quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12385: O que é que a malta lia, nas horas vagas (4): a revista "Flama", o jornal "A Bola"... e o livro de contos e narrativas do Armor Pires Mota, "Guiné, Sol e Sangue" (Braga, Pax ed., 1968) que havia na biblioteca... (Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71)



Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº 1 >  "O Crioulo, lendo a 'Flama' à porta do abrigo de transmissões, com fundo decortado a manjericos, e sentado em cadeira de verga artesanal... Enfim, o meu pátio alfacinha"...

[Na opinião de Patrícia Fonseca, a "Flama" foi "uma das revistas mais marcantes do século passado, sobretudo na segunda metade dos anos 60 e início dos anos 70 (...) a par de outras revistas, como O Século Ilustrado ou a Vida Mundial", tendo introduzido "nos hábitos de leitura dos portugueses o gosto pelas newsmagazines, que há muito faziam sucesso noutros países"].





Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº 2 > "Leitura junto à Morança Nova, tabanca de Caanjambari".



Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) >  Foto nº 3 > "Sentado junto ao  abrigo das transmissões, bebendo uma 'bazuca' e fazendo as palavras cruzadas de um jornal ou revista.


Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº  4 > "Ali no fim do mundo também se lia a 'Bola', na companhia do Borges, cantineiro, e outro camarada. Ao fundo o depósito de géneros, sem telhado, após tornado que levou a companhia a comer arroz com marmelada durante 15 dias"...



Guiné > Região do Oio > Farim  > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº 5 > "Em Farim, à noite, na cama, lendo possivelmente a Flama".


Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) >  Foto nº 6 > "Velho moicano, ao fim de 22 meses de comissão, já apanhado pelo clima, de pera e bigode, muito do agrado do cap Sidónio, o 'Cabra',  que prometeu dar-me uma porrada e não cumpriu".

Fotos (e legendas) : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem do Luís Nascimento, enviada ontem, através da sua neta Jessica Nascimento (como habitualmente):

Boa noite Sr. Luis Graça,

Junto envio texto e fotos das histórias do meu avô. Abraço do Sr. Assassin.


2. Pedido do editor a todo o pessoal da Tabanca Grande, enviado a 2 do corrente:

Amigos e camaradas: Foi aberta uma nova série no nosso blogue, "O que é que a malta lia, nas horas vagas"... E eu aqui, faço um apelo, mais uma vez, à vossa generosa participação, para que nos enviem textos e fotos dos momentos de ócio, ao sol, no abrigo, no bar, lendo livros, jornais, revistas... Em muitos aquartelamentos havia pequenas bibliotecas alimentadas pelo Movimento Nacional Feminino... É possível que também chegassem pelo correio jornais e revistas... Ainda se lembram de quais ? Um ou outro assinava publicações periódicas... Enfim, essa informação interessa-nos para melhor documentar o nosso quotidiano naquela terra verde e vermelha onde passámos alguns dos nossos verdes anos.. Luís Graça, editor.


3. Resposta do Luís Nascimento > Acerca do que se lia na Guiné…

Eu, como encarregado da biblioteca, tinha ao meu dispor uma gama de literatura abundante. Lembro-me de ler a “Flama”, o “Século ilustrado” e mais edições da Agência Portuguesa de Revistas, com sede na Saraiva de Carvalho, ali a Campo de Ourique.

Foi na biblioteca de Canjambari que li o primeiro livro à cerca da guerra na Guiné “Guiné Sol e Sangue” de autoria de um Alferes [, Armor Pires Mota, nosso grã-tabanqueiro!], que esteve em Jumbembem e contava a história de um ex-turra de nome Faustino que vim a apurar mais tarde, ser um civil que trabalhava na cozinha da 33, como copeiro (era ele que lavava os panelões) e ia dormir à tabanca onde perdeu um olho por se ter enganado na mesma, pois ali morava um soldado milícia com a sua bajuda e onde arranjou manga de chatice por levar a cabeça grande de “água de Lisboa” [vinho tinto].


[Foto acima, à esquerda: capa do livro "Guiné, Sol e Sangue: Contos e Narrativas", de Armor Pires Mota, editado pela Pax Editora, Braga, 1968, 162 pp.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12381: O que é que a malta lia, nas horas vagas (3): o trissemanário "A Bola" (Garcez Costa, ex-fur mil, radialista, Com-Chefe, Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, Serviço de Radiodifusão e Imprensa, Programa das Forças Armadas, Bissau, 1970/72)

Guiné 63/74 - P12384: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (8): O café do sr. Teófilo (Parte IV): Um homem sempre bem informado.. (Manuel Mata, ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)




Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfleto de propaganda política, em  crioulo,  da autoria do PAIGC, oferecido ao Manuel Mata [ ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640, Bafatá, 1969/71; foto à direita], pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reseravos.


ERMONS,
riba di tudo cansera qui bó passa parmeru
i bó na passa inda,

IRMÃOS,
Para além de todas as canseiras que já passastes
e continuais ainda a passar,


Setia anu dja bó na sufri amonlon, man-
ga di bós pirdi bida amonlon, pabia
bó seta cudi larpaça di tuga, cu di sé
calchuris!

Há já sete anos que vós sofreis sem razão, mui-
tos de vós perderam a vida sem razão, porque 

aceitaram ouvir as aldrabices dos tugas e dos seus 
cachorros!

Seti anu dja tuga na purmiti bós cu-
ma guerra perto cabá, ma lé abós in-
da, é mais na sucundi tras di bós na
tabancas, pabia nó força cá péra quir-
ci, suma qui bó na sinti!

Já há sete anos que os tugas vos prometeram
que a guerra estava prestes a acabar, mas até agora ain-
da não, e mais se escondem por detrás de vós nas 
tabancas, porque a nossa força não pára de cres-
cer, como vós dais conta!

Seti anu tchigá pa bó intindi cuma na-
da ca pudi para nó ataque contra in-
dimigus di nó pubu, indimigus di in-
dependência di nó terá!

Sete anos chegam para entenderdes como na-
da pode parar o nosso ataque contra os ini-
migos do nosso povo, inimigos da in-
dependência da nossa terra!

ERMONS,
bó sai di caos nunde qui tugas pui cortel,
pubia bála ca ten udju dé! #
Bó dissa strangeras sploraduris colonialistas
tugas elis son cu sé foronta!
Bo bin djunta cu bó ermons!

IRMÃOS,
Saiam dos lugares onde os tugas põem quartel,
porque as balas não têm olhos!
Deixai os estrangeiros exploradores colonialistas,
tugas, a sós com as suas dificuldades!
Vem e junta-te aos teus irmãos!


