quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3845: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (19): O aniversário do Cabo Tomé

1. Mensagem de Alberto Branquinho, ex-Alf Mil da CArt 1689, Guiné 1967/69, com data de 2 de Fevereiro de 2009:

Caros Editores

Junto o texto do UMBIGO nº. 19, com os agradecimentos de continuarem a aceitar o título da série.

Três abraços
Alberto Branquinho



2. NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (19)

O ANIVERSÁRIO DO CABO TOMÉ


- Eh pá! Deu a “maluca” ao Tomé. Ele vem aí.
- Qual “maluca”… Ele está é com uma “cardina” que nem se endireita.

O cabo Tomé aproximava-se daquele espaço chamado “bar”, feito de tábuas e de chapas de zinco. Vinha em tronco nu, debaixo de uma chuva contínua e miudinha, que há um mês caía sem parar. Trazia um guarda-chuva aberto, quase sem pano, na mão esquerda e uma garrafa de cerveja na mão direita. Tinha as divisas de cabo penduradas das orelhas. E berrava:
- Cá o filho da Marianinha é maior. Não há pai para ele.

Repetia e repetia o discurso. E cantava:
- “Ó rosa, ó linda rosa, ó rosa da Alexandria, tu és a mais linda rosa…

O cabo festejava, assim, os vinte e três anos.

Não entrou no bar e atravessava a parada, em chinelos, calções e tronco nu, pisando água e lama. Sentia-se grande, agigantado pelo álcool, com a água a correr por ele abaixo. Sentia a cabeça do tamanho do rebentamento de uma granada de obus, a ferver, a ferver e a pôr-lhe à frente dos olhos pataniscas de bichas-de-rabear.

Era um entardecer cor de chumbo, com pequenas pinceladas de amarelo-rosa no horizonte, por cima da cobertura de zinco da caserna.

- Ó rosa, ó linda rosa, ó rosa… Anda uma mãe a criar um filho… p’ra… p’ra…

Tropeçou e caiu de joelhos na lama, apoiado no cotovelo direito. Tentou levantar-se, mas o pé direito fugiu-lhe muito lá para trás. Até pareceu que o pé lhe ia fugir do corpo. Agarrou o pé com a mão direita e fugiu a garrafa. Puxou o pé, puxou, puxou, perdeu o equilíbrio, caiu sobre o lado direito e, depois, ficou deitado de costas. Ouviram-se gargalhadas do pessoal que, em volta e debaixo dos telheiros, observava a cena.

O Tomé atirou o guarda-chuva. Tentou abrir a braguilha, não conseguiu e rebolou sobre si mesmo, rindo, rindo. Cheio de lama, voltou a tentar abrir a braguilha, mas não conseguia.

- Quero mijar. Eh pá, abram-me aqui isto, qu’eu quero mijar.

Dois ou três tentaram levantá-lo.

- Eh pá, eu só quero mijar.

Com a ajuda conseguiu levantar-se. Os que o ajudaram correram para debaixo dos telheiros. Conseguiu abrir a braguilha e, com a mão direita, procurava, procurava dentro dos calções, em dificuldades de equilíbrio.

- Perdi a picha. Perdi a picha.

Ajoelhou-se e desatou a chorar:
- Perdi a picha. Perdi a picha. Ai minha mãezinha…

Levantou-se, escorregou na lama e caiu de novo.

- Sou um desgraçado! O filho da Marianinha… Mãe, mãe, cortaram-me a gaita!

Chorava, chorava. As lágrimas corriam pela cara, misturadas com chuva e ranho. Tossia, tossia, engasgou-se e desatou a vomitar. Acudiram-lhe de novo.

Vomitava aos arrancos e estremecia-lhe todo o corpo. Levaram-no, amparado pelos sovacos.

Colocaram-no debaixo da água do “chuveiro” que corria dos bidões, ao lado da caserna. Deitaram-no na cama, ainda molhado. Chorava abraçado aos mais próximos, entre risos de uns e críticas de outros.

- Este gajo é sempre a mesma merda.
- Sou uma merda. É, sou uma merda… Mas não vou mais p’ró mato. Nã é Zé? A gente nã vai mais p’ró mato, nã é Zé?

O Zé abanou a cabeça, concordando. O Tomé agarrou-o pelo pescoço, puxou e deu-lhe um beijo na cara.

- A gente nã vai mais p’ró mato. Que vá o capitão, que leve o comandante e os oficiais todos. Que se fodam. P’ra que é a guerra? P’ra ganhar a taça? Que se foda a taça. Andamos aos tiros p’rás árvores. Os cabrões dos turras pintam-se de verde. Nã é Zé? A gente nem os vê. Deixa vir o alferes: - “Ó Tomé, tu hoje levas a basuca.” – “Leve-a você”.

- Vá pá, tem calma. Vou-te buscar uma Pérrier.
- Água?! Arranja-me uma cerveja.
- Não. Tu já bebeste muito.
- Apetece-me apanhar chuva.
- Não, tens que dormir. Faz-te bem.
- Dormir? Ah Zé, a gente nã vai mais p’ró mato. Que se fodam. Um gajo quase na “peluda” e ir p’rá Metrópole num sobretudo de pau.

Teve um vómito e sujou a almofada.

- Deixa lá. Está na hora do jantar. Queres que te traga alguma coisa?
- Nã. Não.

Ficava mais calmo. Adormecia. O outro foi jantar.

No telheiro grande, coberto de zinco, que servia de refeitório, amontoavam-se para o jantar, apupando o cozinheiro.

- Ide-vos foder! ‘Ó tempo que não há frescos…

No meio do barulho das conversas ouviram-se, lá longe, para norte o som das “saídas” de granadas de morteiro pesado e de canhão.

Num instante era uma barafunda. Corriam aos magotes em varias direcções, para as armas pesadas, para os abrigos, em busca das G-3s e cartucheiras, para os abrigos. As primeiras granadas começaram a assobiar por cima das cabeças, seguidas dos rebentamentos e dos ruídos que parecem loiça a partir-se.

Gritos, ordens, cheiro intenso, excitante a explosivos, pó, fumo, mais rebentamentos, gritos e mais gritos. Duas ou três granadas caíram dentro do quartel, voaram coberturas de zinco em placas retorcidas, pedaços de tijolo e cimento, vidros partidos. Um barracão começou a arder.

Dois grupos saíram a correr, pelas portas norte e leste, para cortarem caminhos de acesso. Parecia que o pandemónio nunca mais parava.

Começou a diminuir o fogo. Só pequenas rajadas de arma ligeira e vozes que interpelavam ou berravam ordens. Vultos apagavam o fogo com baldes de água. A serenidade voltou aos poucos. Havia movimentações para o posto de socorros. Alguns comeram como puderam o que, frio, ficara a aguardar nos pratos. Outros não saíram tão depressa dos postos ou dos abrigos.

Quando os primeiros voltaram à caserna, viram o cabo Tomé mesmo à entrada, nu, deitado de costas, de olhos espantados, como que olhando o tecto de zinco, retorcido, enquanto um fio de sangue lhe escorria do lado esquerdo da boca, passava pelo pescoço e fazia uma poça de sangue debaixo da cabeça.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3805: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (18): O doutor não tem um remédio para a guerra?

Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)

1. Mensagem João Carlos Sousa Silva, Cabo Especialista MMA na BA6, com data de 1 de Fevereiro de 2009: Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote, Sei que estarão assoberbados de mensagens, mas, após vários meses de leitura diária do vosso blog, decidi hoje passar para o papel (digo computador) algumas ideias que me têm ocorrido e que gostaria de partilhar. Para quando tiverem alguma disponibilidade. Partilho esta mensagem com o meu companheiro Victor Barata pois foi através do seu blog Especialistas da BA12 que aprendi mais coisas sobre este tema (e é portanto também para ele esta mensagem), com quem já partilhei algumas ideias e que cheguei ao vosso blog. Junto envio fotografia (para a fotografia) na linha da frente da esquadra 301, na BA6 Montijo.

