quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5212: Ser solidário (42): Em Marcha a Expedição Humanitária Portugal/Guiné-Bissau 2010 (José Moreira, Memórias e Gentes, Coimbra)

Viajardemoto.com > O portal de quem viaja de moto.... A malta das motas (popular e carinhosamente conhecida por motoqueiros) está crescentemente a aderir à Expedição Humanitária Portugal/Guiné-Bissau, por terra... Segundo o José Moreira, haverá já 9 motociclistas que irão integrados na caravana automóvel habitual (6 a 8 viaturas todo o terreno). Na edição de 2010, a partida já marcada: Coimbra, 25 de Fevereiro de 2010. O nosso blogue vai a maior força possível aos todos amigos e camaradas da Guiné que já estão, no terreno, a trabalho para o sucesso desta causa humanitária e lusófona.


“O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores" (Paulo Quintana)

Instituição de Utilidade Pública / Reconhecimento e registo como ONGD
pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros
Natureza jurídica: Pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, inserida no regime do mecenato social previsto no Estatuto Benefícios Fiscais,
matriculada na C.R.C.de Coimbra / NIPC 508 343 461
Sede: R Prof Guilherme Tomé (instalações J.F.Taveiro)
Apartado 45
3046-801 TAVEIRO (COIMBRA)
Contacto: E-mail:
j.moreira@sapo.pt
ou mailto:guine@coimbraeventos.com~
Telem.: 964 028 040
Parceiro especializado da LIGA DOS COMBATENTES para acções humanitárias



1. Mensagem do José Moreira, presidente da direcção da Associação Humanitária Memórias e Gentes:

Coimbra, 22 de Outubro de 2009

Camarada e amigo Luis Graça,

Em tempos formulastes o pedido, para descrevermos o percurso das nossas expedições à Guiné-Bissau.

Finalmente ele aqui vai numa espécie de Diário, com os dias de viagem, horas, quilómetros parcelares e totais até à Guiné-Bissau. Presumo ser uma informação útil para todos os camaradas do Blogue que, eventualmente, queiram um ano destes participar connosco nesta viagem que, ininterruptamente se faz há 5 anos a esta parte.


Uma curiosidade: Analisando os quilómetros já percorridos e adicionando os da próxima expedição, esta Associação vai atingir os 100.000 Kms. (ida e volta), ao volante pela lusofonia.


Com dedicação, empenhamento, sacrifício e espírito solidário de TODOS, tivemos o merecimento, por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, através do IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, do reconhecimento e registo como ONGD, nos termos da Lei nº 66/98, de 14 de Outubro, tendo adquirido automaticamente a natureza de pessoa colectiva de Utilidade Pública.

Muito embora o reconhecimento oficial agora conferido nos traga outras valências, vamos continuar como até agora, isto é, a sustentabilidade da expedição ser a expensas de cada um, porque os eventuais apoios (?) serão aplicados num projecto que esta Associação tanto deseja implementar na Guiné.

Em anexo, segue um pedido a todos os camaradas para que nos apoiem nesta missão, tentando-se, assim, restabelecer a esperança e resgatar a dignidade daqueles que as perderam na injustiça social..

Na próxima expedição, para além do número de carros habituais (6/8), temos para já 9 motociclistas, de entre os quais levam as mulheres, portanto, estamos a conseguir em cada ano que passa mais gente jovem e dinâmica. Se fores ao link http://www.viajardemoto.com/forums/showthread.php?t=4939 , verificarás que esta “malta das motas” não brinca em serviço!

Cumprimentos,

Presidente da Direcção



2. Apelo aos membros do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Coimbra, 22 de Outubro de 2009

CAMARADAS DA TABANCA GRANDE

Começamos a trabalhar para a Expedição Humanitária Portugal - Guiné-Bissau/2010. (*)

Esta Associação (de todos nós) precisa da colaboração de toda a gente, fundamentalmente de vós, que tão bem conhecem a realidade daquelas gentes, sobretudo as crianças, deficientes e doentes. Vamos, uma vez mais, alegrar aquelas Instituições (que têm rosto e que são credíveis) minimizando as suas carências.

Tenho a certeza que vão empenhar-se para que esta missão seja mais um marco das nossas vidas “fazendo o bem”.

Temos local de armazenamento, temos pessoas para encaixotar, temos transporte, temos grua e temos contentor… por isso, a ordem é: VAMOS ENCHER UM CONTENTOR!!!

Não interessa quem vai ou quem não pode ir, pretende-se, isso sim, da colaboração de todos vós, para mais esta nobre missão.

É desejo de todos, que o contentor esteja já no mar ou em Bissau, quando sairmos de Portugal (25-2-2010), para isso, é urgente começar a angariar bens de todo o tipo, inclusivamente, bens alimentares “duradouros”, até 15 de Dezembro próximo.


Apelo aos meus amigos que não fiquem expectantes… peçam aos vizinhos, aos amigos, às empresas, às instituições (inclusivamente hospitalares), enfim, vamos pedir a toda a gente (pois não estamos a pedir para nós).

A nível de secretariado (cartas, e-mail`s, etc) cá estarei para tratarmos em conjunto.

Conto convosco, pois sei que são sensíveis a estas causas!
Cumprimentos,

Presidente da Direcção
José Moreira
(Ex-Furriel Miliciano da CCaç 1565,
1966/68)

3. Comentário de L.G.:

As expedições humanitárias organizadas pela Memórias e Gentes, sob a liderança do José Moreira, têm sido um êxito, em toda a linha, desde a logística ao impacto social. Os nossos camaradas de Coimbra vêem agora reconhecido o estatuto da sua associação, como ONGD.(*)

Sabemos que a ajuda humanitária que chega à Guiné-Bissau é uma gota no oceano, para as necessidades de um país que está no fundo da escala do desenvolvimento humano. Mas também sabemos que as doações que são feitas pelos portugueses, através da Memória e Gentes, são-no com muito carinho, e são entregues no local, ao beneficiário final. Não correm, por isso, o risco de irem parar às mãos dos urubus, os intermediários, os especuladores, os burocratas, os comerciantes de Bandim...

O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné associa-se, mais uma vez, a esta iniciativa, antes de demais divulgando-a e apoiando-a em termos mediáticos. Não tendo uma estrutura logística, gostaríamos de poder ter 3 (três) voluntários, para a regiões de Lisboa, Porto e resto do país, que pudessem trabalhar com articulação com o José Moreira e a sua equipa, na angariação de ajudas. Esse trabalho tem que ser feito impreterivelmente até 15 de Dezembro. Julgo que o problema maior, fora de Coimbra, é o transporte e a armazenagem dos bens doados, e o seu posterior encaminhamento para o armazem central em Coimbra. Mas estas são questões logísticas a resolver com o José Moreira.

Por sua vez, a Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e Apoio ao Desenvolvimento, outra ONG fundada e dirigida por antigos combatentes (como é o caso dos nossos camaradas e amigos Carlos Fortunato, e Carlos Silva), também tem em marcha a campanha humanitária de ajuda à Guiné-Bissau, de 2010. A Ajuda Amiga dispõe já de alguns centros logísticos aqui no sul (Amadora, Caldas da Raínha...).