VIVA P.A.I.G.C.
Morti pa strangerus tuga, cu sé calchuris di dus pé!

VIVA O P. A. I. G. C.!
Morte aos estrangeiros tugas, e aos seus cachorros de dois pés!

 Nota do tradutor (M.D.):

# ... pabia bála ca ten udju dé!...  Dé! é uma partícula de realce, sem tradução em português, e que expressa como que um sério aviso.

 Tradução do nosso camarada © Mário Dias (2006).



Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfleto de propaganda política, em  árabe,  da autoria do PAIGC, oferecido ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo. Deste documento não temos tradução para português.

Sobre este português que chegou á Guiné nos 30 (desterrado, dizia-se), escreveu já o Jorge Cabral, em 12/4/2006, na I Série do nosso blogue: "Falei muitas vezes com o senhor Teófilo. Penso que não era, nem Turra, nem Pide. Apenas um bom e lúcido Homem".

Por seu turno, Fernando Gouveia, seu vizinho, acrescentou, recentemente: "Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante".

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reseravos




COMBATENTES, NÓS FOMOS ENGANADOS!

"Agora nós sabemos que no PAIGC
nós lutamos só contra a felicidade do povo,
e contra o progresso da Guiné...

Agora nós vemos claro 
como os dirigentes do PAIG nos enganam".

Foi assim que NHATE BUIDA falou na Rádio de Bissau
no dia 23 de Junho de 1970.

HOMEM DO MATO:
O Governo está a construir o progresso e a felicidade do povo.
O PAIGC só traz morte, miséria e sofrimento para o povo
e para os combatentes.

HOMEM DO MATO!
NO PAIGC TU LUTAS CONTRA O POVO.

VEM JUNTAR-TE AO POVO PARA CONSTRUIR
UMA GUINÉ MELHOR.




HOMEM DO MATO !
O MOTIVO DA LUTA JÁ ACABOU

Assim disse Nhate Buida, chefe de grupo do PAIGC, de Naga,
que foi apanhado pela tropa no dia 16 de Maio de 1970.

ELE NÃO QUER REGRESSAR PARA O MATO.


Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfletos de contra-propaganda política, em  crioulo,  elaborados pelo Exército Português em 1970, e oferecidos ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados


Tradução do nosso camarada © Mário Dias (2006). [, foto atual à esquerda]
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

Guiné- Bissau > Região de Bolama > Ilha das Galinhas >  "Galinhas é a ilha mais a nordeste do Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, com 50 km2 de área e uma população estimada de 1 500 habitantes. Está situada a sudoeste da Ilha de Bolama, da qual está separada por um canal com 4,5 km de largura,e a cerca de 60 km a sudoeste de Bissau, a capital da Guiné-Bissau. Os principais povoados da ilha são Ambancana, Ametite, Acampamento, Ancano e Anchorupe. Durante o período colonial funcionou na ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas", entretanto abandonada."

Fonte:  Wikipédia > Galinhas (Guiné-Bissau) (Reprodução, com a devida vénia). Inagem do domínio público, editada.

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 29 de Novembro de 2013:

A minha passagem pela Ilha das Galinhas ou mais correctamente Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas.


Ao fim de 20 meses de mato fui enviado para Bolama e daí para a Ilha das Galinhas. Desconhecia por completo o que aquilo era, quando cheguei em meados de Junho de 1968.

O destacamento era composto por um Furriel, um cabo e 3 soldados.
Na parte civil e a comandar o campo tinha um chefe que era o Chefe Joaquim,  um homem de poucas conversas.


De vez enquanto encostava uma lancha LDP com um carregamento de prisioneiros, sempre em mau estado,  que vinham das prisões de Bissau, escoltado sempre por dois Pides, que entregavam os presos ao chefe e desandavam para Bissau.

Os prisioneiros andavam pela ilha soltos, mas soube que alguns passavam por ali em trânsito para o Tarrafal [, Ilha de Santigao, Cabo Verde].


Na altura não me despertava muito a curiosidade e as conversas com os prisioneiros eram poucas, a maioria trabalhava na bolanha e nas sementeiras de ananás e mancarra que havia pelo campo.

O povo Bijagó era muito afável. Passei quatro meses e acabei a minha comissão em Setembro de 68 com 25 meses de Guiné.











Guiné > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Junho/setembro de 1968. Fotos de José António Viegas, sem legenda.

Fotos: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12318: Memória dos lugares (255): Missirá, Zacarias Saiegh e Jobo Baldé em 1968 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'


 Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1970 > Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70] > Foto s/nº  >  "Uma irmãzinha de Amílcar Cabral", segundo o testemunho do sr. Teófilo com quem ele terá trabalhado, antes da guerra... Amílcar nasceu em 12/9/1924, em Bafatá, filho de pais caboverdianos. Juvenal Cabral, professor primário,  e Iva Pinhel Évora, doméstca. A família regressa a Cabo Verde em 1932.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > Busto do fundador do PAIGC,  Amílcar Cabral (Bafatá, 12/9/1924 - Conacri, 20/1/1973), engenheiro agrónomo, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 1950. Era filho de Juvenal Lopes Cabral, professor primário, caboverdiano, e de Iva Pinhel Évora, doméstica, guineense. Irmão, pelo lado paterno, de Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da Guiné-Bissau (1973-1980).

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; é arquiteto, e vive no Porto; foto atual à direita]

Data: 2 de Dezembro de 2013 às 01:38

Assunto: Sr. Teófilo

Luís:  Já várias vezes sugeriste que eu dissesse algo sobre o sr. Teófilo, por ter morado junto da casa dele. Nunca cheguei a dizer nada sobre o controverso senhor porque realmente não tinha muito a contar.

Efectivamente, durante os dois anos de comissão [, 1968/70], quase todos os dias, ao fim da tarde e à noite estava com ele, sentados na esplanada, a ver passar o pessoal, de, e para a tabanca da Rocha. Foi também aí que muitas vezes vi chegar autênticas caravanas de burros, todos engalanados, trazendo a mancarra para o celeiro.

Claro que muito conversamos mas nunca sobre assuntos de "guerra". Como que havia um acordo tácito entre nós no sentido de não entrarmos em mútuas confidências. Talvez tenha sido eu a forçar essa nota,  dadas as minhas funções, de informações, no Comando de Agrupamento [nº 2957]. Não queria de forma alguma fazer transparecer fosse o que fosse referente ao que se passava na "nossa guerra", quer em relação às NT, quer ao IN. Não tendo qualquer desconfiança em relação a ele, nunca lhe contaria nada que pudesse vir a pôr em perigo alguém das NT.