De Nada a Forte Gente se Temia – Lema da esquadra 301 Jaguares Saudações Especiais, João Carlos Silva, MMA, Jaguares (FIAT G-91), 2ª/79 2. Em primeiro lugar apresento-me, sou o João Carlos Silva “alfacinha” de gema pois nasci na “velha” rua da Palma (sabem aquele Fado “…ai Mouraria da velha rua da Palma…”, pois é essa mesmo) e vivi 24 anos na Freguesia dos Anjos. Actualmente (há quase outros tantos) resido no concelho de Almada (sempre com Lisboa à vista…, ou quase). Militarmente falando, servi na Força Aérea Portuguesa de 1979 a 1982, como cabo Especialista MMA na BA6, na esquadra 301 onde operavam os FIAT G-91 (esquadra criada em 1978, antes disso e desde Agosto de 1974 era a esquadra 62 com as aeronaves vindas do Ultramar e da BA5, in Historial da Esquadra 301). Resumidamente, comecei na Manutenção (como era da praxe) tendo posteriormente trabalhado sempre na Linha da Frente. Faço parte da tertúlia da linha da frente do blog Especialistas da BA 12 do companheiro Victor Barata, pelas razões que expresso nesta mensagem e porque ele (e restantes companheiros) me acolheu nesse espaço de forma generosa. Porquê esta minha “atabalhoada” mensagem ? Bom, por várias razões. A principal, como se vocês precisassem com quase 1 milhão de visitantes desde Abril de 2005, será porque quero partilhar convosco o que pode sentir (por isso a objectividade não será o forte deste texto) alguém que não esteve na Guerra Colonial por via da idade. Como é que chegamos aqui ? Bem, eu lembro-me bem de quando “miúdo” pensar, com bastante receio, que em breve seria a minha vez de avançar para África no cumprimento de um dever que afectava toda uma geração de jovens portugueses (e também de jovens guineenses, só agora tenho essa percepção, o vosso blog também tem essa virtude). Para este sentimento muito contribuiu a comissão do meu primo Victor Condeço (membro da vossa Tabanca Grande) por terras da Guiné, mais concretamente em Catió, e especialmente quando o fomos esperar ao cais da Rocha Conde de Óbidos em Alcântara. Além disso, tenho vagas memórias das preocupações porque passava a família. Adicionalmente, tenho um outro parente, por parte da minha mulher, que serviu na Marinha e teve 2 comissões na Guiné, operando nas lanchas naqueles perigosos rios. Mais recentemente, constatei que dois antigos colegas meus de trabalho fazem parte da Tabanca Grande, o Raul Albino e o António Matos (Garcia de Matos). Provavelmente não se lembrarão de mim, mas, eu como mais “moderno”, lembro-me deles. Depois, porque tenho vindo a absorver toda a informação e especialmente nos últimos dias me chamaram especial atenção algumas mensagens. Por exemplo, o complexo tema de Guiledje, como podem existir visões tão distintas sobre os mesmos acontecimentos, as mensagens do António Martins de Matos e a resposta de Nuno Rubim na mensagem 3811, a mensagem 3816 do Miguel Pessoa, que muito bem dizes em comentário “Na América já estavas no cinema…em Portugal, nem sequer te (re)conhecem…”, a mensagem 3820 do Joaquim Mexia Alves, com a qual eu concordo bastante, e a mensagem 3824 do Virgínio Briote (comentário à mensagem 3820 do Mexia Alves). Bom, eu leio tudo isto e fico preso a estes relatos que muitos dos mais jovens simplesmente ignoram ou não fazem ideia porque parece que foi considerado tabú (ver mensagem 3824 do Virgínio Briote). É notável o número de visitantes que a vossa Tabanca Grande tem tido, reflexo significativo da importância que tem este assunto da Guerra Colonial e da possibilidade de os protagonistas expressarem a sua visão e os seus sentimentos. É de louvar os contributos na primeira pessoa e a dedicação dos Editores do blog que permitem que todas estas mensagens cheguem a todos nós e que possam ficar registadas para que os vindouros venham a conhecer, assimilar e respeitar o passado. Não é possível criar uma identidade sem considerar o passado. De certeza que já receberam, refiro-me a malta mais “moderna”, inúmeras manifestações de respeito e admiração pela missão cumprida no meio de todos estes sacrifícios físicos e psicológicos, no entanto, nesta sociedade actual em que muitos fazem gala em “rotular”, rebaixar ou tentar anular, os parceiros do lado sem sequer se darem ao trabalho de os conhecer (profissionalmente ou pessoalmente) apenas por um alegado espírito de competitividade aplicado superficialmente e sem nexo e que não sei aonde nos vai levar (parece que não está a dar resultado), faço questão de transmitir de forma muito clara o meu respeito e admiração por todos os ex-combatentes e às respectivas famílias que tanto sofreram. De Nada a Forte Gente se Temia – Lema da esquadra 301 Jaguares Saudações Especiais, João Carlos Silva, MMA, Jaguares (FIAT G-91), 2ª/79 3. Comentário de CV Caro João Carlos Silva, obrigado pelos teus comentários ao nosso Blogue, que representam para nós a certeza de que estamos a chegar a gente mais nova, que viveu um tempo em que já não era necessário ir combater na Guerra Colonial.

O facto de nos leres e te interessares por acontecimentos que, aparentemente, não te dizem respeito, faz com que te convidemos a fazeres parte da Tabanca Grande, como camarada não combatente, mas não menos importante. Esperamos que nos vás transmitindo as tuas impressões desinteressadas e desapaixonadas, qualidades próprias de quem como tu não participou na guerra. Esperamos notícias tuas, quanto à adesão à Tabanca. Envia-nos uma foto actual e outra do teu tempo de Cabo Especialista da FA, já que a que eu editei não tem grande qualidade. Para ti, um abraço da Tertúlia __________ Nota de CV: Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

Guiné 63/74 - P3843: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (III): Mafra, Maio/Junho de 1964

Diário de Guerra

de Cristóvão de Aguiar

Enviado por José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70). Revisão e fixação do texto: vb.

1964

Maio, 1 – Fala-se numa possível revolução no dia de hoje.

Até agora, nada. Mas, apesar de ser boato, as forças da ordem estão em vigilân­cia abso­luta nos quartéis, de onde ninguém pode sair. Nem nós, instruendos do C.O.M., te­mos dis­pensa.

Maio, 2 – Estes instrutores militares são de uma crueldade mazi­nha.

Aos sábados e às segundas-feiras, a instrução é sempre mais dura do que nos ou­tros dias, para que o fim-de-semana fique estragado, sobretudo para quem o vai passar para fora de Mafra, e não dorme na noite de domingo para segunda.
Hoje, sábado, por exemplo, o meu pelotão foi para o C.E.M.E.F.E.D., mesmo ao pé do Convento, para fazermos o pórtico. Este consiste em uma estrutura de cimento armado, com mais de três metros de altura, no cimo da qual existe um rectângulo formado por vigas com não mais do que trinta centímetros de largura.

O exercício consistia em subir lá para cima por umas escadinhas, com a espingarda, e de­pois andarmos com a arma poisada em ambas as mãos para nos equilibrarmos. Por vezes em passo acelerado.
Recusei-me a fazer tal exercício. Eu e alguns mais. Sinto vertigens e não estava para me estatelar de tal altura no chão duro e ficar maltratado para o resto da vida. O alferes não reagiu mal à recusa. Apenas disse que teríamos, no final do curso, nota mais baixa. Que se lixe a nota e o brio militar. Mas, a maior parte do pelotão, lá subiu e fez tudo quanto lhe foi ordenado. Só de os ver cá de baixo arrepiava. Ainda para mais com chuva e lama...

Às segundas-feiras, iniciamos a instrução com um cross de muitos quilómetros, espingarda em bandoleira, para anular o descanso (?) do fim-de-semana. Puta de vida esta! E a procissão ainda vai no adro...

Maio, 6 – Mudei de caserna há duas semanas.

Meti uma pre­tensão es­crita ao comandante de companhia, que, entretanto, foi promovido a capi­tão. O meu pedido foi deferido. O Vítor Branco é agora meu companheiro. As nos­sas ta­rimbas fi­cam rente uma à outra, perto da entrada dos lavatórios e retretes.

Hoje à noite, vão apare­cer, lá dentro, panfletos revolucionários das JAPs (Juntas de Acção Patriótica). Há bo­cado, ao entrar na porta-de-armas, não sei como não deu o oficial de dia pela minha bar­rigona de grá­vida de mui­tos me­ses. Quando me apa­nhei cá dentro, até suspi­rei de alívio. O No­gueira e Silva é muito mais calmo do que eu. O Vítor nem se fala. E o Camargo, ape­sar de nervoso, também disfarça muito bem.

Maio, 7 – Ainda não tinha tocado a alvorada e já o oficial de dia estava na caserna a passar revista aos cacifos.

Fingi que estava a dormir, mas ele aba­nou-me e lá lhe fui abrir o meu. E lá foi rosnando, entre dentes:
- Há por aí uns sa­ca­nas de uns gajos que querem pôr o quartel em polvorosa; apareceram uns panfle­tos comunistas em várias instalações sanitárias, mas ainda se vão foder todos que é um re­galo.
Fiz-me desentendido e, depois da revista, voltei para o beli­che. Não apa­nhou rastro de panfletos em ne­nhum dos cacifos da caserna. O Vítor Branco sorriu para mim, à socapa. Guardo o caderninho destes apontamentos de­baixo do colchão e nunca me esqueço de o levar para Coimbra. Qualquer dia ainda me lixo.

Coimbra, Maio, 10 – Resolvi deixar o caderninho deste diário bem guar­dado na minha República, aqui em Coimbra.

Daqui em diante, vou passar a es­crever em folhas soltas. Depois, trago-as comigo todos os fins-de-se­mana, para as juntar ao caderno. O seguro morreu de velho.

Mafra, Maio, 13 – Hoje, numa aula conjunta de filosofia militar, cha­me­mos-lhe assim, com todas as companhias do C.O.M., o major encarre­gado da pre­lec­ção semanal passou parte do tempo a falar sobre subversão nos quartéis.

Arengou so­bre os inimigos da Pátria e, como exemplo de subversão, leu um pan­fleto que tinha aparecido há dias nas instalações sanitárias das três casernas dos ca­detes. Pediu-nos a todos vigilância sobre o inimigo que já se en­contrava entre nós e in­centi­vou-nos à sua denúncia, que a Pátria em armas as­sim o exigia de seus filhos legítimos.

Maio, 20 – Mais panfletos, desta vez comentando os comen­tá­rios do nosso major na última aula de quarta-feira e inci­tando os cadetes à subver­são.

Es­tava mesmo bem escrito. Na aula da semana que vem, com o major e com to­das as compa­nhias do C.O.M. juntas, não posso ficar ao pé dos meus ami­gos. É uma questão de precau­ção.