Gostariamos de poder publicitar no nosso blogue o nome das pessoas, individuais e colectivas, que este ano vão ajudar a encher o(s) contentor(es) da próxima expedição humanitária à Guiné-Bissau. Tanto o José Moreira como o Carlos Fortunato podem dispor das páginas do nosso blogue.

Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS -Obrigado, José Moreira, pela cópia do teu diário de bordo. Será oportunamente publicado.

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)

2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4130: Ser solidário (34): O contentor da Ajuda Amiga (Carlos Silva)

22 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3924: Expedição Humanitária 2009 (5): Ei-los que partem, do Largo da Portagem, Coimbra... a caminho de Bissau (José Moreira)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)


1. O nosso Camarada António Paulo Bastos, que foi 1º Cabo do PEL CAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), recebemos a seguinte mensagem, em 29 de Outubro de 2009:

Camaradas,

Como prometi e respondendo às solicitações, que me foram enviadas, envio então o relatório referente à “Carnificina de Farim”, de que resumidamente vos havia falado, no poste P5203.

Recordo que tudo aconteceu no dia 1 de Novembro de 1965, no decorrer de uma festa na tabanca do Bairro da Morocunda, tendo provocado 27 mortos e 70 feridos graves.

Creio que deve ter sido um dos graves incidentes do género, que se registaram em tempo de guerra, entre 1961 e 1974.

Este envio é a rogo, à minha sobrinha, pois eu sou um analfabeto em coisas de computadores e, por isso, completamente dependente nesta matéria.

No relatório falam de um agente da PIDE. O seu nome era Prodízio (nunca mais me esqueci) e, em conversa com a Cáti (ou Cádi não me lembro exactamente), ela confirmou-me que, depois de recuperada dos graves ferimentos que sofreu, regressou a Farim, tendo sido empregada na casa dele.

No mês de Março de 2008, ao passear com a Cáti em Farim, ela disse-me onde tinha morado o tal PIDE e onde trabalhava.

Sobre relatórios, tenho em meu poder, ainda, os do BART 733 e do BCAV 490, pois foram os batalhões onde estive adido.



Clicar nos documentos para permitir a sua leitura

Sempre ao dispor, com um abraço,
António P. Bastos,
1º. Cabo Pel Caç 953

Documentos: António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados.

___________


Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Vd. também poste, que contém extractos sobre esta matéria do livro “Memórias do Colonialismo e da Guerra da autoria de Dalila C. Mateus, em:


(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente (**).

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a ceteza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população?Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965.

(**) Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar, afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

O interessante é que Pedro Pinto Pereira, um adepto do regime e admirador de Salazar, atribua o incidente à própria PIDE. Aliás, fazendo-se eco da versão que, na altura, circulou entre a população africana, como o reconhece a própria Polícia (DCM).

Guiné 63/74 - P5210: Nas eleições legislativas de Outubro de 1969, eu estava em... (1) Candamã (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > 2º Gr Comb da CART 2339 (Julho/Agosto de 1969) > Fotos Falantes II (9) e I (20) > Aspectos da vida do 2º Gr Comb, vindo de Mansambo, destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo as tabancas em autodefesa de Cansamba e Candamã. O Serra, guarda-costas do Alf Mil Torcato Mendonça, em cima, de toalha ao ombro na Tabanca de Candamã (FII, 9).

O Gr Comb do Torcato voltaria a Candamã, já no final da Comissão, em Outubro de 1969, no mês em que se realizaram as eleições para a Assembleia Nacional... Alguns militares foram votar a Bafatá, duas semanas da data, 26/10/1969, em que, no Continente, se realizava o acto eleitoral.

Foto: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.

1. Provoquei/desafiei o José:

José: Onde é que estavas nas eleições [legislativas] de 26/10/1969 ? Já em Bissau, à espera de embarque, estafando os últimos pesos ou acertando as contas da companhia ?... E será que votaste ? Estavas recenseado ? Lê o poste do João Tunes (*)... Abraço. Luís

2. Eu, por mim, já tinha explicado o meu caso, de expedicionário na Guiné, ainda periquito, de 5 meses, e já porrada q.b., à guisa de comentário ao poste do João:

(...) Os únicos que poderiam exercer o direito de voto, estando recenseados, seriam os funcionários públicos, civis e militares... No caso da tropa, os oficiais e os sargentos do quadro. Na minha companhia, a CCAÇ 12, que só tinha 50 quadros e especialistas, de origem metropolitana, não tenho ideia de os dois 2ºs sargentos, o Piça e o Videira, terem votado em 26/10/1969. Tenho ideia que em 50 cidadãos portugueses, só 3(!) eram ou foram eleitores (6%): o Capitão, eu e um cabo, o Quadrado (se não me engano). No entanto, posso estar a ser traído pela memória...

Noutras companhias e batalhões, o panorama não deveria ser melhor... Deveria manter-se a proporção de 6 para 100... A generalidade da população portuguesa não votava nem podia votar (havia limitações no que dizia respeito à capacidade eleitoral)... Por outro lado, num sistema de partido único e de "liberdade condicional", as oposições só podiam aparecer, timidamente, no curto período das campanhas eleitorais...

Os cadernos eleitorais, a campanha, o acesso aos jornais, à rádio e à TV, a organização de comícios e reuniões, a fiscalizaçáo do acto eleitoral, etc., deixavam muito a desejar... Mesmo em 1969, com a "primavera marcelista", que permitiu a eleição, na lista do partido do poder (a Acção Nacional Popular, substituta da União Nacional) de uma "ala liberal" (Pinto Leite, Sá Carneiro, Francisco Balsemão, etc.).

Os portugueses que nasceram em democracia, já depois do 25 de Abril, não são capazes de imaginar como eram esses tempos (...).


3. Primeira mensagem do José, que é a educação em pessoa:

Eu estava em Candamã. Tenho um texto publicado (estórias do José, um ou dois) é o P 2055, de 17 de Agosto de 2007 (**)

Recebi propaganda, devidamente disfarçada evidentemente e muita palavra cruzada eu teria que fazer...! Só embarquei a 4 de Dezembro de 69. Não me era permitido votar por razões óbvias e que escuso referir.

Votei, pela primeira vez no meu País Livre, a 25 de Abril de 1975. Não me envergonho de dizer que estava nervoso e limpei os olhos mais que uma vez. O meu filho mais velho ia fazer um ano em finais de Julho e eu tudo faria para a implementação da democracia. Há locais do meu País (nosso) onde, ainda hoje, me recuso a ir.

Já li [o poste] ao correr do rato. Aquele emblema... há igual aí em casa. Mas continuo a ser Republicano... Socialista (de certo PS) e... actualmente e, desde 30 do corrente aposentado... mas vou andar por aí!!!

Abraços, caro Luís... por certas "coisas" prezo tanto a Liberdade.

4. Segunda provocação do Luís:

José: Isto merecia um poste, se for um pouco mais desenvolvido/trabalhado... Pode ser ?

5. Segunda mensagem do José, sempre cúmplice, generoso, irónico, desconcertante, intimista:

Bem, isto era uma resposta à questão colocada.

