quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15435: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (2): Dia 24 de Abril de 1974, corte da estrada Nhala-Buba

1. Continuação da 31.ª Memória1 do nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviada ao nosso Blogue no dia 26 de Novembro passado.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

31 - Dias 23 e 24 de Abril de 1974 (2)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

ABR74/24 – Forças da 2.ª CCAÇ/4513, em reconhecimento à zona do pontão rebentado, detectaram o local onde estava instalado o GR IN, que montou segurança aos elementos que destruíram o pontão e pelos vestígios encontrados estimou-se o GR IN em 40 elementos, que após a acção, retiraram em direcção ao Unal.


Das minhas memórias: 

24 de Abril de 1974 – (quarta-feira). Corte da estrada Nhala-Buba

Ouvira-se na noite anterior uma explosão potente e não longínqua na direcção de Buba. Pensámos logo na estrada. Mas não tínhamos ninguém no mato e era já tarde, não havia pressa. Não recordo quem seguiu de manhã para o local mas, quando cheguei de Unimog, com pessoal que nem era do meu grupo, já havia uma equipa a trabalhar e já tinham retirado do buraco da estrada uma viatura da Engenharia. Tanto quanto recordo, a viatura vinha de Buba a grande velocidade e sem escolta. A estrada estava cortada em toda a sua largura. Concluiu-se que o condutor, naquela grande recta, não se apercebera a tempo do corte na estrada e batera com a cabina no fundo da cratera, tendo morrido. Estranhamente, a HU não faz qualquer alusão a este acidente nem à morte do condutor. Mas também as fotografias que possuo não esclarecem nesse sentido. A menos que o condutor já tivesse sido evacuado quando eu cheguei. E eu devo ter chegado muito tarde porque nem sequer estava de serviço, como se pode ver pela farda n.º 2 que envergava. A verdade é que sempre recordei este acidente com a morte do condutor e as dúvidas só surgiram, quarenta anos depois, ao conhecer a História da Hnidade. Mas a HU vale o que vale e a minha memória ainda menos. Seguem-se algumas fotografias desse episódio.

Foto 21 - 24 de Abril de 1974 – Recta na direcção de Buba, fotografada no local da sabotagem. 

Foto 22 - 24 de Abril de 1974 – Desvio a contornar o corte da estrada. 

Foto 23 - 24 de Abril de 1974 – Cratera no meio da estrada. 

Foto 24 - 24 de Abril de 1974 – Viatura da Engenharia já retirada da cratera. 

Foto 25 - 24 de Abril de 1974 – Eu, junto da viatura sinistrada. 

Foto 26

Foto 26 e 27 - 24 de Abril de 1974 – Preparação para içar a viatura. Seria depois rebocada para Buba. 

Foto 28 - 24 de Abril de 1974 – O meu regresso a Nhala com uma secção de pessoal (não sei de que grupo) que me acompanhara. 

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

1 - Vd. poste de 1 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15432: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (1): Dia 23 de Abril de 1974, visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala

Guiné 63/74 - P15434: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (15): A Rádio Libertação e a inconfundível voz da "Maria Turra", a locutora, angolana, de origem caboverdiana, Amélia Araújo, hoje com 81 anos e a viver em Cabo Verde


Amélia Araújo gravando os trabalhos da I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau para a Rádio Libertação, na "região libertada do Boé". Data:  23 e 24 de setembro de 1973.

Fonte: Antena Um / Fundação Mário Soares / Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral (Com a devida vénia...)


Amélia Araújo aos microfones da Rádio Libertação, a rádio do PAIGC, a emitir a partir de Conakry.  Teve início em julho de 1967. Data da foto: c. 1967.

Com 81 anos, Amélia Araújo vive hoje em Cabo Verde. A sua voz pode ser aqui recordada no ficheiro áudio (10' 18'') do portal DW - Deutsche Welle ("Rádio Libertação: Fala o PAIGC").

Fonte: Antena Um / Fundação Mário Soares / Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral (Com a devida vénia...)


1. Estas duas fotos são do portal Casa Comum / Documentos Amílcar Cabral (*), mas foram primeiro visualizadas no programa "Canções da Guerra",  realizado por Luís Marinho, com produção de Joana Jorge e transmissão na Antena Um (todos os dias, de 2ª a 6ª feira, às 14h55)...   

Um dos episódios recentes deste programa da Antena Um foi justamente sobre a Rádio Libertação, o seu papel, na propaganda e contrapropaganda do PAICG. Não se pode fazer a história desta rádio sem falar da "Maria Turra", a angolana, de origem caboverdiana,  Amélia Sanches Araújo,  que lhe deu voz e alma de 1967 a 1974...  Aderiu ao PAIGC em janeiro de 1964.  Com mais quatro guineenses, a Amélia Arújo  foi enviada por Amílcar Cabral para uma formação de nove meses na União Soviética. Em maio de 1967 a União Soviética entrega ao PAIGC, através do seu embaixador em Conacri, uma estação de rádio.