Junho, 10 – Apesar do feriado, não fui a Coim­bra.

Passei o dia por aí. De manhã fui ao café Frederico e, sem querer, vi a parada militar na tele­vi­são. Até me arrepiei. Sobretudo com as conde­corações póstumas.
A tarde, passei-a no quartel com o Nogueira e Silva, que se encontra castigado. O co­mandante da uni­dade, um coronel ti­rocinado, deu-lhe uma punição de três fins-de-se­mana sem sair.

Há dias, numa livraria da Vila, estava o Nogueira e Silva a ver livros ao lado de um sujeito à paisana. Às tantas, esse senhor, vira-se para o ca­dete pitosga e dis­para:
– O nosso cadete não me conhece? – Resposta pronta do Nogueira e Silva, esten­dendo-lhe a mão:
– Não, não tenho esse prazer, mas apre­sento-me, sou fu­lano. – O ho­mem não gostou e disse-lhe: – Com­pa­reça no meu gabinete ama­nhã de manhã, sem falta; não sabe que, pelo Regu­lamento Militar, é obrigado a co­nhe­cer o seu co­man­dante?

Junho, 19 – Iniciámos a semana de campo.

Viemos de Ma­fra até à Praia de Santa Cruz, a pé, com a mochila às costas e a espingarda em ban­do­leira. Es­tamos acampados nuns pinhais não muito longe do areal. Cheguei com os pés es­fo­la­dos. Felizmente que hoje à noite não estou de guarda. Posso ir dormir para a tenda, que compartilho com o Júlio Freches. Dormir ves­tido, claro. Só se descalçam as botas.

Junho, 24 – Ontem à noite estivemos brincando à guerra.

Es­tive de sentinela ao acampamento. Havia-as de vinte em vinte metros, formando um cor­dão à volta do aquartelamento de campanha. Escuro que nem breu. Não se re­conhe­cia um vulto.
A dado mo­mento, sinto aproximar-se uma patrulha. Dou voz de alto e de ime­diato debitei a senha para que o comandante da pa­trulha me respon­desse com a con­tra-senha. Só assim lhe poderia dar autorização para prosse­guir.

Tinha-se es­quecido dela e eu não quis deixá-lo passar. Mas o capitão vinha também integrado na patrulha, ape­nas para ver como se portavam os homens da sua com­pa­nhia. Soube-o, não porque o ti­vesse visto, reconheci-o tão-só pela voz. Disse-me ele então:
– Deixe lá passar, nosso ca­dete e apre­sente-se amanhã de manhã junto da tenda do co­mando. –

Logo que termi­nou o exer­cício e clareou o dia, fui-me apresentar ao capitão. Só me queria co­nhecer. Fi­quei fulo comigo mesmo por ter sido tão milita­rista e tive algum nojo de mim... Afi­nal, a la­va­gem a que eu e os meus cama­radas havía­mos sido sujeitos durante cinco meses estava dando os seus frutos.

Junho, 26 – Terminou a semana de campo.

Regressámos em duas colunas, uma de cada lado das bermas da estra­da, mochila às cos­tas e es­pin­garda em bandoleira, caminhamos em direcção ao convento. Vem toda a gente der­reada, os pés em ferida, o corpo empastado de suor velho.

À entrada da Vila de Mafra vejo o casa­rão pesado e ba­lofo e até se me exulta o coração como se regres­sasse a casa após uma longa au­sência. Antes de chegarmos à porta-de-armas, ouve-se a Banda do Regi­mento. To­ca para nós marchas militares.

E não é que os nossos pés ganham le­veza, as feri­das se ca­la­m, o peito se ergue, os bra­ços pegam de fen­der o ar com altivez e dos olhos re­bentam lá­grimas de um prazer sensual?
Ao pas­sarmos em continência ao lado da Banda Regi­men­tal já não somos os mesmos maltrapi­lhos que regressam alquebra­dos de um teatro simulado de guerra.

Creio que fo­ram os Espartanos que ganharam uma batalha, com um general coxo e gago, que os Atenienses lhes haviam mandado por escárnio. En­quanto lutavam, o gene­ral can­tava-lhes, com a afinação dos gagos, cantos bélicos que enchiam os guerrei­ros de ânimo. Foi o meu velho pro­fessor de História do terceiro ano, o Doutor Ruy Galvão de Carvalho, quem nos con­tou este episódio.

Junho, 28 – Juramento de Bandeira em frente do Convento de Mafra.

Não só não junto a minha voz ao coro, como também faço figas... Juro o raio que os parta! Fim do primeiro ciclo de instrução. A especialida­de são mais dois me­ses. Ao todo sete. É demais. É este o primeiro curso que tem tamanha duração.

O Estado Maior justificou o prolonga­mento por se tratar de oficiais que vão ter a res­pon­sabili­dade de co­mandar homens em teatro de guerra. E cinco meses de ins­tru­ção, in­cluindo recruta e especialidade, como vinha sendo praticado até agora, era pouco tempo. Vou continuar em Mafra, que a minha es­pecialidade é a de atirador de infan­taria. Nem os testes psico-técnicos, aos quais respondi com sinceridade, me valeram.

Muitos cama­radas vão para outras uni­dades receber a instrução, con­soante a espe­cialidade que lhes ca­lhou. Os que entraram para a Força Aé­rea foram os mais sortu­dos. No sorteio que há dias se fez, tirei o número quarenta e sete. Como eram sessenta os cadetes pedi­dos ao Exército pela Força Aérea, deviam ser para lá trans­feridos os que haviam ti­rado os primeiros sessenta algarismos, isto segundo o crité­rio de sorteios ante­ri­ores.

Ainda ali­mentei grandes esperanças e esfreguei as mãos de contenta­mento durante algum tempo. Mas, dias depois, viu-se perfeitamente o crité­rio seguido. Primeiro, as cunhas. E, para não dar muito nas vistas, os dois ou três números mais próximos delas.

Por exemplo, entraram para a aviação o 70, 71, 72, depois o 19, 20, 21, depois o 120, 121, 122, e assim por diante, sem qualquer ordem ou aparente critério. Ninguém deu pio, mas toda a gente perce­beu. O Ca­margo e o Vítor Branco tiveram sorte e lá vão para a Ota dentro de dias. O nosso grupinho desmanchou-se, cada um para seu lado, ligações corta­das. Com a queda há semanas de Nikita Krutchev baral­ha­ram-se muitos espíri­tos.

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Notas de vb:

Último artigo do Diário de Guerra, do Cristóvão de Aguiar em

3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3838: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (II): Mafra, Fevereiro/Março de 1964

Guiné 63/74 - P3842: Tabanca Grande (111): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622, Guiné 1966/68

1. Mensagem de José Brás, ex-Fur Mil TRMSda CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, com data de 2 de Fevereiro de 2009: 

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal

Enviei a 19 do mês passado, como digo abaixo numa 2.ª via enviada a 27.01.09, um texto em jeito de “carta (entre)aberta a Joaquim Mexia Alves.

Nesse meu texto mostrava a minha visão sobre a questão da “guerra” através da oportunidade “Guilege”.

Não é um texto, segundo creio, nem ofensivo nem muito (e polemicamente) contrário ao do JMA, já que, deplorando profundamente aquela parte da história do meu (nosso) País na tendência de uma perspectiva universalista (perdoem a pretensão) do homem, do passado e do futuro do homem, que tenho tentado manter, não recuso falar dos actos militares, a bravura, o heroísmo, mesmo, de alguns, direi, da maior parte que sofreu a dureza do isolamento, do cerco psicológico e de facto, algumas vezes a fome, o choro pelos mortos e a incompreensão sobre aquilo tudo.

Nem recuso o debate sobre vitórias e derrotas, pese embora a certeza que tinha já, no terreno, da impossibilidade da vitória definitiva.

Penso que alguma polémica não faz mal a ninguém, sobretudo se soubermos guardar o respeito pelos “adversários” de circunstância, de facto amigos e irmãos.

Daí ter estranhado que, nem a 19, nem a 27, tenha visto sinais do texto ou da sua recepção.

Entretanto, na ressaca, outros textos me saíram, enviados ao Mário, camarada da Guiné e colega antigo da TAP.

Hoje mesmo recebi dele sinais de que o meu texto não havia chegado nunca ao destino certo.

Enviava também duas fotos como forma de abrir a porta e entrar na Tabanca.

Dos textos que enviei ao Mário, o Mário mesmo pode reenviá-los e vocês far-lhe-ão o que acharem mais indicado, na certeza de que não quero entrar de rompante e ocupar terrenos que só vocês sabem como gerir em equilíbrio.

Portantos (como se diz por aí à bruta), aqui vai de novo o primeiro texto que enviei, provavelmente já anacrónico na diferença das datas e das águas que já correram. 

Um grande abraço e votos de bom trabalho.
Até breve
José Brás


2. Mensagem de José Brás com data de 27 de Janeiro de 2009, a qual não encontrámos entre a correspondência recebida:

Caro Luís Graça
Enviei a 19.01.09 (ou penso que enviei) o texto abaixo junto com carta aberta a J. Mexia Alves sobre intervenção sua e editada no blogue acerca da chamada “batalha de Guilege”.

Acompanhavam tal texto duas fotos, uma antiga e outra actual, forma que julgo suficiente para ser considerado um novo “camarada” da Tabanca Grande.