Se vou escrever entro na política ou parece bazófia. No poste 2055 foco levemente e se for "colado"...??? Os militares votantes vinham perguntar-me porque eu não votava. Que respondia eu? Não posso abandonar isto. E quem é James Pinto Bull ?.. É um patriota que vai lutar na Assembleia Nacional, em Lisboa, por este Povo... Votem, bebam umas cervejas, comam e cuidado com as quecas, em Bafatá...

Oh camarada de armas e afins, se escrevo mais pareço que quero estar na montra...

Faz como quiseres. Disse o mesmo ao Vinhal e ainda anda por aí tanto escrito meu sem ver o prelo. Já nem tenho a certeza. Mas este tema tem interesse. Como as lutas académicas de 62 ou o Santa Maria em 61, andava eu , no 6º ou o avião a lançar panfletos e a PIDE à porta do Liceu de Beja a ver os sacos... O Reitor Galante de Carvalho não os deixou entrar porque, entre as pernas, tinha tomates...

E esta heim??? com que então a falar de politica....E o convite, recente da Ana, a minha, para ir a uma ilha...aí? Não!

Tantas estórias de minha vida. Agora vou sair e ver os gambozinos...é que houve uma batidela de carros e fiquei com dúvidas.

Abraços, caro Luís, do Torcato

6. Obrigado, José, utilizei métodos pidescos para obter o teu depoimento, mas agora já estás... fichado. Mas é público e notório que foste, durante antes, um cidadão empenhado no governo da tua cidade, eleito da lista do PS para a assembleia municipal do Fundão... Não tens que te explicar, muito menos pedir desculpa: o teu exemplo de cidadania, pelo contrário, só nos enobrece, a nós, antigos combatentes... Fico também a saber que, pela releitura do teu poste, que o acto eleitoral terá sido antecipado, na Guiné, talvez duas semanas antes do 26/10/1969, e que a tua rapaziada foi votar a Bafatá, como eu.

E quanto ao convite da Ana, da tua Ana, para ir à tal ilha, não hesites, José, que a vida é bela demais para a gente ficar a olhar para trás, a carpir o passado, e a ficar petrificado pela destruição de Sodoma & Gomorra... Vai, em boa hora, e manda-nos um postal ilustrado.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (27): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

(**) Vd. poste de 17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...

(...) Talvez, na segunda semana de Outubro, recebi uma mensagem da Companhia. Dia, talvez 10 ou 11, soldados… indicava quais… abandonam esse e serão rendidos por igual número idos deste. Motivo: participação na votação para as eleições a 13 do corrente...

Ainda me perguntaram porque não ia (só votei em 25 de Abril de 75) e o que haviam de fazer… votem, bebam uns copos em Bafatá e etc…

Chegado o dia, vieram uns e foram os votantes. Creio que no dia seguinte, estávamos em época de chuvas, levantou-se tremenda tempestade. Chuva, trovoada a merecer abrigo rápido. Fui para a tabanca dos géneros, enfermaria e mais o que fosse preciso. Estávamos a conversar, de repente ouviu-se um estrondo enorme. Parecia que o céu desabava e a terra abanava. Seguem-se sons menores e o grito – ataque. Fuga para valas e abrigos, ligeira confusão, gritos, dois ou três militares caídos no chão junto á árvore grande. Ao longe, correndo na nossa direcção, a gritar, vinha o furriel Rei e outros. Mau. Alto e para o ataque.

Que tinha acontecido? Uma descarga eléctrica, enviada pelo S. Pedro, bate na árvore – que protegia a cozinha, posto de sentinela, o meu refeitório e escritório, etc – faz ricochete, ou gera um campo eléctrico, destrói a antena horizontal do rádio, desce e, depois de o queimar, vai pelos fios accionando, em simultâneo, os seis fornilhos. Por isso aquele tremendo barulho. No abrigo só estavam granadas de RPG2 e outras munições não eléctricas. As da Bazuca 8,9 estavam noutro abrigo ou em Afiá. Sorte a nossa. (...)


(...) Saímos de Candamã a 24 de Outubro [de 1969 ] e não mais voltámos. Apesar das más condições, principalmente na época de chuvas, recordo aquela gente com saudade. (...)

Guiné 63/74 - P5209: Ser solidário (41): Obrigado, Catarina Furtado, Sra. Embaixadora da Boa Vontade, no Gabu (Torcato Mendonça)

1. Mensagem, com data de 1 de Novembro, do nosso histórico Torcato Mendonça, que vive no Fundão, mas já construiu e habitou bunkers (em Mansambo, sector L1, Bambadinca, Zona Leste, Guiné, 1968/69, no tempo em que foi Alf Mil Art, CART 2339, e em que andava na guerra colonial):

Meus Caríssimos Editores, camaradas e amigos:

Não sei ao certo se viram o documentário que eu acabei de ver, Dar a Vida sem Morrer. (*)

É o segundo que vejo. O primeiro foi há bastante tempo. Este agora visa fundamentalmente dar à mulher Guineense melhores condições de vida, visando reduzir a mortalidade materna e neonatal.

A esperança média de vida é de 47 anos, vive-se com um Euro e Meio por dia e acredita-se, olham as câmaras com os olhos de antigamente, olham-nos fundo, tão fundo e nós arrepiamo-nos por dentro, bem lá no fundo e vemos o hoje, recordando o ontem de há décadas.

Pergunto a mim se este Povo, esta Gente não vive hoje pior. Mas acredita, canta, sorri e do pouco faz a esperança. Com tão pouco, tão pouco e uma Mulher, Catarina Furtado, continua a dar esperança, a contactar directamente no terreno com Técnicos e com o Povo. Eu espero que olvide caciques e certas organizações e beneméritos.

E o Homem Grande falava e as suas palavras eram traduzidas para a língua oficial, o português, e mais uma menina nascia, uma Catarina, e a mãe olhava com o olhar de sempre, o agradecimento nesse olhar e a cesariana feita porque o Hospital de Gabu tem um gerador. Raio, um gerador...e a a mulher dá uma vida sem morrer.

Eu só agradeço à Catarina Furtado (**) e a todos os que partilharam neste projecto, portugueses, guineense e sei lá quem mais.

Sinto aquele Povo de uma maneira muito minha e nem palavras encontro. A escrita que fique para outros mais dotados, mais frios e menos emotivos.

Eu fico agora quieto, vou ficar um pouco só e, á minha maneira, vou estar com eles na penumbra de minha varanda.

Fico por aqui, espero que tenham visto o que eu vi... A Guiné mexe connosco, não mexe?

A cada trinta segundos uma morte com malária? Eu percebi bem? Oxalá - queira Alá, o Deus da maioria daquele Povo - tenha percebido mal!

Não vos aborreço mais, não vou reler e espero que tenham visto o documentário.

Um abração do Torcato


2. Mensagem de hoje, novamente do Torcato:

Assunto - P5204 (sem critica - só dar "razão" à não publicação do e-mail. E daí...) (**)

Era noite de lua cheia. Diz-me o relógio. Vantagens de viver no interior. Mas:

Meu Caro Carlos Vinhal (e Editores mesmo não sabendo da conversa por nós tida) : como vês, eu tinha razão. A idade traz, como tudo na vida, a vantagem e a desvantagem ou o bem e mal...