Esse episódio (do programa "Canções da Guerra") pode ser revista no portal da RTP, e aqui:


Antena 1 > Canções da Guerra > Rádio Libertação

"A Guiné foi a mais dura das três frentes de guerra em África. E também aqui a Rádio teve grande importância.

"O PAIGC tinha uma emissão de Rádio a partir de Conakri. Era a Rádio Libertação.

"Uma das suas vozes mais emblemáticas era a de uma mulher: Amélia Araújo, conhecida no lado da tropa portuguesa por Maria Turra." [Este link remete para um poste do nosso blogue, justamente com a história desta mulher que alguns de nós confundiam com a mulher do Amílcar Cabral] (**)


Amélia Araújo, em 2014, em Cabo Verde.
Foto de DW - Deutsche Welle / Madalena Sampaio
(Com a devida vénia...)
2. Além das duas fotos, acima reproduzidas, o portal da RTP disponibiliza, na íntegra o testemunho de Amélia Araújo, à Antena 1 [em data que não é referida]:

Ficheiro áudio, 6' 53'': A Amélia Araújo explica como funcionava a rádio do PAIGC, com escassos meios técnicos, até 1969/70, altura em que receberam, da ajuda sueca, equipamento moderno, potente...[Na realidade. esse sofisticado equipamento, sueco, pedido por Amílcar Cabarl em 1971, só chegaria em meados de 1972; aqui a entrevistad está equivocada quanto às datas; até 1972 operaram com equipamento soviético]. (***)

Havia emissões em português e  crioulo, e algumas línguas vernáulas, como o balanta, o fula, o mandinga, o beafada, etc. A rádio, para além de manter os combatentes informados, nas três frentes (sul, norte e leste), foi um importante veículo de desenvolvimento e difusão do crioulo, bem como de recolha e divulgação do património musical da Guiné e de Cabo Verde...O programa também fazia contrapropaganda, dirigindo-se aos soldados portugueses, e fazendo questão de sublinhar que a guerra travada pelo PAIGC não era contra o povo português mas contra o colonialismo português. (Sinopse: LG)

Outros Links:

A Rádio Libertação e a Voz, Maria Turra – A história [Texto do portal DW - Deutsche Welle, da autoria de Madalena Sampaio, com data de 22/9/2014, e onde se reproduzem também as duas fotos acima com a "Maria Turra"].

Há mais vídeos e ficheiros áudio disponíveis, no portal Media > RTP > Canções da Guerra, direta ou indiretamente relacionados com a Rádio Libertação.


3. Mais alguns exemplos de documentação constante do portal Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral, referente à Rádio Libertação:

(i) Reunião sobre a Rádio do PAIGC, de 21/6/1966: listagem dos tópicos debatidos, definição dos programas, horários e idiomas (1 página);

(ii) Declaração assinada por Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, comprovando a recepção de uma estação de emissão rádio enviada pela Embaixada da URSS [, em Conacri], com data de 20/5/1967 (em francês);

(iii) Mensagem de Ano Novo de Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, emitida pela Rádio Libertação, no dia 1 de Janeiro de 1971 (27 pp.) (em francês).



(...) A Maria Turra era (é, porque está viva, em Cabo Verde) Amélia Araújo, natural de Angola, casada com o cabo-verdiano José Araújo, esse já falecido.  (...)

A mulher do dr. Manuel Boal - outro natural de Angola - era Maria da Luz (Lilica) Boal, nascida em Tarrafal de Santiago. Essa,  sim, dirigiu a Escola Piloto em Conacri, trabalhou nos manuais escolares, etc. (...)


Tanto os Araújo como os Boal estavam em Portugal em 1961 e fizeram parte do grupo que, nesse ano, fugiu de Portugal, com o apoio de oganizações protestantes, do qual muitos se foram juntar aos movimentos de libertação dos respectivos países. O dr. Boal começou por se juntar em Leopoldville ao MPLA para, mais tarde, quando este foi forçado a saír da cidade, ir ter com a mulher a Dakar e colaborar com o PAIGC.

Quanto ao dr. Mário Pádua - que desertou do Exército colonial em Angola e veio a ser médico do PAIGC, no Hospital de Ziguinchor, onde tratou o soldado Fragata - não sei se era casado na altura. (...)

(***) Vd. poste de 9 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13865: Da Suécia com saudade (45): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte VI): Para além de meios de transporte automóvel (camiões e outras viaturas Volvo, Gaz, Unimog, Land Rover, Peugeot, etc.), até uma estação de rádio completa, móvel, foi fornecida ao movimento de Amílcar Cabral, sempre para fins "não-militares"... (José Belo)

(...) "Em 1971 Amilcar Cabral pediu o fornecimento de uma estação de rádio montada em dois camiões Mercedes Benz...também fornecidos pela Suécia. (...)

