quarta-feira, 20 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4388: As nossas mulheres (8): De um gigante com coração de passarinho para a Ti Pedrosa, com ternura (Joaquim Mexia Alves)

1. Texto do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa) (1971/73):


Caros Carlos e Luís:

Anexo um texto saído da fragilidade deste "gigante com coração de passarinho", como um dia me chamaram. Fica à vossa disposição para fazerdes dele o que quiserdes, porque a mim já me encheu a vida tê-lo escrito!

Abraço camarigo do Joaquim Mexia Alves

Comentário de L.G.:

Joaquim: Agora é que me tramaste!... Que raio de género literário é este ? E em que série é que eu vou encaixar-te, com esse tamanhão todo ? Conto, poesia, blogpoesia, prosa poética, memorialística ? História de vida, estórias avulsas, blogoterapia, as nossas mulheres ?

Opto por esta série (*), onde caibem as nossas mulheres, todas as nossas mulheres, mães, madrinhas, tias, amas, criadas, avós, irmãs, sobrinhas, primas... mas também madrinhas de guerra, namoradas, noivas, esposas, amantes... Todas elas, de uma maneira ou de outra, foram nossos anjos da guarda, que velaram, rezaram, suspiraram, sofreram por nós... Que nos apaparicaram, que nos desejaram, que nos amaram, que nos ajudaram a voltar ao mundo dos vivos, aos lugares seguros da nossa infância, ou então a trilhar outros caminhos, os do futuro...

Como te fica bem, meu gigante com coração de passarinho, "esta lágrima de amor, esta gota de ternura, este gesto de carinho, esta memória, esta emoção, esta gratidão" por esta Mulher Grande que fazia parte da tua tribo, do teu clã, da tua família extensa.... E como estamos hoje muito mais pobres, pobres de afectos, de valores e de emoções, reduzidos às nossas famílias nucleares e, cada vez mais, às nossas famílias monoparentais, em que a única figura parental tanto pode ser uam mulher como um homem!...

Parabéns, Joaquim, por este belíssimo texto, tão ternurento, que me comoveu... que vai comover mesmo os mais empedernidos tugas da Guiné... Com ele dás mais vida à vida do blogue, dás mais grandeza às almas grandes que habitam a nossa Tabanca Grande... Que a Ti Pedrosa, lá do alto, continue a velar por ti e, já agora, por todos nós, tabanqueiros, teus amigos de jornada... (LG).


Uma memória, uma emoção, uma gratidão.
por Joaquim Mexia Alves

Quando eu era menino, aliás mesmo já antes de eu nascer, vivia em casa dos meus pais, uma senhora, sim uma senhora, que tendo sido empregada em casa dos meus avós paternos, (que nem a minha mãe os conheceu pois morreram no principio do século xx, com o surto, salvo o erro, da pneumónica) (**), nunca saiu de perto do meu pai, ficando assim a viver lá em casa.

Mais velha do que o meu pai, (que nasceu em 1899), nunca quis deixar de trabalhar e assim tratava sobretudo da capoeira e, lembro-me bem, era quem embebedava o peru para o Natal.

Era carinhosamente tratada por Ti Pedrosa, e recebia sempre dois beijos de cada um de nós, meninos estudantes em Lisboa, sempre que regressávamos a Monte Real para os diversos períodos de férias.

Era família, tão família como qualquer avó muito querida, e que, mesmo tendo um pouco de seu, e mesmo depois dos sobrinhos da Argentina a quererem vir buscar, nunca quis sair de nossa casa, pois era ali que era a sua casa, a sua família.

De quando em vez fugia-lhe a palavra para o antigamente e tratava o meu pai por menino Olympio, numa ternura incapaz de aqui reproduzir, sobretudo por ver aquele homem grande enternecido por aquele tratamento tão íntimo.

Neste momento, já perguntam os meus camarigos o que é que tudo isto tem a ver com a Guiné!

Perguntam, porque já não temos a mesma paciência que ela tinha em esperar pelas férias, para ver como tinham crescido os seus meninos e quase obrigar as galinhas a porem os ovos amarelinhos, (que agora já não existem), para nós comermos estrelados em azeite, numa frigideira tão velha que já tinha a gordura “incorporada”.

Pois nos idos do mês de Abril de 1972, (mais para a frente ou mais para trás do dia 6, data do meu aniversário) (***), recebi no Xitole uma carta, cujo envelope escrito com caligrafia vacilante, tinha inscrito no remetente: Ti Pedrosa – Monte Real.

A letra não era dela, que não sabia escrever, mas de outra empregada que a seu pedido me dava os parabéns pelos meus 23 anos e servia de cobertura a uma nota de 20$00, para eu comprar o meu presente.

Calculam como o meu coração, já de si tão mole e sensível, enviou aos meus olhos a ordem para, com uma qualquer água, afastar o pó da Guiné e lubrificar a minha vista.

Claro que aquilo não era lágrimas, eram apenas os meus olhos a protestarem pela luz tão intensa da Guiné.

Foi um oásis de ternura, na brutalidade da guerra.

Mais tarde, uns meses mais tarde, julgo que ainda na Guiné, recebi outra carta, agora com a letra redonda e bem tratada da minha mãe, que me enviava, a pedido da Ti Pedrosa, uma fotografia sua, tirada nos seus oitenta ou noventa anos, que infelizmente a memória já não me deixa lembrar com precisão.

Dizia a minha mãe que a Ti Pedrosa tinha feito questão de tal envio e de que me dissesse da sua grande preocupação que o benjamim da família andasse por terras tão estranhas, a fazer coisas tão perigosas.

Que me cuidasse muito, tivesse cuidado com as temperaturas e que voltasse depressa e bem.

E porquê esta história agora?

Porque hoje tive uma insónia povoada de sonhos amargos, coisas da Guiné, e no meio da perturbação, da agitação, veio ao meu pensamento, (ou seria ao coração?), a imagem, a lembrança da Ti Pedrosa que lá no Alto olha por mim, tanto que pouco depois adormeci calmamente.

Claro que não podia deixar de lhe fazer esta homenagem, contando os seus gestos de ternura, que tanto amenizaram durante uns tempos, a dureza da minha vida na Guiné.

No meio das emboscadas, das minas, dos tiros, das dores, dos horrores, das horas amargas que aqui na Tabanca se vão desfiando, deixo-vos esta lágrima de amor, esta gota de ternura, este gesto de carinho, esta memória, esta emoção, esta gratidão.

