quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18890: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (31): Junto às dunas

Um pôr- do- sol em Espinho


1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 14 de Julho de 2018 enviou-nos mais uma memória da sua guerra.


Outras memórias da minha guerra

31 - Junto às dunas

Pintura do mar de Paramos

Sempre que sinto necessidade de espairecer as ideias ou de relaxar o físico, vem-me à cabeça a proximidade do mar, da sua brisa iodada, do ruído musical das ondas, das areias e das suas dunas. E quase instintivamente me encaminho para lá, para as proximidades de Espinho. É pena que agora, por questões de saúde, não possa resistir ao vento e à baixa temperatura e tenha que regressar, grande parte das vezes.

Ali chegado, instintivamente, faço o meu zapping panorâmico sobre o mar azul, verde ou prateado e deleito-me a olhar as ondas, ora lentas, sussurrantes e preguiçosas, ora apressadas, resmungonas e revoltadas. Sempre as compreendi e sempre as aceitei como são. É que são milhões e milhões de anos de experiência que não podemos nem devemos sequer contestar. De seguida, olho a praia, nua ou quase, seca ou molhada, ao longo do horizonte, seja na direcção de Espinho, Aguda, Silvalde ou de Esmoriz. Quase sempre vislumbro algum casal de humanos, aparentemente em relação amorosa. Digo “aparentemente”, porque no meu tempo o amor parecia-me uma coisa mais forte.

Passadiço a ser engolido pelas areias das dunas

Desta vez, apesar de já estarmos em fins de Junho, ainda é raro apanhar um dia de sol aberto. Havia optado por Paramos. Respiro fundo várias vezes, absorvendo aquele ar salgado da brisa do norte, inigualável, com que me identifico a “snifar” desde criança. Dali, junto à Capela de S. João, aproveito o passadiço de madeira e sigo na direcção de Esmoriz. Todavia, já se me torna difícil chegar à Barrinha, àquela zona beneficiada pelo programa Polis Litoral Ria de Aveiro. Os melhoramentos são bem evidentes, mas nunca capazes de nos fazer reviver aqueles belos tempos dos anos 60.

A Barrinha de outrora está assoreada e cheia de arbustos

Por vezes, quando me sinto mais forte, sigo pela margem direita (norte) da Barrinha, passo pela zona outrora mais isolada (apesar de descoberta e bem visível, os “espreitas” rastejavam até junto dos carros) e sigo, aproximando-me do ao antigo Bar Motel e do actual Restaurante Hélice, nas instalações do Aero Clube de Espinho, onde se come um excelente Bacalhau Assado com Broa.

Por falar em comer, tenho que referir também o Restaurante Casarão, propriedade do Camarada da Guerra na Guiné, Orlando Santos, especializado aqui, em Polvo à Lagareiro e grelhados de peixe.

Restaurante do camarada Orlando, com o GACA 3 ao fundo

Pois, desta vez, limitei-me ao trivial: caminhar calmamente numa distância de aproximadamente uns 500 metros e deixar-me envolver pelas dunas onde, outrora saboreava horas de enlevo e de enredo, de mais ou menos intensidade. Por mais que me esforce, nunca vejo as mesmas dunas desse tempo. Estas, que aparentam ser iguais, não me conseguem mostrar os sítios mais ou menos côncavos onde muitas vezes me abriguei. Também são belas e acolhedoras. Porém, mesmo familiares das outras, já serão de outra geração e possivelmente também bem acolhedoras como as suas antepassadas.

Plantas rastejantes nas dunas

Enquanto os tufos de estorno continuam a abanar-se na sua luta permanente pela detenção das finas e esvoaçantes areias, cardos, cactos e chorões, sobressaem bem posicionados e bem protegidos pelos ventos agrestes.

Noutro tempo, quando embebidos nos enredos amorosos,“ouvíamos” e mostrávamos apreço às habituais dissertações poéticas das nossas companheiras. Elas, num nítido ritual de inocente sedução, mostravam-nos plantas, conchas, búzios e flores de vários tamanhos e matizes. Recitavam poemas e frases profundas, todavia, qual o instinto matador do macho latino, a nossa sensibilidade de momento exponenciava-se obcecada e exageradamente, através do “tesão” e do acumular de esperma nos “reservatórios”, já doridos de tanto encherem.

Dunas na direcção de Esmoriz

É claro que as dunas sempre nos deram uma ideia de extensão não arável, de areias mortas e de deserto.
Mais tarde, em pleno deserto do Kalahari, testemunhei a imensidão de vida e beleza que nelas podemos verificar.
E é isso que agora muito valorizo. Agora há tempo de sobra, a sensibilidade alterou-se e o “tesão” foi-se (afastando), deixando-nos ocupados na conquista de algumas boas… fotos.

Chorões das dunas de Paramos

Feita a caminhada/passeio, dirijo-me ao pequeno Bar improvisadamente instalado na parte mais alta da praia. Devido à brisa fresca, sentei-me de costas para o mar, encostado à divisão protectora e virado para o “nosso” GACA 3.

Agora, recordo as histórias ali vividas onde, algumas delas se relacionavam fortemente com as redondezas do Quartel. E delas, hoje, devo destacar esta, que segue.

Foi naquele Sábado, 23 de Junho do ano de 1966. Era a véspera do S. João, início de fim-de-semana propício aos maiores “desenfianços”. Eu estava de Sargento-Dia ao Batalhão, mas não faltei aos famosos festejos da noitada "imbiqueta". Junto ao Apeadeiro de Paramos, haviam instalado um altifalante voltado para o Quartel que, desde o início da tarde, botava música popular em elevados decibéis, aparentemente arranhados pela areia entranhada nas ranhuras dos discos vinil.
Cerca das 15H00 entrou o Comandante Calejo que deixou indicações para que o Piquete reunisse às 16H00.

A notícia bem correu, mas o pessoal, maioritariamente, não apareceu. Para não fazer estragos, o CMDT deu uma hora ao jovem Oficial de Piquete, para ter a “chance” de mandar regressar ao Quartel os dançarinos que estavam em gostosa actuação.
Mesmo assim, informados da situação, os dançarinos, garbosamente vestidos à sua moda (sapatos e camisa civil e calças e boinas da tropa), agarrados às moças, gozam o Estafeta com divertidas respostas em voz alta:
- Diz ao Aspirante que somos velhinhos. Temos 31 meses e estamos à espera da peluda;
- Explica a esse morcon que a velhice é um posto;
- Que faça queixa ao Comandante;
- Que traga a namorada p’rá gente.