Entretanto novos textos foram aparecendo sobre o mesmo tema, uns, como o de JMA, deambulando por caminhos de análise puramente militar e hipermetrópica, própria do contrário da história, outras que, como eu, não negando a análise militar (tudo é analisável), não arredam a parte mais interessante da visão universal do direito dos seres humanos a disporem da sua vida e da sua liberdade num mundo que sempre se sonha melhor no futuro.

Estive com alguns problemas no meu computador e, no exemplo do que aconteceu com outras mensagens para outros destinatários, temo que não tenha chegado ao teu correio o texto que refiro acima como enviado.

Indicia tal situação o facto de não lhe ter visto mais qualquer referência no blogue, nem ter recebido eu a acusação da recepção.

Desse modo o reenvio agora com um abraço de cumplicidade a todos os que mantém o interesse na discussão plural e aberta sobre uma página da nossa história que, como todas as histórias, individuais ou colectivas, não se fazem apenas de glórias e heroísmos mas também de muitas misérias e cobardias.

José Brás

Carta (entreaberta) para Joaquim Mexia Alves e … não só
Via Tabanca Grande


Caro amigo
Talvez não seja correcto dizer-se que não nos conhecemos, que nunca nos encontrámos por aí, nas andanças de paisanos metidos a “tropas” em circunstâncias que não desejámos, seguramente, nem eu nem o meu amigo.
Daí que talvez não fosse apropriado o tratamento de “caro amigo” e que o estranhe por o ter usado eu, aqui.
Contudo, a mim me parece não ser verdade verdadeira a afirmação de que nunca nos encontrámos, tendo estado nos mesmos lugares, caminhado nos mesmos caminhos, respirado fundo sob as mesmas árvores, suado do mesmo calor e da mesma humidade, bebido da mesma água (quem disse que o rio não corre duas vezes no mesmo lugar?), sentido as mesma angústias, sofrido as mesmas dúvidas (ao contrário do outro, nós tínhamos dúvidas e enganávamo-nos algumas vezes, não era?), visto os mesmos esgares de dor de quem partia…apenas porque nada disso foi contemporâneo.
O amigo esteve no Xitole em 71 e, provavelmente mergulhou uma vez ou outra no Saltinho, patrulhou por Contabane e Aldeia Formosa. Eu estive uns meses em Aldeia Formosa em 67 (e em Mejo depois) e mergulhei também nos rápidos, almocei e bebi uns copos com a malta do Xitole sempre que me deu na gana fazer o “passeio”, às vezes apenas dois ou três “malucos” num jipe velho.
Lembro-me de uma vez em que jogávamos à bola no “estádio” local quando as morteiradas começaram a sair da mata e a cair bem perto.
Lembro-me de uma noite passada do outro lado do Rio Corubal, ouvindo os motores do Xitole, dormindo antes do ataque a “Portugal Pequenino”, onde tivemos um morto e vários feridos.
Estou seguro que a palavra amigo não está aqui a mais.
Ainda que não estejamos de acordo sobre a questão da “Retirada de Guileje”!
Quer dizer. O desacordo não tem tanto a ver com a análise da “acção militar” que lhe deu forma, com a classificação de certa ou errada, de vitória ou derrota militar que aqui esteve presente. O desacordo tem mais a ver com “os olhos” com que se vê o acto.
O amigo quer fazer análise puramente militar, decalcar dos compêndios militares os conceitos, as definições, os princípios, os objectivos, instrumentos e ferramentas que fabricavam os futuros generais. Amílcar Cabral não frequentou os bancos de tais universidades, como os não frequentaram Ho Chi Min, nem Giap.
Eu recuso-me a um exercício desses. Se bem que não tenha recusado a guerra nem na guerra o risco do pêlo algumas vezes; se bem que nunca me tenha sido indiferente olhar para dentro da “inteligência militar” deste País e de outros em casos parelhas; se bem que sempre tenha prestado a homenagem devida à coragem individual e colectiva, tantas vezes exibida naquela terra por portugueses militares feitos à pressa ou profissionais saídos das tais escolas; se bem que isto e aquilo, eu gosto mais de pesar tudo isso à luz dos caminhos da história; à luz da legitimidade da luta de quem quer libertar-se, e nisso, aceita mesmo dar a vida; à luz do valor das vidas dos que de aqui partiam, olhando-se uns aos outros na tentativa de neles encontrar razões e alento.
E ninguém, a meu ver, ninguém, repito, tinha o direito de dispor de tais vidas e de lhes dar fim. Às vidas, veja bem, coisa única e só que a maioria deles possuía, e que, perdendo-a, tudo perdiam, irremediavelmente.
Dai que não entenda que diga, como diz “Em primeiro lugar parece-me que não podemos analisar uma situação destas de guerra, com o pensamento nas vidas humanas que se poupam ou se perdem”.
Então, analisamo-la a que luz?

- À luz dos “princípios da portugalidade multirracial e pluricontinental?
- À luz da posse legitimada quinhentos anos antes?
- À luz do sonho territorial de Afonso de Albuquerque?

Não estou seguro que o amigo tenha querido dizer mesmo o que disse, escrevendo-o.
O amigo, tanto quanto me parece era um civil, militar apenas episódico, com formação humanista que chegue para entender a universal ânsia de felicidade dos povos (se é que isto existe para além do conceito) e dos indivíduos que os compõem.
Às vezes dizemos coisas que nem queríamos dizer com o sentido que as palavras que largamos, lhe dão. Já me tem acontecido a mim.
Diz William Boyles Jr., em “Brothers in Arms”, “A melhor arma de um soldado não é a sua espingarda, mas a capacidade de ver o inimigo como uma abstracção e não como um ser humano”
Bem, vejamos. Dizíamos nós, na Guiné, naquele tempo e provavelmente com algum exagero, que em Bissau, aos chefes não importavam muito os soldados que morriam, que perdiam pernas, que perdiam braços, que perdiam a fé no mundo.
Conclusão trágica, seria essa no significado que alargava a abstracção aos próprios amigos.
No fundo, parece que é isso que o amigo mesmo diz, referindo-se ao Coronel Coutinho e Lima, quando se dispõe a, pensando alto, a analisar a sua decisão…”temos de nos “afastar” desse “rosto” e analisarmos os factos”.
Não sei se já leu o livro recente do Coronel onde ele tem a oportunidade de colocar afirmações sobre factos e situações, apoiando-se em documentos oficiais.
Pelo que li, e a mim me parece material mais seguro do que os “postes” que cita, não creio que lhe restassem a ele, na altura, grandes alternativas, mesmo numa visão militar, quando Bissau lhe recusava reforços em homens e armas imprescindíveis para aguentar mais alguns dias.
A não ser que decidisse cumprir com atraso, o acto que uns anos antes Salasar havia ordenado a Vassalo e Silva, na Índia. “Morram todos!”
Note. Digo “aguentar mais alguns dias” porque acho também incorrecto dizer-se “em Guidage e Gadamael ganhámos e em Guilege perdemos”.
Em Guidage e Gadamael ganhámos o quê, meu amigo?
Veja. Não desdigo, nem a bravura de muitos soldados portugueses, se quiser considerar apenas a decisão individual de combater com risco e sofrimento, nem desdigo o objectivo que vivia nas convicções de muitos militares que combatiam e arriscavam, apenas para dar tempo e condições aos políticos para negociarem.
Mas não perdoaria nunca a um comandante que voluntariamente e por decisão pessoal levasse à morte e à prisão de Conakri dezenas de portugueses.
Diz ainda “em certa medida uma guerra inútil e em muitas facetas injusta”.
A única guerra útil e justa, acho eu, a única guerra em que eu aceito que militares e paisanos abdiquem das suas vidas, é aquela, inevitável, que decidimos travar quando querem entrar (ou se instalam) na nossa casa sem convite.
O amigo sabe que durante os séculos de presença portuguesa em África, nunca se passaram cinco anos seguidos, sem revoltas, sem actos de sublevação dos povos locais, contra tal presença. Aceitavam uma guerra útil e justa e nela morrerem. Mesmo assim, tal oferta suprema, hoje, num quadro de globalização selvagem em que os países são apenas “défices”, “crédito inter-bancário”, capitais virtuais que “circulam” por decisões tomadas num ponto qualquer do Globo que nem eu nem o amigo conhecemos, mas que condicionam verdadeiramente a sua e a minha liberdade, e a liberdade de povos inteiros, tal oferta suprema, há que confessar, parece-se muito, hoje, com a luta de Quixote contra os moinhos de vento.
E pronto!
Chegados aqui, concluímos o quê?
Que, como o amigo diz e eu repito, provavelmente não tem, não temos, nem o amigo nem eu, razões fortes para desacordo.
O problema é que “em casa onde não há pão…”

De qualquer modo, tendo passado também, alguns meses nas matas de Mejo, no “corredor”, na estrada Gadamael-Guileje-Mejo, tendo estado presente em Guileje na abertura de Gadembel, obrigados a grandes cuidados até para despejar o lixo a poucas centenas de metros do aquartelamento de Mejo, vivendo, praticamente, nas barbas de Salancaur, crendo profundamente nas razões, nos meios postos à disposição do PAIGC e na inteligência do seu líder, sempre soube da sua vitória final, e que contra essa vitória, não bastavam, conceitos de academia militar, nem interceptar corredores, nem sacrifícios extremados, nem heroísmos espectaculares.
Tal vitória podia ter sido negociada e repartida entre os dois povos, porque vitória é sempre a de dois povos ou duas pessoas (e da humanidade) que em vez da guerra preferem conversar.
Não foi!
Não foi… e, agora, parece-me tarde e pouco saudável continuarmos a fazer análises que eram já velhas, então.
E menos ainda inquéritos a macaquear a interactividades televisivas.