Abraço-vos fortemente, meus camarigos, com um sorriso nos lábios, porque no peito de todos os combatentes, dos ex-combatentes, endurecidos pela guerra, empedernidos pela morte, ainda bate um coração sensível, que se alegra e enternece com os gestos de carinho, de amor, daqueles que por cá penaram a nossa estadia na Guiné.


Monte Real, 20 de Maio de 2009

_____

Notas de L.G.:


(**) Vd. postes anteriorea da série As Nossas Mulheres:

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4027: As nossas mulheres (8): A uma mãe, a todas as mães, a todas as mulheres da nossa vida (Juvenal Amado)

6 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3848: As nossas mulheres (7): Eu, a NI e o Miguel em Biambe, para um almoço de batatas fritas (Henrique Cerqueira)

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3803: As nossas mulheres (6): As minhas correspondentes e a minha mulher (José Colaço)

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3779: As nossas mulheres (5): Ni, uma combatente em Mansoa (1973/74)

16 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3748: As nossas mulheres (4): Recortes de imprensa de uma noiva (Luís Faria)

28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3676: As Nossas Mulheres (3): Um poema da minha Mãe, Leopoldina Duarte (António Paiva)

24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (2): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3662: As Nossas Mulheres (1): As que casaram com ...a Guiné. (Virgínio Briote)

(**) A pneumónica foi a pior pandemia de gripe do Séc. XX... Terá morto entre 20 a 40, se não mais, milhões de seres humanos, em todo o mundo...Mais de 60 mil em Portugal, numa época (1918/19) em que nós deveríamos ser seis milhões e picos... Para saberes mais, clica aqui, neste Portal de Saúde Pública...

Aqui encontras um resumo de uma tese de doutoramento sobre a Pneumónica (ou gripe espanhola), com especial incidência no concelho... de Leiria.

A Pneumónica de 1918 em Portugal Continental - Estudo Socioeconómico e Epidemiológico com particular análise do concelho de Leiria... O autor é João José Cúcio Frada, Médico, Professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Resumo de: Frada J. - A gripe pneumónica em Portugal Continental - 1918. 1ª edição, Lisboa: Setecaminhos, 2005

http://www.saudepublica.web.pt/TrabFrada/Pneumonica_JFrada.htm

(***) Vd. poste de:

6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)

Guiné 63/74 - P4387: Memória dos lugares (25): Bafatá (Fernando Gouveia)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 19 de Maio de 2009:

Porto: 19MAI2009

Caro Luís:

Vou tentar responder ao teu último e-mail e adiantar mais algumas coisas sobre a
nossa zona Leste e sobre a minha (mais minha) Bafatá.

Se os camaradas editores do blog o permitirem, muito do que teria para te contar, irei inclui-lo nas estórias que irei mandando para aí. Por razões muito especiais e pessoais, que em voz-off te poderei contar, a Guiné e especialmente Bafatá, ficaram no meu coração.

Adiantarei apenas que a maioria, senão todos os camaradas que lá estiveram, dizem cobras e lagartos sobre todo o processo, desde a mobilização até ao seu regresso e muitas vezes até à actualidade (traumatizados, etc.).

Como já disse na introdução da 1.ª estória, tive sorte, sorte e mais sorte. Como
exemplo, sabes de algum militar miliciano que tivesse vindo de férias à Metrópole três vezes, como eu vim?

Vou então comentar o teu e-mail com poucas palavras, mas que depois explanarei nas estórias:

1 - Não compreendi quando dizes que o 2.º ataque a Bambadinca pode ter sido provocado pelas NT. Um dia me contarás.

2 - Na 1.ª estória (os três oficiais) inclui duas fotos aéreas de Bafatá. Claro que ainda hás-de ver muitas mais, aéreas e não só.

3 - Sobre o Sr. Teófilo hei-de contar umas coisas, civis e de guerra pois durante quase um ano morei em frente ao seu boteco numa casa onde a minha mulher passou duas temporadas. Uma estorieta sobre a sua filha, a Ritinha, é deliciosa.

4 - No tema comércio poderei contar uma estorieta sobre o Infali, empregado da Transmontana. Mas o mais significativo que tenho será uma série de fotos sobre todas as actividades no Mercado de Bafatá, desde a vendedora de bolinhos de mancarra, passando por um gila a vender peles de cobra, até a um vendedor de cola. Lembras-te do Xame com os dentes de ouro feitos por ele próprio?

5 - Era sócio do Sporting Clube de Bafatá pois ficavam-me mais baratos os bilhetes do cinema. Isso vai dar mais umas estórias. O porteiro Braima, com quem tinha longas conversas, tinha sempre à sua espera, no meu frigorífico, (desculpa esta mordomia) umas Fantas, pois ele era muçulmano.

6 - Como deves compreender, vindo cá três vezes de férias e a minha mulher indo lá duas temporadas, não era frequentador do Bataclâ, que penso que seria uma casa perto da saída para Bambadinca. Sobre isso também haverá umas estorietas.

7 - Quanto à caça, só adianto por agora, que de dia, tanto ia sozinho como acompanhado mas sempre até um máximo de 1 Km da pista, para Norte. À noite ia sempre acompanhado. Como depois estoriarei, nos últimos meses nunca mais fui à noite, em parte por obra do Sr. Teófilo. Um dia ainda hás-de ver a foto de mim mesmo, que aparece no princípio das minhas estórias mas completa, sem ser recortada.

8 - Quando algures referi o Pel Rec Inf estava a reportar-me a Mafra. No Agrupamento estava exclusivamente como oficial de informações.

9 - Vou gostar de perguntar ao Humberto Reis se quando esteve em Madina Xaquili ainda lá estava o forno que eu próprio construí.

10 - O som, (não o filme como dizes), aí há-de chegar e por mim será incluído no último episódio da estória de Madina Xaquili.

Aproveito para lembrar (como é recomendado no blog) que a 4.ª estória, 3.ª parte
da de Madina Xaquili, enviada há 10 dias, ainda não foi postada. Acrescento que
toda a estória, a meu ver, vai melhorando à medida que se aproxima do fim.

Esta estória, por ser muito extensa, foi dividida em partes por sugestão do Carlos Vinhal. Por um lado acho bem, por outro considero que tem mais piada se for lida do princípio ao fim e não cada parte com intervalo de uma semana ou mais.