Sempre apareceu um texto sobre o tema, uma reflexão, um chamar de atenção e, qual cereja em cima do bolo, Beethoven e Sonata Moonlight.

Eu, se estivesse na varanda a varrer fantasmas, como (te ou vos) escrevi, preferia a 5ª Sinfonia. Mais chama, melhor no aplacar da raiva então sentida. Raiva? Não! Ia na 9ª, isso, a nona.

Pensava então nas mulheres, nos meninos, na doença, na carência, no esforço da Catarina Furtado e tanta gente de bem a aplacar a ignomínia...e pensava também nos "Senhores e dos seus Amores" a virem a Lisboa pôr o botox, tratar do calo ou de outro mal e, porque não, a Paris, La Belle, ou logo ali a Dakar.

Ah, eu vi através destes documentários e não esqueço. Questiono-me: Independência para tanta dependência e traição - palavra talvez forte demais - antes negação... aos ideais dos que lutaram pela Liberdade e muitos por ela deram a vida.

Pois é, camarada e amigo no singular ou com sss no plural, pois é...

Por uma Guiné melhor, por um Mundo mais justo e fraterno.

Um abração para ti e para todos do Torcato (acabei por fazer cc)

3. Comentário de L.G.:

Por ti, pelos guineenses, nossos irmãos e amigos, sobretudo por essas Extraordinárias e Heróicas Mulheres Guineenses, por todos nós, amigos e camaradas da Guiné,pela Catarina Furtado e tantos outros homens e mulheres de boa vontade, o teu mail deveria ter sido automatica, instantaneamente publicado... Just in time... Mas a gente ainda não tem essa capacidade, técnica e humana... Os mails ficam na fila de espera, na linha de edição, à espera de um editor de serviço...

José, não é tarde. E eu fico sensibilizado por, dentro da nossa Tabanca Grande, haver pessoas como tu e o António Matos, e tantos outros, capazes de ter tempo e sensibilidade para escutar os outros, que sofrem, que estão doentes, que precisam de ajuda, lá nessa terra vermelha que também é um pouco nossa, pelas memórias e afectos, e para ser solidários, quanto mais não seja através da escrita, do testemunho, da indignação...

Num mundo, numa sociedade (na Europa, em Portugal, na Guiné-Bissau) onde impera o individualisno, o cinismo, a infiderença, o eu-eu-eu-e-o-resto-que-se-foda, eu só posso, José, enviar-te daqui um quebra-costelas valente, daqueles que são mesmo para consertar os ossos e mexer com as nossas emoções e os nossos neurónios... Também estive a ver o programa com o meu filho, João, médico, que vai à Guiné em Dezembro, quinze dias, dedicando uma semana à assistência médica da população de Iemberém. Temos a obrigação de passar o melhor dos nossos valores (e ainda temos alguns!) aos nossos filhos e netos... Um Alfa Bravo. Luís

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5181: Ser solidário (40): Dar a vida sem morrer, Domingo, 1 de Novembro, na RTP1, às 21h30 (Torcato Mendonça)

(**) Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA)
Vd. UNPF > 24 June 2009 > Goodwill Ambassador Catarina Furtado Finds Progress on Maternal Health during her Visit to Guinea-Bissau

Vd. também Africanidade > 2/6/2009 > Catarina Furtado, embaixadora da Boa Vontade, visita a Guiné-Bissau

(***) Vd. poste de 3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5204: Controvérsias (34): Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos! (António Matos)

Guiné 63/74 - P5208: Da Suécia com saudade (14): Spínola, uma história de h pequeno dentro da História com H grande (José Belo)

1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 14 de Setembro de 2009:

Assunto - Análise das mentalidades dos nossos oficiais superiores. O Aspirante António de Spínola, uma pequena "história" para a História!


Para evitar as mínimas dúvidas de interpretação(!), gostaria de esclarecer alguns dos camaradas que fui Spinolista incondicional na Guiné. Tive o profundo desgosto pessoal de acabar por vir a lutar,literalmente de armas na mão, nos muros do RALIS contra o General Spínola de um projecto político com que me não identificava.

É uma pequena história que diz algo do carácter do General,que gostaria de compartilhar com os camaradas, pedindo desculpa dos detalhes "pessoalistas" da mesma, a que sou obrigado para a situar.

O meu pai era então médico particular do General reformado Pereira Coutinho,e tinha por ele grande amizade e respeito. Ao saber-me mobilizado para a Guiné, o General desejou despedir-se de mim. Em conversa em sua casa, surge o facto de Spínola ter sido Aspirante no Regimento então comandado por Pereira Coutinho. Creio que era o Regimento de Lanceiros, na Calçada da Ajuda, em Lisboa.

Chegado de novo ao Regimento, e como oficial menos antigo, foi, por escala, nomeado responsável pelo rancho da Unidade. Aparentemente, sempre aconteceu muito "à volta" dos alimentos e respectivas verbas, que os Srs. Coronéis-Comandantes, pairando ás alturas que pairavam, tinham dificuldades prácticas(!?) em resolver. Facto é que o Aspirante Spínola, passadas as quatro semanas no cargo, e depois de por todas as maneiras ter tentado lutar contra tais... moínhos de vento, apresentou, por escrito, ao seu comandante, o pedido de demissão de Oficial do Exército.

Este, como mais experiente nas tais lutas contra moínhos de vento, tentou demovê-lo de tal requerimento, logo no início da sua carreira militar. Perante o categórico "não" de Spínola, resolveu acabar por guardar o papel na gaveta da secretária,sem lhe dar seguimento.

Algumas conversas exaltadas terá havido sempre que Spínola lhe perguntava pelo despacho do requerimento, até que um dia, por rotação normal, Spínola acabaria por ser colocado noutra Unidade.

Muitas vezes a HISTÓRIA com "H" seria bem diferente, se estas histórias de "h" pequeno tivessem outros finais.

Um abraço amigo do José Belo.

Estocolmo, 3/11/09

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5024: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (13): Portugal é um país de tolerância e humanismo

Vd. também poste de 29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5178: Humor de caserna (16): Ui!Ui!... A minha despedida da Tabanca Grande... com saída pela porta do cavalo! (José Belo, Suécia)

(**) Esta história deve-se ter passado por volta de 1933/34... Vd. poste de

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

(...) Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4, irá exercer as funções de instrutor, durante seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.

Em 1939, exercerá as funções de ajudante-de-campo do comandante da GNR (Guarda Nacional Republicana), general Monteiro de Barros, seu sogro, e dará início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que é co-fundador. (...)

Guiné 63/74 - P5207: Agenda Cultural (40): Os nossos camaradas Giselda Pessoa, V. Barata e M. Rebocho, hoje, 16h, RTP1, Portugal no Coração

1. Reprodução, com a devida vénia, de notícia do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > 30 de Outubro de 2009 > VOO 1248 OS ESPECIALISTAS DA FAP NA RTP


Companheiros:

A convite da RTP 1, programa 'Portugal no Coração' vamos estar presentes na emissão do dia 4 (próxima 4ªFeira), pelas 16H.

