passe, aqui, a expressão que era/é linguagem de caserna...)

Quem é que não ouviu falar dele, do Honório, nomeadamente na Zona Leste ? Não privei pessoalmente com ele, mas viu-o várias vezes em Bambadinca, no período em que lá estive, com a malta da minha CCAÇ 12, entre Junho de 1969 e Março de 1971. E sempre a pilotar a D0 27.

Foi por isso que achei que valia pena criarmos, no nosso blogue, uma série só para os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras... Os primeiros postes podem ir para o Honório, com toda justiça, propriedade e oportunidade... Os próximos para o António Lobato.

Há já material suficiente, incluindo os postes que já foram publicados no blogue do nosso camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné-Bissau 1965/74... Há lá intervenções do Jorge Félix e do J. Mexia Alves (e do Monteiro Ribeiro, melec) que eu recuperei em devido tempo...

Depois pode ser que apareçam mais depoimentos de gente da FAP ou até dos TACV. Gostava de saber, por exemplo, como é que ele lidou com as questões de fractura, conflito e transição: o PAIGC no poder, na Guiné e em Cabo Verde... Como é que ele chega aos TACV, por exemplo...

Por outro lado, temos o nosso Jorge Félix e eventualmente outros Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (o epíteto é um elogio, é um mimo, é uma ternura!) que andam por aí, sem eventualmente quererem ou poderem dar a cara...

Talvez o Jorge e o Victor nos possam ajudar nesta nobre tarefa de 'reabilitar e valorizar a memória dos nossos camaradas da FAP'... Também gostaria de fazer o mesmo para a Marinha, o terceiro ramo das nossas FA... É tempo, de resto, de enterrarmos de vez os nossos estereótipos sobre tropas de elite, topa-macaca, filhos e enteados, ricos e pobres...

Isto sem querer entrar, de modo algum, em competição, antes pelo contrário, com o blogue do Victor, que tem um público-alvo diferente do nosso... e que é um blogue 'especialista' (enquanto o nosso é 'generalista') e com o qual nós queremos manter uma saudável e frutuosa relação de mútuo apoio, de troca e até de complementaridade...

De resto, o Victor (a quem eu saúdo pelo sucesso do seu blogue) sabe bem que não precisa de nos 'pedir licença' para usar os nossos materiais, bastando para tal citar a fonte; e nós faremos o memso sempre que houve notícias que interessem ao pessoal da Tabanca Grande. Um Alfa Bravo. Luís

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 26 de Setembro de 2007, publicado no blogue do Victor Barata, membro da Tabanca Grande,

Uma lufada de ar quente da GUINÉ!
17-Mensagem do José Luis Ribeiro Monteiro
OPC 3ª/66
Bissalanca 1968/1970

Companheiro de armas, Victor.

Por aquilo que tenho lido no teu Blog sobre a Guiné e que retrata uma determinada realidade encontrada por nós e especialmente por ti,e considerando que:
-Estive na BA12,no período de 09.10.68 a 14.07.70;
-Provavelmente e quase de certeza que as condições de Guerra e logística foram diferentes daquelas que eu encontrei, isto é, foram outros tempos, sendo que em termos de guerrilha as que encontraste foram piores;
-Quando cheguei á Base os meios aéreos existentes era o velho T6G, DO27 e Dakota. Só mais tarde chegaram os Fiat G91;
-O tempo passado neste "Teatro" de Guerra foi terrível, nunca mais me hei-de esquecer dele.

Assim começando por falar daquilo que eu assisti em termos de alimentação dir-te-ei que era uma miséria. Quando fui pela primeira vez ao refeitório, fiquei com uma fome dos diabos, não comi nada, mas o espectáculo ficou-me na retina (cabeças de peixe com cigarros a arder na boca e arroz colado ao tecto do referido refeitório). Os nossos camaradas mais velhos matavam a fome com cerveja o que levava a que fossem evacuados para Lisboa com destino ao hospital com doenças do fígado, era uma forma de deixarem a Guiné!

As valetas das ruas da Base estavam sempre cheias de garrafas de cerveja vazias, o que levava a que quando havia ataques simulados à Base, muitos dos nossos camaradas fossem parar á enfermaria com feridas,porque segundo as instruções de defesa que nós somos obrigados a cumprir, passava por sair das camaratas e metermo-nos nas valetas.