Tocou a Piquete, mas às 17H15, continuavam em falta 3 militares – o trio que continuava inebriado no bailarico de S. João.
Sei que foram castigados e que, perante tal desobediência, seguiram para uma Unidade de Mobilização.

Praia sul, junto à capela

Ao regressar à actualidade/realidade, verifico que, na minha frente, uma jovem trintona, bastante nutrida e de biquíni pouco “suficiente”, se fora sentar em atitude aparentemente provocadora.

De pernas abertas, com as avantajadas mamas quase saídas do biquíni e pousadas sobre a pequena mesa, com os cotovelos a protegê-las, ela, agarrava afincadamente, com as duas mãos, um enorme corneto-gelado castanho, que lambia gulosamente, em posições diversas. Ao mesmo tempo que lhe escorriam pingos do gelado derretido pelo rego das mamas, ela sacudia a madeixa de cabelo que lhe ia entrando pelo canto da boca.
Eu não queria ser influenciado pela “actuação” da rapariga. Porém, pensei:
- Será que o meu Don Quixote, apesar de capado, resistiria a tal espectáculo?

JFSilva da Cart 1689

Praia sul de Paramos

Capela de S. João de Paramos e um pôr-do-sol

Passadiço sobre as dunas de Silvalde, na direcção de Espinho
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18807: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O anjo excomungado

Guiné 61/74 - P18889: A travessia do Rio Corubal em Cheche: inquérito (1): resposta de Domingos Gonçalves (ex-alf mil da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)



Guiné > Zona Leste > Região do Boé > Cheche > 6 de Fevereiro de 1969 > A jangada, de reserva, com sobreviventes da tragédia de Cheche, no Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé (*)

Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Resposta, de ontem, às 8h55,  do Domingos Gonçalves Gonçalves ao nosso inquérito sobre a travessia do rio Corubal em Cheche.

[Foto à direita: Domingos Gonçalves foi alf mil da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68): tem cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue]
Bom dia,

A jangada era manobrada por um nativo, que residia no Che-Che. Em 1966 transitávamos com alguma segurança do Gabú, até ao Che-Che.


Não tinham lugar emboscadas, nem havia colocação de minas. Os problemas, graves, começavam depois da travessia do rio.

A jangada daquela época era insegura. O pessoal passava para o outro lado em pequenos grupos.

Recordo-me de pelo menos uma viatura carregada de munições ter caído no rio, com a respectiva carga.

Um abraço


2. Inquérito sobre a travessia do rio Corubal em Cheche:  questões a responder, no todo ou em parte,  por quem lá esteve ou por lá passou até ao trágico dia 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios, retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche):

(i) quem manobrava a jangada ?

(ii) em princípio havia duas jangadas, sendo uma de reserva ?

(iii) também havia m sintex ou equivalente para ligar as duas margens ?

(iv) qual era a lotação habitual da jangada ? E a máxima ? Dois pelotões, 60 homens ? Menos, talvez 40 ?

(v) no caso das viaturas, a jangada podia transportar quantas e quais de cada vez ? Uma GMC ? Dois Unimog 404 ? Três Unimog 411 (burrinhos) ?

(vi) havia instruções  (explícitas, escritas ou orais) de segurança ?

(vi) no teu tempo, havia uma tabanca, em Che-Che, na margem esquerda (ou margem sul)  ? Eram fulas ? Era grande ou era pequena ? Quantas moranças tinha ? Havia milícias, abrigos, população em autodefesa ?

(vii) de que lado é que podia vir uma emboscada ou flagelação ? Da margem esquerda/sul (tabanca Cheche) ou do lado direita/norte  (destacamento de Checje / estrada de Canjadude) ? Ou de ambos ? 

(viii) alguma vez apanharam com minas anfíbias, minas /AC, minas A/P ou armadilhas, no rio, no ancoradouro, ou nas margens, ou na picada que leva até lá ?

(ix) imagino que os reabastecimentos fossem um inferno, e pior ainda no tempo das chuvas...

 (x)  quem guarnecia o destacamento de Cheche ? Talvez a CCAÇ 5, que estava em Canjadude, "Os Gatos Pretos", uma africana, a que pertenceu o nosso camarada e colaborador permanente, o José Marcelino Martins, fur mil trms ? Ou era outra subunidade ?

(xi) quantos homens tinha o destacamento de Cheche ?  Um pelotão ? Tinha armas pesadas (morteiro 81, metralhadora pesada, canhão s/r...) ?

(xii) quando se vinha do norte (estrada de Gabu e Canjadude) e  se fazia a trasvessia para o outro lado (tabanca de Cheche, destacamento de Béli, quartel de  Madina),  ficava  uma força a fazer a segurança ?... Era só o destacamento de Cheche ?  ou havia reforço da guarnição ?

 (xiii) O cabo que atrvessava o rio,  não era de aço, mas sim de  corda... Certo ? De aço seria pesadíssimo... E estava sempre montado e esticado ?

(xiv) e a jangada tinha motor auxiliar ? A jangada também era puxada a força de braço ? 

(xv) houve, no teu tempo, algum acidente ou incidente com a jangada ? Alguém (ou viatura) caído ao rio ?

(xvi) qual seria a largura e a profundidade do rio em Cheche ? No tempo seco e no tempo das chuvas
? (O desastre do dia 6/2/1969 foi no tempo seco...).

(xvii) Mais algum comentário ou observação:

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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18888: Memória dos lugares (377): Fontes de água viva - Fonte Frondosa de Empada (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Eduardo Moutinho dos Santos e José Teixeira


1. Em mensagem do dia 25 de Julho de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) fala-nos da Fonte Frondosa de Empada:


Fontes de água viva

Fonte Frondosa de Empada

José Teixeira

Naquele tempo, todos nós gostávamos de ir até à Fonte Frondosa em Empada, que por sinal tinha sido construída no ano do meu nascimento. Era lá que as bajudas "lavanderas" lavavam a nossa roupa. Era lá que tomavam banho e quantos de nós, incluído eu tomávamos banho. Outros, apenas se sentavam nas escadas de acesso para apreciar a paisagem e mandar os piropos da ordem.