O Programa reporta-se as Combatentes da Guerra Colonial e tem como participantes,a Ex Sarg Enf Paraq Giselda Pessoa,os Ex-Esp FAP Victor Barata e Nuno Almeida(Poeta),Ex-Sarg Mor Paraq Prof Dr Manuel Rebocho, Ex-Cor Exer Silvério e Ex-Cap Méd Exer Dr Américo.

Como se pode observar,os ZÉS ESPECIAIS vão estar presentes e representados pelos nossos companheiros Victor Barata e Nuno Almeida.

É pena que o programa seja tão curto, pois muito havia para dizer,mas talvez a curto prazo esse momento nos chegue.

Victor Barata

Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (31): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

1. Mensagem do nosso camarada e amigo João Tunes, um histórico da nossa tertúlia (está cá desde Setembro de 2005) (*). 

 Para os periquitos, que ainda o não conhecem , eu costumo apresentá-lo como engenheiro químico reformado, ex-Alf Mil Trms, do meu tempo de Guiné. De 1969 a 1971, andou por desvairadas terras: Pelundo, Canchungo (ou Teixeira Pinto), Catió, Guileje, Bissau... (Na foto, à esquerda, o João é o condutor do jipe... Pelundo, Dezembro de 1969). Está, todos os dias, no seu posto de trabalho, o blogue Água Lisa. Faz parte também da redacção dos Caminhos da Memória, juntamente com Diana Andringa, entre outros membros da Associação «Não Apaguem a Memória!». Caro Luís, Como te lembrarás bem, pouco tempo tinha passado desde que chegámos à Guiné em Maio de 1969, realizaram-se “eleições” para a Assembleia Nacional (a votação foi a 26/10/69, portanto há 40 anos), precedida de uma “campanha eleitoral” em que a oposição se apresentou dividida, através da CEUD (só concorreu em três distritos) e a CDE. A posição face à guerra colonial era um dos temas fortes que dividiam as posições políticas perante o “marcelismo” por parte das duas forças oposicionistas. Essa clivagem, bem analisada numa interessante entrevista com José Tengarrinha (http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/10/26/entrevista-com-jose-tengarrinha/), marcou não só a campanha como os “resultados” da CEUD e da CDE. Já nas últimas “eleições” realizadas antes da queda do regime, em 1973, a oposição, que então não foi a votos, se apresentou unida, sob a sigla da CDE, e com uma posição frontal de condenação da guerra colonial. Para quem, como nós, estava enfiado no mato durante um destes “períodos eleitorais”, esta problemática passava-se “longe” e dele só recebíamos eco pela correspondência da família, nas férias ou pela leitura de um ou outro jornal ou revista que, quando nos chegavam, era tarde e a más horas. No entanto, as campanhas da CDE (e os Congressos da Oposição em Aveiro, 1969 e 1973), particularmente no que concerne à guerra colonial, tiveram grande impacto significativo e progressivo sobre o posicionamento de vários oficiais do quadro permanente, o que foi ampliado pela influência de milicianos que tinham sido mobilizados para a guerra depois de fazerem o seu estágio político (antifascista e anticolonialista) nas lutas estudantis em Lisboa, Porto e Coimbra. E a génese do MFA, a sua radicalização e a acção revolucionária vitoriosa de 1974, como depois a descolonização, não são alheias a estas influências determinantes. Por tudo isto, o tema não me parece que deva passar ao lado de um blogue centrado nas memórias vivas e lúcidas de antigos combatentes na guerra colonial na Guiné. E julgo que seria interessante que os membros desta animada web-tertúlia dessem conta da forma como os ecos das “campanhas” de 69 e 73 chegavam (ou não chegavam) a cada um enfiado no seu “cú de judas” situado algures no mato da Guiné. Na linha do que disse, se os editores considerarem interessante o post que dediquei a este tema no meu blogue (http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1573943.html), estão desde já autorizados a dele fazerem transcrição. E outros que digam o que lhes aprouver pois a memória não deve ser amarrada com tabus. João Tunes. 2. Água Lisa, blogue de João Tunes > 1 de Novembro de 2009 > 1969, as "eleições" e a guerra Os curiosos sobre as “eleições” de 1969, particularmente acerca das razões porque a “oposição” se apresentou dividida (CDE/CEUD), têm disponível para consultarem aqui uma entrevista com José Tengarrinha, então um quadro do PCP e da cúpula da CDE. As fracturas tiveram sobretudo a ver com as expectativas existentes relativamente à “abertura” de Marcello Caetano, marcando depois e naturalmente os discursos eleitorais. A guerra colonial, então particularmente acesa em Moçambique e na Guiné, era o principal separador das posições das duas agregações oposicionistas – a CDE reproduzia o posicionamento do PCP e apostava forte na denúncia máxima e possível da guerra colonial com partido implícito pelos movimentos de libertação, a CEUD evitava referir o tema e quando este era incontornável procurava um posicionamento não radical sobre a guerra e punha em cima da mesa a quimera retórica de defesa de “autonomias”. Nas “eleições” seguintes, as de 1973, já a oposição se apresentou unificada e o posicionamento acerca da guerra colonial, entretanto agravada, retomou o essencial das posições da CDE de 1969. A guerra colonial era, para o regime, a grande questão política tabu. Caetano, por convicção e pela pressão dos ultras nacional-colonialistas entrincheirados atrás do Presidente Tomás, continuava o dogma-mito herdado de Salazar: “não discutir o Ultramar”, continuar a guerra. Então, colocar sequer a questão da guerra colonial, discutindo saídas para ela, mesmo que tímidas, configurava uma traição à pátria. Tal não era sequer permitido durante as “campanhas eleitorais” (se tal fosse feito, e normalmente era-o no último discurso, o representante das “autoridades” intervinha e fazia terminar a sessão, a que se seguia, por regra, uma carga policial). Mas Caetano não só prosseguiu a guerra colonial, como o fez recorrendo a “operações sujas” e outras em larga escala perante o progressivo agravamento das situações militares em Moçambique e na Guiné, gerando uma dinâmica de “tudo ou nada”. E, nesta via, aprofundou-se a “fusão”, na máquina de guerra colonial, entre a polícia política (PIDE) e o exército colonial. Logo no início de 1969, pouco tempo depois de Caetano suceder a Salazar, o então líder da Frelimo (Moçambique), Mondlane, foi assassinado na Tanzânia através de uma encomenda-bomba, o que desencadeou não só uma crise na Frelimo como uma atribulada luta pela sucessão na liderança. E, no ano seguinte, Kaulza de Arriaga (comandante-chefe) montou uma das operações militares mais gigantescas e recheadas em meios humanos e militares ocorridas na guerra colonial, a operação “nó górdio”. Em resultado final, a Frelimo expandiu a sua área de intervenção guerrilheira em Moçambique. Na Guiné, Caetano deu luz verde a Spínola e à PIDE para uma das mais vastas e custosas operações de tentativa de aliciar e corromper uma das frentes do PAIGC, ocorridas no norte no “chão manjaco”, e que terminou em