Tenho-a toda escrita. Se quiseres posso mandar as partes restantes e publicam-nas, seguidas ou não.

Um abraço.
Fernando Gouveia

Vista da parte principal de Bafatá. No quarteirão, em primeiro plano situava-se a sede do Batalhão

Foto e legenda: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4382: Memória dos lugares (24): Ponte João Landim, sobre o Rio Mansoa, (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P4386: O Nosso Livro de Visitas (63): B. Parreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 16 (1972/73)

1. B. Parreira deixou estes comentários no poste > Guiné 63/74 - P4347: Fichas de Unidades (1): A CCAÇ 16 (Teixeira Pinto, Bachile e Churobrique, 1970/74) (José Martins):

i - Caros Camaradas,
Estive em Bachile, como Fur Mil na CCaç 16 de Jun/72 a Fev/73, sob o comando inicial do Capitão Martins e posteriormente do Capitão Afonso.

Estive na situação de diligência visto que a minha Companhia estava sediada em S. Domingos.

Regressei à Metrópole em Março de 1973.

Um abraço.
Parreira - Faro


ii - Camarada António Branco
Graças a este blogue vamos tendo notícias dos amigos que fizemos e que pensvamos não mais encontrar.
´
Pois de facto partilhámos bons momentos juntos, e longas conversas, eu tu e o Sargento Guerreiro, de quem não tive mais notícias. Também me lembro do Miranda, outro grande amigo.

O António Graça a que te referes deve ser o Furriel Mecânico, porque o Alferes António G. Abreu estava em Teixeira Pinto.

Foi com grande emoção que vi a foto da Ponte Alferes Nunes e o Rio Costa, onde tantas vezes afoguei as minhas mágoas.
Era com os banhos no Rio e com os jogos de futebol, que jogava pela companhia CCaç 16, em Teixeira Pinto, que aliviava o meu stress.

Também tenho saudades dos camaradas africanos, e foram tantos os amigos que lá deixei.

Pode ser que um dia nós nos encontremos, ou nos contactemos, através de e-mail ou do blogue.

Gostava de ver uma fotografia tua aqui publicada, que eu também vou providenciar a digitalização da minha, para ver se nos vamos recordando das caras que há 36-37 anos deixámos de ver.

Um abraço
B. Parreira - Faro


2. Mais um comentário do nosso camarada Barreira, deixado no dia 19 de Maio de 2009, no poste Guiné 63/74 - P4353: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (1): O início do Serviço Militar

Camarada José da Câmara
Informo que não tenho raízes nos Açores, mas gosto muito do povo açoriano. Sou algarvio, de Faro, e toda a minha família é do Algarve.

Em 1970, quando fiz a recruta e especialidade em Tavira, como já havia dito, convivi muito com a malta das ilhas, talvez tu fosses um desses camaradas.

Antes de ir para o Bachile em Junho de 1972, fiz Estágio Unidades Africanas em Bolama.

A guerra de que fui obrigado a fazer parte, foi feita em S. Domingos, fronteira com o Senegal 1.º ano, e 2.º ano em Bachile.

Confesso que em S. Domingos a situação era muito mais perigosa e tivemos muito mais mortos e feridos.

Apesar de tudo, por todo o lado que andei deixei amigos, quer na população africana quer nos camaradas militares. Tenho a minha consciência muito tranquila.
Só tenho pena dos camaradas militares africanos que foram obrigados, tal como nós, a fazer a guerra e depois foram abandonados à sua sorte. Muitos foram fuzilados após a independência do seu país, e isso devia ter sido acautelado por Portugal.

Um abraço e até um dia destes.
B. Parreira


3. Comentário de CV:

Caro Barreira

Muito obrigado por nos seguires e por comentares os nossos postes.

No entanto ser só comentador é muito pouco. Podes ser mais activo se aderires à nossa Tabanca Grande e começares a falar da tua vivência em S. Domingos, zona de que temos poucos camaradas.

Se tiveres algum tempo disponível, manda uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, em formato JPEG, anexa um texto falando de ti e da tua Unidade e serás apresentado formalmente à Tertúlia, ficando assim apto a colaborares connosco na feitura deste espólio histórico.

Como acho que conheces bem o nosso Blogue, não preciso de estar com muitas particularidades. Esperamos, isso sim, as tuas próximas notícias.

Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste de série de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4355: O Nosso Livro de Visitas (62): José Rocha emitindo a sua opinião sobre a retirada de Guileje

Guiné 63/74 - P4385: Estórias de Jorge Picado (5): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (I): Reunião com o Secretário Geral

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, com data de 18 de Maio de 2009:

Assunto: Estadia no CAOP 1

Caríssimos editores e co-editores
Tendo-me posto a dedilhar no teclado saíu-me uma pequena prosa do tempo do CAOP 1 que envio para vossa apreciação, juntamente com um anexo duma nota de reunião de trabalhos anterior à minha chegada.
Como sempre, se julgarem com algum valor para arquivo do Blogue, é de todos.
Abraços
Jorge Picado










Algo sobre a minha passagem pelo CAOP 1

Tendo deixado, para grande consolo e descanso meu, a CArt 2732 em MANSABÁ, em 29ABR71, depois de 52 dias de ali ter chegado e, 38 após receber a Nota do QG a comunicar a colocação no CAOP 1, arribei – desculpem este termo náutico, mas apesar de não querer nada com o mar, sou duma terra de “ex-homens do mar” – a Teixeira Pinto cerca das 13H de 4MAI, depois duma travessia por JOÃO LANDIM, DINGAL, CÓ e PELUNDO, sob a protecção de pessoal da CCaç 2660? ou 2658? Não tenho a certeza qual era a CCaç encarregada de efectuar as colunas a BISSAU, mas era sem dúvida do BCaç 2905, então em T. Pinto.

O pessoal da CArt 2732 que me perdoe por este intróito, mas não julguem que os menosprezei.

Parece que já estou a ouvir o nosso co-editor e amigo Carlos. “Olha para este malandro. Não gostou da companhia e tratou de se safar. Mas que grande s..... me saiu”.