Ficava bem lá no fundo a uns trezentos metros do aquartelamento.

Fonte Frondosa de Empada

O Chefe de Posto gostava de alimentar o seu ego aplicando castigos aos nativos que por qualquer motivo caíam na malha da sua justiça, obrigando-os a carregar pipos de água meio cheios para regar o jardim da sua casa. Um dia meteu-se com um africano que nos ajudava na enfermaria por um prato de comida, o saudoso Kebá, falecido em 2007, e correu-lhe mal. Ao terceiro dia em falta, na enfermaria, fui procurá-lo e dei com ele a transportar uma barrica de água. Não tinha pago o imposto "pé descalço" e foi a castigo.

Fiquei indignado e agi. Virei a tropa contra o Chefe de Posto e íamos cercar-lhe a casa e libertar o homem quando chegou o Capitão. Apercebeu-se da situação. Acalmou-nos, libertou o homem e escreveu. A Tabanca teve um prémio. O Chefe de Posto foi enviado, sob prisão, para Bissau e o Capitão Moutinho Santos - o da fotografia - foi nomeado Chefe de Posto interinamente. Escusado será dizer que muita coisa mudou quer na relação com as pessoas, quer em melhorias para a Tabanca. Bendita hora em que eu, aquele que não levava arma nas saídas para o mato para não ser tentado a dar fogo, reagi com dureza. Talvez pela primeira e ultima vez, que me recorde.

Voltámos lá com os meus filhos em 2011 em romagem de saudade e acabamos por almoçar em casa de uma antiga "lavandera" que nos preparou um bom frango com arroz à sua moda e comido à mão para honrarmos a tradição.

Note-se que o pobre Kebá tinha ficado sem as suas duas mulheres que foram apanhadas pelo PAIGC com os filhos. Sei que ele ainda as tentou recuperar assentando-se por uns tempos de Empada, para onde tinha fugido, mas não conseguiu, suponho que por elas se terem recusado a voltar com ele. Não aceitou ir para a milícia, segundo ele, para não ter de enfrentar os filhos e as esposas, mas era em excelente enfermeiro que nos ajudava na enfermaria no apoio à população.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18663: Memória dos lugares (376): Cheche , rio Corubal e Madina do Boé, uma trilogia trágica (Xico Allen / Zélia Neno / Albano Costa)

Guiné 61/74 - P18887: Historiografia da presença portuguesa em África (126): 1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (2) (Mário Beja Santos)

Um tocador de tambor

Imagem de 1954, na obra de propaganda “Fotografias Guiné, Início de um Governo”, referente à chegada à Guiné do Governador Mello e Alvim.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Período de turbulência, o que antecede a entrada de Portugal na I Guerra Mundial, graves conflitos na governação e chega um inspetor vindo de Benguela para apurar das contas da agência em Bolama e dá notícia de como começou a funcionar a recém-criada filial de Bissau, tão desejada pelos comerciantes da localidade. Vale a pena insistir na faculdade que era concedida a estes homens para falarem desassombradamente dos políticos, do funcionamento da praça e dos funcionários do BNU, punham-se descaradamente em bicos de pés face à administração em Lisboa e não poupavam críticas brutais, havendo de quê. O inspetor David desembesta sobre o gerente Moreira e com a maior candura indica para sua substituição Cristóvão Ribeiro, que merece todos os elogios e ainda por cima priva na intimidade com António José de Almeida, o prestigiado líder republicano…
Está tudo dito.

Um abraço do
Mário


1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (2)

Beja Santos

Julgo que o leitor beneficiará, para melhor entendimento do que politicamente se passava na Guiné nesta altura, passar os olhos pelo que escreveu Armando Tavares da Silva no seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar, 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

O inspetor David, como se escreveu anteriormente, está em Bolama para avaliar a situação e escreve regularmente para a Sede.
Em 9 de junho de 1917 refere-se nos seguintes modos ao gerente Moreira:
“Acompanhado da família, partiu ontem definitivamente para Bissau, a fim de inaugurar a nova agência no próximo dia 14. Fiz-lhe sérias recomendações a respeito da sua norma de proceder no exercício do seu novo cargo, tendo-me prometido que V. Exas. não teriam motivos de queixa a seu respeito. Não confio porém no cumprimento da sua promessa. O conflito, a intriga e a má educação são apanágio do Sr. Moreira. Tive o desgosto de me sentar à sua mesa. Nada lhe fico devendo nem à sua família, a não ser a mais ligeira consideração e estima dispensada ao representante directo de V. Exas.”

Em 10 de julho segue para Lisboa um documento recheado de detalhes, merece a nossa atenção, o gerente Moreira fora repreendido por se meter em política, infringira o regulamento do BNU, escreve-se textualmente:
“Subscreveu em nome do Banco telegramas expedidos ao Senador Gouveia e Ministro das Colónias pedindo a recondução do Coronel Coelho como Governador da Guiné. Só agora tive conhecimento do facto pelos jornais recebidos de Lisboa!
Representa este facto um absoluto desprezo pelas ordens de V. Exas, reincidindo conscientemente em tal falta, não falando do desprimor para comigo, a que aliás o Sr. Moreira e família me habituaram.
O Sr. Moreira que tem grande receio de ver aqui o Governador Sequeira e Secretário do Governo Sebastião Barbosa, que por todas as formas o desconsideraram, não só subscreveu o telegrama como sugeriu a ideia e a patrocinou. Acompanha o mesmo o gerente Carvalho da Casa Salomão, Pereira, Neves & C.ª no acto da expedição.
O telegrama foi expedido um tanto a contento de quase todos os comerciantes de Bissau, porque atrás do pedido de recondução do Governador Coelho sabe-se que este prometeu a transferência da sede do Governo e da capital da Província de Bolama para Bissau! Aqui é que está a gravidade do acto praticado por Moreira, porque os comerciantes e proprietários de Bolama, sabedores do caso, têm manifestado o seu desagrado para com aquele gerente, que, dizem eles, abusando da sua função, pretende arruinar Bolama, intrometendo-se em assuntos que devem ser alheios ao Banco.
Em que situação fica o Sr. Moreira se amanhã regressar ao seu posto o governador efetivo Sequeira, ou outro, que não seja o Coronel Coelho?
Não cessarão as queixas contra aquele senhor, e desta vez bem justificadas. O Sr. Coronel Coelho deseja realmente voltar em Outubro próximo depois de fazer exame e tirocínio para general”.

