domingo, 2 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16549: (De)caras (47): Ainda sobre a morte do alf mil Linhares de Almeida (1942-1967), nascido em Bissau e sepultado em Vila Nova da Barquinha (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)



Guiné >Bissau > s/d> Placa toponímica > Rua Alferes Linhares de Almeida... > Foto comprada na Feira da Ladra, em Lisboa, pelo nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos.

Segundo informação do amigo e camarada António Estácio, também ele nascido em Bissau, "depois da independência, houve mudança do nome da Rua Alferes Linhares de Almeida... passou a ser Rua 17, de acordo com o dia 20 de Janeiro de 1975 - Dia dos Heróis Nacionais". Segundo outro dos nossos amigos e camaradas, o Manuel Amante da Rosa, "o malogrado Juca era pessoa muito conhecida e popular no velho Liceu Honório Barreto". (*)

O nosso malogrado camarada é um dos 1209 mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, que eram naturais da antiga província portuguesa da Guiné, segundo o precioso apuramento feito pelos editores, nossos camaradas, do portal Ultramar Terraweb. Está sepultado no cemitério da Praia do Ribatejo, concelho de Vila Nova da Barquinha.

Foto: © Mário Beja Santos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves [ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68]

Data: 2 de outubro de 2016 às 09:14
Assunto: Alferes Linhares de Almeida

Prezado Luís Graça:

Primeiro, desejo que passes um bom domingo.

Depois, ainda sobre a morte em combate do alferes Linhares de Almeida, envio, para eventual publicação, o seguinte texto, retirado do relatório de actividades do batalhão, BCAÇ 1887 [, a que pertencia a CCAÇ 1547, Fá Mandinga. Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68)].

"A morte do alferes Linhares de Almeida foi extraordinariamente sentida na sua companhia,
por ser o seu elemento mais destacado na actividade operacional em que revelou inexcedível
coragem e valentia, que arrastavam e entusiasmavam pelo exemplo os restantes elementos.

A estas qualidades notáveis aliava qualidades pessoais também notáveis, que lhe granjearam
além do respeito, grande amizade e simpatia de todo o pessoal. Nesta operação, como de costume, o alferes Linhares de Almeida distinguiu-se pela forma como, após os primeiros tiros, marchou à frente de seus homens numa zona manifestamente perigosa, e como após os primeiros tiros ainda tentou reagir, até ser mortalmente atingido." (**)

Um abraço para todos os camaradas.

Domingos Gonçalves
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Notas do editor:

(*) Vd, postes de:


26 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13946: In Memoriam (208): Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida (Bissau, 1942 - Bigene, 1967), alf mil da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Fá Mandinga, Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68), Juca para os amigos do Liceu Honório Barreto (Manuel Amante da Rosa / António Estácio)

Guiné 63/74 - P16548: Blogpoesia (472): "Segundo dia de Outubro"; "Me sinto um não pintor que quer escrever" e "Marés vivas", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


Segundo dia de Outubro

Nasceu com sol
Este segundo dia de Outubro.
O mês das colheitas
E da abertura das escolas.

Quando a Natureza imponente
Se veste de tons,
Raiados de cores.

Do chão amarelo
Da palha cortada,
Saem as espigas
Para as eiras ao sol.

Das ramadas em pé,
Carregadas de uvas,
Saem os cestos
Que enchem as dornas
E regam de vinho
As canadas das mesas.

O mês da abundância
E da bênção gratuita,
Caída dos céus
Que abastecem de paz
As almas das gentes...

Berlim, 2 de Outubro de 2016
10h11m

jlmg

************

Me sinto um não pintor que quer escrever

Vejo os tons e as cores.
Sei das formas.
Me falta o elo à alma
Que me acenda a luz.

Passam ideias diante de mim.
Vão esbaforidas, em debandada.
Minhas mãos não as alcançam.
E elas se vão.

Mas espero bem.
Chegará a hora.
Serena e clara.
De, como andorinhas,
Voltarem a poisar
No meu beiral.

As receberei feliz.
Cuidarei delas.
Um bom pastor.
Ficarei a vê-las
Em combinações alegres,
Descrevendo ideias,
Com tão lindas formas,
Minhas horas breves
Em que sou senhor...

Berlim, 1 de Outubro de 2016
12h29m

jlmg

************

Marés vivas

A lei do pêndulo
que vai e vem.
Dum lado enche,
Do outro vaza.

Uma ilusão.
O mesmo mar,
A mesma água.

É um baloiço
Que sobe e que desce
Que vem e que vai,
Preso ao chão.

Uma sinfonia intensa,
Braseira de sons,
Quadro de cores,
Bailado de cisnes,
Grinaldas de vento,
Ondas de mar.

Compasso das horas
Que chegam e passam.
Medida da vida
Que nasce e que morre...

Berlim, 29 de Setembro de 2016 10h26m

jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16545: Blogpoesia (471): Promessas de paz (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P16547: Agenda cultural (503): Lançamento do livro do nosso camarada Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e de amor", com prefácio de Mário Tomé... Dia 20 de outubro, 5ª feira, às 18h00, na Associação 25 de Abril, R Misericórdia, 95, Lisboa


Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) >  O alf mil cav op esp Paulo Salgado...

Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados.


1. Embora essencialmente operacional, o nosso camarada Paulo Salgado não se coibia de dar uma mãozinha quer no posto sanitário quer na educação de adultos. Na foto, vemo-lo, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho.

Transmontano, professor primário, "ranger", numa companhia de cavalaria, comandada pelo cap cav Mário Tomé, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde, a par de especial motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade.

O nosso editor Luís Graça irá encontrá-lo, mais tarde, no ano letivo de 1981/82 em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública, depois de ter feito a licenciatura em direito pela FDUL , Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Mas só depois da criação do nosso blogue, é que os dois deram conta, por volta de setembro de 2005, que tinham sido também "camaradas da Guiné" e partilhavam uma "paixão comum por África"... O Paulo (e a sua inseparável companheira, a Conceição Salgado, economista, também ela nossa grã-tabanqueira tal como a filha de ambos, doutorada em biologia, investigadora no Reino Unido, Paula Salgado) tem vivido nos últimos entre Vila Nova de Gaia e Luanda. Foi justamente em Luanda, na Clínica da Sagrada Esperança, que o Paulo falou, ao nosso editor Luís Graça,  há uns tempos, deste seu projecto literário que chega, finalmente, a bom porto.

Paulo, o nosso editor (, este fim em Candoa, nas vindimas,) manda dizer que lá estará, com todo o gosto e em representação da Tabanca Grande, na tua festa!... Dia 20 de outubro, às 18h00, na A25A, no Bairro Alto, em Lisboa. (CV)




Guiné – Crónicas de Guerra e Amor - Sinopse

Esta obra constitui um admirável mosaico de personagens que, na sua diversidade, fazem ressaltar a humanidade intrínseca de cada uma face a factos diversos, ocorridos em distintos momentos históricos. 