Nada disso. Não foi pela companhia (não confundir com Companhia), mas antes… pelo clima… ou os ares do campo que, por aquelas bandas (como diz o Zé povinho), não eram muito saudáveis. E quem me tinha “aberto definitivamente os olhos” ainda em BISSAU, tinha sido o “Ex”…

A prova de que sempre senti algo por esse pessoal, está no que transmiti ao papel em 2003, quando tentei alinhavar umas recordações, sem sequer me passar pela cabeça que viria a reencontrar alguém desse tempo. Pois se nessa época os que comigo mais tempo conviveram não me tinham reencontrado, como poderia alimentar a ideia de encontrar alguém de MANSABÁ? Passo a transcrever então algumas passagens do que escrevi:

[…despedi-me daqueles camaradas de infortúnio, que tão pouca sorte tinham tido com o “seu” Cmdt.

Na verdade não o mereciam porque eram todos bons rapazes e fixes.

Usei a expressão “camaradas de infortúnio”? Sim.

Afinal também não lhes notei qualquer motivação para desempenharem os papéis que lhes tinham atribuído.

Não os via, como igualmente não me reconhecia, com motivos para fazerem a guerra.

Pressentia que o que a maioria desejava era voltar às suas terras, às suas casas, às suas Famílias.]


Já chega de devaneio, voltemos ao CAOP 1.

Como já disse num dos escritos sobre esta zona, era adjunto do Oficial responsável pelos assuntos da ACAP/POP, sem qualquer actividade operacional, bem como livre de actividades de “quartel”, isto é, não entrava nas escalas de serviço, como acontecia em MANSOA, já que essas eram tarefas da competência da unidade de quadricula, o BCaç 2905 até DEZ71 e o BCaç 3863 depois. Era pois, convenhamos, uma situação muitíssimo mais tranquila do que até aí tinha sucedido.

Ao mesmo tempo o ambiente que se vivia entre os componentes daquele mini-EM era completamente diferente do chamado “ambiente de caserna”. Tudo muito afável, duma grande correcção e “espíritos muito abertos” que, confesso, me deixavam surpreso.

O meu camarada de quarto, que não tinha curso de EM e tinha cumprido uns anos antes uma 1.ª comissão à frente duma CCaç na área de BULA, manifestava-se já tão descrente e dizia tão mal, que eu, passei a manter-me sempre na defensiva, convencido que a sua intenção era fazer-me “abrir a boca” para confidências politicamente comprometedoras. E quanto às minhas competências não militares, aconselhava-me a não me manifestar. Tinham-me mandado para ali como militar? Era porque se estavam nas tintas para os outros meus conhecimentos, ia-me dizendo. O seu azedume era tal que usava uma assinatura de tal modo estilizada, na documentação oficial, que até um ponto colocava na extremidade, para ficar mais semelhante a um falo, como provocatoriamente me segredava.

Mando hoje, digitalizado, uma cópia dum relatório de 4 folhas, das notas de uma reunião efectuada em BULA em 02MAR71, portanto anterior à minha chegada a este Agrupamento.

Tenho dúvidas se, dada a impressão ser tão ténue, o documento será legível. Por isso resolvi transcrevê-lo.

REUNIÃO EFECTUADA EM BULA EM 02MAR71 SOB A PRESIDÊNCIA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL

- Razão da reunião (Cor. Amaral) – despachos do Secretário-Geral, voltaram atrás os processos de Veterinária e Agricultura por terem mudado os respectivos Chefes de Serviço.

- Pedreiros – apresentado o pedido ao Pes. Log. (faltam e não há na área)

- Agricultura – não está a trabalhar em pleno!

- Problema da estrada T.PINTO-ALF. NUNES, má asfaltagem

- Problema da falta de arroz

(a) falta no mercado - Não
(b) falta dinheiro para o comprar

A segunda hipótese é garantida (desmatações) e trabalhos na estrada. Em vista disto não deve constituir problema.

- Apresentado a falta de dinheiro em P.CONSOLAÇÃO para compra de arroz.

- Problema dos estrangeiros (no Chão Manjaco). N/General vai fazer uma campanha de nacionalização. Ficam suspensos de pagamento.

- O CAOP e a Administração devem ver as áreas com vista a abolição (dispensa) do imposto, devido à seca. Ter atenção às áreas afectadas, J.LANDIM, A.BARROS, P.CONSOLAÇÃO.

- Apresentado pelo BCaç 2905, falta de homens nos reordenamentos, caso concreto BATUCAR, ida dos homens para a estrada do CACHEU – o Administrador prometeu resolver o assunto.

- os reordenamentos estão em ritmo aceitável apenas o de CHUROBRIQUE, está mais atrasado.

- O delegado do ComChefe afirma que nas reuniões do mesmo dizem que os reordenamentos na área de T.PINTO estão excedidos na previsão pelo que talvez sejam de tirar lá especialistas.

- Contraproposta imediata do BCaç 2905 e CAOP.

- O Comandante do CAOP apresentou três problemas

- Arroz – já tratado
- Peixe – frigorífico no CACHEU
- Carne – existe muita dificuldade. Preconizou a sua regularização se possível com frigorífico.

- O Secretário-Geral sobre a carne disse: o Veterinário fez um relatório onde abordava este assunto.

O CTIG está a tentar resolver o problema dado que a FA o tem resolvido e a Marinha também.

- Problema do BCaç do PELUNDO.

- Estrada J.LANDIM-T.PINTO (bermas e capinagem – alcatrão) apresentou a solução de Angola e Moçambique. (ver nota já enviada ao CAOP).

O Secretário-Geral falou na utilização das máquinas da agricultura, podendo ser aproveitadas na solução apresentada pelo Ten. Cor.

- Reordenamentos:

- JOLMETE – Regresso ou afluxo das POP às povoações. Mais 35 casas, as já construídas estão muito juntas, ver a construção das futuras.

- PELUNDO – Quintais no Bairro P. Ramos

- Mesquita
- Posto Sanitário (falta o apetrechamento).

- CÓ – Tratar dos arruamentos – Cozinha nas ruas

- Controle de população – apresentou a notícia que a população vem do mato para o PELUNDO via BISSAU. Preconizou uma estrutura de controle.
- Urbanização e desenvolvimento do PELUNDO. Tem clube? Tem Centro de Convívio? Há quem queira fazer um café.
- Iluminação da ILHA de JETE.

- O Secretário-Geral resumiu os problemas apresentados.