Coronel Manuel Maria Coelho, Governador Interino da Guiné

E a carta retoma as atuações do gerente Moreira:

“A circunstância do Sr. Moreira ter apresentado bons lucros no ano passado e no corrente foi devido unicamente a três casos absolutamente favoráveis, a saber:
1º - a coadjuvação constante de V. Exas, abrindo amiudados créditos a favor de Salomão, Pereira, Neves e C.ª e outros – todos eles para a compra de géneros em que a agência obtém lucros provenientes de letras;
2º - constante alta na Europa dos preços da mancarra, couros, cera e na borracha desta colónia;
3º - gradual e constante alta de câmbios que nos proporcionaram belos lucros. Estes três factores é que são a causa imediata dos lucros auferidos e não o zelo do gerente, que é bem medíocre.
Falo assim, porque ao fim de três meses tive tempo suficiente para avaliar as qualidades do Sr. Moreira, e direi mais, estou convencido que em toda a parte o Sr. Moreira há-de dar desgostos a V. Exas.
Ele pretende ir para o Brasil por mão do Sr. Cabrita, que mais ou menos se assume em seu protector. Ficam V. Exas. avisados das intenções do Sr. Moreira.”

Seguidamente o inspetor David vai falar de Cristóvão Ribeiro, do gerente Cotter, da sua licença e do coronel Coelho.
Cristóvão Ribeiro é apresentado como um nome bem posicionado para a gerência de Bissau:
“Se V. Exas. tiverem necessidade de gerente para Bissau, visto que o Sr. Moreira pensa em pedir licença daqui a alguns meses, lembrava como muito competente para aquela praça o Sr. Cristóvão Ribeiro que em Benguela exercia o cargo de agente das Companhias da Pesca da Baleia, exportava e comprava géneros à consignação e era vice-cônsul da Noruega. O Sr. Cristóvão Ribeiro dispõe de aptidões para exercer o cargo que indico em Bissau, porque está habituado a lidar com estrangeiros. Conhece bem os negócios de géneros, o que ali é muito preciso, e julgo-o honesto. Com tempo, creio que se interessou por ele o Dr. António José de Almeida. Creio que o Sr. Cristóvão Ribeiro se encontra actualmente em Portugal, mas não sei em que ponto. Se tanto for preciso, eu prontifico-me – como aliás é do meu dever, - a ir a Bissau para elucidar e encaminhar o Sr. Cristóvão Ribeiro durante as primeiras semanas da sua gerência, evitando deste modo que o Sr. Moreira permaneça ao lado do seu sucessor durante dois compridos meses (o intervalo de um suceder ao outro) por ser pernicioso o convívio do futuro novo gerente (aquele ou outro qualquer) com o Sr. Moreira. Este, desde que se visse substituído usaria da maior deslealdade.”

E na carta fala-se do seguinte modo quanto ao gerente Cotter:
“Com prazer comunico a V. Exas. que estou satisfeitíssimo com o procedimento deste novo gerente. Instruído, inteligente, falando e escrevendo o francês e o inglês, compreendendo muito bem os negócios, metódico e trabalhador, dispõe de aptidões que devem fazer dele um bom gerente, até mesmo para dirigir uma dependência de maior responsabilidade. Um verdadeiro contraste com o seu desmazelado antecessor”.

E aborda o assunto da sua licença:
“Usando aqui a licença que V. Exas. dignaram conceder-me, sigo no Vapor Bolama para a Madeira, com transbordo em S. Vicente, onde talvez seja forçado a demorar alguns dias. Quando chegar à Madeira telegrafarei a V. Exas. – pedindo no entretanto que escrevam para aquela ilha ao cuidado do correspondente do Banco ou por posta-restante. Ali permanecerei à inteira disposição de V. Exas.”

Não deixa de alertar Lisboa de que os negócios da agência estão a correr bem e a contento da praça. E quanto ao Governador-Coronel Coelho presta a seguinte informação:
“Acaba de me afirmar o Capitão Monteiro, ajudante do Coronel Coelho, que este, assim que teve conhecimento dos telegramas pedindo a sua recondução telegrafou ao Ministro das Colónias pedindo-lhe para não fazer caso algum do que se solicitava a seu respeito”.

Eu peço ao leitor que não se esqueça que aqui é invocado o nome de um dos políticos republicanos mais conhecidos na época, António José de Almeida, não terá sido um acaso, ligava-se sempre alguém a altos conhecimentos, neste caso Cristóvão Ribeiro, nome tão louvado para vir a ser gerente em Bissau.
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18856: Historiografia da presença portuguesa em África (124): 1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18886: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (9): Bolama e a Fonte Nova de São João (1945)



Foto nº 1A >  Guiné-Bissau > Bolama: Fonte Nova São João, 1945 (painel em azulejo). 28 de janeiro de 2018.



Foto nº 2 A  >  Guiné-Bissau > 28 de janeiro de 2018 > Bolama, vista de barco (I), em viagem a partir de São João


Foto nº 2 B > Guiné-Bissau > 28 de janeiro de 2018 > Bolama, vista de barco (II), em viagem a partir de São João


Foto nº 2  > Guiné-Bissau > 28 de janeiro de 2018 > Bolama, vista de barco (III), em viagem a partir de São João


Foto nº  3A > Guiné-Bissau > Bolama > 28 de janeiro de 2018 >Sede da AMI -  




 Foto nº 2 B > Guiné-Bissau > 28 de janeiro de 2018 > Bolama > Pedesral da estátua de Ulisses Grant, desparecida; ao fundo, a sede a da AMI.