Se eu nunca cometi qualquer inconfidência, considero que ele por duas vezes não se conteve.

Primeira: Estava para se realizar uma grande operação dentro do Senegal, assunto que estava a ser tratado no Agrupamento com a chancela de "secreto". Pois bem,  um ou dois dias antes da operação,  o Sr. Teófilo falou-me, e eu só ouvi, dessa grande operação. Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante.

Uma outra vez, próximo do fim da minha comissão, princípios de 1970, em determinada altura vira-se para mim e diz: 
– O Sr. Alferes sabe que na noite passada andaram, naquelas tabancas para lá da pista, elementos do IN? 

Mais uma vez não manifestei qualquer reacção. Acrescentarei que a partir dessa data nunca mais fui à caça à noite, como sempre tinha ido. Passei a ir só de dia e acompanhado.

Sobre estas duas situações, claro, que ao chegar ao quartel fiz seguir superiormente as minhas duas únicas informações de toda a minha comissão, penso que classificadas de B-2 (a letra de A a E referente à fonte da notícia e o algarismo de 1 a 5 relativo ao grau de verosimilhança da notícia).

Com o Sr. Teófilo as conversas sempre foram sobre trivialidades. Aprendi a tornar tenras as chocas (perdizes) que caçava e que até aí as achava duríssimas. Era só tirar-lhe a pele. Aprendi com a esposa dele a fazer uma boa cachupa, que ainda agora fazemos regularmente cá em casa. Aprendi com ele a eliminar uma verruga com auxílio de uma crina de cavalo.

Para terminar, uma tarde vira-se para mim e diz-me; 
– Aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral...

O mesmo Amílcar Cabral, com quem ele  trabalhou na "Agrária" de Fá e por quem tinha, nessa época antes da guerra, muita consideração.

Não deixei de tirar uma foto à Senhora que junto envio.

Um abraço

Fernando Gouveia
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12369: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (6): O café do sr. Teófilo (Parte II): um homem amargurado que sabia demais? (Manuel Mata)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12381: O que é que a malta lia, nas horas vagas (3): o trissemanário "A Bola" (Garcez Costa, ex-fur mil, radialista, Com-Chefe, Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, Serviço de Radiodifusão e Imprensa, Programa das Forças Armadas, Bissau, 1970/72)


Guiné > Bissau > Com-Chefe > Programa das Forças Armadas > c. 1970/72 > Álbum de Garcez Costa > Foto nº 3 > "Garcez Costa a ler... 'a bíblia' [, o jornal 'A Bola'] e o João Paulo Diniz à espera qu'eu lhe passe... "a bola".

Foto (e legenda) : © Garcez Costa (2012). Todos os direitos reservados


1. Garcez Costa (de seu nome completo, António Manuel Garcez da Costa), nosso grã-tabanqueiro,  nº 577 (desde setembro de 2012), foi radialista do PIFAS (designação popular do Programa de rádio das Forças Armadas, PFA, que emitia 3 horas diárias, em Bissau), tendo cumpriu o serviço militar entre fevereiro de 70 e fevereiro de 72, como fur mil. Foi substituído no final da comissão, ao que parece, pelo Armando Carvalheda, atual locutor da Antena 1 e realizador e apresentador, desde 1996, do popular programa Viva a Música.

O Garcez Costa trabalhou, em Bissau, no PFA,  com outro dos nossos membros da Tabanca Grande, o João Paulo Diniz.

2. Nota sobre o jornal "A Bola":

O jornal desportivo A Bola foi fundado a 29 de janeiro de 1945, em Lisboa, por Cândido de Oliveira [, autor de Tarrafal: o pântano da morte. Lisboa, República, 1974,]  Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo, aproveitando um título cedido pelo Diário de Lisboa. 

A ideia nasceu à mesa de um café de Lisboa, numa altura em que a Segunda Guerra Mundial estava perto do fim e renascia o interesse pelo desporto. O primeiro número, sob a direção de Álvaro Andrade, foi elaborado por um grupo de amigos do jornalismo desportivo e teve uma grande aceitação por parte do público, tendo esgotado a sua edição. O seu preço era de um escudo, mais caro que os 15 tostões que custava a revista Stadium, a líder de mercado. De início, o jornal era editado às segundas e sextas-feiras, mas depois optou-se por trocar a sexta pela quinta-feira. 

Cerca de um ano após o lançamento, A Bola teve a edição suspensa durante pouco menos de um mês, entre 25 de março e 19 de abril de 1946, porque a Comissão de Censura não gostou da maneira como foi tratada uma seleção inglesa de futebol. Em julho de 1950, A Bola passou a ser um jornal trissemanário dado o interesse manifestado pelos leitores, especialmente a partir do momento em que a equipa de futebol do Benfica venceu a Taça Latina.
O sábado foi o terceiro dia escolhido para a publicação do jornal. Esta fórmula manteve-se durante quase 39 anos até que, em março de 1989, se passou a publicar também ao domingo. Esta quarta edição semanal surgiu pela necessidade de dar mais destaque às modalidades de alta competição, uma vez que, por essa altura, houve várias conquistas internacionais de corredores portugueses a nível de atletismo.

Entretanto, nesta altura, o jornal já era impresso em offset, tendo posto de parte o chumbo por imposição da administração do Diário Popular, quotidiano de Lisboa onde era composto e impresso. O ano de 1992 ficou marcado pela introdução da cor na primeira e última páginas. Mas a maior transformação deu-se em fevereiro de 1995, quando A Bola passou a ser um jornal diário, ao mesmo tempo que trocava o grande formato pelo tabloide, de modo a poder ser lido com mais comodidade.

Em janeiro de 2000, as edições diárias de A Bola passaram a estar também disponíveis na Internet.

O jornal A Bola é vendido em todo o território nacional e conhece também grande expansão junto dos núcleos de emigrantes.


Fonte: A Bola. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-12-02].
Disponível na www: .

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12380: O que é que a malta lia, nas horas vagas (2): a revista brasileira, ilustrada, "O Cruzeiro" (Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

Guiné 63/74 - P12380: O que é que a malta lia, nas horas vagas (2): a revista brasileira, ilustrada, "O Cruzeiro" (Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  s/d > O Abílio Duarte na messe, em Nova Lamego, decorada pelo Pechincha, lendo a revista brasileira "O Cruzeiro"...

Foto do álbum de Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70).

 Foto: © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


1. Sobre a revista O Cruzeiro:

"O Cruzeiro foi a principal revista ilustrada brasileira do século XX. Começou a ser publicada em 10 de novembro de 1928 pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand.
Foi importante na introdução de novos meios gráficos e visuais na imprensa brasileira, citando entre suas inovações o fotojornalismo e a inauguração das duplas repórter-fotógrafo, a mais famosa sendo formada por David Nasser e Jean Manzon que, nos anos 40 e 50, fizeram reportagens de grande repercussão.

