quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19244: Fotos à procura de... uma legenda (111): Ainda o sorriso da bajuda do Gabú... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74)


Mulher himba, uma minoria étnica que vive no sul de Angola e na Namíbia (foto recolhida na Internet por Jorge Costa, 2010)

"A verdadeira riqueza de um país é o seu próprio povo. Aqui estão representados uma minoria dos grupos étnicos que constituem a identidade cultural angolana. Himba, Mucubal, Mumuílas, Herero, Hotentotes "Kosan"(bushman), Cabindas." (Jorge Costa, 2010, vídeo "Angola: Riqueza Étnico-Cultural)


1. Comentário do nosso grã-tabanqueiro Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535  (Angola, 1972/74) (*):

De um modo geral, estou de acordo com o nosso amigo Cherno Baldé (**). Nota-se que a moça não está muito à vontade a mostrar o peito aos militares portugueses, mesmo que ande habitualmente com ele a descoberto entre a sua gente. Nota-se constrangimento e até desprezo na sua expressão.

No norte de Angola, onde eu cumpri o serviço militar, as camponesas não costumavam andar de peito descoberto, mas não se coibiam de o descobrir diante de quem quer que fosse para dar de mamar, por exemplo. No fim, voltavam a cobrir-se. Mas quando trabalhavam em lavras situadas em locais mais afastados, onde não era habitual aparecerem estranhos, elas chegavam a despir-se quase completamente, ficando apenas com um minúsculo pano entre as pernas, em jeito de penso higiénico. 
Aconteceu-me uma vez passar por uma lavra onde algumas camponesas trabalhavam nesta situação e elas não esboçaram o mais pequeno movimento para se taparem. Apenas interromperam a sua tarefa por um momento para me cumprimentarem em português: «Bom dia!». Eu respondi em quicongo, «Kimbote!», elas fizeram-me um rasgado sorriso e continuaram a trabalhar.


Virgílio Teiexetia e a bajuda do Gabu (2018) (**)
No sul de Angola, já o peito descoberto era e é completamente banal em diversas etnias, sobretudo do sudoeste. Mesmo quando desciam à cidade, as camponesas destas etnias andavam pelas ruas, praças e avenidas com os seios ao léu. Para estas moças e senhoras não era vergonha mostrar o peito; vergonha era, isso sim, mostrar o traseiro.

No Youtube existe um vídeo em que se vêem imagens de pessoas pertencentes, quase todas, às etnias mais nuas de Angola: muílas ou mumuílas, mucubais, himbas ou muhimbas, muhakaonas, khoisan ou bosquímanos, etc. Independentemente do exotismo dos trajos e adornos e da sensualidade dos corpos, que são patentes no vídeo, o que mais ressalta dele é a pureza dos olhares, a cristalinidade dos sorrisos, a franqueza dos rostos, a pureza dos corações. É impossível não gostar de gente assim. 
O vídeo é este: 
https://www.youtube.com/watch?v=VDg75ocaHTU  
[Alojado no You Tube, na conta de Jorge Costa, 2010, duração 9' 49''. Título: Angola, Riqueza Étnico-Cultural. Imagens recolhida na Internet; música da African Tribal Orchestra]
Fernando de Sousa Ribeiro

PS - Sobre o povo himba, que vive na fronteira entre a Namíbia e Angola, e cujo futuro está seriamente ameaçado, vd. o sítio de Carla Mota e Rui Pinto, "Viajar entre viagens". (LG)
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Notas do editor:
(*) Vd, poste de 11 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19183: Tabanca Grande (469): Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880 (Angola, 1972 / 74); nosso grã-tabanqueiro, nº 780.
(*) Vd, poste de 27 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19239: Fotos à procura de...uma legenda (110): O sorriso da bajuda... (Virgílio Teixeira / Cherno Baldé)

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)



1. Mensagem do nosso camarada  Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 20 de Novembro de 2018:

A Razão do Meu Comentário

Dado o meu empenhamento em ter este livro, pediu-me o amigo Amílcar Mendes para comentar ou fazer uma apreciação ao mesmo. Aceitei, como amigo e leitor e por ter estado presente no mesmo espaço físico nos meses iniciais das nossas comissões, em Mansoa.