Foto nº 1 >  Guiné-Bissau > Bolama > 28 de janeiro de 2018 > Fonte Nova São João, 1945.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso amaigo e camarada Patrício Ribeiro, empresário (IMPAR Lda,. Bissau)

Data . 27/07/2018
Assunto - Fonte de São João de Bolama


Bom dia, Luís

Já que estamos com fontes... aqui vai mais uma... a de S. João de Bolama (foto nº 1), tirada este ano.

Junto fotos da viagem para Bolama a partir de S. João (Foto nº 2), assim local da estátua do Ulisses Grant,  em frente á casa da Fundação AMI [, Assistência Médica Internacional], em Bolama (foto nº 3),

Os passeios pela Guiné, "enquanto temos pernas", ajuda-nos a libertar os nossos fantasmas, e a sentirmos-nos jovens.

Os comentários às fotos, são os vossos.

Abraço

Patricio Ribeiro

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18863: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8): Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018: Béli (e a Fundação Chimbo Daribó), Dandum, Madina do Boé, Canjadude...

terça-feira, 31 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18885: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte VII: As chaimites chegam a Bissau em 1971


Foto nº 42 > Chegada das Chaimites a Bissau [, as primeiras, V-200, para teste,  chegam em finais de 1970 e depois a partir de 1971 vão substitundo algumas das nossas obsoletas viaturas blindadas, mas revelam alguns problemas, a nível da blindagem e do armamento


Foto nº 43.>  Chaimites em Parada.


Foto nº 44 >  Chaimites evoluindo no estuário  Geba em Bissau. À esquerda, o edifício das Alfãndegas.


Foto nº 55 > AM [autometralhadora] Panhard, companheira insubstituível nas nossas colunas.

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas,  membro da Tabanca Grande, com o nº 757.

Sobre a construção e a operação deste veículo blindado nacional (,nomeadamente nos últimos anos da guerra do ultramar / guerra colonial), há um trabalho de referência, do investigador português Pedro Manuel Monteiro ("Berliet, Chaimite e UMM - Os Grandes Veículos Militares Nacionais",
 edição: Contra a Corrente, abril de 2018, 168 pp.).

Sobre as Chaimites no TO da Guiné, ver também o testemunho do ex-major de cavalaria João Luíz Mendes Paulo, autor de "Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento” (edição de autor, 2006).
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18884: Estórias do Juvenal Amado (60): O azar das margaridas



1. Em mensagem de 13 de Julho de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO


59 - O AZAR DAS MARGARIDAS

Juvenal Amado

Costumo dar umas voltas a pé aqui pelo sítio onde moro. Umas vezes aproveito para ir à farmácia, ou supermercado, levar ou trazer coisas da costureira. Umas vezes vou sozinho de auscultadores para ouvir a Antena 1, outras com a minha mulher porque é sempre bom fazer estes passeios acompanhado.

Gaivotas e pombos cruzam os céus, em comparação não vi andorinhas por aqui este ano.

À medida que passo pelas ruas da primeira cidade de Abril vou apreciando como é diferente dos sítios onde morei. A falta de limpeza das ruas motivado pelo excesso populacional, a falta de civilidade que raia o incompreensível com papeis, plásticos, que redopiam ao vento e se espalham pelas ruas e caneiros.

Mas a riqueza étnica com que nos cruzamos a cada passo, dá-nos a ideia que é viver a par com África. Ao envelhecimento da população branca respondem a quantidade de crianças e jovens negros, ciganos de origem romena, brasileiros, etc.

No trabalho de jardinagem são as mulheres negras bem como nas limpezas, nos cafés, restaurantes são brasileiros e os chineses tomaram conta do comércio de bairro, indianos pequenas mercearias, quanto aos romenos para além de terem filhos com fartura não sei o que fazem na verdade, mas são felizes nas suas vidas pouco sujeitas a imposições sociais.

Nota-se pelos costumes que há populações oriundas da Guiné, de Cabo Verde e Angola. A par de velhos com olhar perdido talvez de melancolia, é engraçado ver passar crianças com o cabelo às trancinhas, com contas coloridas nas pontas e algumas mães com os filhos nas costas tipo Racal, hábito bem conhecido das Fulas. Nos adolescentes imperam os hábitos importados dos states, com roupas e bonés tipo rappers, que publicitam clubes futebol americano ou mesmo de basebol, coisa que por cá é um “ignoro”, mas modas são assim e não vale a pena pôr mais na escrita.

No meu prédio, uma moradora queixava-se do barulho que a vizinha de cima fazia logo de manhã a batucar. Dizia a queixosa para a outra, que não sabia o que ela fazia para provocar aquele barulho. Pensei para mim, que talvez a tal vizinha confeccionasse alguma coisa no pilão ou estivesse a fazer “funge” (acompanhamento típico angolano) para o marido e filhos.

Aos Sábados de Sol coisa que tem andado arredada, é ver a criançada a jogar à bola aqui no pátio na linha de prédios, que noutros tempos foi resguardado, para que hoje haja um local onde os carros não entram. Mas não há bela sem senão, pois no resto-chão mora uma velha, que de bengala em punho, qual condestável, entende que ali não é sítio para jogar a bola e passa a vida a ameaçar a garotada com a policia e com a bengala. Bem, o policiamento da velhota não é bem encarado por todos e já resultou em troca de galhardetes entre aos prós e os contra sem Fátima Campos a moderar os debates.

Estes lugares vulgo florestas de cimentos, que há quase cinquenta anos afastaram muitos lisboetas da sua cidade com promessas de melhores condições de alojamento na periferia, onde puderam comprar apartamento, onde criaram os filhos e hoje alguns cuidam dos netos, bem felizes uns e outros. Na verdade há um tempo para tudo mas não deixam de ser efectivamente cimento e mais cimento, não é fácil viver em especial para os mais velhos que vivem sozinhos, por vezes em equilíbrio instável.

Mesmo assim é visível o esforço da Câmara Municipal no cuidar dos poucos espaços com relva.