"Em 19 de Setembro 1972, dois transmissores (e o material de estúdio respectivo) começaram a funcionar desde o Norte da Guiné [leia-se: Senegal], com programas também para Cabo Verde.

"Os técnicos responsáveis por estas transmissões foram treinados na companhia sueca Swedtel." (...)

Guiné 63/74 - P15433: Parabéns a você (994): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art da CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15429: Parabéns a você (993): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15432: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (1): Dia 23 de Abril de 1974, visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala

1. Em mensagem do dia 26 de Novembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

31 - Dias 23 e 24 de Abril de 1974 (1)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

ABR74/23 – Pelas 08h00 chegou a A. FORMOSA Sua Excelência o General e Comandante-Chefe, acompanhado pelo seu Chefe do Estado-Maior COR. HUGO DA SILVA, Comandante do BENG TEN-COR MAIA E COSTA e Ajudante de Campo, a fim de visitarem a frente de trabalhos da estrada A. FORMOSA-BUBA. Depois de serem prestadas as honras do estilo, Sua Excelência percorreu demoradamente o aquartelamento, apreciando as obras em curso. Depois de um briefing no Gabinete de Operações, e acompanhado pelo Comandante e 2.º Comandante do Batalhão e restante comitiva, deslocou-se à frente de estrada e ao aquartelamento de NHALA. [Sublinhado meu]. Na frente de trabalhos reuniu-se com o pessoal de Engenharia, o qual felicitou pelo trabalho desenvolvido. Após esta visita regressou a A. FORMOSA, onde almoçou, seguindo depois do mesmo para BISSAU. (...).

****** 

Apontamento: O General Bettencourt Rodrigues.

O General Bettencourt Rodrigues foi um militar brilhante e teve uma carreira longa e preenchida de altos cargos, ensombrada apenas por um final inesperado e sem glória, quem sabe, por preferir manter-se coeso com os seus ideais a aderir ao Movimento das Forças Armadas que acabara de depor o governo de Lisboa. Por via deste desfecho, nunca saberemos que impacto teria a sua acção na administração da Guiné e no evoluir da guerra que, naquela época e nalguns sectores, atingia estádios decisivos e preocupantes, mormente no meu Sector S-2, (com informações ainda muito secretas mas alarmantes sobre os planos do PAIGC), como mais tarde darei conta.

O General Bettencourt Rodrigues não precisa de grandes apresentações. Ainda assim, relembro alguns dados biográficos. [Fonte Wikipédia para factos e datas]. José Manuel Bettencourt Rodrigues [Bettencourt, na Wikipédia], (Funchal, 5 de Junho de 1918 – Lisboa, 28 de Abril de 2011).

- Em 1939 concluiu o Curso de Infantaria da Escola do Exército como 1.º classificado.
- Em 1951 concluiu o Curso de Estado-Maior com a classificação “Distinto”.
- Até à sua promoção a general em 1972, sucederam-se os cursos e as distinções, numa carreira militar notável, tendo sido também Ministro do Exército (1968-1970) e adido militar e aeronáutico junto da Embaixada de Portugal em Londres.
- Em 21 de Setembro de 1973 (a História da Unidade do BCAÇ 4513 refere 29 de Setembro a chegada à Guine), toma posse como Governador-Geral e Comandante-Chefe do Comando Territorial e Independente da Guiné.
- Em 26 de Abril de 1974 foi preso no Forte da Amura (Bissau), por militares do MFA.
- Em 14 de Maio de 1974 passou à situação de reserva por despacho da Junta de Salvação Nacional.


Das minhas memórias: 

23 de Abril de 1974 – (terça-feira) - A visita do General.

A visita do General Bettencourt Rodrigues a Aldeia Formosa e a Nhala foi, provavelmente, a última que fez na Guiné na qualidade de Comandante-Chefe. Pareceu-me uma pessoa muito acessível, afável e atenta aos problemas que lhe eram colocados. Mas foi a impressão de um contacto muito breve.

Nas imagens que mostrarei a seguir, “reportagem” que não é de todo exaustiva, pode notar-se uma certa ausência de tropa em Nhala, pela mesma razão da ocorrida aquando da visita da Cilinha, mas que não referi no relato que dela fiz. Essa ausência deve-se ao que a História da Unidade do BCAÇ 4513 expressa sem rodeios:

“ABR74/23 – (...). Em virtude da visita de Sua Excelência o Comandante-Chefe, foi montado na estrada A. FORMOSA-BUBA um dispositivo especial de segurança, com forças da 1.ª CCAÇ, 2.ª CCAÇ, 3.ª CCAÇ/4513, CART 6250”.

Como última nota referente a este dia, diz ainda o seguinte a História da Unidade: “Pelas 22h30 GR IN destruiu um pontão da estrada alcatroada BUBA-NHALA em região XITOLE 2 G 7-39”.