Depois de ter lido o que foi escrito, penso não ter a acrescentar nada de importante que não esteja referido nas suas páginas, a não ser que conheci e conheço alguns dos intervenientes e tornei-me seu amigo, uns por serem Alentejanos, como eu, outros por serem apresentados por estes e outros ainda por residirem na zona onde morava.

Permitam que me desvie um pouco do livro e fale do meu relacionamento com esta gente, camaradas inesquecíveis com quem era fácil fazer amizade a 3000 Km de distância de casa e metidos num quadrado que apenas permitia conhecermo-nos uns aos outros um pouco melhor.

Lembro o Jorge Brito, que figura na parte de trás da capa e como foi aprofundada a nossa amizade. A recuperar de uns estilhaços com que foi brindado logo no início da comissão, possibilitou confraternizarmos no bar da 38.ª de Comandos bebendo uns copos. Essa amizade, forçada por um interregno involuntário após regressarmos, viria a ser retomada com a ajuda do Amílcar Mendes, que me facultou o seu contacto e assim nos reencontrámos e convivemos até que nos deixou em 2017.

Do Alentejano e grande amigo Luís Barreiras, que cedo nos deixou, situação referida nas páginas deste livro, tenho imensa saudade, tive o privilégio de com ele privar algumas vezes e ser por ele convidado a almoçar no refeitório criado e destinado exclusivamente para a 38.ª Companhia de Comandos em Mansoa. Diga-se que a ementa destes militares, em quartel, nada tinha que ver com a praticada no refeitório do Batalhão 3832.

Mas recordo igualmente outros camaradas e amigos Alentejanos como o Pateiro, companheiro inseparável do Barreiras, tinham sido companheiros no curso de Regentes Agrícolas que ambos tiraram quando juntos decidiram alistarem-se nos Comandos. Quem sabe não ajuda isto a explicar muita coisa, mas isso fugia ao livro e não interessa aqui para o caso, outros houve como o Carreira ou o Silva, este infelizmente também nos deixou logo no início da comissão, facto também assinalado nesta obra, ou o Simão, que me foi apresentado pelo Barreiras e que fatidicamente teve o seu fim no mesmo dia que este. Outros houve de quem não estava tão próximo, mas de qualquer forma, foram demasiados amigos que vi partir apanhados pela figura negra com a gadanha.

Julgo terem sido estas algumas das razões que levaram o Amílcar Mendes a pedir-me para comentar este livro sobre a actividade da 38.ª de Comandos, livro de que já ouvia falar há muito tempo, sempre que com eles me juntava, mas nada via escrito de concreto.

Por tudo que já referi e pelo que obriga a reviver, confesso que o fiz em alguns momentos com os olhos rasos de água e com a interrogação, valeu a pena? Justificou-se tanto esforço, quando a situação podia ter sido resolvida de forma diferente se o político assim quisesse, por um País onde os medíocres e incompetentes, os desonestos e inúteis, utilizando artes e manhas vão singrando contrariando o que por direito devia pertencer aos empenhados e competentes?

Se com a idade vamos ficando sem visão, não é menos verdade que vamos vendo melhor, com maior nitidez e objectividade tudo que vai acontecendo à nossa volta.

Gostava de dar uma aqui uma achega e uma ajuda para esclarecer os que não percebem ou não querem perceber o que se passa com os antigos combatentes. É que, por muito distantes que estejamos, que as convicções sejam outras e mesmo sem contacto uns dos outros, temos muitos pontos que nos unem, de tal forma fortes, que pouca importância têm as diferenças que nos separam, essa é a verdadeira razão para gostarmos de estar uns com os outros e de convivermos.

Entrando um pouco mais no aspecto do livro, não considero tratar-se de uma obra literária propriamente dita, mas também não me parece ter sido essa a razão e a vontade de quem participou na sua escrita, foi sim a procura de resguardar a memória dos acontecimentos, onde os nomes e os factos são lembrados e/ou recordados por quem os viveu na primeira pessoa, e assim os escrevem fazendo história.