De forma engenhosa, inovadora e crítica, colhida da sua experiência e da sua inteligência emocional, o seu autor, Paulo Salgado, alferes miliciano presente na guerra colonial travada na Guiné entre 1970 e 1972, e consultor sénior na área da saúde, nas décadas de 1990 e 2000 na Guiné-Bissau, consegue, segundo Mário Tomé, que escreveu o prefácio, “fazer-nos sentir a tensão a um tempo subtil e tumultuosa, terna e violenta, que sustenta o relacionamento entre homens quando sujeitos a imposições cujo sentido verdadeiro desconhecem, sendo obrigados a obedecer, desenraizados, mas logo criando laços profundos num espaço e num tempo que lhes era de todo estranho, e que fazem evidenciar o lado certo da história” – razões fortes para um convite à leitura desta interessante obra.


2. Mensagem que recebemos do nosso amigo e camarada Paulo Salgado, com data de 12 de setembro último: 

 Meu caro Luís,

Pois bem, após algum tempo (demasiado tempo?), vai ser publicado pela Lema d'Origem, uma editora sediada em Carviçais, Moncorvo, cujo proprietário é um homem bom e empreendedor, além de escritor muito por fundo, o meu livro Guiné - Crónicas de Guerra e Amor.

Irá ser apresentado pelo jornalista (amigo de juventude e crítico sério) Rogério Rodrigues, na Associação 25 de Abril, e tem o prefácio de Mário Tomé.

Dir-te-ei a data brevemente, Se os editores do blogue entenderem interessante divulgar, na oportunidade, esta iniciativa, será um prazer e uma honra dar a conhecer o livro.

Até dentro de poucos dias para informar os editores do blogue da data certa.[, confirmada posteriormente: será a 20 de outubro, 5.ª feira, em Lisboa, na A25A - Associação 25 de Abril,  Rua da Misericórdia, 95]

Entretanto, estarei também em Lisboa no dia 28 de outubro na homenagem ao Prof. Coriolano Ferreira, na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa.

Forte abraço.
Paulo Xavier Fernandes Cordeiro Salgado
Administrador Hospitalar - ENSP/UNL
Pós-graduado em Administração Pública - UMinho
Pós-graduado em Direito dos Contratos - UCP
Mestre em Gestão-Especialização em Gestão e Administração de Unidades de Saúde-UCP
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16505: Agenda cultural (496): Rescaldo da inauguração da exposição de pintura de Adão Cruz, levada a efeito no passado dia 17 de Setembro de 2016, no Museu de Ovar (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P16546: Manuscrito(s) (Luís Graça) (98): Requiem para Iero Jaló, um bravo soldado

Requiem para Iero Jaló
um bravo soldado,

 

por Luís Graça





A guerra,
essa coisa tão primordial que é a guerra,
que estaria inscrita no teu ADN,
segundo dizem os sociobiólogos.
A guerra é a continuação da evolução

...por outros meios,
dirão os entomólogos,
especialistas em insetos sociais,
para quem a morte de um
ou de um milhão ou mais
de formigas, de alforrecas ou de seres humanos,
é-lhes totalmente indiferente.
Desde que triunfe o ADN,
um projeto de ADN,
forte e bem musculado.

Para ti, "tuga", 
a guerra é a aprendizagem da morte,
aos vinte e dois anos,
é a inocência que se perde para sempre
ao ver morrer pela primeira vez um homem, 

a teu lado.
É o impossível luto,
é a descoberta do mal absoluto.
─ Fight or flight!─
Não precisaste de fugir nem de lutar.
Recusaste o egoísmo genético,
recusaste a lógica absurda de matar ou morrer,
recusaste o cinismo,
recusaste a fria e calculista resignação
com que se juntam e amortalham
os cadáveres seguintes
e se contam nas paredes da caserna
os dias que faltam para a peluda.

Quarenta e cinco anos depois, venho dizer-te,
Iero Jaló, meu querido "nharro",
as palavras que ninguém te disse
no teu grotesco enterro:
– Descansa em paz, Ieró Jaló,
meu herói,
soldado atirador do 2º Grupo de Combate
da CCAÇ 2590
que virá mais tarde a chamar-se CCAÇ 12,
companhia de tropa-macaca,
o nosso bando de primatas sociais,
territoriais, 

predadores,
"tugas" e "nharros"...


Fazíamos parte da nova força africana
de Herr Spínola, o prussiano,
como eu lhe chamava, 

ao nosso Comandante-Chefe.
Não, não ligues, são outros contos,
outras histórias,
outros ajustes de contas
com as nossas doridas memórias.

Descansa em paz, Iero Jaló,
descansa em paz
debaixo do poilão secular,
sagrado,
na tua tabanca, 

no chão fula,
belíssimo poilão de uma triste tabanca,
cercada de arame farpado,
trincheiras 

e valas de abrigo.


Sei que eras do regulado de Cossé,
lá para os lados de Galomaro.
Desculpa-me ter esquecido o nome 

da tua tabanca
e a cara dos teus filhos
e o rosto das tuas mulheres,
agora órfãos e viúvas, sozinhos neste mundo.
Os teus campos estão tristes e inférteis,
já não dão o milho painço 

nem o fundo
nem a mancarra 

nem a noz de cola.
Os homens partiram para guerra,
voltam agora numa caixão de pinho.
Restam os feios e macabros jagudis,
poisados no alto da tua morança,
cheirando a morte,
pressagiando a desgraça.


Oito de setembro de 1969,
região do Xime.
operação Pato Rufia.

Progredimos toda a noite,
desde as 1h30 até ao amanhecer.
Morreste em linha,
aprumado como o teu poilão,
no assalto a um aquartelamento temporário do IN,
próximo da antiga estrada da Ponta do Inglês.
IN ?
Que estranho termo ou expressão,
uso-o por força do hábito,
por comodidade,
por lassidão,
por economia de análise.

Regressamos ao Xime com o teu cadáver às 16h00.
O heli só levou os feridos, incluindo o Malan Mané...

Curioso, nunca soube a tua idade,
não tinhas bilhete de identidade
de cidadão português.
Eras um fula preto,
um fula forro, não creio que fosses futa-fula.
Mas eu e o teu comandante de pelotão

levámos-te a enterrar na tua aldeia,
mais os teus camaradas, cristãos e muçulmanos,
que foram dizer-te o último adeus.
Com honras militares,
tiros de salva,
e a bandeira verde-rubra dos "tugas" 

por cima do teu caixão.
De pinho,
do verde pinho de Portugal.
Nem isto te deixaram fazer, o teu enterro,
à boa maneira dos teus,
o corpo embrulhado num pano branco,

metido na vertical...
sem o inútil caixão de verde pinho.

Portugal ? 

Ainda te lembras, Iero Jaló ?
Os brancos, os "tugas",
os senhores que vieram do norte e do lado do mar.
Não, já não tens que saber de geografia,
nem de história,
nem de geopolítica,
no sítio onde moras, debaixo do teu poilão.
Mas eu, mesmo ao fim destes anos todos,
eu deveria saber o nome da tua aldeia, no chão fula.
O teu nome, esse não esqueci: Ieró Jaló.
Esqueci foi o lugar onde nasceste,
e onde foste enterrado,
talvez Sinchã ou Sare qualquer coisa,
mas não faz mal.