Hoje, quando passava, vi que com a relva brotam milhares de margaridas com as suas cabecitas amarelas e pétalas brancas. Se lhes dessem tempo também algumas papoilas tingiriam o verde de vermelho empoleirado nos seus delicados caules pretos.
Mas as cidades são normalmente desprovidas destes pruridos e à mediada, que também não se condoem com as necessidades individuais de cada um, também as flores, que teimam nascer livres e selvagens, têm os dias contados. Quando regressei a casa e passei pelo jardim, vi que tinham andado a cortar a relva. Pensei como era diferente ver, como ainda se vê, nas pequenas cidades e vilas os terrenos baldios polvilhadas de flores silvestres, como quando íamos para a escola e apanhávamos e sugávamos a sua seiva avinagrada.

A relva tinha sido aparada e as margaridas tinham sido erradicadas no “holocausto” jardineiro e só se viam os caules em pé misturados com a relva aparada.

O tempo é severo, vai e não volta e também passou o tempo das “margaridas “ só que elas renascem sempre, quanto a nós há várias opiniões não condicentes.

Um abraço
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18300: Estórias do Juvenal Amado (58): Histórias com Pharmácias

Guiné 61/74 - P18883: Parabéns a você (1474): Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18879: Parabéns a você (1473): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Jaime Mendes, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, 1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18882: Fotos à procura de... uma legenda (107): uma imagem que vale 1000 palavras... (Virgílio Teixeira)



Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 2014 > À esquerda, o Virgílio Teixeira, à direita o José Lapa, camaradas da CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

[Obra do escultor João Antero de Almeida e de um conjunto de arquitectos, Francisco José Ferreira Guedes de Carvalho, Helena Albuquerque e Sidónio Costa Cabral, este memorial "Aos Combatentes do Ultramar" viu lançada a sua primeira pedra em 12 de Maio de 1993, tendo sido inaugurado em 15 de Janeiro de 1994. "Realizar um acto de justiça aos Combatentes que serviram a Pátria no Ultramar", "exercer uma acção cultural, patriótica e pedagógica na defesa de Portugal", "favorecer uma função nacional, de prestação de honras solenes à memória dos Combatentes, em datas históricas consagradas ou na ocasião de visitas de Estado ao nosso País" são os objectivos patentes na sua memória descritiva e que presidiram à construção deste elemento. 

Bem integrado no Forte do Bom Sucesso, a sua concepção abstracta, de grande sobriedade e fortemente geométrica, baseada numa ideia de grande pureza formal e simbólica, é traduzida através de um pórtico monumental, cuja forma triangular de linhas simples, exibe uma verticalidade acentuada. Trata-se de uma escultura de pedra, incluindo metal e uma zona espelhada, inserida num lago, cuja água simboliza o afastamento ou a distância a que os combatentes se encontravam, exibindo no centro do monumento a "Chama da Pátria".] [Fonte:  Câmara Municipal de Lisboa > Equipamentos > Lago do Monumento aos Combatentes do Ultramar]

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2014).  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem compçlementar: Blogue Luís Graça & Caramadas da Guiné]


1. Mensagem, com data de 20 do correntem,  do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) [natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue]:


Luis, só mais esta foto,  do meu álbum, tenho tantas, andam por aí espalhadas sem ter um tema para as meter. (*)

No dia em que estive com o Batalhão na Moita [, almoço-convívio da CCS&BCQAÇ 1933, em 2014, na Baixa da Banheira]  (**), este camarada, o Lapa, era condutor auto do grupo dos meus amigos, e também estofador.

Montou em Lisboa uma empresa de sucesso de decorações e ainda continua com o negócio, e vive bem.

Foi ele que me foi buscar ao comboio, levou-nos e trouxe-nos para Lisboa, e antes de embarcar em Santa Apolónia fez o favor de me ir mostrar este Monumento que parece uma tumba, gélida, arrepia os cabelos da cara e dos braços.

Devo-lhe muito este favor, e aqui ficou a imagem de novos tempos. Infelizmente está um pouco abandonada. Ainda consegui ver alguns nomes conhecidos, gravados naquelas paredes, por exemplo o Gamboa.

O José Lapa disse que só por amizade me fez isto, porque normalmente não vai lá, porque também fica transtornado, como eu fiquei. Até a minha mulher não ficou indiferente.

É para quando houver lugar.

Mais um abraço e bom fim de semana.

Virgilio

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18820: Fotos à procura de...uma legenda (106): O milagre do vinho, ontem, do Cartaxo (que chegava ao Cacheu...), hoje de... Pias, que entope as prateleiras das nossas superfícies comerciais, em caixas de cartão... (Virgílio Teixeira / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P18881: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 63 e 64: que grande burro!, aposto que nenhuma mulher acreditava nesta treta [, o meu voto de castidade]...





Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Aerograma do Natal de 1973


Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*):

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;


(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook;  é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.


2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerograma as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1.º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade, os "Serrotes" (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. cap.º 34.º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;

(xxii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;

(xxiii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];

(xxiv) considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos... e vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele;

(xxv) vê, pela primeira vez. enfermeiras, brancas, paraquedistas; apercebe-se igualmente guerra psicológica; queixa-se de a namorada não receber o correio; mada um texto para o jornal "O Século" que decide fazer circular pelo quartel e onde apela a uma maior união do pessoal da companhia, com críticas implícitas ao capitão Serrote por quem não morre de amores: na sequência disso, sente-se "perseguido" pelo seu comandante...

(xxvi) vai de baixa médica para Bissau, mas não tem lugar no HM 241; passa o Natal de 73 e o Ano Novo de 1974 nos Adidos; conhece a "boite" Chez Toi onde vê atuar alguns elementos do grupo musical Pop Five Music Incoporated, a cumprir o serviço militar na Guiné.


3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 63 e 64

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


63º Capítulo  > Natal e  Passagem de Ano 1973 


Adoeci e fui evacuado para o hospital, em Bissau. Não havia camas vagas na enfermaria e fui parar ao quartel dos Adidos, medicado com meia dúzia de comprimidos e um xarope. Não informei nenhum familiar, nem escrevi a ninguém sobre o meu estado de saúde. O meu mapa ficou em branco durante três semanas.

Apenas tenho comigo uma foto da noite de Natal de 1973 para provar que a passei nesse local. Embora não goste, vou contar de memória, e muito resumidamente, o que se passou na noite de Natal.