Um abraço
Montemor-o-Novo, 19.01.09
José Brás

Nota:

Enviei já ao Coronel Coutinho e Lima e-mail sobre o seu livro, portanto, mais ainda, sobre a “Retirada”. Não junto aqui o texto porque, se lho enviei a ele, pessoa individual apesar de pública, o texto é dele e só ele (Coronel) pode sobre ele (texto) decidir.

Outra nota: Cumprindo o “Regulamento”, envio duas fotos, uma tirada em Aldeia Formosa e outra actual, bem como um texto escrito em Mejo, em 68

GUINÉ
CÉU


Mar longo inatingível
poço negro-rubro-azul
fornalha de mil fogos queimando encéfalos
estrada-libertação de impossíveis
cenário de um sol-tudo-quase-nada
que acende labaredas nas retinas

HOMEM

Esforço quase-sangue
tatear quase-saliva
corpo tosco e baqueante
latejar de veias-não-azuis
protesto que fica apodrecendo
no cardume de revoltas não-gritadas

MATA 

deglutinação voraz do espaço
quilolitros de esperma-verde
ovários milhões de vezes fecundados
binário vida-morte luxuriantemente entrelaçados
arena sem bancadas nem varandas
onde insuspeitos irmãos se ferem cruamente

Mejo/Chin-Chin Dari Março de 68
José Brás

3. Comentário de CV:
Caro José Brás, bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Lamentamos que tivesses de ter batido duas vezes à porta para entrar, mas na verdade não encontrei as tuas mensagens no endereço do blogue luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com.
Não me apercebi de que fizesses referência à tua Unidade e à tua Especialidade. Num próximo contacto, conta-nos tudo.
Peço-te que esqueças esta atribulada entrada na Tabanca e que continues, já que começaste brilhantemente, com a tua parte na feitura deste repositório, destinado aos nossos vindouros. Cabe a nós, ex-combatentes, a responsabilidade desta tarefa e este Blogue é um meio excelente para o fazermos.
Para terminar, deixo-te um abraço em nome da tertúlia.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3831: Tabanca Grande (110): João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Guileje, 1972/73

Guiné 63/74 - P3841: Convívios (95): Pessoal do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), no dia 7 de Março de 2009 em Arganil (César Dias)

Guião do BCAÇ 2885, Mansoa 1969/71 - Divisa: Nós Somos Capazes


Mansoa > Ponte sobre o Rio Mansoa.
Foto de J. Mexia Alves, editada por CV



1. Mensagem de César Dias, com data de 4 de Fevereiro de 2009

Boa noite Carlos

Espero que esteja tudo bem contigo.
Mais uma vez o BCAÇ 2885 vai confraternizar, e mais uma vez agradeciamos que publicasses, pois penso que tem aparecido mais camaradas alertados pela Tabanca Grande.

Dia 07 de Março de 2009 celebraremos as 38 primaveras do nosso regresso.

Será em ARGANIL no restaurante do Santuário Mont´Alto, e será precedido duma Missa às 11H30 em memória dos militares falecidos.

Para quem queira participar, o número de telemóvel do camarada Ventura da organização é 967 964 368


Camarada Ventura que faz parte da organização do Encontro

Carlos, já deves ter o Guião do nosso BCAÇ, se precisares de alguma foto é só dizeres, envio-te uma do Ventura da organização caso a queiras incluir.

Grato pela atenção
Um abraço
César
__________

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3821: Convívios (93): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 7 de Março de 2009 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P3840: Sítio Guerra Colonial (1961-1974), da A25A, em colaboração com a RTP (1): Intervenção do Maj Gen Pezarat Correia





Auditório da Academia Militar, Amadora, 4 de Fevereiro de 2009, 16h/18h > Sessão de apresentação do 'site' Guerra Colonial (1961-1974), da A25A - Associação 25 de Abril, em colaboração com a RTP > Intervenção do Major General na Reforma Pezarat Correia que vem defender uma tese, que não é nova mas é interessante, sobre a velha questão guerra ganha/guerra perdida: politicamente, a potência colonizadora (que era Portugal) não ganhou nem podia ganhar; militarmente, a situação no terreno estava longe de estar ganha pelos movimentos nacionalistas...(*).


Vídeo (7' 54'' ) alojado no
You Tube > Nhabijoes
Fonte: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados.


Omtem, 4 de Fevereiro de 2009 - simbolicamente, quarenta e oito anos depois do início, em Angola, da guerra colonial - , foi apresentado oficialmente o 'site' Guerra Colonial (1961-1974), uma iniciativa conjunta da Associação 25 de Abril, e da RTP com o apoio do POC - Programa Operacional da Cultura. Na realidade trata-se de dois sites (ou sítios), embora articulados:

- Guerra Colonial (1961-1974), alojado em endereço próprio: http://www.guerracolonial.org/. (Já foi aqui sumariamente apresentado no nosso blogue) (*)


- Guerra Colonial (1961-1974), alojado no portal da RTP: disponibiliza dezenas de vídeos e documentários (actuais e da época), do Arquivo da RTP, sobre a guerra colonial e o seu contexto. Os comentários aos diferentes documentários, efectuados em colaboração com a Associação 25 de Abril, são da responsabilidade de vários especialistas militares : Cor Inf José Aparício; Cor Art Eduardo Abreu; Cor Pilav Villalobos Filipe; Capitão-de-mar-e-guerra Pedro Lauret.



Lista dos documentários da RTP títulos disponíveis:1970-01-01 • Missão na Guiné 1967 - Teixeira Pinto
1970-01-02 • Angola - Março 1967
1970-01-03 • Uma operação na Guiné
1970-01-04 • Um Ano de Revolução - 1974 e 1975
1970-01-05 • Actual Reportagem - Barata Feio - Vietname, Afeganistão, Guerra Colonial
1970-01-06 • Geração de 60 - Diana Andringa
1970-01-07 • Missão na Guiné
1970-01-08 • Liberdade de Expressão - Artº 37
1970-01-09 • Missão em Angola 1967
1970-01-10 • Angola, Dias De Morte - Joaquim Furtado (vol. I)
1970-01-11 • "Andar Rápido e em Força" - Joaquim Furtado (vol. II)
1970-01-12 • Massacres Contra Chacinas - Joaquim Furtado (vol. III)
1970-01-13 • Operação Nambuangongo Joaquim Furtado (vol. IV)
1970-01-14 • As Colónias E As Províncias Joaquim Furtado (vol. V)
1970-01-15 • As Guerras Antes Da Guerra - Joaquim Furtado (vol. VI)
1970-01-16 • O Ano Que Marca A História - Joaquim Furtado (vol. VII)
1970-01-17 • A Guiné Depois De Angola - Joaquim Furtado (vol. VIII)
1970-01-18 • Moçambique, Nova Frente - Joaquim Furtado (vol. IX)
1970-01-19 • Entrevista com Amilcar Cabral (Líder do PAIGC)
1970-01-20 • As Duas Faces da Guerra - Parte 1
1970-02-01 • Guiné - Autodefesa das Populações
1970-02-02 • O impacto da Guerra - Louça, entrevista 3 deficientes das Forças Armadas
1970-02-03 • Guiné - Março 67 - Por quem combatemos
1970-02-05 • Crónica do Século - Parte 1
1970-02-06 • PAIGC - Documentário Francês
1970-02-07 • Nambuangongo - A Grande Arrancada
1970-02-08 • Artigo 37 - Diana Andringa - Entrevista Matos Gomes
1970-02-09 • Nas 3 Frentes
1970-02-20 • As Duas Faces da Guerra - Parte 2
1970-03-01 • O Exército na Guiné - Bula
1970-03-03 • Guiné Março de 67 - Marinha - Água e Floresta
1970-03-05 • Independência Já! - Moçambique - Descolonização e Independência
1970-03-09 • Angola Março 67 - Asas no céu de Angola
1970-04-01 • Portugalmente - Canções de guerra
1970-04-03 • INDEPENDÊNCIA JÁ - Uma História a Pretos e Brancos
1970-04-08 • Guiné Março 67 - Autodefesa
1970-04-09 • Moçambique
1970-05-01 • Angola - Março de 1967
1970-05-03 • Guerra Colonial na Guiné - Louçã - Entrevista Carmo Vicente elemento Paigc
1970-05-09 • Missão em Angola 1967 - Gago Coutinho
1970-06-09 • A RTP Nas 3 Frentes
A sessão de lançamento dos dois sites teve a presença dos Ministros da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira, e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, bem como do presidente do Conselho de Administração da RTP, e do presidente da A25A, Vasco Lourenço, um conhecido capitão de Abril, hoje Cor Inf Ref. O anfitrião foi o director da Academia Militar.