Com a chegada e inicio de funções do Coronel Pilav já falecido, Diogo Neto(foi no mesmo avião que eu),começou por se inteirar do que se estava a passar,já que entrávamos no refeitório para não comer. Sendo que e passado pouco tempo deixámos de ir ao refeitório, o que criou alguns problemas ao Capitão encarregue dos refeitórios, somente a Polícia Aérea e o Serviço Geral, porque tinham que fazer formatura,iam.

Para resolver o problema o Comandante da Base demitiu o Capitão encarregue dos refeitórios e nomeou outro.A partir dessa altura passámos a ter uma alimentação muito melhor e eramos tratados doutra forma (o capitão perguntava-nos o que queríamos comer), sendo que por volta das onze horas da manhã tínhamos direito a entrada que consistia em carnes verdes e sumos.

Foi nessa altura que foi reconstruído o bar,parecia mais um Pub que outra coisa. Também foi nessa altura que começaram a construção das infraestrutura desportivas e do novo Centro de Comunicações. Nunca lá operei, já que somente ficou operativo em 1970,altura em que me vim embora, com destino ao GDACI-Monsanto.

Daquilo que tenho lido sobre a guerra, especialmente no que diz respeito às condições, clima e dificuldades devidas á morfologia do terreno [...].

Recordo-me, não sei se em 1969 se em 1970,de uma viagem que o General Spinola fez a Lisboa,esteve ausente da Guiné um mês,constando que tinha sido preso por querer dar a independência,com negociação com Amílcar Cabral, por se julgar na altura que nunca íamos vencer a guerra.

De vez em quando havia festa na Base em que actuava o conjunto A Voz de Cabo Verde e num certo dia disseram-nos que a Amália Rodrigues e outros artistas iriam lá actuar, ficámos muito satisfeitos, simplesmente essa actuação não se chegou a realizar, porque tinha havido um massacre de um dos majores e, se não estou em erro, capitães e motoristas, para os lados de Serpa Pinto, pela Fling, outro movimento existente na Guiné. Iam ter uma reunião com o o PAIGC, aliás,o Gen Spínola,tinha reuniões de vez enquanto com eles.´Quase todas as manhãs saía de Helicóptero, cujo o piloto era o Sarg Honório,caboverdiano, já falecido.

Do Teatro de guerra na Guiné, no período que lá esteve, assisti a ataques constantes dos chamados terroristas,ataques esses que não ficavam sem resposta,quer pela Força Aérea, incluindo os pára-quedistas,quer pelas outras forças no terreno. Foram milhares de toneladas de bombas as lançadas e também,material de guerra apreendido aos guerrilheiros, possuía fotografias desse material. Nesse período,os guerrilheiros já possuíam misseis terra-ar, o que se tornava difícil para os meios aéreos no terreno. Felizmente nenhum avião foi abatido, porque havia constantes bombardeamentos diurnos e nocturnos às bases dos guerrilheiros, especialmente Madina de Boé,onde eles declararam a independência e outras localidades como Guileje, Gadamael, Farim e ainda outras que não me recordo do nome.

Lembro o Cap Pilav Nico, actualmente Gen Pilav ,que não dava descanso aos Fiat, muitas vezes,quando estava de serviço às operações,comunicava ao dito que havia ataques em tal sitio, ele pedia autorização ao Comandante Diogo Neto ou era eu a solicitar,por ordem dele,autorização para levantar voo com o Fiat G91.Era certo que mal ele levantava da pista acabava o ataque,o que induz que havia informadores infiltrados na BA12 ou nas proximidades, na aldeia de Bissalanca.

De qualquer forma pelo andar da carruagem, tinha-se a noção de que a guerra ia acabar o mais rápido possível. Não foi mais cedo porque Lisboa não deixou e nós é que pagámos as favas [...].

Depois de ter estado na Guiné e regressado a Lisboa,e quando passei á disponibilidade,fui para Angola [...].

José Luís Monteiro Ribeiro
OPC 3ª/66

(**) Resposta do J. L. Monteiro Ribeiro, publicado no mesmo blogue, em 25 de Maio de 2008:


QUE BONITO!

226-José Ribeiro
Ex-Esp Opcart Guiné
Lisboa
BA12


Amigo, Victor Barata.

Depois de lida a mensagem do amigo Jorge Félix, julgo de me pronunciar sobre o conteúdo da mesma (...):

Quanto ao que [disse] o ex-camarada de armas, piloto de helicópteros, Jorge Félix, tenho que agradecer as correcções feitas pelo ele ao texto por mim elaborado e publicitado por ti.