O que interessa é que chorei por ti,
confesso que chorei por ti,
que morreste a meu lado,
e que levavas um prisioneiro,
teu irmão, negro, pela mão.
E que não eras meu irmão,
nem grande nem pequeno,
nem tinhas a mesma cor de pele,
nem a mesma religião,
nem a mesma língua,
nem a mesma pátria,
nem o mesmo continente.
Não comias carne de porco
nem bebias água de Lisboa.
Eras apenas um guinéu, um "nharro",
soldado-atirador de 2ª classe,
ganhavas 600 pesos de pré,
mais um saco de arroz por mês para alimentar a tua família.
Para mim, eras apenas um homem,
da espécie "Homo Sapiens Sapiens",

o que em latim quer dizer homem duplamente sábio,
a única que chegou até aos nossos dias,

o que primeiro que eu vi morrer a meu lado.


Nunca mais chorei por ninguém,
chorei por ti, Ieró Jaló,
chorei de raiva,

pela tua morte e pelo teu enterro.
Nascemos meninos,
mas fizeram-nos soldados,
azar o meu e o teu,
por termos nascido no sítio errado,
no tempo errado.
Imagino-te "djubi", 

à volta da fogueira,
na morança do marabu ou do cherno da tua tabanca,
decorando o Corão.
Uma das cenas mais lindas que eu trouxe da tua terra,
e que eu guardo na minha memória,
são os "djubis" à volta da fogueira,
soletrando tabuinhas em árabe ou coisa parecida.
Lembro-me de quereres aprender as letras dos "tugas"
para poderes ser soldado arvorado
e um dia chegares a primeiro cabo,

e, quem  sabe, sargento, alferes, capitão 
dos comandos africanos.

E
de repente, o capim,
o capim alto,
o sangue,
o capim pisado e empapado de sangue.,,
Pobre Ieró,
morto por um dilagrama dos nossos.
Alguém branqueou a tua morte,
alguém salvou a honra da companhia.
Um dilagrama rebentou no ar,
na tua cara,
na nossa cara.
Defeito de fabrico, alegou o autor do relatório, 

acidente de serviço no auge da batalha,
quando avançávamos em linha, no assalto
ao acampamento do IN,
levando pela corda o teu "turra",
o teu guia, o teu prisioneiro,
ainda mais jovem do que tu.
Malan Mané, mandinga,
tão crente como tu,
tão observador dos preceitos corânicos
como tu, meu querido "nharro".

E agora, Ieró,
que foste poupado à humilhação da derrota
e provavelmente até ao poilão dos fuzilamentos de Bambadinca,
e não viste o teu país sentar-se de pleno direito
à falsa mesa redonda do mundo...
Que farias tu com esta independência
contra a qual lutaste
sem querer,
sem saber,
sem poder ?
Onde estarão os teus filhos ?
E as tuas mulheres ?
E os teus netos ?

E os homens grandes da tua tabanca do Cossé ?
E os líderes do teu povo
que te obrigaram a combater ao lado dos "tugas" ?


Spínola, o homem grande de Bissau,
esse já morreu há uns anos largos atrás.
Não lês os jornais,
não chegaste a aprender o alfabeto latino
e a juntar as letrinhas e ler,
com a torre de Belém ao fundo:
– Esta é a minha pátria amada…
Pois é, o homem grande da Guiné morreu,

o Caco Baldé, 
como os "tugas" lhe chamavam, morreu,
não de morte matada, como a tua,
mas de acordo com a lei natural das coisas.
Quanto ao teu régulo,
devem-no tê-lo miseravelmente fuzilado
na parada de Bambadinca,
tal como aconteceu ao poderoso régulo de Badora,

Mamadu Bonco Sanhá,
tenente de milícias,
que havia trocado o cavalo branco
da gesta heroica do Futa Djalon,
por uma prosaica motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos...
Dono de centenas cabeças de gado, dizia-se,
e de uma harém de cinquenta mulheres,
uma em cada aldeia de Badora…
(Sei que não é verdade, 
segundo me jurou um dos seus netos,
nem o nosso puto Umaru Baldé era filho dele,
o Umaru que também já lá está  na terra da verdade, 
como a maior parte dos nossos camaradas guineenses,
da CCAÇ 12).

Hoje o que resta dos heróis do passado sucumbem
sob o peso das cruzes de guerra
ou pedem esmola nas ruas de Bissau,
tal como os teus filhos e netos.
Ou morrem de desespero e insolação
às portas do templo da deusa Europa,
em Ceuta e em Melilla,
em Lampedusa,
em Lisboa ou em Paris
e até em Lesbos, ilha grega à porta dos otomanos.


Que voltas o mundo deu, meu soldado,
desde esse dia já distante
em que a tecnologia da guerra
ou a lotaria do ADN te ceifou a vida.
Porquê tu, meu herói,
três meses depois de jurares bandeira
e te comprometeres,
por tua honra,
a defender uma pátria,  que não era tua,
até à última gota do teu sangue ?!
E do Malan Mané não tenho notícias,
se é isso que queres saber,
duvidava que ele tivesse sobrevivido
aos graves ferimentos do dilagrama dos "tugas".
Mas alguém me disse,
um camarada de Mansambo,
que sim, 

que o vira no hospital de Bissau,
em novembro de 1969.

E agora deixa-me dizer-te, amigo e camarada,
à laia de despedida:
não sei se um dia ainda terei coragem de voltar
à tua terra, ao teu chão.
Mas se porventura o fizer,
gostaria de perguntar pela tua aldeia,
e de procurar-te
e de ter tempo para conversar contigo,
só tu e eu, debaixo do teu poilão,
tendo apenas como testemunhas
Deus, Alá e os nossos bons irãs.

Guiné, Bambadinca, 8/9/1969
V9 24set 2016


PS –Voltei à tua terra, Iero Jaló, 

em março de 2008, 
mas não pude ainda, dessa vez, 
cumprir a minha promessa... 
Atravessei Badora e Corubal, a caminho do sul, 
mas não o Cossé, 
onde imagino que seja a tua tabanca...

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16519: Manuscrito(s) (Luís Graça) (97): O 'prisioneiro' Malan Mané... a quem cedo, talvez demasiado cedo, deram um arma e uma bandeira e um hino

sábado, 1 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16545: Blogpoesia (471): Promessas de paz (José Teixeira)

 

1. Em mensagem do dia 29 de Setembro de 2016 o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos este poema alusivo à paz que tanto desejamos e que cada vez é menos viável.


Promessas de paz

Prometem-me a paz das armas
Que calam armas matando pessoas,
E eu quero encontrar apenas a paz do pão,
Para matar a fome a quem estende a mão.
E construir em cada momento
A paz da solidariedade -
E do entendimento.

Prometem-me a paz das armas
Que calam armas espalhando a dor,
E eu quero encontrar apenas a paz do amor.
Para espalhar no mundo a esperança
Que o enche de afetos -
E de bonança.