"O site Memória Viva, especializado em biografias de pessoas famosas da recente História do Brasil, inaugurou uma nova fase de existência com o lançamento da edição on line da revista O Cruzeiro."

[Excerto reproduzido com a devida vénia... Algumas edições estão já disponíveis no sítio Memória Viva].

2. Apelo do editor, L.G.:

Amigos e camaradas. leitores do nosso blogue:

Foi aberta esta nova série no nosso blogue, "O que é que a malta lia, nas horas vagas" (*)... E eu, aqui, faço um apelo, mais uma vez, à vossa generosa participação, para que nos enviem textos e fotos dos momentos de ócio, ao sol, no abrigo, no bar, lendo livros, jornais, revistas... Em muitos aquartelamentos havia pequenas bibliotecas alimentadas pelo Movimento Nacional Feminino... É possível que também chegassem pelo correio jornais e revistas... Ainda se lembram de quais? Um ou outro assinava publicações periódicas... Enfim, essa informação interessa-nos para melhor documentar o nosso quotidiano naquela terra verde e vermelha onde passámos alguns dos nossos verdes anos...

Um Alfa Bravo fraterno. Luís Graça, editor.
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Guiné 63/74 - P12379: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte III)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 A > Lavadeiras


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 >  Lavadeira. Fonte antiga. Todos os soldados tinham a sua lavadeira. A lavagem da roupa era feita na tabanca com água retirada através do único furo (foto nº 6), feito por uma companhia de caçadores estacionada em Fulacunda em 68/69 [ou melhor, 69/70], e que penso chamar-se “Boinas Negras” [ CCAV 2482, "Boinas Negras", subunidade que esteve em Fulacunda entre 30 de Junho de 1969 e 14 de Dezembro de 1970, data em que foi rendida e partiu para Bissau].  Contudo, quando havia muita roupa para lavar, as lavadeiras deslocavam-se à fonte antiga (foto), que se localizava na parte exterior do aquartelamento e portanto sujeita a “surpresas” [, acções do IN].


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 >  Avó com filho de soldado branco. Em Fulacunda, verifiquei que havia 4 crianças filhas de soldados brancos,  pertencentes a companhias anteriores. Também verifiquei que apenas uma das mães continuava a viver em Fulacunda.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3  > Colheita da mancarra (ou milho painço?). 



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 A > Colheita da mancarra (ou milho painço?).

Aqui os homens também trabalham! Em Fulacunda praticamente não havia atividades. Cultivava-se apenas junto ao arame que rodeava a tabanca, alguma mancarra, milho painço, pescava-se muito pouco, apanhavam-se cestos de ostras que cozinhávamos como petisco ao final do dia e havia um milícia que às vezes caçava uma gazela e nos vendia a “preço de ouro”.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4A > Horta do Tobias. Alguns soldados e gente da tabanca, sob a orientação do furriel Tobias,  dedicaram-se a esta horta, que como se vê era bem verdejante, mesmo na época seca. Graças a ela tínhamos, couves, alfaces, pimentos e outras hortaliças.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 5


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 5A  > Fazendo tijolos para uma morança. Durante a minha estada em Fulacunda, construíram-se apenas umas 3 moranças novas. As NT deram a sua ajuda preciosa.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 6 > Fonte dentro da tabanca. Furo feito pela companhia caçadores “Boinas Negras”, 1968/69 (?) [CCAV 2482, "Boinas Negras",  30 de junho de 1969 / 14 de dezembro de 1970]. Comparar com foto, a preto e branco, de Augusto Inácio Ferreira (dos "Boinas Pretas", 1969/70).


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 7 > Vista aérea da pista, da tabanca e do aquartelamento de Fulacunda... Tentativa de reconstituição do perímetro de arame farpado (a amarelo, tracejado), dos espaldões e abrigos (a vermelho, círculo) e da área cultivável em redor do arame farpado (a verde, linha)... No sentido su-sudeste / nor-noroeste. vê-se a pista e o heliporto... Pede-se ao Jorge Pinto que avalize-se ou mande corrigir, se for caso disso, esta reconstituição...(LG)

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem da foto nº 7: L.G.]



1. Continuação da publicação das Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte III)

[Foto atual do Jorge Pinto, à esquerda]


Subunidades que passaram por Fulacunda (1962/74):

CCAÇ 153 - Unidade mobilizadora: RI 13. Partida: 27/5/61.  Regresso: 24/7/63. Localização: Bissau, Fulacunda, Bissau. Comandante:  cap inf José dos Santos Carreto Curto.

CCAÇ 273  - Unidade mobilizadora: BII 18. Partida: 17/1/62.  Regresso: 17/1/64. Localização: Bissau, Fulacunda. Comandante:  cap inf Adérito Augusto Figueira.

CART 565 - Unidade mobilizadora: RAP 2. Partida: 12/10/63. Regresso: 27/10/65. Localização: Bissau, Fulacunda, Nhacra. Comandante:  cap art Luís Manuel Soares dos Reis Gonçalves.

CCAÇ 1487 - Unidade mobilizadora: RI 15. Partida: 20/10/65. Regresso: 1/8/67. Localização: Bissau, Fulacunda, Nhacra. Comandante:  cap inf Alberto Fernão de Magalhães Osório.

CCAÇ 1567 - Unidade mobilizadora: RI 2. Partida: 7/5/66.  Regresso: 17/1/68. Localização: Bissau, Fulacunda. Comandante:  cap mil inf João Renato de Moura Colmonero.

CCAÇ 1591 - Unidade mobilizadora: RI 15. Partida: 30/7/66.  Regresso: 9/5/68. Localização: Fulacunda, Catió, Fulacunda,  Bolama, Mejo, Porto Gole, Fulacunda. Comandante:  cap mil art  Fernando Augusto dos Santos Pereira; e cap mil inf Vitor Brandão Pereira da Gama. Batalhão: BART 1896 (Bissau, Buba, 1966/68).

CCAÇ 1624 - Unidade mobilizadora: RI 2. Partida: 12/11/66.  Regresso: 18/8/68. Localização: Bissau, Fulacunda. Comandante:  cap mil inf João Renato de Moura Colmonero.

CCAÇ 2314 - Unidade mobilizadora: RI 15. Partida: 10/1/68.  Regresso: 23/11/69. Localização: Tite, Fulacunda, Tite. Comandante:  cap inf Joaquim Jesus das Neves. Batalhão: BCAÇ 2834 (Bissua, Buba, Aldeia Formosa, Gadamael, 1968/69).