Mas o senhor General já não ouviria o grande estouro, recatado em Bissau para onde regressou após ter almoçado em A. Formosa. No final deste poste mostrarei algumas imagens colhidas no local, no dia seguinte à sabotagem, 24 de Abril de 1974.


Fotografias da visita do General Bettencourt a Nhala comentadas ao jeito de legendas



Foto 1 - 23 de Abril de 1974, Aldeia Formosa - O General Bettencourt Rodrigues recebe honras militares, ladeado à sua esquerda pelo Major Dias Marques, 2.º Comandante do BCAÇ 4513. [Fotografia inestimável do camarada Fernando Costa, com a devida vénia].

Foto 2 - 23 de Abril de 1974, Nhala - Chegada do General Bettencourt Rodrigues às imediações do aquartelamento, descendo a base recente da estrada nova. Na frente do jeep, preparando-se para descer, o Comandante do Batalhão 4513, Ten-Cor Carlos Alberto Ramalheira.

Foto 3 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Depois das honras militares o General cumprimenta o CMDT de Nhala, Capitão Braga da Cruz, da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Atrás de si, o Oficial de Dia, Alf Mil Campos Pereira.

Foto 4 - 23 de Abril de 1974, Nhala – A comitiva dirige-se para o aquartelamento. À esquerda da imagem o Coronel Hugo da Silva, Chefe do Estado-Maior, cumprimenta o Oficial de Dia. Em primeiro plano, de Kalashnikov, o Tenente Ajudante de Campo. E guarda-costas, pareceu-me.

Foto 5 - 23 de Abril de 1974, Nhala – No centro do aquartelamento o General dialoga com o Cmdt de Nhala.

Foto 6 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Detalhe da fotografia anterior.

Foto 7 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O Tenente guarda-costas aproveita para ler uma carta chegada da Metrópole, quero crer. Porquê? Porque o envelope é debruado pelo tracejado característico do correio aéreo.

Foto 8 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Por uma mania que ainda uso quando calha, fechei num círculo visitantes e anfitriões. De bigode, fitando-me, o Major Dias Marques, que percebeu a maldade, (inocente, diga-se), parece pensar: Lá está este gajo outra vez com as suas maluqueiras...

Foto 9 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Após inspecção ao depósito de géneros (com cão a sair), da responsabilidade do Fur Mil Vaguemestre Sebastião Oliveira.

Foto 10 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Diálogo à porta do Cmdt de Companhia, com a presença de um homem grande que deve ser um “notável” da tabanca, mas que não recordo.

Foto 11 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O homem grande dialoga com o General através do intérprete atrás de si. O rapaz à direita parece rir-se do português do homem grande ou do dialecto do General.

Foto 12 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Outro homem grande chega-se à conversa, enquanto começam a aparecer as mulheres da tabanca com ar decidido.

Foto 13 - 23 de Abril de 1974, Nhala - Começa o ajuntamento popular movido pela curiosidade e pelo tributo de honra ao homem grande da tropa. Manga de ronco.

Foto 14 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Já não vai haver hipótese de reunir no gabinete. Tudo irá a “despacho” ali à porta.

Foto 15 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Esta bajudinha linda, indiferente à atenção devida ao General, fixa-se na minha objectiva, entre curiosa e apreensiva, não podendo imaginar, nem eu, que um dia a mostraria ao mundo e que, nessa altura (agora), já teria mais de quarenta anos.

Foto 16 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O diálogo prossegue e nosso cabo vai assegurando o entendimento das esquisitas falas, sob o olhar atento do Sr. Tenente guarda-costas.

Foto 17 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Continua a chegar população. Ou melhor: mulheres e crianças, quase só. As palmas vibram, secas, e a mulher grande dança como um tornado. Manga de ronco.

Foto 18 - 23 de Abril de 1974, Nhala – As visitas preparam-se para partir. Ao volante do jeep, o Cmdt do Batalhão Ten-Cor Carlos Ramalheira e, ainda a subir, à esquerda, o Cmdt de Operações do BCAÇ 4513, Capitão Cerveira. De cigarro, à direita, o Coronel Hugo da Silva. No jeep de trás o resto da comitiva, apenas se reconhecendo ao volante o Major Dias Marques.

Foto 19 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Tudo a postos trocam-se os últimos cumprimentos. Ao fundo, a messe de sargentos com alguns deles a assistir às despedidas.