Prometem-me a paz das armas
E as armas trazem mais armas
Enchendo o mundo de receios.
E eu quero encontrar apenas a paz do perdão,
Da paciência e da compreensão.
São para a paz, esteios -
E transformam as balas em pão.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16522: Blogpoesia (470): "Naquele olhar..."; Se tivesse o poder de amainar as tempestades..." e "Horas luminosas de sol...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16544: (In)citações (103): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte VI): A última mensagem, de 18/4/2003... "Eu queria [saber] se [a] nossa malta me podia ajudar [a obter] meio[s] para [comprar] bilhete [de avião] para África, porque estou muito mal"... Ainda foi à sua terra, Demba Taco, antes de voltar, cada vez mais doente, para morrer em Portugal


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Umaru Baldé, soldado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal, ao fim de 24 (!) anos de exílio. Morreu em 2004, de doença prolongada... Vários antigos camaradas seus, "tugas", ajudaram-no a sobreviver (mesmo com limitações, trabalhou, no Parque das Nações, numa empresa de construção civil, graças aos bons ofícios do João Gonçalves Ramos, ex-soldado radiotelegrafista, da CCAÇ 12, 1969/71; o seu antigo comandante, hoje cor inf ref, Carlos Brito, assinou um documento para ele se poder candidatar a deficiente das forças armadas, etc.).

Para mim, que o cheguei a comandar, várias vezes, em operações, era uma criança na guerra... Não teria mais do que 16 anos quando eu conheci, em Contuboel fez a recruta e a especialidade (entre março e julho 1969)...

Era um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo que ele usava para lhe dar o ar de "homem grande" que não tinha nem podia ter ...

Apesar de "puto", foi um bravo combatente e um temível apontador de morteiro 60, que manobrava como se fosse um morteirete, debaixo de fogo... Chegou a ficar com as mãos queimadas, numa das ocasiões em que fomos emboscados,,,  Fula, pertencia ao 4.º Gr Comb, 2.ª Secção (comandada pelo nosso querido amigo e camarada António Fernando R. Marques).

Não seio se casou, se deixou víúva(s), filho(s)...

Em homenagem à sua vida e à sua memória, decidi integrá-lo, a título póstumo, na nossa Tabanca Grande... Repousa em paz, Umaru... Serás o nosso grã-tabanqueiro nº 729... Tenho pena de nunca te ter visto mais, desde os últimos dias que passámos em Bambadinca, em março de 1971, antes do meu regresso a casa... Com tanta canseira da guerra, faltou-nos tempo para pôr a conversa em dia sobre a tua vida do "menino de sua mãe", nascido em Demba Taco, por volta de 1953... (LG)

Foto: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas daa Guiné. Todos os direitos reservados


1. Última de quatro cartas do Umaru Baldé (Demba Taco, c. 1953 - Lisboa, 2004), dirigidas ao Valdemar Queiroz, que foi seu instrutor, na recruta, no Centro de Instrução Militar de Contuboel, região de Bafatá, entre março e maio de 1969.





Outras cópias de igual teor devem ter sido dirigidas a camaradas da CART 11 e da CCAÇ 12 que se quotizaram para lhe comprar o bilhete de avião de regresso à Guiné-Bissau. 

Entretanto, como o estado de saúde do Umaru Baldé piorou, como era previsível (sem acompanhamento médico, esgotado o "stock" de medicamentos que levou, para a sua terra, etc.), ele teve de voltar para Portugal,  graças de novo à solidariedade dos seus amigos e 
camaradas (o António Fernando Marques, o João Ramos, etc.)... 

Não sabemos exatamente em que data é que regressou... Terá morrido, ao que parece, não no hospital (como supúnhamos), mas no quarto que tinha alugado, na Damaia, Amadora...  Está sepultado no cemitério do Lumiar, em Lisboa, no talhão dos muçulmanos... Prometo passar lá um dia destes, para o "último adeus" que não lhe pude dar em 2004.


Transcrição da carta, revisão e fixação de texto (parte manuscrita):


Sr. Queiroz, já é [há] uma ano [que] que não me telefonaste [telefonas],

nem [queres] saber como [é que eu] estou [a] viver neste momento.

Até você[s] devem saber que toda  [a] minha

confiança está nas pessoas que eu conhecia

desde a Guiné. E hoje estou cá em Portugal.

Sr. Queiroz, [é] para saber que neste [este] momento

é  muito difícil para mim, nem [até ] para comer

é cota a cota [gota  a gota] porque não estou  [a] trabalhar

porque estou doente. E na verdade estou à

espera da minha reforma. Mas antes disso 

estou mal. Eu queria [saber] se [a] nossa

malta me podia ajudar [a obter] meio[s] para

[comprar] bilhete [de avião] para África, porque estou muito

mal. Tenho [de] comer e pagar quarto e

luz e água, nem trabalho tenho.

Melhor[es] cumprimento[s] para ti e abraço

do Umaro [Umaru]  Baldé.

Lisboa, 18 abril [20]03
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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16543: Inquérito 'on line' (69): Perguntar não ofende, mas às vezes pode incomodar... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (25%), mas não na tropa (52%) e menos ainda na guerra (56%)... Resultados preliminares (n=44)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44

Bissau: Monumento ao Esforço da Raça
(c. 1950)
1. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...


1. Não, não andaram comigo na escola  > 17 (38%)


2. Não, não andaram comigo na tropa  > 23 (52%)

3. Não, não andaram comigo na guerra  > 25 (56%)

4. Sim, andaram comigo na escola  > 18 (40%)


5. Sim, andaram comigo na tropa  > 11 (25%)


6. Sim, andaram comigo na guerra  > 7 (15%)

7. Não sei / não me lembro > 4 (9%) 


2. Mais um inquérito (ou "sondagem"...) para responder no nosso blogue, até ao dia 5 de outubro, até às 7:44 PM (19h44)... Não se trata de nenhum trabalho de pesquisa científica, é apenas um passatempo, inocente... Não sabemos quem responde nem quem não responde... Se chegarmos aos 100, ótimo, é uma boa amostra de conveniência.

Até hoje de manhã, tínhamos 44 respostas, cujos resultados preliminares apresentamos acima.

Por favor, camarada,  coloca a(s) cruzinha(s) aqui. diretamente, ao canto superior esquerdo do blogue... A pergunta tem resposta múltipla... E, já sabes, perguntar não ofende... E também não queremos naturalmente incomodar ninguém... Só queremos conhecer a tua experiência ou a tua perceção... 

Na época,  em 1961/74, havia o serviço militar obrigatório e o país estava a braços com uma guerra em 3 frentes, bem longe de casa... Dizem que mobilizou perto de 1 milhão de homens...200 mil terão sido os refratários; desertores foram poucos... Alguns de nós acham que, na época, éramos todos portugueses e todos iguais... Mas outros acrescentam que havia alguns de nós que eram mais iguais do que outros... Em que é que ficamos ?


3. Alguns comentários na página do Facebook da Tabanca Grande, com de ontem e hoje:

(i) Domingos Robalo:

Já fiz a minha votação e gostaria de comunicar o seguinte: Fiz 24 meses de Guiné de maio 69 a 71.

O sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo e o filho do deputado à Assembleia Nacional falecido no acidente de helicóptero em Mansoa foram meus camaradas na Artilharia (BAC1 / GAC7). O primeiro comandava um pelotão de artilharia, creio que em Canquelifá e o segundo estava em Catió.

Outros "ricaços" e filhos de industriais por lá andavam em pelotões no TO. Obviamente que a maioria eram de origem mais modesta mas nem por isso menos considerados ou desrespeitados. Era assim na Artilharia.

Não esquecer que a maioria dos nossos soldados eram de origem Guineense, [tendo sido] vitimas dos assassinatos a seguir à independência daquele País de gentes amigas e ainda saudosas de Portugal.

PS - Correcção: o primeiro [, o sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo] estava em Saré Bacar, e estivemos juntos na "Operação Mabecos", em Piche, na semana de carnaval de 1971, operação de triste memória.

(ii) Augusto Carolino Carvalho:

Alguns andaram na Escola Primária, depois ninguém mais os viu, só de vez em quando é que vinham à Terra.

 (iii) Mario Vasconcelos:

Durante o serviço militar nunca me preocupou saber a origem daqueles que correspondiam ao esforço praticado. Os laços que nos irmanavam eram de tal modo fortes, que esse aspecto, para mim, era irrelevante. Suponho ser mais admissível dizer que, durante o ensino superior, alguns fossem dessa proveniência. E, portanto, muitos deles devem ter representado a nação em esforço de guerra. Verdadeiramente, não sei quantificar.

 (iv) Raul Castanha:

Não faço a minima ideia de quem eram, no inicio, os meus camaradas de guerra ou melhor de tropa. Fomos todos iguais e cada um ocupou o seu lugar com as suas responsabilidades. A questão que se deveria ter colocado é se cumpriram ou não o seu papel.~

(v) Manuel Amaro:

 Havia de tudo... uns inventavam doenças como o filho do Director do Hospital Militar... outros, como o filho de um General, meu vizinho, faleceu em Angola.

(vi) Manuel Belinha:

Na escola aonde eu andei, andavam todos, ricos e pobres, brincávamos juntos . Nos anos 50 não havia colégios privados. Isso são coisas das mentes deturpadas modernas e de quem perde tempo a fazer estes inquéritos. Esta página [Facebook da Tabanca Grande] é de grande utilidade para todos nós que estivemos na Guiné . Ficarei muito triste se ela for usada para fins políticos.  Na Guiné éramos todos camaradas unidos, porque ninguém sabia e não se discutia política.

A vida é assim mesmo. Uns imigraram, para o estrangeiro ou grandes cidades. A vida de criança, mal era se não mudasse na idade adulta. Conheço gente que era rica,  hoje está pobre, também conheço gente que era pobre,  hoje está rica.  É a sorte e o destino de cada um.

(vii) José Augusto de Araújo:

Eu também estive na Guiné de 69 a 71, e já há muito que sou adepto da Tabanca Grande!...  Ricos ou pobres, todos os que lá fomos sofremos na pele o inferno da guerra!...
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Guiné 63/74 - P16542: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (38): Ajuda para reportagem da SIC, antigos militares fotocines que tenham gravado as mensagens de Natal da RTP... precisam-se! (Madalena Durão, produtora)



1. Mensagerm de Madalena Durão, Produtora da SIC

Data: 26 de setembro de 2016 às 15:24

Assunto: SIC - ajuda para reportagem

Muito bom dia,

Contacto-o por indicação do administrador da página do Facebook Guerra Colonial Portuguesa 1961-1974.

Sou produtora na SIC informação. Neste momento estamos a preparar uma reportagem sobre repórteres da guerra colonial para a rubrica "Perdidos e Achados".

É uma rubrica emitida aos sábados no Jornal da Noite que procura saber que o que é feito de pessoas, locais,  acontecimentos que tenham marcado o país em determinada altura. Na sequência deste trabalho, venho pedir a sua ajuda para encontrar algum militar fotocine que tenha gravado as mensagens de Natal da RTP, para nos ajudar a perceber qual o seu papel, assim como algumas histórias que possa acrescentar à nossa reportagem.

Agradeço a colaboração,

Com os melhores cumprimentos
Madalena Durão
Produtora


2. Resposta do editor LG:

Madalema: Estive quase dois anos na Guiné, entre 1969/71, numa companhia africana, sempre no mato, e nunca vi nenhum bicho chamado "fotocine"... e muito menos equipas da RTP por altura do Natal...

Em todo o caso, no nosso blogue, pode encontrar uma referência a Vicente Batalha que foi Comandante do Departamento de Fotografia e Cinema 3011 (Angola, 1972/74), tendo tido em Mafra (EPI) instrutores ligados ao cinema como Jorge Botelho Moniz, Lauro António e Fernando Matos Silva... Tentem contactá-lo, vive em Santarém.

Caso a Madalena não veja inconveniente, vou publicar um poste com o seu pedido. Pode ser que apareça algum fotocine ou alguém que tenha conhecido um fotocine no teatro de operações da Guiné... O nosso blogue tem uma grande audiência e temos também uma página no Facebook.

Veja aqui uma história passada com uma equipa da RTP que foi gravar as mensagens de Natal num aquartelamento junto à fronteira com o Senegal:

Por outro lado, temos um camarada nosso, Constantino (ou Tino) Neves que aparece num vídeo de Natal da RTP... Vou-lhe dar conhecimento do seu pedido... mas é pouco provável que ele se lembre do nome do fotocine. Ele vive na Cova da Piedade, Almada.


Sobre o Natal na guerra, temos 189 referências... O Jorge Félix, por exemplo, que foi piloto de helicóptero, na BA 12, Bissalanca (1968/70), lembra-se de um operador da RTP, Serra Fernandes, que virá a encontrar mais tarde justamente na RTP. Hoje 
é natural que há esteja reformado (*).

Enfim, Madalena, aqui tem alguns contributos do nosso blogue em resposta ao seu pedido.(**).

Boa saúde, bom trabalho. E obrigado por se lembrar destes portugueses que pertencem a uma espécie em vias de extinção...

Boa pesquisa, boa sorte. LG
Luís Graça

PS - Ainda sobre os "fotocines", a tal dúvida que me persegue e que pus ao Fernando Matos Silva, numa sessão na Cinemateca, há uns meses, em que ele apresentou o seu filme "Acto dos Feitos da Guiné" (1980):

A minha dúvida é a de saber se os destacamentos de fotocine se limitaram a levar cinema aos quartéis do mato e a produzir programas de rádio ou a gravar as famosas mensagens de Natal e Ano Novo... ou se também "fizeram cinema" (atualidades de guerra, documentários, etc.), para além da "cobertura" de acontecimentos protocolares e propagandísticos...

E, se sim, por onde pára hoje esse material... que ninguém lhe põe a vista em cima, à parte os (poucos) documentários produzidos pela RTP no longo período em que decorreu a guerra colonial (1961-75)?