Tratando-se de uma narrativa de acontecimentos, merecia uma melhor revisão de texto para correcção de gralhas desnecessárias, embora essas em nada retirem o mérito que o livro tem.

Diz o provérbio que "quem não se sente não é filho de boa gente" não se espera por isso desta gente se não a crítica directa e frontal, como se lê na narrativa do desfile inicial onde a primazia foi dada ao Batalhão de Cavalaria, arma do então Governador da Guiné General António de Spínola em detrimento da 38.ª Companhia de Comandos.

Quando no livro é referido que foram bem aceites pelo comandante do Batalhão em Mansoa e que passaram a ocupar o serviço à porta de armas, é bom lembrar que também o foram pelos militares, quer os do Batalhão 3832 quer os de rendição individual, porém a sua recusa em aceitarem que lhes chamassem "periquitos" levou a situações de alguma hostilidade. Lembro uma outra situação que se prendeu com as saídas para o exterior da unidade, que até então se faziam com algum rigor mas sem nenhuma obrigação especial[1], e que a partir daí impunham que se saísse fardado como se estivéssemos em Bissau[2]. Claro está que um dia foi feita uma formatura com farda n.º 1[3] e pedido de revista pelo oficial de dia antes da saída para o exterior. Com o clima quente a ficar escaldante, demasiado tenso entre todos, foi desanuviado por quem de direito voltando tudo à normalidade.

Outro acontecimento ocorrido antes contribuía para a degradação do ambiente entre uns e outros, um deles, nunca esquecido, foi a morte, nas instalações do quartel, do militar Ilídio Moreira logo após a chegada. Tudo isto era o que levava a um mal estar entre os militares de elite e os já cansados com mais de dezoito meses de comissão.

Facto idêntico é relatado também aqui pelo ex-Alferes Comando Mendes da Silva, vivido num outro aquartelamento e igualmente por causa do termo "periquito" chamado pelos mais velhos a todos aqueles que chegavam de novo.

Tratando-se de uma obra que faz história, julgo importante assinalar alguns destes factos que, embora referidos no livro, são vistos com outros olhos que não os dos seus autores. Contudo, em nada tiram o mérito a esta valorosa companhia que, tal como é referido pelo Coronel Paraquedista Calheiros no seu livro A Última Missão "foi pau para toda a obra".

É igualmente assumido pelos intervenientes na escrita do livro, em especial o seu comandante Ferreira da Silva, não só as boas intervenções operacionais, como as menos conseguidas e explicadas as razões por que aconteceram. É pois um livro escrito com verdade e que evita que se escrevam ou contem sobre estes operacionais coisas menos verdadeiras quando não mesmo inventadas.

Não só aos meus amigos vivos mas a todos os elementos da 38.ª de Comandos o meu abraço e agradecimento pela vossa amizade bem como pelo convite para me pronunciar sobre a vossa companhia e o vossa história de vida na Guiné, onde só partilhei alguns meses, os iniciais passados em Mansoa.

Não competindo aos que escreveram este livro, história da 38.ª Companhia de Comandos outros relatos que não os seus, permito-me deixar aqui outro ponto de vista que corrobora, em muito, o descrito no livro e acrescenta mais alguma coisa sobre a realidade ou o inferno de Guidaje.

Uma outra visão dos acontecimentos em Guidaje, sobre o que é descrito pelo Amílcar Mendes, quando diz terem encontrado militares escondidos ou a chorar sem nada fazerem é o que a seguir escrevo, retirado da cópia de um livro que possuo, escrito, mas ainda não publicado, por um ex-furriel miliciano da Companhia de Caçadores 3518, que faleceu, salvo erro, durante o ano de 2015, Daniel Matos e que integrou a escolta da coluna para Guidaje em 14 de Maio de 1973.

Os Marados de Gadamael, com 13 meses foram para Brá (Combis) e foram fazendo diferentes serviços, entre eles escoltas às colunas de transportes. Numa dessas colunas, inicialmente prevista para ir, apenas e só, até Farim, chegados ai foram mandados seguir como reforço até Guidage, onde a progressão da coluna sofreu tudo o que é relatado no livro da 38.ª de Comandos e onde foram obrigados a permanecerem mais de uma semana. Nesse período tiveram 4 mortos (no abrigo do Obus) e vários feridos. Esta escolta era formada com vários soldados que nunca tinham sido operacionais, devido às suas especialidades, cozinheiros, padeiros etc, mas como, em princípio, era só até Farim e não oferecia grande perigo tiveram que alinhar.