Abril de 1970 quando os guerrilheiros atraíram a uma cilada um grupo de elite dos oficiais do exército português, massacrando-o. Spínola e a PIDE, com o acordo prévio de Caetano, reagiram no final de 1970 através de uma operação com grandes meios (“mar verde”) de invasão da Guiné-Conacry e que tinha, entre os objectivos, assassinar o Presidente deste país (Sekou Touré) e colocar um “partido amigo” no poder, assassinar Amílcar Cabral e o núcleo dirigente do PAIGC (sediado em Conacry), destruir a força aérea e a frota naval guineense, libertar os prisioneiros militares portugueses. Só o último objectivo foi alcançado. Em 1973, como culminar de uma operação de infiltração da PIDE, foi conseguido o velho objectivo de assassinar Amílcar Cabral. A este desaire, a perda do seu líder carismático, o PAIGC respondeu, através de novo e sofisticado armamento, com a prática neutralização do domínio do espaço aéreo pelo exército colonial e declarar a independência unilateral da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecida por dezenas de países membros da ONU. Todos estes factos, na sua maioria iniciativas de “guerra suja” desenvolvidas em íntima colaboração entre a PIDE e as forças armadas e apoiadas por Caetano, pelos seus fracos ou nulos resultados, quando não fazendo pender a balança da guerra ainda mais para o lado dos guerrilheiros, tornaram grande número de oficiais profissionais não só descrentes quanto à possibilidade de saídas para a guerra e colocando as derrotas no horizonte, como receptivos a uma argumentação política contra a guerra colonial e que recebiam de duas fontes: uma, a das “campanhas” da CDE de 1969 e 1973; outra, a influência e agitação de muitos oficiais milicianos colocados na guerra colonial e que tinham adquirido posições frontais relativamente a estes conflitos nas referidas “campanhas da CDE” e nas lutas estudantis. O MFA e a Revolução foram questões de decantação e tempo. Afinal, a campanha contra a guerra colonial, limitada mas valentemente veiculada pela CDE, sobretudo nos “períodos eleitorais” de 1969 (**) e 1973, que a CEUD não quis em 1969 e Caetano mandou a PIDE reprimir sempre, acabou por chegar aos seus destinatários principais – os capitães e majores que faziam a guerra em África, transformando, num curto período de tempo, oficiais colonialistas em militares revolucionários. Nota pela memória: Um dos paradoxos cruéis deste contexto vivi-o em proximidade. Colocado em 1969 no “chão manjaco” da Guiné, conheci e tornei-me amigo do oficial mais brilhante da “nata militar” que Spínola tinha ali colocado na atrás referida operação de corrupção do PAIGC (Major Passos Ramos, oficial de Artilharia e do Corpo de Estado Maior). Era, não só um dos oficiais mais brilhantes do exército português, um homem culto, generoso e cordial, como um oposicionista declarado ao fascismo e ao colonialismo. Enquanto na metrópole decorriam as “eleições de 69”, sempre que nos encontrávamos em Teixeira Pinto, trocávamos as informações que cada um tinha disponíveis pelo correio com as famílias ou obtidas em férias sobre o andamento da campanha da CDE. Metidos no mato profundo da Guiné, alimentávamos assim uma espécie de tertúlia oposicionista que acompanhava a luta dos que na metrópole defrontavam o regime na “farsa eleitoral” e demarcados dos crentes nas “boas intenções” de Caetano. Passos Ramos foi um dos oficiais portugueses barbaramente chacinados pelo PAIGC em Abril de 1970 perto do Pelundo. Como profissional militar de elite, cumpria ordens de chefias que lhe repugnavam politicamente. Era contra a guerra e fazia a guerra, como tantos outros até que a resolução da contradição levasse até à conquista do Carmo. Estando desarmado, Passos Ramos, juntamente com mais três outros oficiais, baqueou de uma forma indigna que nenhum homem merece - arrastado, esfaqueado, retalhado e metralhado - às mãos do inimigo que profissional e militarmente queria vencer servindo um regime que politicamente combatia. Não só as revoluções, também a guerra procura devorar os melhores. João Tunes 3. Comentário de L.G.: Querido amigo e camarada João: Que bom saber de ti!... De tempos a tempo, vou espreitar o teu blogue ou os Caminhos da Memória. Estive há tempos, no DocLisboa 2009, com a Diana que me apresentou o José Augusto Rocha... Vou republicar, com autorização dele e da Diana, o texto sobre a Guiné, já inserido no blogue Caminhos da Memória... Quanto ao teu texto, estou inteiramente de acordo: Não podemos deixar de celebrar a efeméride... Tenho bem presente essa data: numa companhia de 50 mecos (brancos, da CCAÇ 12), só eu, o Capitão (do quadro, Carlos Brito) e o alentejano Quadrado, 1º Cabo Apontador de Armas Pesadas, é que estávamos recenseados (posso estar a cometer uma injustiça, omitindo alguém, mas julgo que não)... Votei em branco, claro, mas votei. Já estava recenseado desde 1965, quando a oposição democrática levantou, pela primeira vez, o tabu da guerra colonial... Caiu o Carmo e a Trindade... Participei, nessa época, com 18 anos, na minha primeira campanha eleitoral que foi abortada logo pela desistência da oposição, e o terror da repressão (estive ligado ao sempre combativo e corajoso Catanho de Menezes, advogado da família do Humberto Delgado, e amigo íntimo do Soares, e futuro fundador do PS, precocemente desaparecido depois do 25 de Abril e hoje miseravelmente esquecido: tem apenas o nome de uma avenida na minha terra, Lourinhã; na biblioteca dele, no solar da família, no Toxofal, tinha acesso, pela primeira vez, em 1965, a títulos da imprensa estrangeira como o Le Monde ou o Nouvel Observateur). Agradeço a tua gentileza. E fica também o teu desafio, para a malta deixar o seu testemunho dos eventuais ecos, no CTIG, da "campanha eleitoral" de 1969 (mas também das "eleições" de 1965 e de 1973)... Temos, além disso, esse dever de memória. Quanto a tabus, no nosso blogue, sabes que não os há (ou não devia haver...). Recordo-te um das dez regras de convívio da nossa Tabanca Grande: "(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus)"... Um Alfa Bravo. Luís. ___________ Notas de L.G.: (*) Vd. poste de 22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4722: Depois da guerra, o stresse... da paz (4): Os dois piores anos da minha vida (João Tunes) (**) Cartazes de propaganda política, da CDE - Comissão Democrática Eleitoral, usados na campanha eleitoral de 1969. Fonte: Cortesia de EPHEMERA, Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira

Guiné 63/74 - P5205: Convívios (174): 1º Convívio do BCAÇ 4513, 8 de Dezembro - Mealhada (Fernando Costa)



1. Mensagem enviada pelo novo Camarada Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*):


1º CONVÍVIO
BCAÇ 4513

Subunidades: 1ª Cia (Buba). 2ª Cia (Nhala), CCS e 3ª Cia (A. Formosa)

Os ex-Combatentes do Batalhão de Caçadores 4513 - Guiné, (Aldeia Formosa, Buba e Nhala), vão realizar um almoço convívio no próximo dia 8 de Dezembro, na Mealhada.