Ele, sim, foi "fotocine"... Mas não tenho o seu contacto. Conheci-o através da Catarina Laranjeiro, jovem cineasta... Talvez contactando a RTP, a Cinemateca... Veja mais sobre ele, neste sítio, da UBI
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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P16541: Estórias do Zé Teixeira (42): Tempestades (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


Foto: © AD - Bissau

Em mensagem do dia 28 de Setembro,  o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias.

Meus caros amigos!
Na esperança que as férias vos tenham dado força anímica para continuarem com o belo projeto de dar a conhecer Guerra colonial aos vindouros, junto mais um texto que reflete um estranho momento vivido nos primeiros dias de Guiné.

Fraternal abraço do
Zé Teixeira


Estórias do Zé Teixeira

42 - Tempestades

Naquela tarde de junho, Luís caminhava, debaixo de um sol abrasador, em bicha de pirilau. Ressoava-lhe na mente as ordens rigorosas ditadas pelo Alferes Andrade, comandante do seu grupo de combate, que saía, pela primeira vez isolado, para uma missão de patrulhamento e emboscada até a madrugada do dia seguinte. “Arma apontada para a direita, arma apontada para a esquerda! Dois metros de distancia ao camarada da frente! Olho bem aberto e ouvidos atentos! Silêncio absoluto na marcha!” E tu “doutor”, dirigira-se diretamente a ele, "levas material que chegue para algum que lhe dê uma caganeira?! Não te esqueças da maca!"

Luís pensava com os seus botões. Ora eu preocupado em levar a bolsa bem cheia de material de primeiros socorros e ele a pedir-me medicamentos para a caganeira! Hum! Cheira-me a merda!... E ainda só passou um mês!

A marcha seguia lenta. Corpos a derreter deixavam que o suor encharcasse a camisa, as calças e até as cuecas. A água do cantil já se evaporara, ao deslizar pela secura das gargantas.

Malditas melgas! Gritava em silêncio. Eram pequenas, de asas arredondadas, mas tão chatas que o punham maluco. Embrulhavam-se nas gotas de suor que escorria pelo rosto provocando cócegas irritantes. Penetravam nos olhos e no nariz, zumbiam junto dos ouvidos, penduravam-se nas orelhas, nos braços… e eram tantas, meu Deus!

A cerrada mata dificultava a passagem, por entre as grossas árvores que tentavam alcançar um longínquo céu, enleadas por agressivos arbustos e lianas verdejantes.

Lá no alto, os jagudis com o seu manto preto, que lhe dava um certo ar de “gato pingado” vigiavam atentamente, enquanto a passarada fazia ouvir a sua orquestra canora que ecoava suavemente aos seus ouvidos.

Num repente fez-se silêncio total. Os jagudis, como que por encanto, sumiram-se do céu. Os pássaros calaram-se e até as melgas e mosquitos desapareceram. Surge uma suave brisa que se transforma em vento agreste. O céu começa a turvar-se, enquanto se ouve ao longe um ruído estranho. Uma espécie de ronco contínuo que aumenta em cada segundo que passa. Será o mar? Talvez o rio Cacheu que galgou as margens e vem ao nosso encontro, pensou temerariamente o Luís.
Nota que o sol se embrulhou nas nuvens negras e desapareceu, deixando o grupo numa aterradora escuridão. Sente um medo miudinho que lhe estremece o corpo todo e lhe faz arrepiar o cabelo.

Olhava para os colegas que o seguiam - ele ia a meio da coluna, junto ao alferes - e vê olhos perscrutando o ambiente, carregados de medo, tal como ele.

Um raio enorme e ruidoso, seguido um trovão que faz tremer a terra e os corpos acorda-o dos seus pensamentos negativos, para o assustar ainda mais. Segue-se outro… e outro… e outro… tantos e tão rápidos que era impossível contá-los. Cruzam-se e entrecruzam-se no ar iluminado os céus enquanto a terra estremece abalada com o ribombar dos violentos trovões que se seguem a cada raio. Sente-se num outro mundo… talvez no fim do mundo.

Se calhar, o nosso alferes tinha razão. Já deve haver muito cu bem borrado! Pensou e riu-se interiormente, pensando em si.

Chamou todos os santinhos do céu seus conhecidos para o acudir, a si e aos camaradas que o acompanhavam, não esquecendo a Santa Bárbara, advogada das trovoadas, a quem a sua mãezinha rezava de joelhos. Queimava, em sua honra, alecrim benzido no domingo de ramos, sempre que a trovoada - e não era nada que se comparasse a esta - aparecia lá no alto do monte onde nascera. Também ela tinha medo da trovoada!

Ah! Se ela, a mãezinha aqui estivesse, sentir-se ia bem mais seguro… e rezou, pedindo a Deus que não o deixasse partir, sem voltar a ver a sua santa mãe.

O ronco, espécie de rugido continuo, que ouvira ao longe, momentos antes, aumentara com o vento que chegou a grande velocidade para não perder este espetáculo com “periquitos” cagados de medo a viverem uns momentos tão deslumbrantes, como aterradores, com que a natureza os presenteara.

Pelos buracos invisíveis das nuvens negras que se avolumavam no céu, caíam longas pingas de água que o céu dispensava abundantemente. Suave bálsamo que a pele do Luís avidamente absorveu, para compensar o corpo do suor despendido na já longa marcha pela floresta.

Raios e trovões como nunca tinha visto. Um vento que rugia a avisar borrasca e agora a chuva a potes! E havia o inimigo por perto!

A marcha segue lenta, muito lenta, mas ninguém pára. Nem, quando um raio mais atrevido, ousa rasgar a meio uma gigantesca árvore, num esgar de dor que se ouve bem longe, transformando-a num archote de belo efeito pela luz que espalha naquela meia tarde, meia noite.

Assim como chegou, rápida e ruidosa, a tempestade se foi. A floresta ficou, de novo, entregue aos seus silêncios, mistérios e temores, com trinta e cinco homens no seu seio. Estranhos homens na cor, a forma de pensar e agir, caminhantes ao encontro de um mundo estranho, que os acolhia desta maneira.

A tarde perdia-se, mas ainda deu tempo deixar o sol secar no corpo a roupa que cobria o Luís e seus companheiros de aventura.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16176: Estórias do Zé Teixeira (41): O sonho do João

Guiné 63/74 - P16540: Notas de leitura (884): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 - Testemunho de Carlos de Matos Gomes (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo ao testemunho de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização na Guiné, como ele a viu, viveu e interpreta.
Teve o privilégio de pertencer ao núcleo fundador do MFA da Guiné, ofereceu-se para aquela comissão militar porque queria conhecer a política africana de Spínola. Interpreta o seu regresso a Lisboa, em fins de Julho de 1973 como o fim da continuidade militar, Spínola pretendia uma solução negociada, Marcello Caetano recusou. Dá uma interpretação singular à operação de reocupação do Cantanhez, "Grande Empresa", como um sinal de que Spínola queria deixar a Guiné mais ou menos como encontrou e é nesse exato momento que estalam as ofensivas do PAIGC na região de Guidage e de Guileje. Spínola não queria partilhar do que se avizinhava, a retração do dispositivo até se chegar a um fim iníquo.
E o que se passou a seguir ao 26 de Abril, observa ele, denota o estado de alma das nossas tropas.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: testemunho de Carlos de Matos Gomes (2)

Beja Santos

Na sequência do texto anterior, voltamos a abordar uma obra que se intitula “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins e os entrevistados dos três teatros de operações foram Carlos de Matos Gomes, José Villalobos Filipe e Nuno Lousada, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014. O objetivo da obra é de contribuir para o conhecimento sobre a descolonização portuguesa na sua fase final, e resulta de um projeto de investigação sobre a participação dos militares portugueses na descolonização.