É um facto que muitas das realidades que nós assistimos enquanto militares em África – porque não muito marcantes – são às vezes um pouco modificados pelo tempo passado da ocorrência e o de hoje. Chama-se a isso lapsos de memória.

De qualquer forma, tendo em atenção a correcção bem feita pelo ex – camarada de armas, Jorge Félix, em dois aspectos referidos por mim, há que considerar o seguinte:

- No que se refere ao falecido Sargento, Honório, falava-se na Base que era o piloto do General Spínola – afinal não era, como referiu o amigo Jorge;

- Em relação aos Fiat G91, quando cheguei à Base pouco ou nada os vi operar. Ainda possuo uma foto da primeira (julgo) aterragem de um F91 na ex-BA12. Os T6 eram os mais operacionais, daquilo que me apercebi. Progressivamente estes aviões deixaram de operar. Não me lembro se quando me vim embora algum ainda operava.

O falecido sargento piloto, Honório, era um artista. Quando vinha de Nova Lamego, em regra, aterrava com o motor da DO27 desligado. Segundo constou na altura, foi algumas vezes chamado à atenção pelo facto.

Lembro-me do capitão piloto Monteiro, segundo ouvi dizer já falecido em Portugal em desastre aéreo. Foi atingido várias vezes em ataques aéreos. Uma vez fui ver o Fiat G91, estava todo furado por balas, sendo que conseguiu trazê-lo até à Base e aterrar em segurança.

Também me lembro do capitão piloto Rodrigues e do cabo especialista MAE, não me lembro do nome, mortos no desastre em Bafatá, contra uma antena de rádio, senão estou em erro, não havendo na altura qualquer hipóteses de os salvar (morreram queimados).

José Luís Monteiro Ribeiro, OPC 3ª/66.

Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, a quem já não vejo desde há alguns tempos (*). Tenho perguntado por ele às suas antigas alunas (!), quer as do saudoso Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa bem como as da Lusófona...

Todas (!) me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá...

Jorge, quero confidenciar-te que aproveito sempre o ensejo para lhes dizer, às tuas ex-alunas, que eu sou teu amigo e admirador... E que é sempre dia de festa e de alegria quando nos manda uma das tuas magistrais short stories... Não te esqueças que te comprometeste a mandar-nos meia centena... Com estas duas últimas, chegamos à nº 39 (**)... O blogue quer publicar-te o livrinho... Eu sei que a tua produção é escassa, mas de primeira água. E que as tuas musas inspiradoras não trabalham propriamente ao ritmo da linha de produção automóvel... Dito isto, aqui vai um grande Alfa Bravo para ti... e para as tuas musas. LG

Amigos,

Tirei férias do computador… E só agora voltei ao nosso Blogue. Envio duas 'estórias' [ Alferes roncador e a amofada; O marido das senhoras] e,
Grande Abraço
Jorge Cabral


PS: Continuo roncador! Quanto ao devoto furriel, claro que não se chamava Paiva.



2. Estórias cabralianas (38) > O Alferes roncador e a almofada
por Jorge Cabral


Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo, audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.

Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca.

Despertei, disfarcei… e ninguém me disse nada.

No dia seguinte, quando me preparava para de novo ir montar segurança, o Monteiro, um pouco atrapalhado, fez-me entrega de um bornal, dizendo-me:
- Tem uma almofada para o meu alferes encostar a cabeça.

Percebi, agradeci e foi remédio santo. Desde então, nunca mais deixei de usar o tal bornal.

Creio que foi em Maio de 71 que os Paras saltaram em Missirá com destino a Madina. Com eles e não sei porquê, também ia eu por ordem do Polidoro. Chegaram e logo notei que a minha ida não era do agrado do Capitão.

Aliás ao ver-me, franziu a testa e deve ter pensado:
- Porra, mas para que preciso deste gajo? - E com razão!

Apresentei-me, como de costume, de galões, sem arma, com o meu pingalim prateado…

Partimos e a uns três quilómetros fomos sobressaltados pelo restolhar do mato. Vem aí alguém!... Os Paras pararam e prepararam-se para o pior… Felizmente antes de ver, ouviu-se:
- Alfero, alfero!!! A almofada!
- Almofada? – interrogaram o Capitão e a Companhia inteira.

Só eu entendi. O meu fiel Soldado Mamadú cumprira mais uma missão.

Jorge Cabral

________

Notas de L.G.:

(*) Ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 . Actualmente, jurista e professor universitário. Vive em Lisboa.

(**) Vd. último poste da série > 9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...