Do pessoal da Tabanca Grande, com quem tive o prazer de estar (eu e a Maria Alice), aponto os seguintes:

- Miguel Pessoa (Cor Pilav Ref) e a esposa Giselda (Srgt Enfermeira Pára-quedista Ref) (tive hoje o prazer de os conhecer pessoalmente e logo os baptizei como o casal mais célebre da guerra da Guiné...);
- António Graça de Abreu (que ainda entusiasmadísismo a traduzir mais um dos clássicos da poesia chinesa);
- Zé Carioca e a esposa;
- Zé Martins, técnico oficial de contas, colaborador regular do nosso blogue;
- Carlos Silva, advogado, que parte dia 6 para a Guiné, para mais uam jornada de solidariedade;
- Coutinho e Lima;

e, claro, o Pedro Lauret (que fez publicamente um rasgado elogia ao nosso blogue). Tive ainda o prazer de cumprimentar (e de falar com) o Carlos Matos Gomes (Cor Cav Ref), co-autor com Aniceto Afonso do livro que forneceu o essencial dos conteúdos ao novo site. Também o Cor Pára-quedista Nuno Mira Vaz fez questão de me cumprimentar e manifestar o seu apreço pelo nosso blogue. O mesmo se passou com o jornalista Joaquim Furtado, que agradeceu a nossa colaboração pontual, em relação ao dossiê do Chão Manjaco (morte dos três majores).

Coube, de resto, ao nosso camarada Pedro Lauret a tarefa de falar deste projecto da A25A e da RTP bem como dos conteúdos que estão disponíveis (por exemplo, mais de 5 horas de documentários).

Por falta de tempo, falaremos desta sessão com mais detalhe, em próximos postes.

_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3829: Convite da A25A/RTP: Sessão de apresentação do sítio Guerra Colonial, Academia Militar, Amadora, 4ª feira, dia 4, às 16h

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)



Guiné > Região de Tombali > Arredores de Guileje > 26 de Março de 1973 > Forças do BCP 12 (talvez da Companhia de Caçadores Pára-quedistas 122, estando a CCP 123 a montar segurança) e do grupo de operações especiais do Marcelino da Mata são fotografadas no momento em que recuperam o piloto do Fiat G-91 que tinha sido atingido na véspera por um Strella (*)... Apesar de ferido e fatigado (passou 22 horas, sozinho no mato), o Ten Pilav Miguel Pessoa conseguiu deixar-se fotografar para a posteridade com um sorriso amarelo e sobretudo com uma grande dignidade... A foto é do Srgt Pára-quedista Delgadinho Rodrigues, da CCP 123/BCP 12. O Marcelino da Mata aparece em primeiro plano, à direita do piloto, de óculos e de catana na mão.




Guiné > Bissau > Bissalanca > BA12 > A chegada do hospital, em maca, do Ten Pilav Miguel Pessoa. Do lado direito, a Enf Pára-quedista Giselda Antunes. Foto do Srgt Coelho, da secção fotográfica da BA12.


"Caro Luís: Olhando para as fotos que acabei de te enviar, lembrei-me que não te expliquei a razão de eu segurar uma garrafa de espumante na mão, enquanto era transportado na maca... Não, não fazia parte do meu kit de sobrevivência! E eu também não estava a soro! Na minha transição do local da evacuação para o hospital, o heli aterrou primeiro no aquartelamento do Guileje, onde alguém resolveu presentear-me com a referida garrafa. Devo dizer que nunca cheguei a bebê-la pois, tendo sido mais tarde evacuado para Lisboa, resolvi deixá-la à guarda das nossas enfermeiras pára-quedistas, as quais confirmaram a boa qualidade do produto e o gosto requintado do pessoal do Guileje. Um abraço, Miguel Pessoa".






Comunicado das Forças Armadas Portuguesas, publicado na impressa da época, em que se relatava, em versão cor de rosa, o "acidente" de que foi vítima o Pil Av Miguel Pessoa.



A máquina de propaganda do PAIGC: curioso, que os comunicados para o exterior eram publicados em francês (a Guiné estava numa zona francófona e a cúpula política do PAIGC vivia em Comacri). Trad. de L.G.:

" PAIGC - Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde.

"COMUNICADO - 4 Aviões colonialistas abatidos em menos de 48 horas

"No domingo, 25 de Março [de 1973], por volta das 15h, dois aviões colonialistas (um jacto Fiat G-91, tipo NATO, e um caça-bombardeiro Norte-americiano T-6 Texan/Harvard) foram abatidos pelos nossos combatentes perto do campo fortificado de Guileje, no sul do país. 

"Esta nova vitória da nossa DCA [Defesa Contra Aviões] que, em menos de 48 horas, abateu um total de 4 aparelhos inimigos (ver nosso comunicado de 25 de Março), foi obtida no curso de uma importante acção conduzida pela nossa artilharia pesada contra o campo fortificado de Guileje. Os dois aviões tinham vindo em socorro da guarnição de Guileje para tentar impedir a continuação da operação que causou pesadas perdas humanas e materiais às tropas inimigas"



"Por outro lado, a 22 de Março [de 1973], às 9h00, na secção de Cachamba, do sector libertado de Cubucaré, tropas colonialistas desembarcadas de helicópteros Alouette foram violentamente atacadas pelos nossos combatentes que lhes infligiram uma perda de pelo menos 5 mortos e um grande número de feridos. Apesar dos reforços desembarcados de 12 helicópteros, por volta das 16h30, os nossos combatentes do Exército Popular e das FAL (Forças Armadas Locais) rechaçaram os agressores colonialistas que sofreram outras perdas, incluindoa morte de um sargento.

"27 de Março de 1973. Pelo Comité Execuitivo da Luta, Aristides Pereira".

Fotos: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados (A pedido do autor, não se divulga no blogue o seu endereço de e-mail)


1. Mensagem do Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (**):

Caro Luís

Tendo conhecimento do texto do José Manuel Pinto Ferreira sobre o Strella, contactei-o para ele o disponibilizar para o blogue. Para isso tinha preparado uma introdução para ti, seguida do texto original, terminando com uns comentários meus. Como ele decidiu reenviá-lo directamente para ti, fico sem saber o que é que seguiu. Se achares que falta qualquer coisa, diz-me (***).

Para complemento do texto do ex-Cap Pinto Ferreira, então Comandante da Esq 121 (já agora, informo que ele saíu da Força Aérea com o posto de Tenente-Coronel), junto 4 fotos:

A primeira é cópia de um comunicado do PAIGC em que relata, em versão hardcore, os resultados obtidos no dia 25 de Março. Como se pode ver por este panfleto de propaganda do PAIGC, os resultados reportados eram muito superiores aos realmente obtidos, de tal modo que, a serem verdade, a Força Aérea teria ficado sem aviões... e ainda ficava a dever uns tantos!

Embora pareça pouco nítida, a foto suporta perfeitamente uma ampliação, sendo totalmente legível (para quem perceba francês...).

A segunda mostra a versão softcore do outro lado, que todos nós devemos ter sentido em muitas ocasiões. O regime suavizava toda a informação negativa que pudesse desmoralizar o cidadão comum. Por isso eu tive uma simples avaria e saí daquilo impecável...

A terceira foi tirada nas matas do Guileje enquanto me transportavam para a orla, onde estava o AL-III para me evacuar. Agradeço ao Sarg Pára-quedista Delgadinho Rodrigues ter-me proporcionado uma boa reportagem do acontecimento (que guardo com grande estima), bem como a oferta dos respectivos negativos, o que me dá à-vontade para te enviar esta foto sem lhe dar cavaco... Mas esta referência ao responsável pela foto é perfeitamente merecida.

A última tem o crédito do Sargento Coelho, da Secção Fotográfica da BA12, que, para além do trabalho operacional de revelação dos fimes tirados pelos Fiat G-91 nas missões de reconhecimento, também se dedicava às reportagens fotográficas dos eventos mais significativos da BA12, e que amavelmente me ofereceu este negativo. Foi tirada na placa da Base quando da minha vinda do hospital, a caminho da enfermaria da Base. Podes ver nela a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes, que acompanhou toda a minha evacuação.

Compreendo que, para um texto generalista sobre o Strella, as fotos são demasiado ligadas a um único acontecimento, o que pode parecer um pouco chauvinista da minha parte. No entanto, como deves compreender trata-se do único material de que disponho. Farás o favor de utilizar aquele que achares melhor.

Um abraço

Miguel Pessoa
________

Notas de L.G.:

Título do poste, da responsabilidade do editor

(*) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

(**) Vd. postes da série FAP:

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

(***) A publicar na próxima oportunidade, nesta série, com introdução e notas de Miguel Pessoa.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3838: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (II): Mafra, Fevereiro/Março de 1964


Cristóvão de Aguiar, em 27 de Novembro de 2008, na Biblioteca-Museu República e Resistência – Espaço Grandella, na apresentação da nova edição do seu livro Braço Tatuado.

Continuação do Diário de Guerra, do Cristóvão de Aguiar, que nos foi enviado por intermédio do José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70). Revisão e fixação do texto: vb.


1964


Fevereiro, 3 – Afinal, houve fim-de-semana.

Mas, aqui, nunca nada é dado como certo. Deve fazer parte da filosofia da instrução esta constante ex­pectativa em que nos fazem andar as altas patentes. Assim como o boato. Só no sá­bado de manhã, depois da ginástica de aplicação militar, mais dura do que nos dias prece­dentes, é que nos deram carta de alforria.

Não é em Mafra, é na Amadora, na Academia Militar, em 1963. Cadetes de saída para fim de semana.

Fui a Coim­bra passar parte da tarde e a noite de sábado e o domingo todo o dia, até às dez da noite, hora da camionete. Vi-a a uma janela do lar. Cumprimentei-a, mas não vi jei­tos de ela querer al­guma coisa co­migo. Agora estou arrependido de me ter derramado em duas fo­lhas de carta. Paciên­cia.