O testemunho de Carlos de Matos Gomes abre com o seu perfil militar, descreve a sua preparação e as memórias daquele mosaico étnico e das contradições em que por vezes se desenvolviam os apoiantes de um lado e do outro. Fez parte do Batalhão de Comandos Africanos e ao mesmo tempo participou na génese do MFA na Guiné. Estamos agora nos acontecimentos históricos de 26 de Abril de 1974. O golpe militar em Lisboa fora bem-sucedido. À revelia de qualquer decisão do novo poder constituído, o MFA na Guiné depõe o Governador, nomeia um Encarregado de Governo, foram estabelecidos contactos com quadros do PAIGC e decidiram para as operações militares por sua conta. E assumiram decisões políticas que se vieram revelar contraditórias ao pensamento de Spínola:
“Fomos nós que dissemos que o nosso interlocutor era apenas o PAIGC, não havia cá mais outros movimentos. A partir daí, fomos nós que estabelecemos também a ação militar que devia ser adotada. Na Guiné, os oficias que não quiseram entrar neste processo, vieram-se embora”.
O MFA na Guiné não iludia a grande questão do exército africano, Comandos, Fuzileiros, Companhias de Caçadores, Pelotões, Unidades de Milícias, ao todo 12 mil homens. Não se sentiam derrotados no campo de batalha. Confiaram no que ficou exarado no acordo de Argel. Carlos de Matos Gomes insiste que foram dadas todas as oportunidades a esses militares para vir para Portugal. E observa:
“O que é curioso é que não optaram por isso e a mim não me surpreendeu, porque sabia que mesmo no Batalhão de Comandos, 60 ou 70% daquela gente tinha contactos com pessoas do PAIGC”.
Pensou-se que se ia dar um processo de integração. No seu testemunho, e perante o processo trágico dos fuzilamentos e humilhações a que foram sujeitos os Comandos, interpreta a brutalidade como uma fuga para frente da elite dirigente do PAIGC. “Esta elite vai encontrar sempre um inimigo externo para justificar as lutas pelo poder interno. Estes homens, os africanos combatentes das forças portuguesas, serviram de bode expiatório às lutas que sempre se travaram entre este grupo dos cabo-verdianos e dos guinéus”. Consumou-se uma tragédia:
“O Batalhão de Comandos tinha à volta de 900 homens, dois terços desapareceram. Não há, na Guiné, nenhum oficial nem quase nenhum sargento que tenha ficado”.

Capitão Carlos Matos Gomes, à esquerda, e Major Raul Folques. Bissau, 10 de Julho de 1973, na Recepção oferecida pelo Governador, General António de Spínola, depois de terem recebido a Cruz de Guerra de 1.ª Classe por feitos em combate.

Espraia-se sobre o assassinato de Amílcar Cabral e observa:
“Aquilo que nós sabíamos é que havia um tipo que para nós era perigosíssimo que assumisse o controlo do PAIGC, que era Nino Vieira. Porque ele iria radicalizar a ação militar, iria colocar a guerra pelo lado do PAIGC na guerra pura, que era aquilo que nós não desejávamos. Sabíamos que Nino Vieira iria etnicizar ainda mais a guerra”.
Vitorioso o golpe de 25 e 26 de Abril, houve múltiplas respostas em direção à paz, houve Unidades que estabeleceram prontamente contacto; muitos intermediários das forças africanas e outros foram trazendo elementos do PAIGC, foi a partir desta rede familiar e étnica que começou a esbater a desconfiança. E, curiosamente, vão-se encontrando antigos colegas que tinham estudado em Portugal. Cumprimentam-se efusivamente, as negociações correm em degelo.

Carlos Matos Gomes

As interpretações de Carlos de Matos Gomes são uma achega valiosa, partem de um prestigiado militar que no comando de tropa de elite assistiu à evolução da guerra para um patamar para a qual a resposta portuguesa era manifestamente insuficiente. Ele ajuíza que todo o esforço da chamada “reocupação do Cantanhez”, uma grande operação no sul da Guiné, numa área em pleno confronto com o PAIGC correspondia a uma mensagem que o General Spínola estava a dar de que se preparava para partir, operação muito bem urdida, com muitos atos de heroísmo, mas simbolizava que Spínola ia deixar a Guiné mais ou menos como a tinha encontrado e comenta:
“O agravamento da situação que se ai dar depois, em Maio de 1973, é já uma constatação de que todo o edifício que o General Spínola tinha arquitetado estava a ruir. A ruir, porque não tinha nenhum apoio político em Portugal. É um período também muito rico em termos de politização de todos os militares na medida em que o General Spínola tinha procurado sempre ganhar as populações. Já tentara ganhar populações como os Beafadas, no Sul de Bissau. Então, o PAIGC, com um grande ataque, vai revelar as fragilidades que esta manobra tinha, porque não era apoiada politicamente. O mês de Maio de 1973 foi revelador da incapacidade de, já não digo uma vitória militar, mas de sustentar uma situação apenas pelas forças militares. Maio de 1973 foi decisivo, em termos de consciencialização política, para os militares da Guiné, porque fomos pela primeira vez confrontados com o derrube do mito de Spínola”.

Atenda-se que este testemunho foi publicado anteriormente ao livro do Coronel Jorge Sales Golias, documento que já foi aqui apresentado. Trata-se de um testemunho em grande angular, que se põe mesmo em causa a viabilidade da Guiné e onde fica igualmente esclarecido que o 26 de Abril envolveu o núcleo principal das Forças Armadas e quase espontaneamente a generalidade das Unidades aspirou ao fim da guerra. O grande equívoco (para alguns) que a guerra tinha continuidade e motivação, caiu assim por terra.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16526: Notas de leitura (883): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 - Testemunho de Carlos de Matos Gomes (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16539: Os nossos seres, saberes e lazeres (177): 28 segundos de fama, adrenalina e felicidade de avô... Cernache, Coimbra, o meu primeiro vídeo de um salto em paraquedas... (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72)

Vídeo (0' 28'') alojado em You Tube > Luís Graça


Cernache, Coimbra, 25 de setembro de 2016... Paulo Santiago que há 4 anos tirou o curso de paraquedismo ("abertura  automática"), só agora tem um vídeo de um salto...

Escreveu ele: "Nos 4.000 pés... Abraço ao meu instrutor, Avelino Cruz, meu amigo e camarada da Guiné.... Mais ou menos à mesma hora, eu voava, e na maternidade, nascia a minha neta...bela!!!"