Queremos ter o maior número possível de elementos das quatro companhias.

Para que tal aconteça, inscreve-te e passa a informação a outros camaradas de que possuas qualquer contacto.

As inscrições estão a cargo do Jaime Ramos (Ex-Fur Mil da 3ª Cia).


Abraço,
Fernando Costa
Fur Mil Trms
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5204: Controvérsias (41): Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos! (António Matos)



1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:



Os guineenses têm uma esperança de vida de 47 anos!

Camaradas,

Aqui fica uma reflexão minha:

Não sei se hoje é noite de luar mas as imagens ontem transmitidas no programa "Dar a vida sem morrer " da Catarina Furtado, suscitaram-me a sensibilidade e levaram-me a ouvir Moonlight Sonata de Beethoven que recomendo vivamente (ver link abaixo).


Infelizmente, aquela é a realidade guineense e, julgo, todos nos deveremos ter sentido espezinhados nos nossos íntimos, amarfanhados nos nossos corações, sem que, contudo, esses tão cristãos sentimentos resolvam, por si sós seja o que for.

Aquelas caras daquelas mulheres-meninas;

Aquelas caras daqueles meninos(as) num inqualificável abandono aos mais elementares direitos à saúde;

Aquele médico "louco" que vai batalhando num campo de batalha onde o inimigo é incomensuravelmente mais poderoso;

A ternura que a repórter-embaixadora ia lançando em pequenos carinhos às crianças e às mães sofredoras;

Todo aquele cenário enfim, é demasiado indigno do séc. XXI, e a proximidade que mantivemos em tempos com aquela terra torna-nos mais ávidos de justiça e clamorosos por dignidade humana tão ausente na Guiné.

Em tempos de guerra assiste-se, por vezes, a verdadeiros actos de grandiosidade moral. Porém, são momentos raros pois aquela realidade sobrepõe, as mais das vezes, a preservação da integridade física do beligerante às necessidades primárias das vítimas inocentes.

Fica-me esta reflexão no intuito de provocar outras e outras e outras...

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790

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Nota do editor

Vd. último poste desta série em: 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (33): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)

Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (30): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)


1. O nosso Camarada António Paulo Bastos, que foi 1º Cabo do PEL CAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), recebemos a seguinte mensagem, em 29 de Outubro de 2009:



CARNIFICINA EM FARIM

1 de Novembro de 1965

Camaradas,

No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morocunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias.

Como tudo aconteceu:

Eu pertencia ao Pelotão Caçadores 953 e estava nesse dia de passagem por Farim, a caminho de Canjambari. No momento da explosão eu estava junto à porta da caserna do pelotão de morteiros. Logo de seguida, começaram a passar viaturas com corpos em cima, a caminho das enfermarias civil e militar.

A maioria das vítimas eram crianças e entre elas estava a Cáti. Foi chamado um Dakota e recorreu-se à iluminação da pista de aterragem, com os faróis das viaturas, para se evacuar aquela gente toda.

Agora, passados estes anos, fui encontrar uma das sobreviventes e, como não podia deixar de ser, estivemos a falar do assunto, tendo ela permitido que eu obtivesse as 2 fotos do seu cicatrizado corpo.

P.S. - Tenho em meu poder o Relatório Confidencial de tudo o que se passou nessa noite e o nome dos prisioneiros, posso emprestar à Tabanca Grande se acharem que é relevante.

Um abraço,
António P. Bastos,
1º. Cabo Pel Caç 953

Fotos: © António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5202: História da CCAÇ 2679 (29): Um dia no calendário da Guiné (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis*, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 2 de Novembro de 2009, trazendo até nós mais um pouco da História da sua Unidade:

Carlos, bom amigo,
Faz o favor de publicar mais esta estórinha, só para entreter. Dela se extrai o elevado grau de camaradagem reinante no Foxtrot, e isso é que releva.
Um abraço para ti e para a Tabanca.
JD


Um dia no calendário da Guiné
Por JMMD

Acordei com a ruideira das actividades do princípio do dia. Competia-me ir a Copá, em coluna de duas viaturas, onde para além do Pelotão, também se transportavam munições, correio e uma dúzia de caixas de cervejas. Tratava-se de um pequeno reabastecimento, enquanto não se fazia uma transferência mais significativa. O Pelotão andaria por uma vintena de homens operacionais, e o trajecto não nos criava preocupações especiais. Sem irmos à vontade, cabíamos todos.

Levantei-me. Fui lavar-me antes do pequeno-almoço. Leite e pão com manteiga. Manteiga da Madeira, muito gulosa pela boa qualidade, um privilégio que o Santos me concedia, e tornava-se extensivo à furrielada. Um bocado de conversa, um bocado de reinação, e dava para constatar que a juventude apresentava-se bem disposta. Começavam a chegar os Foxtrot que me surpreenderam em chinelos e calções, de tronco nú, sentado à mesa da messe, anexa aos quartos, e atiraram-me umas graçolas, como se eu estivesse atrasado e eles à minha espera. A boa disposição era evidente, e juntava-se aos primeiros raios solares que me aqueciam.

Tinha tempo e, por essa altura, já sabia que as viaturas estavam prontas e alinhadas junto à enfermaria, na outra extremidade do edíficio. O dia claro, o céu azul e o calor crescente, dir-se-ia, convidavam à molenguisse, mais do que meter-me à picada, vestido de camuflado e de botas calçadas. Mas a tarefa não era exigente, e eu gostava de sair. Até que decidi aprontar-me. Fui ao frigorífico encher o cantil de água, que por algum bocado manter-se-ia fresca. Voltei ao quarto para me vestir mais apropriadamente. Que gaita, onde estaria o meu camuflado? Costumava deixá-lo sobre o armário, aproveitado de um caixote de bacalhau, género que fazia estilo na nossa tropa (1) , mas ali não estava. Porra! O que teria acontecido? Não me embebedara na véspera, não fizera disparates, e o camuflado, ainda que se aguentasse em pé por força da poeira cimentada pela transpiração dos últimos dias, só por si não deveria pôr-se a andar. Que merda é esta? Façam o favor de pôr aqui o camuflado, imprequei contra os presentes que me olhavam surpreendidos e recriminatoriamente. Com as minhas buscas e frustrações, gerou-se em mim a ansiedade por causa de cinco ou dez minutos entretanto perdidos. Tive sempre a preocupação com o cumprimento dos horários, no caso a hora que eu estabelecera, coisa inexplicável, pois não tenho ascendência inglesa e estarei mais próximo dos mouros madraços.

Vesti outras calças, outra camisa, material que tinha dobrado no armário, junto com livros, outras peças de vestuário, sapatos, alguma água de colónia Old Spice, material para a barba, cassetes com música gravada, pilhas para prover energia, toalhas, tudo misturado numa arrumação sem método.

Agastado com a situação descrita, peguei na arma e cartucheiras, e aproximei-me do pessoal. Estava tudo pronto para arrancar. A mercadoria carregada num unimog de taipais que, afinal, juntava-se aos outros dois de bancos corridos, onde o pessoal se dispunha para defender o coiro. Estavam todos, incluindo o Enfermeiro e o Transmissões. À pergunta se faltava alguma coisa, logo me responderam que não, podíamos sair. À falta de recado do Capitão ou da Secretaria, deduzi que não tinham mensagens para o destacamento. Subi para a primeira viatura, lancei um último olhar em redor, e iniciámos a marcha.