Tenho alguns mús­culos do corpo doloridos, mas já me vou sentindo besta. Não preguei olho durante a noite de domin­go noite de domin­go - a camionete che­gou a Mafra, três horas e pouco antes de princi­piar a ins­trução e ao contrário da maioria dos cama­radas não consigo dormir em transportes. Viajo por dentro de mim e chego sempre à Ilha, onde Ela ficou. Apesar de estar tresnoitado, aguentei bem a dureza militar do dia.

Fevereiro, 4 – Quando um homem aflito se abre a medo com al­guém e logo depois se acha falando a mesma linguagem, ilumina-se-lhe o íntimo do prazer que os primeiros cristãos deviam sentir quando um desenhava um peixe no chão e o outro lhe respondia com o mesmo gesto...

O Júlio Freches do meu pelotão, que tem a sua tarimba ao lado da minha, tornou-se meu amigo. Ele iluminou-se e eu acendi-me. O Júlio engraxava as botas ao pé de mim, o tempo e a tinta escorrendo pelos dedos. A caserna era, ao meio-dia e ao fim da tarde, após a instrução, uma enorme caixa e banco de engraxador profissional. As nossas conversas eram ciciadas como na penumbra de um confessionário. E quem poderá revelar o segredo da confis­são?

Fevereiro, 24 – Principiei o dia e a semana com um cross de cinco quiló­me­tros.

Já vou tendo resistência de atleta. Nenhum do pe­lotão arreou, o que sa­tisfez o alferes, que ia à frente marcando o ritmo. Depois, fomos para a ta­pada, para rece­ber­mos in­s­trução sobre gra­na­das e explosivos. Um alferes da 1ª com­panhia ficou sem um dedo. Rebentou-lhe um detonador nas mãos.

Fevereiro, 5 de Março – O meu fato-macaco cheira mal que se farta.

Não admi­ra. Estive quase toda a manhã a rastejar e a dar cam­balhotas na lama. Só não con­segui saltar a vala. Caí dentro dela e fiquei com as botas e as meias en­charca­das. Mas se­ca­ram. As meias e as botas e o fato zuarte. No próprio corpo. Faz parte do endure­ci­mento do corpo e da alma.


Março, 19 – Mudámos de comandante de pelotão.

O tercei­rense foi de novo mobilizado, desta vez para a Guiné. Houve jantar de despedida na Eri­ceira. Foi o pelotão em peso. Era um alferes maluco, mas no trato não era de­su­mano.

Uma segunda-feira, cheguei mais tarde a Mafra, por se ter avariado a ca­mionete. Pelo regu­lamento, tinha obrigação de ser castigado. Felizmente que me mandou à ca­serna vestir a farda de trabalho e disse-me que, por ele, não vira nada nem de nada sabia. Fe­chou os olhos. Alguns camaradas de outros pelotões não tive­ram a mesma sorte. Apa­nharam um fim-de-semana de castigo. Chama-se a isto so­lidarie­da­de entre ilhéus!

O novo coman­dante é um aspirante da Academia, que acabou de fazer o seu tirocínio aqui em Mafra. É um puto reguila, que nos vai fazer a vida ainda mais ne­gra. Traz todo o tesão de mijo da Academia.


Março, 20 – Dos novos aspirantes tirocinados que aqui fi­caram nesta unidade, há dois que foram meus colegas no Liceu.

O Luciano e o Rocha, de Ponta Delgada e de Água de Pau, respecti­vamente. A primeira vez que os vi, fiz-lhes a continência, não fosse o diabo tecê-las. Havia muitos mili­tares por perto. Ri­ram-se. Conver­saram comigo sem qualquer problema, mas disseram-me que, sem­pre que es­ti­vessem outros graduados à vista, devia bater-lhes a pala. Por causa das coisas.

Hoje de manhã, no render da guarda e do oficial de dia, a Banda do Regi­mento tocava a mar­cha Angola é Nossa. Toda a gente estava em sentido. Eu, que estava ao pé de um dos muros da parada, fui-me encostando vagarosamente a ele. Ainda não tinha aque­cido nem as costas nem o rabo ao en­costo, e o Rocha de longe fazendo-me um gesto muito delicado e sub-reptício para que me pusesse direito.

Mais tarde, quando teve oportuni­dade de falar comigo, disse-me que tinha sido o coman­dante da companhia que lhe ti­nha chamado a atenção a meu respeito. E como na tropa as ordens são dadas em ca­deia, ele teve de a transmitir. Pena não ter chamado um sargento. Tenho de to­mar cui­dado, que os estudantes de Coimbra são, aqui, considerados sub­versivos...

Março, 25 – Corre por aí que temos bufos por todo o lado.

Até no próprio pelotão os há. Disseram-me que ontem foi visto um cadete sen­tado a uma mesa, sozinho, num café da Vila, com um microfone disfarçado no quépi, es­trategi­ca­mente abandonado sobre o tampo. Hoje fiz versos...


Março, 27 – Há dois meses com uma farda e uma espin­garda, que, de tanto andar comigo, já me parece um membro do corpo.

Quando a não te­nho, e raro é, fico com a impressão de que me falta qualquer coisa. É a besta, salvo seja, crescendo cada vez mais dentro de mim. Durmo como uma pe­dra e até engor­dei.

Hoje, à tarde, na Vila, com a dispensa de recolher e da ter­ceira refeição no bolso, eu e o Camargo fomos jantar num restaurante barato, para variar. A dada altura, disse-me que queria falar comigo. Mas ali, não, que havia muitos ouvidos. Fomos então passear para um descam­pado.
E disse-me longamente da sua justiça. No fim da par­lenga, per­guntou-me:
– Queres per­tencer à organi­za­ção? – Res­pondi-lhe que sim senhor, que não me im­por­tava nada. – De­pois serás con­tac­tado por alguém; temos muito traba­lho a fazer no quartel.

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Notas de vb:

Primeiro artigo da série em

Guiné 63/74 - P3837: Memória dos lugares (16): Cacheu, 1964 (António Paulo Bastos, Pel Caç 953, 1964/66)



Guiné > Região do Cacheu > Cacheu >Pel Caç Nat 953 (1964/66) > 1964 > O nosso camarada da Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos passou por aqui... Ou melhor, esteve aqui oito meses, com o seu Pel Caç 953 (*)... Considera-se um apanhado do clima. Já voltou à Guiné 3 vezes, a última das quais em Fevereiro de 2008...

Guiné-Bissau > Regão de Cacheu >Cacheu > 3 de Março de 2008 > Antiga fortaleza portuguesa...

Lisboa > Avião da TAP > Viagem Lisboa-Bissau > 29 de Fevereiro de 2008 > O nosso editor Luís Graça e a esposa... O António Bastos foi no mesmo avião...

Fotos: © António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados

1. Mensagem, de 18 de Janeiro últmo, enviada pelo António Paulo Bastos (**), ex-1º Cabo do Pel Caç 953 (Cacheu, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)


Amigos da Tabanca Grande.

Aqui vai umas fotos de Cacheu do Ano de 1964.

Uma era o forte com o respectivo farol dentro do mesmo,mas nesta altura não tinha as estátuas que estavam em Bissau.

A outra era o meu aquartelamento, aí estive oito meses, até que já estavamos fartos de estar bem, fizemos um levantamento de rancho para entalar o Alferes, e fomos todos entalados para Canjambari, para aprendermos a embrulhar e não foram poucas.

A outra do forte, mais recente, com as estátuas (3 de Março de 2008).

Por última, vai fazer um Ano que eu apanhei este casal de borrachos, talvez em viagem de núpcias? (não leves a mal, Luís Graça).

Para a próxima logo mando mais, e mais antigas.

Um abraço para todos os colegas da tabanca grande.

A. Paulo Bastos (***)
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Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3610: Tabanca Grande (104): António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

Vd. também poste de 16 de Dezembro de 2008> Guiné 63/74 - P3637: Em busca de... (58): 2.º Sargento Coelho da 1.ª CCAÇ Africanos (Farim) (António Paulo Bastos)

(**) Vd. poste de 26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3524: O Nosso Livro de Visitas (46): A. Paulo, Pel Caç 953, Guiné, 1964/66

(...) Eu sou mais um dos milhares apanhados do clima, como tal passo horas junto do computador a ler a Net.

Tambem sou dos que já regressaram à Guiné (três vezes), na última ia no mesmo avião que o Luis Graça e esposa, no dia 29/2/2008. Não fui a Guileje pois a minha zona era o Norte: Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem. Fui por duas semanas com o Carlos Silva.

Estive nos anos de 1964 a 1966. (...) O Carlos Silva está a publicar o meu diário no blog dele. Eu era do Pelotão de Caçadores 953 (...) .


Eu sou o que organiza os almoços anuais dos quatro pelotões (953, 954, 955, 956) e, portanto, dos companheiros do Joaquim António de Sousa Dias, Soldado nº464/64. Mais uma vez no próximo mês de Maio de 2009, vamos-nos encontrar para o almoço em Azeitão.

E eu e os colegas gostavámos de convidar o filho do Joaquim Dias para fazer parte dos apanhados do clima, no nosso almoço onde vão estar muitos colegas do Pel Caç 955 (...)..