Foto 20 - 23 de Abril de 1974, Nhala – A comitiva saindo de Nhala rumo a A. Formosa. No jeep de trás, reparo agora, segue o intérprete africano que, afinal, já acompanhava o General Bettencourt.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Últimos 10 postes da série de:

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15139: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (21): De 2 a 25 de Setembro de 1973

29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15174: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (22): De 09 a 23 de Outubro de 1973

6 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15207: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (23): De 27 de Outubro a 12 de Novembro de 1973

13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15244: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (24): De 14 de Novembro a 22 de Dezembro de 1973

20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15271: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (25): De 6 a 26 de Janeiro de 1974

27 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

3 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15320: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (27): De 01 a 31 de Março de 1974

10 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15348: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (28): De 01 a 7 de Abril de 1974

17 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15376: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (29): De 08 a 16 de Abril de 1974
e
24 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15404: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (30): Abril de 1974

Guiné 63/74 - P15431: Efemérides (204): 1º de dezembro de 1640: 0 hino da Restauração cantado pelo Coro dos Mineiros de Aljustrel e tocado por 27 bandas de todo o país, em Lisboa. na praça dos Restauradores



Vídeo (1' 12'')  > Alojado em You Tube > Luís Graça


Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015 > Comemoração do 1º de dezembro de 1640. Atuação do coro dos mineiros de Aljustrel,  entoando o hino da Restauração.


´
Vídeo (1' 01') Alojado em You Tube > Luís Graça

Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015 >  Comemoração do 1º dezembro 1640. 27 bandas, mais de 1500 músicos, oriundos de todo o país,  tocam o hino da Restauração.


Hino da Restauração (letra)

Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.

A Fé dos Campos de Ourique
Coragem deu e valor
Aos famosos de Quarenta
Que lutaram com ardor.

P'rá frente! P'rá frente!
Repetir saberemos
As proezas portuguesas.

Avante! Avante!
É voz que soará triunfal
Vá avante mocidade de Portugal!

Guiné 63/74 - P15430: Fotos à procura de... uma legenda (66): Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marques Lopes. 9 de abril de 2006, dia 5, de Roc Chico a Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos (Hugo Costa)



Foto nº 1



Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4


Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006...Dia 5, De Roc Chico a  Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa a foto nº 2. Grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...  No foto nº 3, para além do Xico Allen, do A. Marques Lopes, dos dois sarauis, e da Inês Allen (de costa), aparece o Manuel Costa (se não erro), junto á porta traseira do jipe.

Estive há dias a rever estas fotos... que merecem uma boa legenda!...

Fotos: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15414: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os que deram, não a vida, mas uma parte do seu corpo (um pé, uma perna, uma mão, um braço, ou os olhos) pela Pátria (José Maria Claro / Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P15429: Parabéns a você (993): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15412: Parabéns a você (992): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

Antº Rosinha, no nosso II Encontro
Nacional, Pombal, 2007.
Foto de LG


Dois comentários recentes do Antº Rosinha que merecem figurar em poste, na sua série "Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha)" (*)

[Foto à direita, o Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar ...]:


(i) Talvez se vá falar de coisas interessantes, mas não acredito que pessoas da minha idade ou mais velhas vão visitar e frequentar aquele lugar e seus discursos. (**)

Ainda há gente da minha idade e mais novos que ainda hoje escondem que são (foram) RETORNADOS.

Eu, como tive oportunidade e uma idade de poder reagir e «sobreviver», considero-me privilegiado, por ter passado por essa experiência riquíssima, sobre qualquer perspectiva que se queira olhar.

Há Retornados que passaram muito pouco tempo, nem se querem considerar como Retornados e têm alguma razão.

Mas os que passámos demorada e intensamente aquele ambiente africano, só entre nós é que nos entendemos e é difícil de transmitir o que se passou e sentiu.

Mesmo os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

Parece que se vai falar entre outras coisas de uma coisa,  que poucos acertam e só dão uma no cravo outra na ferradura,  que é aquela velha do lusotropicalismo.

Só mesmo eles que passaram por esse fenómeno, é que poderiam falar, mas também como os Retornados, só entre eles é que se entendem.

Mas é bom que se fale ainda durante mais alguns anos, principalmente agora na «época» dos «refugiados», mas que não se misturem as coisas e que o termo RETORNADO faça parte da nossa História.

(ii) Eu fui para Angola com carta de chamada,  paguei 3500 escudos num porão de um navio,  podia considerar-me  emigrante. (***)

Mas como me integrei na Administração colonial, embora como técnico, andei a fazer mapas iguais a esses do blogue, que faziam parte do programa e dos acordos coloniais europeus, mapear todas as colónias, o que era eu? não passaria de um mero colaborador directo do colonialismo.

Em 1961 meteram-me uma farda e uma arma na mão para defender a política colonial, o que era? era um colonialista.

Outros a quem o Estado forneciam meios e passagens para irem cultivar terras e criar animais eram aqueles a quem os Amílcar Cabrais e os Agostinhos Netos chamavam os colonos.

Este pessoal que se integrava, agricultor, pequeno comerciante retalhista era, para os indigenas o verdadeiro colono.

Estive na Guiné na Tecnil e pelo Banco Mundial, chamavam-me Cooperante a mim e a toda a gente das ONG da ONU, Banco Mundial e CEE etc.