Podemos fazer um juízo de como e do porquê de muitas coisas acontecerem ao enviarem militares para missões que lhes eram destinadas e para as quais não estavam preparados nem física nem psicologicamente e onde apenas a boa vontade e a destreza não chegavam.

Tenho o privilégio de ter uma cópia deste livro ainda não publicado, espero que possa ver a luz do dia para igualmente poder ser alvo de análise e comentário e mais do que isso, do conhecimento de todos e fazer parte da história que uns parece pretenderem fazer esquecer, outros que contam vaidades, feitos inexistentes ou, ainda, heróis do desconhecido.

É importante para a verdade do que se passou em Portugal, especialmente no período de 1961 a 1974, que estes relatos sejam feitos por quem os viveu e na primeira pessoa, mesmo que existam alguns pormenores que se contradigam, por razões do tempo passado e da memória, essas contradições só ajudam a corroborar e/ou a esclarecer a verdade dos factos.

Notas:
[1] - Normalmente composta por Camisa aberta no colarinho, Calções, Meias curtas, Botas de lona e Boina ou Boné.
[2] - Camisa e Gravata presa no espaço da camisa antes do cinto, Calções, Meias altas, Sapatos e Boina.
[3] - Utilizado apenas na Metrópole - Camisa, Calças compridas, Botas de cabedal, Blusão e Boina.

Belarmino Sardinha
Ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM
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Ficha técnica do livro:

Título: "38ª Companhia de Comandos 'Os Leopardos' - A História"
Coord: João Lucas
Editor: Fronteira do Caos
Local: Porto
Ano: 2018
Nº pp. 348 (ilustrado)
Dimensões: 23,5 cm x 16cm
Pvp: 16 €
ISBN: 989-54148-1-9

Guiné 61/74 - P19242: Fauna & flora (15): As aves em algumas superstições indígenas da Guiné - “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária” (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

Quando confrades guineenses, como o nosso avisado Cherno Baldé, lerem este trabalhinho de alguém que foi professor da Escola Superior Colonial, é capaz de contestar os elementos apresentados como curiosos aspetos folclóricos ou casos etnológicos ultrapassados. Aqui se fala de superstições com galinhas, os íbis sagrados, a galinha-do-mato, o grã-duque cinzento, os jagudis, aves de mau presságio ou perniciosas, inevitavelmente há referências aos jagudis e, segundo o autor, os Beafadas consideram-nas almas dos seus antepassados. Mas será que ainda assim é, ou já deixou de ser?

A palavra é dada à confraria guineense.

Um abraço do
Mário


As aves em algumas superstições indígenas da Guiné

Beja Santos

“Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”, que teve duas séries, a segunda percorreu um período da década de 1940, revela-se uma publicação de consulta obrigatória para quem pretenda estudar sobre os mais diversos ângulos a História da Colónia. Veja-se, a título de curiosidade, o trabalho publicado por António de Almeida, professor da Escola Superior Colonial e bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, intitulado "As aves em algumas superstições indígenas da Guiné e de Cabo Verde", para se avaliar a importância de muita pesquisa que urge fazer e publicitar.

Convém não perder de vista que estes trabalhos datam de há cerca de 75 anos, muita água correu debaixo das pontes, muitos comportamentos se alteraram, pois claro.