Atravessámos a pista na direcção da picada, para leste, que percorremos durante um bocado. Pouco depois mandei parar. Iniciámos a picagem, que deveria durar duas horas e meia, na extensão de cerca de doze ou treze quilómetros, já que o restante percurso era da responsabilidade de Copá.
Quatro picadores precediam-me. Depois as viaturas e o pessoal apeado. Na soalheira inclemente a que nos tínhamos habituado, progredíamos descontraídos, mas com as cautelas que a prudência exigia. No geral, quem iniciava a picagem, cumpria a tarefa até ao fim. O ritmo era bom, apesar do ronronar das viaturas que sugeriam um avanço preguiçoso.

Cruzámo-nos com o pessoal da picagem proveniente de Copá, que saudámos. Uma viatura, fora da picada, à sombra de uma árvore, garantia-lhes o regresso rápido à base. Entretanto eram eles que ficavam a esperar-nos no regresso, providenciando alguma segurança na picada para um resto de viagem mais acelerado.

Em Copá mantivémos uma breve confraternização com o Pelotão que guarnecia o Destacamento e regozijava com aquela carga que incluía umas cervejinhas, após o que iniciámos o regresso a Bajocunda para chegarmos a tempo do almoço.
Essa viagem decorreu sem problemas.

Durante a tarde, estava eu deitado sobre a cama, dedicando-me a congeminações de saudade da metrópole, num dolce fare nhienta, quando o Rodrigues assomou à porta, mesmo à minha frente. Trazia nas mãos alguma coisa que não identifiquei à primeira vista. Com um sorriso amistoso cumprimentou-me, e eu retribuí. Perguntei-lhe se precisava de alguma coisa. Que não, estava ali para me entregar o camuflado lavado, remendado, e com botões nos lugares onde faltavam. Foda-se, quase gritei, nunca mais faças isso, não és criado de ninguém, adverti-o.

Calmo, e mantendo o sorriso, respondeu-me que se sentia envergonhado por eu andar tão mal apresentado, e que todos me criticavam por isso, por dar mau exemplo, e todos os dias ser exigente.
A custo aceitou uma cerveja na cantina. Foi mais um gesto de um Foxtrot que me calou fundo.

(1) - Para ilustrar as palavras do camarada José Manuel, aqui está um belo exemplar de secretária e banco a condizer, estilo tábua e prego, variante da versão metálica chapa e prego, ambas muito em voga na época, nos buracos já mais evoluídos. Note-se a ausência do split do Ar Condicionado.

Foto de CV

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5133: Direito à indignação (7): Esmiuçando o Complemento Especial de Pensão e o Acréscimo Vitalício de Pensão (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5106: História da CCAÇ 2679 (28): Mais visões quotidianas (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P5201: Blogues da Nossa Blogosfera (23): Pel Caç Nat 60 (S. Domingos e Ingoré, 1968/70), de Manuel Seleiro

Guiné > Região de Cacheu >S. Domingos > 1968 > Pel Caç Nat 60, formado em Maio de 1968.

Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > Pel Caç Nat 60 > 3ª secção > Ao centro, na 2ª fila, o 1º Cabo Seleiro (que foi ferido gravemente, em 13 de Março de 1970, com o Alf Mil Hugo Guerra, quando tentavam levantar uma mina: um das muitas histórias de antologia que temos publicado no nosso blogue).

Fotos: Cortesia de Manuel Seleiro (2009)


Blogue criado em Agosto de 2009, pelo Manuel Seleiro, 63 anos, rádio-amador, residente em Cascais, tendo-se publicado até à data 12 postes. O Seleiro tem também um blogue mais antigo, Luar da Meia Noite, desde Dezembro de 2008. (Aentejano de Serpa, interessa-se pelas coisas da sua terra e pela cultura da sua região).

O Pel Caç Nat 60 foi formado no sector de São Domingos, em Maio de 1968. Era seu comandante, o Alf Mil Almeida. Sargentos: Fur Mil Sousa, Leão e Fazendas. Outros quadros, de origem metropolitana: 1ºs Cabos Seleiro e Magalhães, mais o Sold Trms Guilherme.

Os soldados nativos eram cerca de quarenta, provavelmente oriundos de várias etnias (O Seleiro lembra-se de alguns nomes: Jalá, Agusto, Malam Seide, Cavaleiro, Pedro)...

Em Novembro de 1968 Pel Caç Nat 60 recebeu ordem de marcha para o Quartel de Ingoré, para reforçar a CCAÇ 1801 que contava com dois pelotões (mais tarde ficará só com um pelotão)... Esta CCAÇ guarnecia o destacamento do Sedengal (e mais tarde o destacamemto da Totinha).

O Pel Caç Nat 60 esteve em Ingoré até Setembro de 1969, altura em que voltou a S. Domingos, sendo então comandado pelo Alf Mil Gonçalves que em Novembro será ferido, gravemente em resultado de mina anti-carro (*).

Por essa altura, o nosso camarada Alf Mil Hugo Guerra veio render o Alf Nil Gonçalves, enquanto o restante pessoal metropolitano se começava a preparar para a sua rendição individual.

No dia dez de Março de 1970 o 1º Cabo Seleiro e o Alf Mil Hugo Guerra foram feridos com gravidade quando o primeiro tentava desmontar uma mina anti-pessoal.

Telemóvel do Seleiro para futuros contactos: 934020309. Endereço de e-mail: manuelseleiro@gmail.com

O Seleiro segue o nosso blogue. Os nossos parabéns por ele ter criado e manter o blogue do Pel Caç Nat 60.
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Notas de L.G.:

(*) Recorda o nosso camarada João Manuel Félix Dias, que foi Fur Mil SAM da CCAV 2539/BCAV 2836 (1969/71):

(...) "A 13 de Novembro de 1969 na estrada de S. Domingos-Susana, indo eu na GMC rebenta-minas apenas com o condutor Oliveira (Vasculho), próximo de Nhambalã aconteceu que a 3.ª viatura, Unimog, em que seguia o ex-Alf Nelson Gonçalves, do Pel Caç Nat 60, accionou uma mina anti-carro que o feriu gravemente; como consequência sofreu amputação de uma perna e ferimentos em todo o corpo.

"Além de outros, foi o acontecimento que mais me marcou durante os dois anos, e que profundamente marcou o meu comportamento desde então. Costumo pensar que se não foi daquela, vai ser difícil ser doutra. "(...)

(**) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)...Hoje Coronel DFA, na reforma).

Vd. poste de:

25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)

(...) Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade.
Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao Seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:
- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto.
Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...)

Vd. também:

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4255: Parabéns a você (6): Hugo Guerra, o homem que foi evacuado duas vezes e meia, faz hoje anos (Editores)

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2415: Uma guerra entregue aos milicianos: onde estavam (estão) os nossos comandantes ? (Hugo Guerra, Coronel, DFA, na reforma)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)