Mas os guineenses mal souberam na Tecnil, sabem tudo sobre quem chega, que tinha feito a vida em Angola, espalharam logo que eu era colon.

Aliás, isso era o melhor certificado para me sentir em casa, por incrível que pareça a muita gente.

Assim como aqueles que foram militares na Guiné e fossem reconhecidos, eram logo "assimilados"

Estive 5 anos no Brasil, era emigrante, ou estrangeiro residente.

Luís, fundamentalmente, para os turras, movimentos anti-coloniais, os africanos em geral, a Administração colonial e os militares em geral é que eram considerados os verdadeiros colonialistas.

Quando Amílcar Cabral lançava aquela boca de que a luta não era contra os portugueses, referia-se exactamente aos brancos "colonos".

Originalmente o termo "tuga" era exclusivo para os militares na Guiné. depois nós mesmos é que fomos universalizando, mais propriamente nós aqui.

Amilcar e o PAIGC e o MPLA de que ele é fundador também, quando diziam que a luta não era contra os portugueses, referiam-se aos portugueses colonos, radicados, brancos naturais, enfim os"progenitores" da maioria daqueles dirigentes.

Agora podemos olhar para dois casos africanos antagónicos, UPA e MPLA, Mandela e Mugabe.

Claro que isto dá pano para mangas, pois que tudo acabou tão mal, mas tão mal, que os conceitos hoje precisam já de outros dicionários diferentes daqueles da guerra fria e do tempo de Norton de Matos.

As empresas tipo CUF e outras como a Diamang, substituídas pela China, América e Brasil na Nigéria, e em Angola...e mesmo a GALP, qual Pintosinho, Luís Graça!

Eu até coro!


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Notas do editor:


(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14985: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (38): é possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau...

(**) Vd. poste de 29 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15423: Agenda cultural (439): Exposição comemorativa dos 40 anos do retorno de centenas de milhares de portugueses à antiga metrópole, na sequência da descolonização: "Retornar - Traços da Memória", Lisboa, de 4/11/2015 a 14/2/2016

Guiné 63/74 - P15427: Inquérito 'on line' (20): num total (preliminar) de 88 respostas, 58% diz que "ainda gostaria de poder ir à Guiné-Bissau, por terra, pelo Sara"... Final do prazo de resposta: 4ª feira, dia 2, às 13h42

Viagem Porto-Bissau, em abril de 2006, organizada por
Xico Allen e A. Marques Lopes... Um "atascanço" ainda em
Marrocos, a caminho da Mauritânia, ao 4º dia.
A expedição, de um  jipe só, era composta por
7 aventureiros. incluindo 2 jovens, a Inês Allen e
o Hugo Costa.
Foto de Hugo Costa (2006).
A. INQUÉRITO DE OPINIÃO (em curso):

"AINDA GOSTARIA DE PODER IR ATÉ À GUINÉ-BISSAU, POR TERRA, PELO SARA..."

1. Sim, gostaria muito > 28 
(31%)

2. Sim, gostaria  > 24 
(27%)

3. Não sei / não tenho opinião  > 3 (3%)

4. Não, não gostaria  > 20 
(22%)

5. Não, não gostaria nada  > 13 (14%)

Votos apurados em 29/11/2015, às 8h00: 88 
(100%)
Prazo em que termina a votação: 2/12/2015, 13h42


Viagem Porto_Bissau, abril de 2006. 16º dia, Bissau,
um mão meia vazia de castanha de caju, a cultura "neocolonial"
que põe hoje em risco a segurança alimentar do povo guineense.
Foto de Hugo Costa (2006)
B. Inquérito 'on line' sobre um tema análogo, realizado há quase dois anos atrás:

Terminou em 30/1/2014, às 15h23, a sondagem sobre o eventual desejo de voltar á Guiné. ResponderAm, 285 leitores, o que é uma recorde em termos de resposta a sondagens no nosso blogue.

Recorde-se qual era então a pergunta:

"MUITO SINCERAMENTE, NÃO GOSTARIA DE MORRER, SEM UM DIA AINDA PODER VOLTAR À GUINÉ"...