(***) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3702: Memória dos lugares (15): Funchal, uma ponte entre Lisboa e Bissau (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3836: Álbum das Glórias (51): Santo Tirso, 1963, o almirante (Teixeira da Mota) e o poeta (Ruy Cinatti) (Beja Santos)

Conferência Internacional de Etnografia > Santo Tirso > 1963 > No intervalos dos trabalhos, o Amirante Teixeira da Mota e o poeta Ruy Cinatti.

Foto: © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Beja Santos, com data de 29 de Dezembro último:


Assunto - Almirante Teixeira da Mota e poeta Ruy Cinatti, em 1963 (*)


Malta, a remexer nos milhares de fotografias da heroína do meu próximo livro, Mindjer Garandi [, Mulher Grande], encontrei este inesperado encontro entre Teixeira da Mota e Cinatti, figuras constantes da minha correspondência, que circulou na "Operação Macaréu à Vista".

Lê-se na legenda: "Num intervalo durante a Conferência Internacional de Etnografia, Santo Tirso, 1963".

Foi graças ao Cinatti que conheci Teixeira da Mota, talvez em Abril de 1968. Neste tempo, o maior historiador da Guiné está no auge das suas faculdades, já escreveu a maior parte da sua bibliografia fundamental sobre a Guiné, o seu nome corre mundo como grande cartógrafo, depois das comemorações henriquinas.

Por seu turno, Cinatti é neste tempo um poeta irregular mas já um conceituado estudioso da etnografia timorense. Era tempo destes dois responsáveis por muito apoio que me deram na Guiné, terem fotografia no blogue. E por uma razão especial: o que eles vieram dizer nesta conferência internacional aparece em O Tigre Vadio (**).

Teixeira da Mota apresenta uma comunicação sobre os sonós, essas raríssimas esculturas em metal dos régulos biafadas, símbolo do seu poder. Teixeira da Mota possuía uma das maiores colecções, hoje em poder de coleccionadores estrangeiros. Pediu-me informações se havia sonós no Cuor e na região da Bambadinca, não só não encontrei nenhum como ninguém sabia da sua existência.

Cinatti apresenta uma comunicação sobre a criação da casa timorense. Escreveu um belo poema a tal propósito, enviou-mo e incluiu-o também em O Tigre Vadio.

Ambos faleceram na década de 80, o primeiro amargado com o que se passava na Guiné, o segundo amargado com o que se passava em Timor. Tenho muito orgulho em mostrar-vos como eles eram mais ou menos ao tempo em que me deram coragem e incentivo na guerra que vivi, foram expoentes culturais luminosos inesquecíveis.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Álbum das Glórias > 26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3794: Álbum das Glórias (50): Jobo Baldé, o dedicado padeiro de Missirá depois de Julho de 1969 (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue

Guiné 63/74 - P3835: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (2): Resposta aos comentários no P3788

Mensagem de Manuel Reis, com data de 2 de Fevereiro de 2008:

Apontamentos de Guileje e Gadamel, 1973 (P3788, Manuel Reis, Ex-Alf Mil CCAV 8350).

Caro Luís:
Sinto-me na obrigação de vir a terreno para fazer uns breves comentários aos comentários que foram feitos à minha mensagem (P 3788*), na sua maioria feitos por anónimos.


1. Manuel Peredo:
O teu comentário tem razão de ser, não fui devidamente preciso: A impossibilidade de saída refere-se à saída da vala, quando pretendiam efectuar qualquer missão. Partilhava a mesma vala. Foram muitas as vezes em que saíram da vala e foram de imediato alvejados, o que vos obrigava a voltar à vala. Após algumas tentativas frustradas acabavam por sair do aquartelamento e cumprir a missão.

Ao dizeres que se estava melhor na mata do que no aquartelamento, estás a referir-te à dificuldade de movimentação dentro do aquartelamento. Concordo contigo em parte, pois não esqueço os camaradas mortos na mata, a 500 metros do arame farpado. Aliás a vós se deveu a recuperação destes corpos, chegaram pouco tempo depois da emboscada se ter desencadeado. Eu sei lá, onde se estava melhor!


2. António da Graça Abreu
Não me parece importante dizer o nome do novo Comandante do COP 5 e não sou eu que irei colocar em causa a sua bravura e muito menos a sua competência profissional. Não me compete julgar ou emitir juízos de valor. O que eu disse e repito, são factos: A partir do dia 2 de Junho até meados de Julho, altura em que a C CAV 8350 saiu de Gadamael, nunca mais foi visto. Isto no momento mais crítico de Gadamael e em que mais precisávamos dele. Dizes que tinha terminado a Comissão e eu só posso dizer: Pura coincidência e azar nosso.

Respeito a tua opinião, mas em 1973 o PAIGC tinha uma força militar superior à nossa. Possuía armamento já bastante sofisticado, carros de combate e até aviões que aguardavam a preparação de pilotos na URSS (informação carecida de confirmação). E não era por acaso que existia um plano de contracção do dispositivo das NT!

Não sei se Nino era ou não um homem de más previsões. Era e é um militar de convicções, com virtudes e defeitos como todos nós. Não deixa de ser lógica a previsão que ele faz sobre uma hipotética retirada, aliás isto está devidamente explicada na minha mensagem. Outra vez, não!

A transformação da guerra de guerrilha noutro tipo de guerra, por parte do PAIGC, era uma ideia que quase todos os Oficiais do Quadro partilhavam e expuseram publicamente. Porquê tanto espanto?

Nesta guerra não se pode falar em vitórias e derrotas. Todas as guerras de libertação (e foram muitas) tiveram sucesso, independentemente dos seus opositores serem a França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Espanha e Itália. No nosso caso se alguém foi vencido, esse foi o regime político de Lisboa. Mas não é este o tema de debate do nosso Blogue!


3. Anónimo 1
Importa aqui clarificar os meios humanos utilizados nos reabastecimentos: Dois grupos de combate, um grupo de milícias, um pelotão de Artilharia e um grupo de combate de ajuda a cargas e descargas, tanto do lado de Guileje como de Gadamael. O grupo restante ficava de serviço ao aquartelamento e tinha como funções a limpeza do aquartelamento, o fornecimento de água, apoio à cozinha e a segurança nocturna.

Acresce um outro pormenor: Em Guileje ninguém se podia dar ao luxo de sair do aquartelamento sem sair com dois grupos de combate e meia dúzia de milícias, incluindo um guia.

Coutinho e Lima explica, no seu livro, a situação das obras e a necessidade de efectuar o reabastecimento. Na época das chuvas, que se estava a iniciar, Guilege ficava completamente isolado e tornava-se indispensável, para a nossa sobrevivência durante a referida época, efectuar com urgência o reabastecimento tanto em armamento como em géneros alimentícios.

Este foi o factor determinante para uma menor actividade operacional, no que aos patrulhamentos e vigilância diz respeito. Apesar disso ainda recordo um patrulhamento que fiz na picada de Gandembel e outros camaradas também se envolveram noutro tipo de vigilância e/ou patrulhamento.

De Novembro/Dezembro de 1972 até inícios de Maio de 1973 a actividade operacional era idêntica à das Companhias anteriores. Nesse período de tempo tivemos a colaboração, embora fugaz, dos grupos do Marcelino da Mata e do capitão Ramos, grupos meticulosamente preparados para a guerrilha.

Não tivemos qualquer emboscada no reabastecimento até 18 de Maio, tal como tu. A única, coincide com o início dos ataques a Guileje a 18 de Maio. Limitámo-nos a levantar e/ou rebentar umas minas anti-pessoal e anti-carro. Fazíamos o mesmo que tu: Armadilhar, reconhecer e emboscar e para que saibas até uma emboscada montámos no mítico corredor de Guileje. Infrutífera, é um facto, mas estivemos lá. Outra actividade, bastante arriscada foi o reconhecimento do local onde se projectava construir um novo aquartelamento (Quebo). A restante actividade de patrulhamento e segurança já a conheces, julgo que estiveste lá.

Durante a noite, quando o vento soprava de leste e se ouviam viaturas junto à fronteira, os obuses 11,4 despejavam sempre uma dúzia de granadas. Era um tiro no escuro, como dizia o Pinto dos Santos (Ex-Alf Mil Art), já falecido. De uma dessas flagelações fomos informados da destruição de duas viaturas e de dois mortos do PAIGC.


4. Anónimo 2
Guileje caiu porque não cumpriu a sua missão”, afirmas. Esta é a tua opinião e vale o que vale. Para todos nós, que lá vivemos, trabalhámos e sofremos, temos a consciência tranquila do dever cumprido. Todos nós estamos, como sempre estivemos ao lado do nosso Comandante Coutinho e Lima. Não é um homem só, como julgas. Deu sempre a cara, nunca se acobardou como tu no anonimato.

Deitaram-se a dormir e quando acordaram tinham o PAIGC a querer tomar o pequeno almoço”, dizes, no dizer do Comandante. Isto é provocatório, cheira a bafio, lembra outros tempos. Mais palavras para quê?

Não fiques por aí, vem, dá a cara.


5. Um abraço amigo para o Jorge Picado, Manuel Peredo, Colaço, José Dinis, Jorge Cabral, Joaquim Mexia Alves e António Graça Abreu. Todos com a sua opinião, sem se esconderem no anonimato, contribuíram para um melhor esclarecimento da situação de Guilege e Gadamael.

Para ti, amigo Luís, deixo a liberdade não publicares o que consideres menos próprio.

Um abraço
Manuel Reis
Ex-Alf Mil
CCAV 8350
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

Vd. primeiro poste da série de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3818: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (1): Gadamael, eu te amo, eu te odeio