- Dinheiro
- Luz
- Posto Sanitário
- Mesquita
- Centro de Convívio (apresentou propostas)
- Destronca da estrada
- Reordenamento de JOLMETE – Azeredo
- Escola de JOLMETE (cento e tal contos)

Bat. BULA

- Tem os mesmos problemas expostos e mais alguns! Dada a actividade operacional tem certas dificuldades.
- Obras Públicas – asfaltagem da estrada BULA-BINAR.
- O problema da estrada BULA-S.VICENTE – desmatagem e barreiras (o problema está posto).
- Reparação de buracos da estrada J.LANDIM-BULA.
- Abordou o problema de P.CONSULAÇÃO e dos reordenamentos em geral da desmatação dentro dos reordenamentos.
- Água nos reordenamentos
- Acessos aos reordenamentos PLACO-A.BARROS e de acesso a P.CONSOLAÇÃO.

BULA – Água e luz. São os geradores militares que a fornecem.

Problema apresentado pelo Capelão. Fazer um Centro de Convívio para os miúdos.

Secretário-Geral: o padre deveria oferecer os préstimos à Missão para ser essa a tomar conta disso.

Toda a vantagem dos esforços concorrentes.

- A.BARROS não colabora (diz que tem fome!)

- DINGAL é só da tropa. Falou sobre o nº de casas.

- Problema das carreiras de autocarros

- T.PINTO e

- S.VICENTE

- Ciclo das inaugurações – Se o Ministro vier será nessa altura. Se não... quando for
.”

Como se pode constatar são umas notas muito sucintas e não sei quem as tomou. Comigo a assistir a reuniões destas e desde que encarregado de tomar apontamentos, estes seriam muito mais precisos.

Deve ter sido uma reunião prolongada, já que se abordaram numerosos assuntos e, pelos vistos, era um ponto da situação que se estava a fazer, pois previa-se uma visita Ministerial e era necessário apresentar e mostrar obras feitas, ou não fosse aquela zona a “sala de exposição” principal da Politica de “Uma Guiné Melhor”.

Quando se fala no Bat. BULA, deve ser o BCaç 2928 a que pertenciam os camaradas Luís Faria, Matos e outros.

Por hoje é tudo, mas estou a procurar preparar mais 4 documentos que recuperei daqueles tempos em T. Pinto.

Jorge Picado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4364: Memória dos lugares (22): Fortim e Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa, entre Canchungo e Bachile (Jorge Picado)

Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3051: Estórias de Jorge Picado (4): Como cheguei a Comandante da CART 2732 (Jorge Picado)

Guiné 64/74 - P4384: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (5): O nº 48, Dezembro de 1972, dedicado à 'visita da OUA às regiões libertadas no sul'




Tradução do nº 48 da revista PAIGC Actualités, um orgão de propaganda política do PAIGC, publicado mensalmente, em francês. Subtítulo: "A vida e a luta na Guiné e Cabo Verde". O nº 48 tem 6 páginas e é datado de Dezembro de 1972. Tradução de Vasco da Gama, a partir de cópia digitalizada fornecida pelo co-editor Eduardo Magalhães Ribeiro.


Recebidos com entusiasmo e esperança pelo povo e pelos combatentes.
Uma Delegação da OUA [, Organização de Unidade Africana,] chefiada pelo comandante M’Bita, secretário executivo do Comité de Libertação Africano (na foto ao centro ), visita as regiões libertadas no sul do nosso país.

O NOSSO PARTIDO EM ÁFRICA E NO MUNDO
Amigos ingleses nas regiões libertadas


(O Sr e Sra Wainright no Hospital Solidariedade, onde conversam com o camarada dr. Boal responsável político do hospital)

Richard Wainright, Presidente do Partido Liberal Inglês e Administrador da Joseph Rowntree Social Trust Service, acompanhado por sua esposa, Joyce Wainright, visitam as obras do Instituto de Amizade e do Hospital da Solidariedade.

Após uma estadia em Dakar e em Ziguinchor, o casal inglês dirigiu-se ao Internato do Norte nas regiões libertadas onde as crianças apresentaram um espectáculo cultural em honra dos nossos ilustres hóspedes que de seguida partiram para a República da Guiné onde visitaram a Escola Piloto e o Jardim de Infância em Conacri e o Hospital de Solidariedade em Boké. Na região de Boé, na parte leste do país, os nossos amigos ingleses foram recebidos na Escola Internato, tendo também contactado as populações das aldeias libertadas.
A fundação Joseph Rowntree Social Trust Service concedeu ao longo deste ano uma ajuda importante às nossas escolas e hospitais.



( O escritor inglês Basil Davidson conversa com a responsável da organização dos Pioneiros do Partido no sul do país Teodora Gomes.)

O escritor e africanista inglês Basil Davidson visita pela terceira vez as zonas libertadas do nosso país. Acompanhado pelo camarada Vasco Cabral, do Comité Executivo, visita o Sul e de seguida o Leste. Nesta última frente reuniu demoradamente com o Secretário Geral do Partido, Amílcar Cabral, que se encontrava na região em visita de inspecção.
Basil Davidson, que foi o primeiro escritor da Europa Ocidental a denunciar os crimes dos colonialistas portugueses, é um amigo do nosso povo, tendo publicado inúmeros escritos sobre a nossa luta, tendo o seu livro Revolução em África sido prefaciado pelo Amílcar Cabral.
Em cima, o escritor inglês Basil Davidson conversa com a responsável da organização dos Pioneiros do Partido no sul do país Teodora Gomes.



(A delegação da NORAD na Escola Piloto na companhia do camarada Aristides Pereira)
UMA DELEGAÇÃO NORUEGUESA, MM. Jensen, director adjunto do Serviço de Desenvolvimento Internacional (NORAD ), visitou o nosso secretário geral em Outubro último.

A delegação da NORAD conversou com o camarada Aristides Pereira da Comissão Permanente do CEL a propósito da ajuda concedida pela Noruega ao nosso Partido, tendo visitado os departamentos do Instituto Amizade em Conacri e o nosso Hospital Solidariedade em Boké.
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Por ocasião da sua presença na sede das Nações Unidas em Nova Yorque, no passado mês de Outubro.

Razão pela qual o nosso líder renunciou ao uso da palavra na Assembleia Geral das Nações Unidas.
O camarada Amílcar Cabral após consulta à Direcção do Partido, explica numa carta dirigida à Assembleia Geral os motivos que o levaram a tomar esta decisão.