CCmds  15 - Unidade mobilizadora: CIOE. Partida: 1/5/68.   Regresso: 10/3/70. Localização: Bolama, Bissau, Cuntima, Jumbembém, Farim, Bissau, Buba, Bissau, Tite, Fulacunda,
Bissau. Comandante:  cap inf  cmd  Luciano António de Jesus Garcia Lopes.

CCAV 2482 - Unidade mobilizadora: RC 3. Partida: 23/2/69.  Regresso: 23/12/70. Localização: Tite, Fulacunda. Comandante:  cap cav > Henrique de Carvalho Morais. Batalhão: BCAV 2867 (Tite,1969/70)

CART 2772 - Unidade mobilizadora: GACA 2. Partida: 23/9/70.   Regresso: 17/9/72. Localização:  Fulacunda.  Comandante:   cap art João Carlos Rodrigues de Oliveira. Batalhão: BART 2924 (Tite, 1970/72).

CCmds  27 - Unidade mobilizadora: CIOE. Partida: 11/7/70.   Regresso: 30/5/72. Localização: Cacheu, Saliquinhedim, Fulacunda, Bolama, Bissau, Mansabá.  Comandante:  cap mil cmd José Eduardo Lima Rebola; cap mil cmd  Octávio Emanuel Barbosa Henriques; e alf mil cmd Manuel Carlos Génio Vidal.

3ª C/BART 6520/72 - Unidade mobilizadora: RAL 5. Partida: 24/9/73.  Regresso: 8/9/74. Localização: Cacine, Fulacunda. Comandante:  cap mil cav António Lourenço Dias. Batalhão: BART 6520/72 (Tite, 1972/74).

CCAV 8354/73  - Unidade mobilizadora: RC 3. Partida: 26/6/72.  Regresso: 21/8/74. Localização: Fulacunda. Comandante:  cap mil n inf José João Mousinho Serrote. Batalhão: BART 6520/72 (Tite, 1972/74).



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda >  CCAV 2482, "Boinas Negras" (1969/70) > O chafariz feito pelos "Boinas Negras"

[ Créditos fotográficos: Augusto Inácio Ferreira, op cripto, CCav 2482 – Boinas Negras, Fulacunda, 69/71. Cortesia do sítio do Rumo a Fulacunda, do nosso camarada Henrique Cabral ].

Guiné 63/74 - P12378: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (4): Cinco dias no Niassa; A primeira grande experiência e Dois alferes de uma só vez

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 4

"Cinco dias no Niassa, alguns em barracões"; "A primeira grande experiência" e "Dois alferes de uma só vez"

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

i - Cinco dias no Niassa, alguns em barracões

Chegámos a Bissau na manhã de 22 de Julho. Na véspera, tinha-se realizado no navio um acto de variedades para esconjurar medos. No entanto, vivemos a bordo durante cinco dias, o que nem era de todo mau. Por falta de instalações, o Batalhão 490 só desembarcou no dia 27, ficando alojado na Bolola. Pior não podia ser, sob todos os aspectos. O alojamento era formado por alguns barracões, sem as mínimas condições. Além disso, se de um lado ficava o cemitério, do outro estendiam-se os canais do rio Geba, o grande rio da Guiné, a fornecer-nos exércitos de mosquitos arreliadores nos seus zumbidos, nas suas picadelas. Os barracões não tinham nem portas nem tão pouco janelas e os telhados, de zinco, não garantiam que não chovesse. Aliás, os barracões estavam em obras e ali fui encontrar o alferes Sampaio Alegre, de Anadia, ocupado da logística. Com grande azáfama. Era sempre uma grande alegria encontrarmos camaradas conhecidos, embora o nosso conhecimento fosse muito ténue.

As refeições eram servidas em marmitas (e sempre o havia de ser durante toda a comissão). Era tempo das chuvas e não havia qualquer recinto abrigado que nos protegesse da inclemência do tempo. Quando as obras estavam quase prontas, eis que se verificou a nossa mudança para o Forte de S. José da Amura, onde encontrámos instalações mais apropriadas, mesmo assim, também com algumas deficiências. Mas mais um imprevisto. Quando as instalações estavam prontas a serem desfrutadas, o Batalhão recebia a missão de instalar-se em alguns aquartelamentos do norte da província ou fosse no triângulo da mais activa zona do PAIGC, o Oio. Logo que o 490 desembarcou, foi-lhe atribuída a pior das missões, a de Unidade de Intervenção às ordens do comandante-chefe, Arnaldo Schulz.

Na Amura, um tempo bom, que só durou até 2 de Agosto de 1963, era dada instrução e fazia-se o serviço ao aquartelamento, e havia secções ou pelotões, a dar apoio a outras unidades, quer de carácter logístico, quer de fogo.

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ii - A primeira grande experiência

Quando as companhias partiram com o objectivo da intervenção na zona do Oio, considerado inexpugnável santuário do IN, tendo Morés como centro e fulcro do terrorismo, era zona de mata densa, não era aconselhável que a tropa se fizesse acompanhar da sua bagagem. Já bastaria a cada homem o peso de armas e munições. Calculava-se que o batalhão fizesse uma operação que estava calculada para a duração de 20 dias, mas assim não aconteceu, foram meses de luta e desgaste. E os homens tiveram de haver-se apenas com uma muda de roupa, com a organização de suas posições e com o combate ao IN que se mostrava moralizado e atrevido, para não dizer atrevido e forte.

Ficaram sediadas duas companhias, uma em Mansoa e outra em Mansabá, enquanto iam sendo rendidas, uma de cada vez, pela terceira que se encontrava em Bissau, ou por aquela que estivesse em descanso. Actuaram assim em Mansabá e Bissorã. A minha fez, primeiro, Mansabá e depois Bissorã. E assim andámos em perigos e guerras esforçados até 29 de Dezembro. Vinha aí outra guerra, maior ainda.

Nesta zona do Oio, as três companhias fizeram de tudo: acções de reconhecimento, capinagem e limpeza das bermas das estradas, emboscadas, umas montadas e outras sofridas, mostrando o IN moral em alta e bastante agressividade, remoção de abatizes, patrulhamentos, acções de psico-social, ensino do português, mas também operações de grande envergadura, como a operação “Tigre” e “Adónis A-2” (487), “Verde” e “Adónis 2” (488) e a de maior envergadura “Adónis B-3”, no dias 2 e 3 de Novembro de 1963, no coração do Oio. Morés acabou por ser ocupada pelas nossas tropas, depois de muita luta, alguns mortos e feridos. Ali foi hasteada até a bandeira nacional e houve grande regozijo. Visitou o local o comandante-chefe. Entusiasmado, visitou Morés mais uma vez, fazendo-se acompanhar de alguns mimos para os guerreiros, água, pão e guloseimas, que, de propósito, fora buscar ao QG ( Quartel Generall). Minguada glória.