Os únicos soldados estranhos à unidade que estavam nos Adidos eram eu e mais cinco colegas. Falhara o nosso regresso a Fulacunda que devia acontecer antes do Natal, por falta de transporte. Não sabendo que não iríamos regressar ao quartel, eu e os meus colegas gastámos o dinheiro quase todo na boémia, em Bissau.

Orgulho-me do que fiz nessa época, juntamente com um sargento que nunca conhecera antes. Alugámos um táxi e fomos ao quartel-general, onde o cabo cozinheiro que ficou a substituir o meu amigo Castro nos arranjou batatas, bacalhau, grão-de-bico, ovos e me emprestou mil escudos. 

Dividindo os gastos com o senhor sargento, comprámos bebidas e vários produtos ligados ao Natal, que conseguimos encontrar nas lojas de Bissau. Com autorização do oficial de dia nos Adidos, pudemos usar a cozinha e recordo que cozinhámos em terrinas e não em panelas. O certo foi que mais uma vez festejei a ceia de Natal em franco convívio e, podem acreditar, também nessa noite as bebidas chegaram para mais de cem soldados dessa unidade que eu e o sargento andámos a distribuir por quem estava de serviço.

Acordei de manhã na cama do sr. oficial de dia com uma garrafa de whisky ao lado. Foi ele que mandou o ordenança deitar-me completamente embriagado.

Obrigado, sargento.

Na noite de passagem de ano de 1973 para 74, ainda pior estávamos. Tinham-nos dito que regressaríamos antes do fim do ano sem falta e isso não aconteceu. O dinheiro que ainda restava do empréstimo teve de chegar para todos. Comemos o rancho do quartel.

No dia 3 de Janeiro de 74 já estava em Fulacunda e no dia seguinte voltava ao normal. Se é que conto a seguir pode entrar nos padrões da normalidade!


64º Capítulo  > A boite Shá Tuá [Chez Toi]


“Deves estranhar só teres recebido dois aerogramas meus neste tempo todo e um apenas dizendo que ia para Bissau e outro com desenhos alusivos à quadra natalícia”.

A realidade é esta: durante um tempo achei que não me safava e decidi cortar com tudo.

- Penso que não devo andar a ficar muito bom da tola -disse eu ao 1º sargento Santos.

“Estive doente e devo voltar para o hospital outra vez em breve parece que será logo no inicio de Fevereiro. Ninguém me diz o que tenho, ou não sabem, ou não querem dizer. Sei que estou a ficar outra vez com pouco peso, se morrer que se foda estou farto disto.

Agora temos de viajar de barco porque derrubam os aviões. Disseram-me que os “turras” tem uma arma nova que se chama RPG 7, decerto é com essa arma que derrubam os nossos aviões. Ou decerto até tem mísseis. Até o Zé Leal que foi passar uns dias a Bissau em gozo de férias, foi no barco que eu vim. Tive pena dele não ir quando eu estava lá.

Ao menos tenho aqui aquele chato do Zé Alves e os outros amigos do costume, mais o tal que conheceu a namorada por carta que também tem nome. É outro Silva.

Durante os dias que estive em Bissau fui a um local frequentado pelas chamadas mulheres da vida fácil é uma boite (diz-se buáte) que se chama Shá Tuá mas fui lá só para ouvir música. Está lá um conjunto formidável cujo baterista é um rapaz chamado Álvaro Azevedo que ainda é primo dos meus familiares de Amarante e que era o baterista dos Pop Five Music Incorporated. Só estive lá mais ou menos duas horas mas nem dancei contentei-me apenas em ouvir musica e em tomar umas bebidas.

Não posso de maneira alguma dizer que naquele ambiente não senti desejo de ter relações sexuais, senti sim até porque as boites existem mesmo para isso, simplesmente sempre que se trate de mulheres que não sejas tu eu não levo ao fim os meus desejos, contigo custa-me resistir mas se não estás a meu lado está a tua imagem e pelo muito que te amo não posso de maneira alguma trair-te. Confesso que nunca fui assim e até era bastante mais volúvel, mas agora sou teu e apenas vivo para ti, portanto podes ter confiança em mim, eu amo-te e apenas os teus braços é que me abrigam pois só envolto neles tenho a certeza dum amor cheio de pureza”.


Que grande burro! Aposto que nenhuma mulher acreditava nesta treta. Então a Amélia é que nem pensar!

Guiné 61/74 - P18880: Notas de leitura (1087): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

É um romance invulgar, inegavelmente com suporte histórico. Assistimos ao evoluir de mentalidades de homens formados para o dever e para o cumprimento estrito na fidelidade militar. Eles vão evoluindo num cenário de guerra, móvel, caprichoso, cobrindo-se de glória e ruminando a dor de perdas, assistiremos ao fragor das operações e aos gritos dos sinistrados. E da fé inabalável chegaremos à compreensão de que aqueles combates tinham chegado a um beco sem saída e que depois do fim da guerra houvera dispersão, desistência e silêncios, muitos silêncios.

Oxalá que Nuno Mira Vaz não perca este filão do romance com paraquedistas, esta operação ganhou-a bem.

Um abraço do
Mário


Um romance sobre os paraquedistas no declínio do Império (2)

Beja Santos

“Máscaras de Marte”, de Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2018, é um romance histórico, com uma arquitetura bem escudada numa memória que vem do Colégio Militar, grandes amigos de armas encontram-se na Guiné no período de 1972 a 1974, a narrativa percorre as lides e andanças desses Oficiais Paraquedistas e suas tropas, há a crueza das operações, a brutalidade dos sinistros, a farronca daqueles que querem ser heróis à força, a mudança de mentalidades daqueles que acreditaram piamente no dever e na fidelidade aos princípios e que se apercebem que está ali um mundo vulcânico, um parturejar de país, que nenhum espírito combatente já pode obstar.