Senhor Presidente,
Um numeroso grupo de Estados membros da ONU, entre os quais os países irmãos de África e vários países amigos, expressou o desejo de que nos dirigíssemos à Assembleia Geral, numa sessão plenária, no decurso do debate sobre a descolonização. Esta pretensão encontrou eco favorável no seio da 4ª Comissão que encarregou o seu ilustre Presidente de efectuar junto de Vª. Exª., as diligências necessárias para a sua materialização.




(O Secretário Geral do Partido com Marcelino dos Santos, Vice Presidente da Frelimo, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque)

Na sequência de várias consultas realizadas concluímos que uma confortável maioria se inclina a favor desta nossa iniciativa cuja importância ninguém conseguirá subestimar, a não ser a transcendência política, no quadro da luta levada a cabo pelas forças anticolonialistas da ONU contra o particularmente retrógrado colonialismo português.

Tendo em consideração as manifestações de simpatia e de apoio que nos foram directamente transmitidos por parte de uma numerosa delegação presente na sessão, temos a certeza que no caso de ter havido um debate e uma votação sobre esta questão, a Assembleia Geral ter-nos-ia convidado a usar da palavra perante a Assembleia , em sessão plenária. Esta certeza constitui já para o nosso povo africano outro factor de encorajamento no conflito, infelizmente sangrento, que travamos contra o governo colonialista de Portugal sobre quem recai toda a responsabilidade.

Mesmo na minoria que se absteve ou se opôs surgem alguns estados cuja amizade e compreensão são já favoráveis ao nosso povo e também à nossa luta. Por razões que aliás não põem minimamente em causa a nossa possibilidade de nos dirigirmos à Assembleia Geral, esses estados seriam forçados, se houvesse uma votação, a abster-se ou a votar contra.

Escusado será dizer que não é com toda a certeza o caso da ínfima minoria formada pelos aliados do governo colonialista português que se opõe sistematicamente a toda e qualquer iniciativa no sentido de acelerar a liquidação do colonialismo e do racismo em África.





(Sevilha Borja, Presidente do Comité Especial da ONU que visitou as regiões libertadas no sul do nosso país, conversa com o camarada Amílcar Cabral, no decorrer da Assembleia do Conselho de Segurança sobre a agressão das forças colonialistas portuguesas contra a República do Senegal, em Outubro passado)





(O líder do nosso Partido, o primeiro combatente pela liberdade africana a usar da palavra perante a ONU com Koffi Kouamé da Costa do Marfim)

Após consulta à direcção do nosso Partido e informados que foram os representantes dos países irmãos e amigos, que ao tomarem tal iniciativa, a todos os títulos positiva, deram mais uma prova da sua solidariedade concreta para com o nosso povo e a nossa identidade com os princípios e objectivos da O.N.U., expressamos á Assembleia Geral, por intermédio de Vª. Exª. o nosso desejo para que, relativamente a esta questão, nem o debate nem a votação sejam efectuados.

Com efeito, é com a maior alegria que constatamos que uma larga maioria dos Estados Membros reconhecem o direito inalienável ao nosso povo de poder ser escutado através da voz dos seus legítimos e verdadeiros representantes, por todas as instâncias da ONU, incluindo a Assembleia Geral. No entanto não desejamos nesta etapa da nossa luta que países verdadeiramente amigos ou potencialmente solidários com a nossa causa se vejam obrigados publicamente a contradizer os seus próprios sentimentos e princípios. Uma vitória política é um bem demasiadamente precioso para um povo que luta pela sua libertação nacional contra um inimigo sem escrúpulos e fortemente apoiado pelos seus aliados. Acreditamos que, mesmo no caso vertente, há sucessos aos quais é necessário saber renunciar.

Queira aceitar, Senhor Presidente, a expressão dos nossos sentimentos e da mais elevada consideração.

O Secretário Geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)
(assinado) Amílcar Cabral

MOSCOVO: Os camaradas André Pedro Gomes, membro do Comité Executivo da Luta e Comandante da frente NHACRA – Morés, e Júlio Semedo, do Secretariado Geral, participam na capital soviética no encontro internacional da juventude trabalhista.

O jornalista francês LAMBOTTE , do jornal Humanité, visita as frentes Sul e Leste do nosso país.
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Enquanto as populações e os combatentes no Sul do país acolhem calorosa e fraternamente a delegação do Comité de Libertação da OUA.

O NOSSO EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO INFLIGE PESADAS BAIXAS ÀS TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS.

Uma delegação do Comité de Libertação da OUA constata a importância dos objectivos alcançados através da luta de libertação do nosso povo, sob a direcção do PAIGC.

Guiada pelo comandante M’Bita, Secretário Executivo do referido Comité, a delegação da OUA, que nos visitou em Novembro último, contactou os principais dirigentes políticos e militares do Sul visitando algumas unidades das nossas Forças Armadas, hospitais e postos sanitários instalados na zona, bem como outro tipo de actividades sociais levadas a cabo pelo nosso Partido.

Os nossos ilustres visitantes foram saudados pelas populações libertadas de Balana no decorrer de um grande encontro realizado na sede do Tribunal do sector. Ao dirigir-se à numerosa assistência, o comandante M’Bita após ter felicitado as populações e os combatentes pela sua coragem e determinação, afirmou que a OUA vai colaborar com todos os meios ao seu alcance, no sentido de reforçar a contribuição decisiva de África para uma mais rápida liquidação do colonialismo português no nosso país. A delegação da OUA era composta, entre outros, pelo Secretário Executivo do Comité de Libertação, o comandante Ahmed Sidki do Egipto, o capitão Macaranga da Tanzânia e os tenentes M’Bemba Queita e Komyetá da República da Guiné.

OS NOSSOS COMBATENTES REALIZARAM 75 ACÇÕES DE GRANDE RELEVÂNCIA, DAS QUAIS 60 ATAQUES CONTRA OS CAMPOS ENTRICHEIRADOS DOS PORTUGUESES E 15 EMBOSCADAS BEM COMO OUTRAS IMPORTANTES ACÇÕES.