Duas das grandes emboscadas em que caiu a 489 foram: uma entre Talicó e Morés e a outra na estrada de Bissorã. Estiveram envolvidas nesta operação as companhias 487, que teve um morto por acidente e 3 feridos; a 488, com cinco feridos, enquanto a 489, a mais castigada, registou 1 morto e 10 feridos e a CCS, 1 ferido. Do lado do IN, houve 36 mortos confirmados e 8 feridos e foram ainda feitos 12 prisioneiros, além de vário material capturado. A mulher idosa, Mala Seidi, que levara a companhia 489 à base de Morés, foi baleada pelo grupo guerrilheiro. Nesta operação alguns prisioneiros, porque não iam amarrados, escaparam-se para o seu lado, quando se deu o grande embate.

Localização de Morés e Talicó um pouco a sul

O IN, disposto a defender o seu quartel-general, esperou que a tropa avançasse, como de facto aconteceu com muita dificuldade, muito suor e sangue, mas também muita coragem e valentia. Foram 45 minutos de fogo cerrado e algum sangue, mas com o apoio dos T6, sustentaram o ímpeto e de tal modo que ficaram nessa noite em Morés, mas não em paz, pelo contrário. Toda a operação envolveu 10 acções de fogo, que fizeram obviamente os seus estragos.

Era um perigoso e árduo treino para outra guerra, esta no sul, Ilha do Como, que ninguém tinha ousado “descobrir” até então. Era outro santuário, outro bastião seguro.

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iii - Dois alferes de uma só vez

Não começávamos da melhor maneira na companhia 488. Os alferes Brasil (António Norberto Coelho Brasil), dos Açores, e Fernando Correia (Fernando António da Silva Correia), do Porto foram feridos gravemente numa emboscada, no caminho de Mansabá para Bissorã, atravancado de abatizes, no dia 2 de Outubro de 1963. O primeiro tinha ido como voluntário. Encontrava-se supostamente protegido atrás de uma viatura, quando uma granada bateu na caixa metálica, provocando mil estilhaços. Alguns atingiram-lhe a cabeça e as costas.

O alferes Fernando Correia tinha como missão retirar as abatizes e encontrava-se a 3 kms do quartel de Mansabá. Uma rajada de metralhadora ligeira, desferida sobre ele, ouvidas as vozes de comando, furou o pneu de uma roda de um jeep que se encontrava nas suas costas, desfez-lhe a coronha da espingarda G3, atingiu-o de raspão no braço direito e uma outra bala atingia-lhe o peito, alojando-se entre duas costelas. Houve até alguma discussão no bom sentido, entre o médico, José Hipólito de Sousa Franco, que afirmava não ter o ferido a bala alojada, e o sargento Napoleão a dizer que sim. Foi tratado em Bissau, sendo-lhe extraída, na verdade, a bala alojada mesmo junto do coração. Teve sorte, por um triz.

Evacuados de helicóptero para o hospital de Bissau, o Brasil, ao outro dia, foi transferido para o Hospital da Estrela, em Lisboa.

Sofremos todos um grande sobressalto. Logo dois alferes de uma só vez. Era um aviso grave: havia terrenos que não deviam ser por nós percorridos ou devassados, sem muitas cautelas Era perigoso fazê-lo. O Oio era então o grande santuário da guerrilha.

O comandante, coronel Fernando Cavaleiro, que, na altura, se encontrava em deslocação a Mansabá, foi em socorro, integrado no meu pelotão. Silenciado o IN, reorganizámos o regresso, era quase proibido ir mais além atacar no coração do PAIGC. O comandante ordenou-me que progredisse em fila por um dos dois lados do caminho e por dentro do capim. Não gostei lá muito da estratégia, disse que era perigoso, ainda nos montavam mais emboscadas ou nos apanhavam à mão, refilei, mas ele esteve certo. Não houve mais fogo nem mais sangue nessa manhã, em que, de uma só vez, eu perdia dois camaradas que, entretanto, mereciam um louvor do Comandante Chefe em 18 de Outubro de 1963 e oportuna condecoração.

A partir daí, o alferes Brasil não mais voltava ao teatro das operações, ao contrário do Fernando Correia, que, operado em Bissau, após 15 dias de convalescença, já estava de novo no mato, desta vez, no outro vértice do triângulo do Oio, em Bissorã. Aí desfrutámos de algum sossego, mas fizemos o que fazíamos em toda a parte, acções de guerra contrasubversiva. Com um pouco mais de sorte.

Passávamos o tempo, por vezes cavalgando dois burros, subtraídos ao IN, escoltados pelo cão do meu colega, o Porto, que mandara ir da metrópole.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12360: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (3): Diário de bordo - Manhã azul e Deus ao leme

Guiné 63/74 - P12377: Notas de leitura (540): "Contos de Guerra", de Guilherme Alpoim Calvão e Sérgio A. Pereira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
Assim, inesperadamente, num alfarrabista da rua do Século, a contemplar estantes com os imensos dossiês de Silva Cunha, então ministro do Ultramar, topo com uma raridade há tantos anos procurada, os contos escritos por Alpoim Calvão, da sua lavra, contando façanhas de fuzileiros destemidos e do seu comandante, um guerreiro incomum.
Há para aqui páginas indispensáveis entre as melhores que se escreveram. Lido e relido, também se percebe como Alpoim Calvão nunca mais se interessou por aquele que deve ser o seu único livro só por si escrito.
O que é pena, a qualquer tempo se pode retocar um livro para benefício da História e dos créditos da literatura.

Um abraço do
Mário


Alpoim Calvão na primeira pessoa (1)

Beja Santos

É facto que ao longo dos anos Guilherme Alpoim Calvão concedeu entrevistas, prestou esclarecimentos, desdobrou-se em depoimentos. Escrito do seu próprio punho só há notícia de um livro publicado em edição apagada, 1994, com o título “Contos de Guerra”. E no entanto esta obra encerra parágrafos excecionais de inclusão obrigatória nas antologias da literatura da guerra colonial.