Eis os resultados finais:


Discordo totalmente =10 (3%)
Discordo em parte = 4 (1%)
Discordo = 6 (2%)

Não discordo nem concordo = 19 (6%) 

Concordo =57 (20%)
Concordo em parte = 18 (6%)
Concordo totalmente = 120 (42%)

Não aplicável, já lá voltei uma vez = 29 (10%) 

Não aplicável, já lá voltei mais do que uma vez = 22 (7%)



Votos apurados= 285 (100%)
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15383: Inquérito 'on line' (19): Batota em relação às causas das baixas das NT ? Provavelmente não havia... Havia, isso sim, dualidade de critérios e os trâmites normais da burocracia da justiça militar (Abílio Magro / Manuel Amaro / Carlos Vinhal / Luís Graça / José Martins / Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P15426: Agenda cultural (440): Apresentação dos livros Radiografia Militar e os 4 DDDD? e Tempo Africano, de Manuel Barão da Cunha, dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 15 horas, na Messe do Porto, Praça da Batalha (Manuel Barão da Cunha)

Mensagem do nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, com data de 25 de Novembro:

Caríssimos camaradas e amigos nortenhos, 
Recordamos que no próximo dia 3, 5.ª feira, 15h00, na Messe Militar, na Praça da Batalha, da Invicta, será a nossa 126.ª tertúlia «Fim do Império» (ver anexo). 
Quem puder estar será bem-vindo e pode pensar em adquirir livros para o Natal. O preço de «Radiografia...» é de 20€, o de «Tempo Africano» é 15€, mas quem levar os dois só paga 30€, à semelhança do que aconteceu em Oeiras, onde se venderam 100 exemplares. 
20% ficará no Núcleo do Porto da Liga, o restante é para pagar o próximo livro a editar. 

Votos de saúde e até lá, 
M. Barão da Cunha



14.º CICLO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO

126.ª Tertúlia


 Messe Militar do Porto

Dia 3 de Dezembro de 2015

1 - Excepcionalmente no dia 3 de Dezembro (por causa do Natal), às 15h00: Apresentação de 20.º livro Fim do Império, "Radiografia Militar e os Quatro DDDD?", e de 2.º, "Tempo Africano", de M. Barão da Cunha, com General Sousa Pinto e autor.


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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15423: Agenda cultural (439): Exposição comemorativa dos 40 anos do retorno de centenas de milhares de portugueses à antiga metrópole, na sequência da descolonização: "Retornar - Traços da Memória", Lisboa, de 4/11/2015 a 14/2/2016

Guiné 63/74 - P15425: Notas de leitura (781): A "Guiné do Cabo Verde" (1578-1684), por José da Silva Horta, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Posso avaliar a investigação que subjaz a este tese de doutoramento sobre relatos e documentos de importância inexcedível no tocante aos séculos XVI e XVII e naquela área geográfica tão nebulosa como era a Guiné do Cabo Verde que tantas outras designações teve, depois assentou-se em Senegâmbia, usada até ao século XIX, a Guiné portuguesa foi a terminologia usada depois da Convenção Luso-Francesa de 1886.
O historiador analisou estes discursos, sopesou o que era original ou transcrito de outrem. O que fascinava o leitor, fosse o rei ou um responsável religioso, era o colorido luso-africano que ia permitindo conhecer as gentes, quase sempre ao nível do litoral, só esporadicamente as incursões iam território adentro.
O trabalho de José da Silva Horta é palpitante, abre novas portas as fascínio africano.

Um abraço do
Mário


A “Guiné do Cabo Verde”, vista por contemporâneos dos séculos XVI e XVII 

Beja Santos 

A "Guiné do Cabo Verde" (1578-1684), por José da Silva Horta, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, é uma importante tese de doutoramento onde se analisam textos portugueses que interpretavam o espaço luso-africano da África Atlântica entre o rio Senegal e a chamada Serra Leoa. O termo Guiné do Cabo Verde tinha outras designações, caso da grande Senegâmbia, e não foi o fruto do acaso a designação que Honório Pereira Barreto deu à sua memória escrita no fim da primeira metade do século XIX, falando da Senegâmbia portuguesa. O historiador José da Silva Horta procedeu a um levantamento de documentos de enorme relevância onde cabem, entre outros, António Velho Tinoco, André Álvares de Almada, padre Baltazar Barreira, padre Fernão Guerreiro, padre Manuel Álvares, André Donelha, Frei André de Faro e Francisco Lemos Coelho. O olhar do investigador é ver o texto e o indivíduo, o produto e o discurso de relatos de uma importância insofismável para informação da Corte, das obras de missionação, dos pontos de contactos e de negócios, entre outros.