Não venho falar de mim...nem do meu umbigo (7) (1)

por Alberto Branquinho, ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)


Recordando o piloto-aviador HONÓRIO (2)


O Honório, já falecido, que, quando saiu da Força Aérea, seria sargento piloto-aviador, cumpriu, pelo menos, duas comissões na Guiné. Era natural da Cidade da Praia, na, agora, República Democrática de Cabo Verde.
Foi uma figura quase mítica durante os anos que esteve na Guiné ao serviço da FAP. Após a independência de Cabo Verde e depois de várias vicissitudes, acabou por ser piloto e comandante de voo da companhia de aviação da sua terra natal – Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV).
Na Guiné era conhecido (pelo menos pelo seu nome) por toda a tropa rastejante. Sempre que uma coluna era sobrevoada a baixa altitude por um FIAT, desaparecendo imediatamente para além das copas das árvores, os soldados rompiam aos gritos de: “- Ah Honore! “ ou de: “- Ah Honoro!”, enquanto agitavam os quicos por cima das cabeças.
O zunir dos motores de um FIAT, que voasse baixo, era (naturalmente!) pilotado pelo Honório (3) e por mais ninguém. Não tinham dúvidas. Os T6 que ronronavam lá bem em cima (e que o Honório também pilotava), para o pessoal rastejante nada tinham a ver com o Honório. Eram outros pilotos…
- O Leixões disse que viu o Honore em Bambadinca e que ele é preto.
- Ele não disse que era preto. Disse que era mulato.
- Eu não acredito!
O racismo primário de quem saiu de uma aldeia do interior português para aquele teatro africano (sem ter passado, previamente, por Bissau), não admitia que "um aviador com aquela categoria" pudesse ser "preto".
A dúvida permaneceu, mas sempre que um silvo, seguido do zunir dos motores de um FIAT lhes sobrevoava as cabeças quando atravessavam uma bolanha, lá vinham, espontâneos e sem reservas, os gritos:
– Ah Honore !
– Ah Honor!
Os quicos voavam, o peito enchia-se de ar e, até, as cabeças seguiam mais alevantadas.
__________

Notas de vb:

(2) Também conheci o Honório. Em 1965/66 era Furriel Pil Av. Dava-nos apoio aéreo nos T6 e levava correio e mantimentos nas DO aonde fosse preciso. Era muito estimado pelo pessoal apeado. Abaixo segue transcrição de parte do relatório de uma das operações em que o Honório deu apoio aéreo:

-"6/04/66, Op. 'Olinda', Buba. Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabia-se que o mesmo itinerário se encontrava minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois já nele tinha sido accionada uma mina a/p.
"O acampamento de Buba Tombó servia de ligação entre as bases de Antuane e Injassane para os reabastecimentos IN e cortava a estrada em Buba e Fulacunda. Não havia guia para o acampamento, apenas guias da zona. O grupo de comandos, constituído por 15 homens, saiu de Buba às 21h20, iniciando a progressão pela estrada na direcção a Buba Tombó. A cerca de 3 kms desta decidiu-se aguardar o amanhecer e procurar um caminho que o conduzisse ao acampamento. O grupo fez várias pontuadas mas teve de regressar devido à densa vegetação impedir a progressão.
"Os T-6 surgiram pouco antes das 07h00. Procurou estabelecer-se a ligação rádio, o que não foi possível porque as frequências tinham sido alteradas, sem conhecimento das forças terrestres envolvidas. Estabelecida finalmente a ligação, mas os indicativos também não estavam certos. Os T-6 começaram a picar sobre a base o que levou o grupo a procurar abrigos (...) Com as frequências e os indicativos alterados, não havia a certeza de que os pilotos tivessem identificado as posições do grupo. Os T-6 afastaram-se, regressando momentos depois. Pelo diálogo travado entre os pilotos, concluiu-se que iriam abandonar a zona e recolher a Bissau.
"O grupo de comandos, não encontrando o trilho de acesso ao acampamento, tentou encontrá-lo através da mata. Às 7h15 foi avistado um elemento IN que disparou uma rajada de PPSH sobre as NT, atingindo gravemente um soldado no ventre. Foi passada busca às casas e recolheu-se o material encontrado. O acampamento era constituído por duas moranças, com 12 camas numa e 8 noutra, com abrigos cavados no terreno à volta. Não sendo possível evacuar o ferido no local, foi o mesmo transportado a corta-mato, enquanto o IN fazia fogo de morteiro e de RPG sobre o acampamento. Os T-6 voltaram à zona, quando as NT se encontravam já a cerca de 3 kms de Buba."

(3) Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.