Título de caixa alta do Diário de Notícias, de 5/7/1970, fazendo-se eco da indignação da "Nação Portuguesa"... Alguém se lembra das repercussões deste caso no TO da Guiné ?
Fonte: GAVE - Gabinete de Avaliação Educacional / Ministério da Educação > Exame Nacional do Ensino Secundário > Prova Escrita de História A > 12º Ano de Escolaridade > 2008 (com a devida vénia...)
Com cinco dias de atraso, o Diário de Notícias, jornal afecto ao regime de então, e que tinha à sua frente o inefável Dr. Augusto de Castro, dava a notícia, que caiu que nem uma bomba nos restritos círculos políticos da época, segundo a qual o Papa Paulo VI tinha recebido, no Vaticano, em audiência, os três chefes dos principais movimentos que combatiam Portugal em África, mais exactamente em Angola, Moçambique e Guiné, respectivamente Agostinho Neto (MPLA), Marcelino dos Santos (FRELIMO) e Amílcar Cabral (PAICG)…
Tratou-se de um audiência “privada” (de que de resto não encontrei registo fotográfico: o Vaticano terá procurado ser cauteloso e discreto), ocorrida no dia 1 de Julho de 1970. Os três dirigentes nacionalistas encontravam-se em Roma, por ocasião da "Conferência Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas”…
Como seria de esperar, o Governo Português reagiu como tinha que reagir: ou seja, de maneira consequente com a sua política do "orgulhosamente sós", mostrando-se indignado e chamando a Lisboa o seu representante na Santa Sé. Em vão: a diplomacia do Vaticano não deu satisfação às exigências de reparação (moral) à Nação fidelíssima… Os tempos eram outros e, senão os novos ventos, mas pelo menos a nova brisa que soprava do Concílio Vaticano II, não desapareceu com a morte do popularíssimo Papa João XXIII.
Tratou-se de um audiência “privada” (de que de resto não encontrei registo fotográfico: o Vaticano terá procurado ser cauteloso e discreto), ocorrida no dia 1 de Julho de 1970. Os três dirigentes nacionalistas encontravam-se em Roma, por ocasião da "Conferência Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas”…
Como seria de esperar, o Governo Português reagiu como tinha que reagir: ou seja, de maneira consequente com a sua política do "orgulhosamente sós", mostrando-se indignado e chamando a Lisboa o seu representante na Santa Sé. Em vão: a diplomacia do Vaticano não deu satisfação às exigências de reparação (moral) à Nação fidelíssima… Os tempos eram outros e, senão os novos ventos, mas pelo menos a nova brisa que soprava do Concílio Vaticano II, não desapareceu com a morte do popularíssimo Papa João XXIII.
Já em 1964, a deslocação de Paulo VI, a Bombaím, na Índia, tinha causado mal estar entre os fiéis do regime de Salazar. Em 1967, Paulo vem discretamente a Fátima como peregrino. Em 29 de Outubro desse ano redige a Carta Apostólica Africae Terrarum (Terras de África). Entre diversos públicos-alvo, há uma mensagem para os novos dirigentes políticos, saídos das independências, cujo teor também não deve ter agradado aos sectores mais intransigentes do regime em matéria de política ultramarina:
(…) A Voi, Governanti d’Africa, la grave responsabilità di operare per il consolidamento delle istituzioni sorte con l’indipendenza dei vostri Paesi. A voi compete il rinnovare e l’interpretare, in senso moderno, gli antichi valori della tradizione africana. Da voi dipende il formulare, il perfezionare e l’eseguire la legislazione sulla quale si ordina la vita presente dell’Africa. In ciò Noi siamo sicuri che vi guiderà sempre il desiderio del vero bene del popolo. Siate cercatori della pace, pronti al dialogo e ai negoziati più che alla rottura e alla violenza, memori della tradizione sociale più autentica dell’antica Africa, che era quella di trattare. (…)
Mas em 1970 a diplomacia portuguesa terá sido apanhada de surpresa. A audiência papal (mesmo privada...) a três inimigos declarados do “colonialismo português”, deixou o Governo de Marcelo Caetano em estado de choque. Não eram apenas inimigos políticos: eram homens que chefiavam movimentos de luta armada...As repercussões internacionais deste acontecimento só poderiam ser negativas. Internamente, legitimavam e encorajavam ainda mais as vozes da oposição democrática (e não só) que reclamavam soluções políticas para o conflito ultramarino.