“Contos de Guerra” tem como autores G. Alpoim Calvão e Sérgio A. Pereira. O que se prende com a estrutura que o brilhante oficial da Armada delineou. Alguém, metaforicamente, morrera: “António Pedro de Albuquerque morreu. Morreu no dia em que terminou o Ultramar”. Legou escritos, impunha-se a sua publicação para se saber, na plenitude a guerra que se travara. Este António Pedro de Albuquerque entregou “um punhado de papéis amarrotados” a alguém que fora capelão, Sérgio Augusto. E assim, ao longo da obra, há os contos de António Pedro (o alter ego de Alpoim Calvão) entremeados por cartas de Sérgio Augusto (porventura o mesmo Alpoim Calvão revelando a sua cultura, vasta e diversa). A estrutura não é convincente, sente-se sem esforço que é o mesmo escritor e a matriz cultural que subjaz a toda a narrativa, compreende-se que o autor pretenda invocar e lançar na reflexão as questões da guerra e os valores do soldados lusitano, o produto final é fruste e tão mais dececionante quanto há nos contos matéria suficiente para a sua reedição obrigatória. Pode também ter acontecido que Alpoim Calvão tenha sentido a falta de calibre no produto final, remetendo para um silêncio injusto o que há de soberbo em “Contos de Guerra”.

Escreve, pois, é indispensável que os outros conheçam aquela guerra. A partir de que representação? Da sua experiência de fuzileiro, como é óbvio. Mas dentro de uma moldura de valores, misturada com a sua sensibilidade e o molde do seu carácter, de que se orgulha: “A guerra é muito mais do que tiros. O isolamento é guerra; as longas vigílias e as intermináveis esperas também são guerra, assim como o desejo, que devora a carne dos homens jovens que a fazem. É guerra o constante esforço de autodomínio com que o homem se norteia, numa atmosfera desequilibrada por muitos fatores. Na guerra, não há uniformes bonitos nem dinheiros fáceis. A lama e o bedum dos corpos, são uniforme que a todos identifica e iguala. O dinheiro não paga o sangue que se verte, nem os terrores da noite e da morte. Na guerra conhecem-se os homens e a palavra fraternidade é qualquer coisa mais do que uma hipérbole literária”.

A generalidade dos contos anda à volta de operações ofensivas, fuzileiros emboscados, conseguindo tantas vezes ter do seu lado o fator-surpresa. Logo no golpe de mão em Canjaja: “Sentia que o adversário o esperaria no caminho que ligava a povoação ao Porto. Sabia que neste existia uma sentinela. E a partir daqui gizou uma traça muito simples: passar em frente do porto, numa lancha de desembarque, com máquina devagar avante para não fazer ruído em demasia, dar à sentinela a ilusão de seguir para a foz e desembarcar sorrateiramente no meio do tarrafe, num local impossível, cerca de um quilómetro para jusante”. Para se compreender aquela gesta que se viveu nas florestas, lalas e mangais, é também importante desenhar os protagonistas. Por exemplo, aquele jovem tenente que apenas há um ano era mais um licenciado em Económicas e que era um condutor de homens, com exato sentido das suas responsabilidades. Está tudo cronometrado para entrar de surpresa na casa de mato, já se ludibriou quem lá vive, eles julgam que as embarcações rumam para longe. Mas o barco será emboscado e há um bravo grumete que não perdeu o ânimo quando viu ali num charco de sangue o oficial comandante da emboscada, pegou em todas as sus forças e a peito descoberto despejou carregador sobre carregador protegendo a guarnição da peça. Um ano mais tarde, tenente e grumete receberão a medalha da Cruz de Guerra. A seguir a peças tão belas, que faz o antigo capelão? Disserta e protesta sobre maldades e calúnias: “Quem ainda não ouviu dizer que a guerra continuava por conveniência dos militares? A verdade, contudo, é que a comissão militar no Ultramar não enriqueceu ninguém. Para ganhar dinheiro muito poucos iriam para a guerra, se é que alguém se ofereceria. Também não foi para enriquecer que os militares portugueses se bateram”. O antigo capelão, mais adiante, reflete sob a condição de herói e covarde: “Tantas vezes se pensa que ser herói é sinónimo de irresponsável. Esse poderá ser herói se for empurrado. Só um néscio é que se pode permitir afirmar que não sabe o que é o medo. Sentir medo não envergonha ninguém. Medo não é covardia, mas sentido das realidades. Covardia será que um homem se deixe dominar pelo medo”.

Naquele dia o comandante tomou posição perto de uma pequena base avançada, o corpo de fuzileiros está em progressão, e é nisto que estralejam as metralhadoras inimigas. É aqui que se revela o homem da ação: “O comandante procurou referenciar as metralhadoras inimigas e conseguiu distinguir sete, colocadas em meia-lua. Percebendo a manobra, fez avançar a secção da retaguarda para a direita, em contra-envolvimento. Os homens lançaram-se em frente, mas foram obrigados a parar pois a enorme frente adversária deslocara-se ligeiramente, para manter as posições relativas. O comandante voltou-se para o tenente que o acompanhava e disse-lhe em voz aparentemente calma: - Tens de arrancar com a seção da direita; estamos em má posição. Com efeito, agarrados ao solo num espaço a descoberto, os homens tinham parado e o poderoso fogo inimigo revolvia a terra à volta, causando os primeiros feridos. O tenente empalideceu profundamente e teve um momento de hesitação. – Se não fores tu tenho de ir eu”.

A ofensiva não pôde ser travada. Há para ali um pormenor, está presente um oficial, “cujos galões e funções não o obrigavam a estar ali, mas que viera para ver”. É admissível que tenha sido o comandante da defesa marítima da Guiné em pessoa, aparece num outro escrito sobre a vida de Alpoim Calvão. O inimigo irá recuar. Este comandante emociona-se, nunca esconde que os seus olhos se marejam de lágrimas e que tem saudades dos seus bravos. E assim se escreve: “O comandante sentia um nó na garganta. Ali, à frente dos seus olhos, estava o inimigo, na iminência de se apoderar de um dos seus homens. Apoiou-se a uma árvore, pesando o dilema: arriscar mais vidas para tentar recuperar o corpo ou ver mãos ávidas arrastarem-no aos poucos para as densas sombras da mata, onde serviriam depois de troféu de propaganda? Subitamente viu alguns homens destacarem-se do perímetro defensivo. Distinguiu perfeitamente as largas espáduas do sargento André, a achaboucada figura do Fonseca, o Botelho, o Dias da Rosa, o ágil perfil de lobo do Piedade Grumete e outros mais. Símbolos da mais pura camaradagem e da mais viril fraternidade – a das armas. Avançaram resolutos, pelo limiar da eternidade, em direção ao camarada morto. Alcançaram-no esmagando as sombras que o queriam levar. Regressaram às linhas. Aos ombros, em vez de um, traziam dois cadáveres: a dádiva generosa do Botelho fora total".