(No regresso ao nosso país o Comandante M’Bita na companhia dos membros da delegaçã da O.U.A., reencontra o Secretário Geral do nosso Partido, o camarada Amílcar Cabral)


(A delegação do Comité de Libertação observa pormenorizadamente a defesa anti-aérea das nossas posições)

As cidades de Mansoa e Catió foram atacadas por duas vezes. Entre os quartéis atacados estão as importantes guarnições de Xime, Xitole (duas vezes), Cufar (três vezes), Bedanda (duas vezes), Fulacunda, Aldeia Formosa (no sul do país), S. Domingos (três vezes), Olossato, e Mansoa ( no norte) e Pirada no leste.

As baixas entre os colonialistas cifraram-se em 141 mortos confirmados, entre os quais um capitão e vários oficiais subalternos, mais de uma centena de feridos , 6 camiões e um helicóptero destruídos e uma quantidade enorme de material capturado pelos nossos Combatentes, sobretudo em Choquemone, onde a 25 de Novembro [de 1972] uma operação inimiga de grande envergadura se saldou num enorme fracasso.

Face às sucessivas derrotas que os nossos combatentes lhes têm infligido nos últimos meses e cada vez mais furiosos por causa da divulgação dos nossos sucessos a nível internacional, os colonialistas portugueses intensificaram em Novembro os bombardeamentos com napalm nomeadamente no Sul libertado.
Entre outras, as aldeias de Gandua, Timbo, Catchaque, Bari e Santana foram parcial ou totalmente destruídas e as tropas helitransportadas praticaram actos de terrorismo, matando 25 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, em Caduco, Cancolia, Gambia, Mandjaque, Gamassampá e Botchebissa, onde os soldados portugueses perpetraram sevícias contra a população e violaram 5 raparigas. Tendo sido repelidos destas aldeias pelas Forças Armadas locais, o inimigo registou pesadas baixas durante os seus actos terroristas.


(No longo e difícil percurso de libertação, os nossos combatentes são filhos dignos do nosso Partido africano)

Sendo o espelho dos sentimentos do nosso povo, do qual são os legítimos representantes, os nossos combatentes dedicam o resultado das suas acções de Novembro ao povo irmão da República da Guiné, em homenagem e reconhecimento da sua histórica vitória contra a agressão imperialista portuguesa em 22 de Novembro de 1970. Novembro de 1972 regista, com efeito, o maior número de acções contra as tropas colonialistas que sofreram neste mês, uma das mais pesadas penas em vidas humanas.



P.A.I.G.C. Actualidades

Boletim de informação editada pela Comissão de Informação e Propaganda do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Correspondência: Caixa Postal 298 – Conakry (Rep. Da Guiné) Caixa Postal 239 - Dakar (Senegal)

NOTA: Este documento contou com a preciosa ajuda, na tradução do francês para o português, do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Capitão e CMDT da célebre companhia "Os Tigres de Cumbijã", Cumbijã, 1972/74.
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Nota de M.R.:

Vd. postes anteriores desta série em:

2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2

Guiné 63/74 - P4383: Homenagem ao Serviço de Saúde das nossas Forças Armadas (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 18 de Maio de 2009:

Amigo Vinhal

Envio-te um e (hi)stória não muito comum creio, que publicas se achares.

Com um abraço
Luís Faria


Embarques e desembarques
Ou o homem que não quis morrer


À altura julgo que era do conhecimento comum dizer-se que, ferido que conseguisse chegar vivo ao Hospital de Bissau, se safava!

Seria um bocado de exagero mas, para além de moralizador e aliado ao facto de por norma mediar escasso tempo entre o ferimento e a evacuação, sentia-se um certo apoio e segurança! De qualquer dos modos e ao que sei, o palmarés do Hospital era sobremaneira positivo.

Aquando de uma operação a Ponta Matar, passámos por violento recontro em que sofremos infelizmente um morto e cinco feridos.

Um Homem meu foi um desses feridos, com gravidade. É a e(hi)stória destes momentos que resolvi contar, talvez por ter estado demasiadamente envolvido e pela invulgaridade creio, do que aconteceu.

O confronto era aceso, os rebentamentos e os tiros sobravam!

O dada altura a meu lado cai um soldado meu, que fica prostrado e a esvair-se, traçado no pescoço por, salvo erro, quatro tiros.

Ao acercar-me, pede-me num murmúrio entrecortado que comunique com os Pais e lhes diga … ao que, apostando com ele uma grade de bazucas, respondo que não será preciso, pois vai safar-se…!

Desfalece! O héli-evacuação chega e a Enf. Pára apeia-se para a recepção e triagem dos feridos por ter que haver prioridades, atendendo ao número.

Tomo o pulso do meu Homem e sinto-lhe muito espaçadamente a pulsação!

Ainda está vivo!! De imediato é metido no héli.

A Enfermeira vê-o naquele estado, não reconhece sinais de vida e retira-o, para dar lugar a outro ferido. Parece mentira, não acredito, naqueles segundos…apagou-se!!

Por mera confirmação, tomo-lhe novamente o pulso e… sinto-o de novo, muito fracamente!!!

É metido no heli, afirmo à Enfermeira que está vivo… que tem pulso, fraco mas tem!!

Felizmente confirmada a situação, o héli descola para o seu destino, Bissau.

Chegado ao quartel, informam-me que o héli tinha descido em Bula para desembarcar o meu Homem, de novo dado como morto e regressar a P. Matar a buscar outros feridos, mas que o Médico (?) conseguiu aperceber-se novamente de uma réstia de vida e… o héli seguiu para Bissau.

Nunca mais soube nada do meu Homem… considerei-o como morto e na guerra continuei o meu caminho.

Um final feliz

Acabada a comissão e regressado à Metrópole, casei e um dia, acompanhado pela minha mulher seguia na Av. Fontes Pereira de Melo e ouço chamarem-me:

- Furriel Faria… Furriel Faria …!!??

Olhei e não queria acreditar!!! Fiquei parado… estupefacto!! Afinal tinha sobrevivido, graças a Deus!!! Era o meu Homem, ligeiramente rouco mas de boa saúde.

De há dois ou três anos a esta parte, encontramo-nos na reunião da Força e creio que só desde esta altura é que ele soube, não por mim, da história, uma história com um final feliz!

Quero terminar este relato-história com um agradecimento a todos os que exerceram funções no Hospital Militar de Bissau, aos valentes e abnegados da FAP na Guiné, sempre prontos a prestar o seu auxílio incondicional quer nas evacuações quer na segurança às tropas, não esquecendo as nossas Queridas Enfermeiras Pára que para alem de visões celestiais eram visões de Esperança e conforto.