Começando por nos descrever a importância do culto de animais nas primícias da civilização, logo vai centrar a sua análise na Guiné e Cabo Verde dizendo que a criação das aves domésticas desperta escassa atenção aos naturais destas duas colónias. Diz adiante que a carne de algumas delas faz parte dos seus repastos:  

“Se os incultos Bijagós e Balantas estimam comer galinhas mortas por doenças ou em estado de putrefação – por vezes, mal assadas e com intestinos e penas – já aos indígenas muçulmanos é interdito servir-se de despojos destes animais sem que, previamente, os hajam sangrado, de harmonia com a liturgia corânica. Porém, nenhuma mulher Mandinga, Fula ou Biafada ou de outra tribo, fiel sectária da religião de Maomé, se aventuraria a matar uma galinha ou sequer a repartir-lhe o corpo em pequenos pedaços, para não adoecer gravemente, abortar ou tornar-se estéril”, observa depois que “Entre os Manjacos e Brames, os pitéus de galinha reservam-se para mimos, a oferecer aos hóspedes de elevada condição social”. 

E logo suscita um comentário de índole religiosa: 

“Nenhum Manjaco se ausenta para fora do seu chão sem previamente haver consultado o Irã, ocasião em que lhe sacrificam um galo; analogamente, os Bijagós, quando constroem gamboas imolam uma galinha em honra de Nodô ou Uindô”.

Diz igualmente que não se observam nem na Guiné nem em Cabo Verde os combates de galos e entre o gentio da Guiné parece não verificar-se a crença nos poderes mágicos dos galos. Referindo-se ao piar das aves, acrescenta:

“Como na Metrópole, também em Cabo Verde e na Guiné, os cantos da coruja e do mocho suscitam temor supersticioso, por prognosticarem morte ou desgraça iminentes. Para os Mandingas, os feiticeiros gentílicos podem metamorfosear-se em mochos a fim de se apoderarem do corpo e alma das pessoas; evita-se este grave perigo prendendo ao pescoço ou cozendo às vestes das gentes talismãs ou amuletos protetores.

Outra ave bastante temida na Guiné é o grã-duque cinzento ou fraque, espécie de cegonha. Em Cabo Verde, na Guiné, como na Serra da Lousã, há abutres. Tinha-se por criminoso quem abatesse um abutre. Facilmente domesticáveis, continuam a ser agentes de limpeza, apanham os restos e dejectos humanos. Atribuem-se ao corpo desta espécie ornitológica miríficas propriedades terapêuticas; com fel destilado preparam-se mezinhas para as dores dos ouvidos, constituindo a bílis infalível antídoto do veneno das serpentes e escorpiões.

Quem se lavar na água em que, anteriormente, se tiver banhado a umbreta do Senegal, fica, fatalmente, afectado de erupção cutânea; quando se atira às abetardas aves, igualmente conhecidas entre os Fulas pelo nome de galinhas do Faraó, e não sendo atingidas, a espingarda utilizada rebentará irremediavelmente.

Mas nem só as aves de mau presságio vivem na Guiné e Cabo Verde; o martelo ou espécie de popa, o cuco indicador ou pássaro-do-mel, o pombo da Guiné e o pelicano são animais muito queridos dos naturais. A garça-bovina, o pica-bois e a alvéola-amarela também suscitam afecto devido aos bons serviços que prestam aos mamíferos domésticos, defendendo-os dos parasitas.

Na Guiné, os pombos, domesticados ou não, suscitam grande consideração aos prosélitos de Maomé. O profeta, perseguido pelos seus inimigos, refugiou-se numa gruta, aberta em rochedo escarpado, à entrada da qual uma pomba chocava num ninho e que não se assustou com a sua presença.

Entretanto, chegaram os perseguidores e a ave espantou-se; entenderam não entrar na gruta porquanto, concluíram, se o profeta se houvesse acolhido aí, certamente que a pomba tivera deixado o ninho… 

Os pelicanos frequentam as correntes de água da Guiné. Grandes bebedouros de água – absorvendo cerca de dez litros de uma vez – os pelicanos são figuras de relevo no folclore muçulmano.

Na Guiné, os Beafadas nunca comem nem molestam jagudis, aves parecidas com os perus, porque as consideram almas dos seus antepassados, nem permitem maus tratos a quaisquer aves que pousem nas árvores vizinhas das suas palhotas, tomando-as como seus hóspedes.

Ignoramos se a carne de grou é aqui tida como remédio de longevidade. Tucanos igualmente se mostram na Guiné Portuguesa.

Lindos colibris ou beija-flores, tão abundantes no Brasil e nas Guianas, também há muitos na Guiné Portuguesa.