Foto e vídeo: Cortesia do Paulo Santiago / Avelino Cruz (2016)


1. Mensagem,  com data de 28 de setembro último, de Paulo Santiago [, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72]:


Luis, boa tarde

Tenho um pequeno vídeo no Facebook,  relativo a um salto que dei no passado domingo, dia 25.

Como deves saber, saiu no blogue, há quatro anos tirei o curso de Paraquedismo ("abertura automática").  Se tivesse menos uns anos, ainda iria para a "queda livre"...

Até hoje, não tinha qualquer vídeo dos saltos. Foi o "largador" que filmou os breves segundos. O salto foi em Cernache, Coimbra. 

Coincidência, quase à mesma hora do salto, nascia, na maternidade Daniel de Matos, a minha neta.

Se achares o vídeo bom para "saberes e lazeres" podes publicar.Como não sei se é possível sacá-lo do facebook,vou reencaminhar-te o mail onde ele se encontra.

Abraço. Paulo

PS -  A neta é mesmo minha,vem da minha filha...

2. Comentário do editor:

Paulo,  duplos, triplos, múltiplos  parabéns!... Por estares em boa forma, pelo salto, pela neta!... Boa continuação da jornada da vida... Obrigado pelo vídeo... Como vês, está editado (no You Tube).... É a tua prova de vida. E um exemplo para os demais camaradas da Tabanca Grande que já queixam do peso dos anos... Nunca é tarde para saltar... até de paraquedas!....Abraço grande. LG
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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16538: Inquérito 'on line' (68): Quando os filhos dos ricos e dos poderosos de então andavam connosco na escola, na tropa e na guerra... Resposta até ao dia 5/10/2016, às 19h44...


Guiné > Bissau > s/d > "Monumento ao Esforço da Raça (Bissau)". Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 131". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal. Imprimarte, SARL).

Coleção de postais  ilustrados do Agostinho Gaspar / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010) (*)


1. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...

1. Não, não andaram comigo na escola

2. Não, não andaram comigo na tropa

3. Não, não andaram comigo na guerra

4. Sim, andaram comigo na escola

5. Sim, andaram comigo na tropa

6. Sim, andaram comigo na guerra

7. Não sei / não me lembro


2. É um inquérito (ou "sondagem") para responder no nosso blogue, até ao dia 5 de outubro, até às 7:44 PM (19h44)... Colocar a cruzinha aqui. diretamente, ao canto superior esquerdo do blogue... Passadas as férias de verão, contamos com uma boa adesão dos nossos leitores, o mesmo é dizer, 100 ou mais respostas (**)...

Os ricos e poderosos do nosso tempo, do tempo da guerra colonial (1961/74), eram uma elite restrita: grandes agrários, grandes empresários industriais, grandes comerciantes, alto clero, banqueiros, generais, almirantes, magistrados,  deputados à Assembleia Nacional e procuradores à Câmara Corporativa, dirigentes do partido único (União Nacional / Ação Nacional Popular), ministros, governantes do Estado Novo, governadores civis, autarcas,,,.

Nas terras de província contavam-se pelos dedos. Tinham nomes de família sonantes. Eram respeitados. temidos, amados, odiados... Tinham criados, rendeiros, afilhados,,,, Eram influentes, eram poderosos, mesmo que nem todos fossem ricos, ou muito ricos... Portugal era (e ainda o é) uma "sociedade clientelar"...

Será que os filhos desses senhores (e senhoras) andaram connosco ?... Na escola, na tropa e na guerra ?... Não pomos outras hipóteses, como creche/jardim de infância, que era coisa que no nosso tempo não existia... Quando muito, catequese, mocidade portuguesa... A escola inclui o liceu (para os poucos que tinham a sorte de chegar  ao liceu e depois, com mais sorte ainda,  à universidade)...

Confesso que o mote me foi dado pelo nosso camarada Adão Cruz, ex-alf mil médico (***).

A resposta é múltipla: os filhos dos ricos e poderosos da  nossa terra, nos anos 50, 60, 60, 70, do século passado,  podem ter andado connosco na escola ou no liceu (?) ou até na tropa (!) mas provavelmente não na guerra... E, se eram mobilizados para a "guerra do ultramar", arranjavam, com facilidade, maneira de ficar no "ar condicionado" de Bissau, Luanda ou Lourenço Marques... É verdade ?...

Histórias, precisam-se!... E,  se houver fotos, melhor!.. Mas,  antes,  não se esqueçam de "votar", ou seja, escolher as categorias de resposta que vos parecerem mais adequadas... (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de junho de 2010 >  Guiné 63/74 - P6645: Memória dos lugares (87): Bissau, cidadezinha colonial (Parte V) (Agostinho Gaspar)

(...) Não sei de quem é o autor deste monumento nem o ano exacto da sua concepção e construção. A estética é claramente estado-novista típica dos anos 40/princípios de 50... O monumento, destruído depois da independência (segundo sei), tem várias leituras: para uns pode ser uma obra-prima, para outros um mamarracho... Eu, que sou contra o camartelo dos iconoclastas (de todos os iconoclastas), tenho pena que o monumento não tenha sido poupado, como de resto parte da estatuária do 'colonialismo'...

Para os camaradas que fizeram a guerra colonial, como eu, e que conheceram este monumento, devo dizer o seguinte: toda a arte traz a marca do seu tempo e fala do seu tempo... Seria fácil, há trinta e cinco atrás, do alto da nossa arrogância juvenil, apodar o monumento de 'colonial-fascista'... Mas já nos tempos que por lá passei, em Bissau, em 1969/71, o termo raça me fazia urticária... Qualquer que fosse a raça em causa... Hoje é sabido, de resto, que não existem raças humanas... Pertencemos todos à mesma espécie, Homo sapiens sapiens... É uma constatação científica, não é uma asserção do politicamente correcto... Dito isto, tenha pena que os guineenses tenham destruído o 'Monumento ao Esforço da Raça' [, Portuguesa, claro]... fazia parte do seu património histórico, da mesma maneira que os marcos milíários que pontuavam as vias romans ligando a Lusitânia ao resto do Império Romano, fazem parte do nosso património histórico (...) (LG)


(**) Último poste da série > 25 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16419: Inquérito 'on line' (67): Valha-nos, ao menos, isso: as NT nunca usaram soldados-meninos....

(***) Vd. poste de 27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

(...) O Alferes Almeida foi meu companheiro de quarto em Bigene, no norte da Guiné, se é que podemos chamar quarto ao alpendre onde dormíamos. Cerca de oito anos mais novo do que eu, o Almeidinha fez-se meu amigo de verdade. Amigo desde o acampamento da Fonte da Telha, do quartel de Porto Brandão e da Amadora.

Embarcámos para a Guiné no velho Uíge, empurrados pelo magnífico patriotismo de Salazar, entalados entre o belo gesto das senhoras do Movimento Nacional Feminino e o malabarístico safanço dos filhos dos ricos e patriotas da situação. Embalados pelas ondas do mar da Mauritânia, e sossegados pelas ricas ementas flamejantes do cozinheiro de bordo, demos à costa da Guiné no dia 13 de Maio de 1966. (...)