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12359: Notas de leitura (539): "Guiné-Bissau Tera Sabi", Edição Tiniguena (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12376: Parabéns a você (658): Herlânder Simões, ex- Fur Mil das CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12370: Parabéns a você (657): Carlos Schwarz, Grã Tabanqueiro (Director Executivo da AD - Guiné-Bissau) e Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné 1969/71)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12375: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): By air... (Vídeo de Jorge Félix / Pierre Fargeas)


Vídeo (2' 44'') > Bafatá >  c. 1969 > Alojado no You Tube (Cortesia de Jorge Félix).

© Jorge Félix 2009). Direitos reservados. (Música de fundo: Te Espero, Charles Aznavour, reproduzida com a devida vénia...Vd. página oficial aqui)


1. Vídeo que o Jorge Félix fez com imagens que lhe foram enviadas pelo francês Pierre Fargeas, o técnico da fábrica dos Allouettes III, que fazia a sua manutenção em Bissalanca, no período entre  1969 e 1974.

Escreveu o Jorge:

"Fiz uma pequena montagem das imagens, onde estou a guiar o heli, segue ao meu lado esquerdo a esposa do Pierre, Ivette Fargeas, e depois uns senhores que não me recordo o nome. O Coronel é o meu comandante Diogo Neto."

Sinopse:

O heli parte de Bissalanca e faz uma viagem até Bafatá, sobrevoando o Rio Geba, as bolanhas, as tabancas, a avenida principal da bela vila colonial (ainda não tinha o estatuto de cidade em 1969, só em março de 1970), a casa Gouveia, a catedral, o mercado... 

No heliporto são recebidos por militares que, muito provavelmente, o nosso camarada Fernando Gouveia  deverá reconhcer, pelo menos os oficiais superiores. Um deles, de camuflado, parece-me o cor Hélio Felgas, comandante do Cmd Agrupamentop nº 2957, a que pertencia o Fernando Gouveia.

O Pierre Fargeas faz depois, a pé, com a esposa,  um visita ao encantador mercado de Bafatá, de arquitectura revivalista. O heli regressa a Bissalanca, à BA 12, ao longo do Rio Geba...O  Pierre Fargeas, de óculos graduados sem armação, aparece, no vídeo, no regresso a Bissalanca. A sua esposa, Ivette, ia ao lado do piloto, Jorge Félix. Não sei em que circunstâncias o casal viajou até Bafatá, um dos poucos sítios da Guiné, de então, para além de Bubaque nos Bijagós, que se podia visitar (e valia a pena visitar), "by air", em segurança...  No nosso tempo, meu e do Fernando Gouveia, Bafatá nunca sofreu qualquer ataque ou flagelação por parte do PAIGC. Haverá um ataque, mais tarde, em 28/8/1972, com foguetões 122 mm, mas sem consequências.

2. Comentário de L.G.:

Pedi ao Fernando Gouveia para comentar:

"Tem cenas sobre Bafatá (*)... (e tem a Ivette Fargeas, que é de uma beleza perturbadora...). Quero inclui-lo na tua/nossa série Roteiro de Bafatá... Um abraço. Luis"

São imagens relativamente raras. Temos fotos aéreas, naquela época já havia boas máquinas fotográficas, mas não gravadores de vídeo. Este pequeno filme terá sido feito com câmara de filmar de 8 mm, sendo depois o filme convertido para vídeo.

Escrevi no nosso Facebook, em resposta ao Jorge Félix:

"É um vídeo que eu vejo e revejo...Por muitas razões: por ti, amigo e camarada do meu tempo; pelo regresso ao passado;  pelas saudades da doce, tranquila e bela Bafatá; pelos nossos 20 anos. tão generosos quanto verdes;  pela beleza (pertubadora) da Ivete Fargeas; pela "canción desesperada" do Ch. Aznavour... Uma combinação perfeita!... Um Alfa Bravo".

Já tinha comentado, há 4 anos (**):

(i) Que nostalgia, que saudade, que doçura triste! ... 

(ii) Perfeita a escolha da música do Charles Aznavour, a sua canção Te espero, em espanhol, com seu sotaque meio francês e meio arménio... Um rapaz do mundo, com idade de ser nosso pai (n. 1924...), pai da nossa geração dos baby boomers...

(iii) Pasa el tiempo y sin ti no sé vivir / la razón es para mí siempre sufrir / y ahora el viento al pasar me da a entender / que en la vida sólo a ti esperaré (***). 

(iv) Uma canción desesperada, uma canção, eterna, 
para um amor talvez impossível, 
um amor sofrido,
uma canção que fica aqui tão bem quando olhamos para o passado, 
quando tínhamos vinte anos e estávamos na guerra...

(v) Jorge: Gosto muito do plano em que estás tu, aparentemente concentrado na tua missão, mas de repente viras-te para trás... e pedes um cigarro!... (Aí temi pela segurança do heli e da tua preciosa carga...).

(vi) Como éramos todos tão apaixonados pelas vida 
(e pelas lindas mulheres....), 
como éramos todos tão conscientemente irresponsáveis, 
como éramos todos tão sem jeito, 
como éramos todos tão inconscientemente loucos, 
como éramos todos tão optimistas e generosos, 
como éramos todos já tão maduros e tão sofridos, 
como éramos todos... 
(Porra, Jorge, que me fazes chorar! )...

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(***)Notas de L.G.:

(*) Letra de Charles Aznavour, canção Te espero (1967).reproduzida com a devida vénia:

Pasa el tiempo y sin ti no sé vivir,
la razón es para mí siempre sufrir,
y ahora el viento al pasar me da a entender
que en la vida sólo a ti esperaré.

Yo recuerdo tu mirar y tu besar,
tu sonrisa bajo el sol primaveral,
estoy solo sin saber lo que tú harás,
en mi alma hay dolor al esperar.

Ven... a mí ven no tardes más,
ven por favor te ruego yo,
no podré esperar ven a mí,
yo quiero saber si has de venir,
por fin así dímelo amor.

Es la herida que envejece sin piedad,
más mi amor siempre será eternidad,
en mis blancas noches tú revivirás
el recuerdo de mi amor al despertar.

En mi mente siempre como un altar
y tu rostro grabo en mí para soñar
el momento ha de llegar muy pronto ya
y veré la realidadal despertar.

Ven... ven a mí ven, ven no tardes más,
ven por favor te ruego yo no podré esperar,
ven... oh ven a mí yo... yo quiero saber
si has de venir por fin así dímelo amor.....