Aos nossos Médicos no terreno.

Aos nossos queridos Enfermeiros que, como o Urbano, o Taia, o Silva o Braga, o Brejo e a todos os outros que andavam connosco na mata, sujeitos aos mesmos sacrifícios e perigos, com a agravante de eventualmente debaixo de fogo terem que se arriscar mais, para irem em socorro de um ferido.

Um bem-haja a todos e o meu Obrigado, ao fim de tantos anos.


Luís Faria

Nesta foto, a nossa querida camarada Enf.ª Pára-quedista Giselda junto de um héli e respectiva tripulação. Quem nunca assistiu a uma evacuação? Sangue-frio e competência, principais atributos destas pessoas que tomavam nas suas mãos algumas vidas presas por ténues fios.

Foto: © Giselda Pessoa (2009). Direitos reservados.
Legenda de CV

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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3) O osso

terça-feira, 19 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4382: Memória dos lugares (24): Ponte João Landim, sobre o Rio Mansoa, (Carlos Silva)

Com o devido agradecimento aos nossos Camaradas J. Câmara e Carlos Silva, por nos permitiram a publicação destes seus e-mails, com mais algumas achegas importantes ao que havia sido dito sobre a Ponte Alferes  Nunes: 

Amigo Câmara, 

Os guinéus não melhoraram a ponte. 

Alguém, por acaso não sei quem foram os dadores e construtores, construíram uma nova ponte toda metálica.
Já agora, já que estamos a falar de pontes vê o blogue abaixo e verás a nova ponte sobre o rio Cacheu a ser inaugurada em Junho próximo. 
Já agora sugiro ao Luís graça para colocar no Blogue a indicação sobre este blogue relativo à ponte. 
Aproveito também para enviar-te fotos da ponte João Landim sobre o rio Mansoa. 

Quanto às nossas pontes Alferes Nunes. De facto, não me apercebi de vestígios da[s] velha[s] pontes sobre o rio Costa quer para jusante, quer para montante do actual local da ponte metálica, bem como, não me apercebi de alteração do traçado da estrada, relativamente à estrada construída por vós em 1971. 

Em Março de 2007, a estrada desde Bula>Pelundo>Cantchungo>Cacheu estava a ser objecto de reconstrução, ou seja, estavam a colocar um tapete novo. 

Aliás, podes ver através da foto que enviei, onde estou dentro do jipe vermelho em cima da ponte e para trás, na direcção Bachile>Cacheu podes ver o alcatrão levantado.Pois para fazer o percurso acima referido, fiz grandes troços da picada antiga e nas proximidades da ponde não vi absolutamente vestígios de picada antiga, pelo que, passei pela vossa estrada. 

Aliás, devo dizer que fomos acompanhados por um amigo guineense que conhecia a zona e foi ele que no levou ao Quartel do Bachile da CCaç 16 e nunca falou nas pontes velhas. 

Portanto, creio que não havia outro traçado naquela zona, senão a vossa estrada. 

Deve ter havido uma limpeza geral das ruínas. 

Contudo, n próximo ano vou tirar todas as dúvidas. 

Tal como referi acima, em 2007 andei por troços de picada antiga, devido às obras. 

Em 2008 e 2009 fiz todo o percurso sobre um excelente tapete desde Bissau até ao Cacheu, o que se faz em 2 horas.Os 38 kms de terra batida, são do Paulo Bastos do Pel Caç 953 que esteve no Cacheu em 1964/65. 

Obrigado pelas fotos. 

Com um abraço amigo, 
Carlos Silva 
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Notas de M.R.: 

Vd. último poste da série em: 

Guiné 63/74 - P4381: Memória dos lugares (23): Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa, entre Canchungo e Bachile (Carlos Silva)


Guiné> Fortim e Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e Bachile, sobre o Rio Costa (Pelundo). c. 1968/69. 
Foto do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro, CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, Jolmete,Olossato, Bissorã,1968/70). 
Foto: © Albino Silva (2007). Direitos reservados. 


Caro Carlos, 

Li com atenção a resposta que destes sobre a Ponte Alferes Nunes. Com todo o gosto fui procurar a tua fotografia, no teu próprio blogue. Claro que a ponte da tua fotografia nada tem a ver com aquela que eu atravessei várias vezes. Para desilusão minha o fortim (uma autêntica fortaleza) desapareceu.
Fiquei sensibilizado pelo facto dos guinéus terem tido a oportunidade de melhorarem a ponte. Mas também digo que é de lamentar o facto de não manterem em condições "turísticas" a história da guerra. Só teriam a ganhar com isso. Sei que não é possível manter tudo. Mas tudo parece destruído. Eles lá sabem! 

Mas adiante.... 

O Jorge Picado fala numa outra ponte ou o que restava dela. De facto, para quem estava na ponte virado para o Bachile, e a uns metros acrescentados para a direita havia uma ruína daquilo que parecia ter sido uma ponte. Aí o rio era pouco largo e pouco profundo. Parto do princípio que haveria um outro traçado de estrada, de terra batida, que nada tinha a ver com a estrada que ajudamos a construir. 

Atravessei a ponte Alferes Nunes, pela primeira vez, no dia 6 de Abril de 1971. Pernoitamos no Bachile. No dia seguinte fomos para o nosso primeiro acampamento, a cerca de 10 Km do Bachile.
O traçado da estrada era aberto com máquinas, ao mesmo tempo que a descapinação era feita à catanada, com cerca  de 100 metros para cada lado. Mais atrás, avançava o leito da estrada. Este era nivelado com máquinas niveladoras,  em várias camadas de macadame e comprimidas com auto tanques de água e cilindros de vibração. De imediato era feita a alcatroamento. 

Quando o Carlos, na viagem de 2008,  se refere a 38 Km de terra batida, está a dizer-me que essa estrada se degradou a esse ponto? Ou, resolveu seguir o traçado antigo?

Junto algumas fotografias do tempo. Possivelmente usarei algumas para a pequena história que estou a escrever. Da minha parte use aquilo que lhe interessar. 

Um abraço do, 

J. Câmara 

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Notas de M.R.: 
Vd. ultimo poste da série em: 

17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4364: Memória dos lugares (22): Fortim e Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa, entre Canchungo e Bachile (Jorge Picado)