A imprensa portuguesa “situacionista” amplificou os ecos dessa indignação. O título de caixa alta do Diário de Notícias, de 5/7/1970, era sugestivo. O Papa é acusado de “receber terroristas responsáveis pela chacina de milhares de cristãos” (sic).
Nessa altura eu estava em comissão de serviço na Guiné... Já não me recordo exactamente se em Julho de 1970 estava de férias, na Metrópole, ou se estava em Bambadinca… Presumo que a notícia tenha caído mal no CTIG, na própria entourage de Spínola, empenhado no sucesso da política “Para uma Guiné Melhor”.
(…) A Voi, Governanti d’Africa, la grave responsabilità di operare per il consolidamento delle istituzioni sorte con l’indipendenza dei vostri Paesi. A voi compete il rinnovare e l’interpretare, in senso moderno, gli antichi valori della tradizione africana. Da voi dipende il formulare, il perfezionare e l’eseguire la legislazione sulla quale si ordina la vita presente dell’Africa. In ciò Noi siamo sicuri che vi guiderà sempre il desiderio del vero bene del popolo. Siate cercatori della pace, pronti al dialogo e ai negoziati più che alla rottura e alla violenza, memori della tradizione sociale più autentica dell’antica Africa, che era quella di trattare. (…)
Mas em 1970 a diplomacia portuguesa terá sido apanhada de surpresa. A audiência papal (mesmo privada...) a três inimigos declarados do “colonialismo português”, deixou o Governo de Marcelo Caetano em estado de choque. Não eram apenas inimigos políticos: eram homens que chefiavam movimentos de luta armada...As repercussões internacionais deste acontecimento só poderiam ser negativas. Internamente, legitimavam e encorajavam ainda mais as vozes da oposição democrática (e não só) que reclamavam soluções políticas para o conflito ultramarino.
A imprensa portuguesa “situacionista” amplificou os ecos dessa indignação. O título de caixa alta do Diário de Notícias, de 5/7/1970, era sugestivo. O Papa é acusado de “receber terroristas responsáveis pela chacina de milhares de cristãos” (sic).
Nessa altura eu estava em comissão de serviço na Guiné... Já não me recordo exactamente se em Julho de 1970 estava de férias, na Metrópole, ou se estava em Bambadinca… Presumo que a notícia tenha caído mal no CTIG, na própria entourage de Spínola, empenhado no sucesso da política “Para uma Guiné Melhor”.
Provavelmente, nesta altura ainda havia alguns ilusões sobre a liderança política de Marcelo Caetano … Deopis da fraude eleitoral de Outubro de 1969, poucos teriam ilusões sobre a "primavera política" marcelista... Entre as revistas e jornais que eu recebia (entre eles, o Comércio do Funchal e o Notícias da Amadora…), tenho a ideia de que o assunto (a audiência papal aos três dirigentes nacionalistas) terá passado, com discrição, no “exame prévio” (nova designação da censura)… Mas julgo que a notícia, em si, não teve grandes repercussões no meio militar, quer entre os oficiais do quadro quer entre os milicianos… Em contrapartida, este sucesso diplomático foi habilmente explorado por Amílcar Cabral e pela propaganda do PAIGC.
Diga-se, en passant, que qualquer coincidência entre a edição deste poste e a visita, de Estado, iniciada hoje (e que vai até ao dia 14), pelo Papa Bento XVI ao nosso país, é mera coincidência. Por razões estatutárias, não devemos (nem podemos) discutir aqui questões da actualidade política dos nossos dois países, Portugal e a Guiné. Neste caso, trata-se apenas de uma efeméride, relevante para a historiografia da guerra colonial. (*) (LG)
_____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série: 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6315: Recortes de imprensa (24): Salgueiro Maia, comandante da CCAV 3420, em fimd e comissão, 5 de Maio de 1973: "Em 60 homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote" (Beja Santos)