A roda da fortuna deu uma guinada para os acontecimentos que ocorreram a partir de 25 de março de 1973, um míssil terra-ar Strela marca a sua presença no teatro de operações, de forma sucinta o autor relata tais factos e descreve o que está a mudar, em tal onda de perplexidade, o PAIGC concentra efetivos nas fronteiras Norte e Sul, vai começar o inferno em Guidage, Guilege e Gadamael.
Escreve Nuno Mira Vaz:

“O deslocamento do esforço militar português para Sul acabou por ser aproveitado pelo PAIGC junto à fronteira Norte. Sem que tivesse transpirado pitada para os Serviços de Informações Militares ou para a DGS, o PAIGC concentrou seis centenas de guerrilheiros em redor de Guidage, mantendo como ponto de apoio principal para a manobra de cerco a base de Cumbamory, em território senegalês. Aqui, à ordem do Comandante Francisco Mendes (Chico Té) e tendo como comissário político Manuel dos Santos (Manecas), permaneciam o Grupo de Foguetões do Norte, um grupo de artilharia e um grupo de reconhecimento. Na zona de Cufeu, barrando a estrada entre Binta e Guidage, instalou-se o Corpo de Exército 199/B/70; na região de Facar, a Oeste, posicionou-se o Corpo de Exército 199/A/70; e o Corpo de Exército 199/E/70 dividiu-se em dois segmentos: um em reforço do Corpo de Exército 199/B/70 na zona de Cufeu e outro na defesa da base de Cumbamory”.

Em Guidage estão a CCAÇ 19 e um pelotão de artilharia, são 200 elementos. A partir de 8 de maio, irá apertar-se o cerco com minas anticarro, colunas de reabastecimento que são obrigadas a regressar, emboscadas inclementes, bombardeamentos sobre o destacamento, impede-se o abandono com enérgica intervenção de um destacamento de fuzileiros e graças à energia indómita do Tenente-Coronel Correia de Campos. A 17 de maio, vai uma Companhia de Paraquedistas que sai de Binta e que se desloca a corta-mato, mas o inimigo está à espreita, é dia de luto para a Companhia, mas entram em Guidage.

Há igualmente a retirada de Guilege e os tempos de provação que se irão viver em Gadamael, no meio de um fogo infernal desembarca ali, vinda expressamente de Caboxanque, outra Companhia de Paraquedistas. Neste ínterim, a artimanha montada pelo Capitão Rosado, que acumulara armas do PAIGC que seriam depois referenciadas em sucessivos relatórios eivados dos seus autoproclamados feitos heróicos e com apreensão de armamento do PAIGC é descoberta pelo Major Alves, o aldrabão de feira e pesporrente Rosado pretende vingar-se do Cabo Quarteleiro Azinheirinha, o autor deixa-nos aqui páginas expressivas, assim:

“Percebeu então que Azinheirinha, produto das planícies e amante da quietude e do silêncio, era um falso lento: ao mesmo tempo que recuava um passo, fazia voar a mão esquerda ao encontro do braço do capitão. Só quem teve o pulso agarrado por uma manápula de cavador é que pode compreender a sensação de estar aprisionado numa tenaz de aço. Com a incredulidade estampada no rosto, Rosado demorou menos de um segundo a reagir com o outro punho, mas não obteve melhor resultado, porque a mão livre do Azinheirinha procedeu exatamente como a sua irmã. Durante um espaço de tempo que pareceu desmesurado a ambos, ficaram frente a frente, separados por centímetros, o capitão com as feições desfiguradas e vermelhas de raiva e o soldado sem pinga de sangue, lívido de inquietação”.

Sucedem-se episódios que fazem parte da História dos últimos atos da guerra colonial, caso do Congresso dos Combatentes, que mereceu um vigoroso abaixo-assinado de protesto, militares altamente condecorados diziam não reconhecer aos organizadores a necessária representatividade e não admitiam que pela sua não participação fossem definidas posições ou atitudes que pudessem ser imputadas à generalidade dos combatentes.

Spínola regressa à Metrópole, começa a contestação da legislação que permitia oficiais milicianos a ingressar num quadro especial de oficiais, foi enorme a reação, aqui germina a formação do MFA. A guerra prossegue, Mira Vaz descreve uma operação destinada a destruir um quartel do PAIGC nas imediações de Bedanda, são páginas muito sentidas.

E assim se chegou ao fim da guerra, aqueles militares briosos, as máscaras de Marte, entram num ocaso:

“Um deles desligou-se rapidamente do serviço ativo e regressou à terra natal para colaborar na gestão do património familiar. Não foi uma única vez a Tancos para festejar o Dia dos Paraquedistas. Aquele que fora um dos mais genuínos apoiantes do MFA foi preso no 11 de março. Reabilitado no 25 de novembro, foi promovido paulatinamente até ao posto de tenente-coronel, tendo então passado à reserva. No dia 23 de maio de cada ano vai em peregrinação a Tancos, para um convívio sempre estimulante com os seus antigos camaradas. Lê cada vez menos e tem-se aproximado de Deus, na mesma medida em que se tem afastado dos homens.

O capitão que não assinou o documento esteve quase a ser saneado na sequência do golpe militar. Subiu sem entusiasmo todos os degraus da hierarquia até coronel. Vai com frequência a Tancos, mas a alegria que sente na companhia dos antigos camaradas é sempre ensombrada por certas lembranças infaustas. Há dias em que se arrepende de não se ter oposto pelas armas ao abandono do património português de além-mar.

Aquele em relação ao qual nunca se conseguiu apurar, sem margem para dúvida, se assinara ou não os documentos mais importantes do MFA, esteve quase a chegar a general. Quando a promoção parecia iminente, alguém foi aos arquivos desenterrar um certo documento, foi decidido que ele não tinha condições para a promoção. Quando passou à reforma, fez questão de comparecer aos festejos do dia 23 de maio. Mas, fosse por causa do seco acolhimento dos camaradas, ou porque não aguentava ser figura secundária, passado dois anos deixou de ir a Tancos”.

Um imprevisto romance envolvendo capitães paraquedistas na Guiné, importa saudá-lo pelo conteúdo e a forma. E pedir ao seu autor que prossiga na senda da ficção.
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Notas do editor

Poste anterior de 16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18872: Notas de leitura (1086): "Heróis limianos da Guerra do Ultramar", de Mário Leitão, ed. autor, Ponte de Lima, 2018, 272 pp. Um ato de pedagogia cívica e patriótica, que devia ser replicado em todas as nossas terras

Guiné 61/74 - P18879: Parabéns a você (1473): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Jaime Mendes, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, 1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)




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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18857: Parabéns a você (1472): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)