Esta literatura e estas interpretações de nautas, missionários, exploradores, não podia cuidar do rigor, a aplicação do termo Guiné era de uma enorme elasticidade, o ponto do Cabo Verde era uma referência e daí, como observa o autor falar-se da Guiné do Cabo Verde, rios da Guiné do Cabo Verde, rios do Cabo Verde. É André Álvares de Almada quem fala da Guiné do Cabo Verde e o termo ganhou uso. O rei fala nos seus títulos como “Senhor da Guiné”, ao tempo pensa-se que está muito perto da Etiópia, o padre Manuel Álvares falará mesmo da Guiné como da Etiópia Menor, a influência de Ptolomeu era ainda muito grande. Estes autores tinham a sua própria perceção do espaço africano, estabeleceram as suas coordenadas geográficas e até a sua visão antropológica, regra-geral associada a um olhar de toda a costa e das viagens que se faziam do arquipélago até esse litoral. Estes séculos XVI e XVII irão presenciar outros parceiros comerciais, os franceses, os ingleses e os holandeses, que farão recuar os espaços onde havia controlo português. Temos depois os luso-africanos, os lançados e tangomaus, os reinóis, os comerciantes judeus. E o autor estabelece um quadro sobre as origens familiares no mundo cabo-verdiano-guineense: portugueses vindos de Portugal vivendo legalmente ou lançados; portugueses nascidos em Cabo Verde, luso-africanos nascidos em Cabo Verde, africanos nascidos em Cabo Verde; luso-africanos nascidos em África; africanos nascidos na Guiné em que muitos deles se identificavam a si mesmo como portugueses. E o autor observa que este mundo luso-africano está bem representado nesta discursiva da Guiné do Cabo Verde, caso de Duarte Pacheco Pereira, Valentim Fernandes, João de Barros, André Álvares de Almada e André Donelha.

Um jovem bijagó da Ilha de Caravela, imagem publicada na revista “O Mundo Português”, 1936

E põe-se a questão de quem era esta Guiné, quem dela tinha sentido pertença. José da Silva Horta recorda que os interesses do mundo cabo-verdiano-guineense nem sempre convergiam com os da Coroa, havia omissões nos relatos que tinham sentida conveniência. Alguns dos textos mais importantes saíram do punho de cabo-verdianos, não são muito difíceis de detetar preconceitos sociais dos brancos vindos de fora a diferenciarem-se dos filhos da terra. Outra dimensão deste trabalho tem a ver com os práticos dos rios da Guiné, exploradores e missionários que conheciam o terreno, é uma dimensão que não se pode descurar quando lemos a perceção da geografia e das gentes. Os Jesuítas aparecem em primeiro lugar, é impossível estudar com rigor este período sem conhecer a documentação da missão Jesuíta de Cabo Verde (1604-1646). Os Franciscanos também deixaram relatos importantes. Claro está que o período da monarquia dual (período filipino) foi adverso para a presença portuguesa, mais não fosse pela crescente agressividade dos rivais dos Áustrias, queriam sangrá-los em zonas de importante trato comercial. As conclusões do autor implicam-nos na compreensão do que é complexo na diversidade dos espaços, das identidades que se fazem representar nos textos. Há relatos que se apropriam de textos e discursos anteriores, reformulando-os de acordo com o destinatário. O autor recorda que se escreveu massivamente em português e por portugueses sobre a Guiné mesmo quando muitas vezes o que se escreve sustenta-se em documentação anterior. E havia também a leitura das cartas africanas, mediadoras dos olhares, das expressões corográficas e da própria topografia. E com que impacto global? O autor dá o seu ponto de vista:
“Num período, longo e textualmente fecundo na rescrita da Guiné, em que surgem tratados de grande fôlego, como os de Almada, de Donelha, de Lemos Coelho e, antes dos dois últimos, uma obra e máxima relevância como a Descrição da Etiópia Menor e província da Serra Leoa, do padre Manuel Álvares, o impacto de todo este saber etnográfico é, no conto geral, mínimo na Europa. Os seus autores parecem ter sido desconhecidos, os seus textos, salvo num único caso documentado, não entram para o conhecimento comum que se construía da África e da cosmografia em geral. Menos ainda, circulam relativamente pouco fora do mundo cabo-verdiano guineense e dos seus canais de comunicação com os centros do poder político e eclesiástico da Metrópole e de Roma”.

Mancanhas bailarinos, imagem publicada na revista “O Mundo Português”, 1936 

Se André Álvares de Almada foi conhecido foi porque a sua divulgação era conveniente aos Jesuítas. André Álvares de Almada teve um sucesso estrondoso: por estar profundamente enraizada num mundo luso-africano, era um texto que provinha da experiência do real, da visão descritiva sistemática e marcadamente etnográfica, tudo novo relativamente à Guiné, nada havia de comparável nos livros de viagem ou de geografia europeus. E o investigador recorda que ainda há muitos pontos a esclarecer, há leituras mais aprofundadas a fazer. Por exemplo: “Uma leitura que esclareça a natureza do envolvimento dos poderes africanos, parte interessada nesses projetos”. E, mais adiante, em jeito de conclusão: “Sobre a perceção dos espaços africanos e das suas sociedades é necessário cada vez mais estabelecer pontes entre as representações africanas e europeias e avaliar as consequências delas nas práticas políticas, económicas e religiosas”. E cita saborosamente André Álvares de Almada: “… e com isto dou fim a este tratado porque se não pode dizer tudo”.
A História é isso mesmo: o continuar constante, o remexer até à exaustão, o deixar assentar as margens da controvérsia, o partir de novo à descoberta.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15416: Notas de leitura (780): “Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011 (Mário Beja Santos)