Na Guiné Portuguesa é vulgaríssimo o papagaio-cinzento, ao qual os árabes denominam ave-homem.

E não poremos termo a este artigo sem citar outra ave interessantíssima: o avisador do crocodilo – designação que lhe impuseram os árabes; trata-se de uma pernalta a que os Fulas chamam ave-da-areia. Quando o réptil se expõe ao sol, o passarito sobrevoa-o e, célere, introduz-se sem medo nas fauces hiantes e hediondas do monstro; entra na boca escancarada do sáurio com o fito de retirar-lhe de entre os dentes as partículas de carne e apanhar os vermes que as infestam. O crocodilo nunca importuna o seu comensal; é que este, além de ser agente de limpeza bucal, ao pressentir qualquer animal perigoso para o réptil, salta rapidamente para cima das mandíbulas e não se cansa de as picar enquanto o lagarto não se precipitar nas águas fundas do rio. Também a tarambola armada do Senegal, ave odiada pelos caçadores, dá sinal da presença deles aos animais da selva.”



Jagudis, os melhores varredores de lixo da Guiné-Bissau…
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18426: Fauna & flora (14): quando os animais emigram para o vizinho Senegal... (Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P19241: Em bom português nos entendemos (18): "Chabéu" e não "xabéu"... (= fruto, dendê, e prato de peixe ou carne confeccionado com óleo de palma)


 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau 1-7 de março de 2008 > 2 de março de 2008 > O famoso óleo de palma do Cantanhez. A sua cor vermelha intensa deve-se às características da variedade do chabéu (termo científico, Elaeis guineenses), que é rico em caroteno.



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008 > 2 de março de 2008 >

A simpatiquíssima Cadidjatu Candé, da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do rio Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrava a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa). Em segundo plano, do lado direito, segurando o prato e esperando a vez, o nosso amigo, o dr. Alfredo Caldeira, representante da Fundação Mário Soares.

Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha que sabia a lodo....

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Adão Cruz > Memórias de um médico em campanha > 8. O tanque


(...) Desta vez era um tanque, que construímos com uns restos de cimento encontrados numa arrecadação, e que iria proporcionar-nos, apesar da sua estreiteza de três metros por um, algumas deliciosas banhocas. A inauguração estava marcada para esse dia, e o Almeida, atrevido, imprudente como sempre e um tanto irresponsável,  já se tinha deslocado sozinho a Barro, a fim de arranjar uma galinha que servisse de manjar no festejo.  Barro era uma pequena aldeia nativa a onze quilómetros de distância, onde a Companhia mantinha um pelotão. Toda a estradeca estava minada e as emboscadas eram constantes. Mas o que é certo é que a galinha já estava do lado de cá.

A meio da madrugada o Almeida acordou-me:

- Já que não vens comigo fazer a patrulha, meu cobardesito de merda, fazes um bom xabéu com essa galinha para mereceres o mergulho no tanque.

Eu respondi-lhe:
- Tem mas é juizinho nessa bola, não te armes em herói, senão nem a galinha provas.
- Cobarde, um cobardesito é o que tu és - retorquiu ele sorridente, com um aceno amigo que nunca mais haveria de fazer.

Eram dez horas da manhã quando a nossa velha GMC irrompeu pela cerca de arame farpado, em correria demasiada para o seu velho e gasto motor, como se ela própria sentisse a tragédia que transportava no bojo: o corpo do Alferes Almeida crivado de balas dos pés à cabeça. 


Puxei de um cigarro mas não consegui segurá-lo entre os dedos. E nunca tomei banho no tanque.

A única recordação dele, que hoje ainda mantenho, é o livro que tinha na mesinha de cabeceira: 'Morreram pela pátria'. (...) (*)



[foto acima,  à esquerda: Linhares de Almeida,  quando ainda estudante do Liceu Honório Barreto, em finais de 1959, princípios de 1960; terá nascido em 1942, em Bissau; aparece numa foto de grupo (14 elementos) do Liceu, identificado com o n.º 2 como sendo o "Juca" - Carlos Linhares de Almeida (irmão do 'Banana')... A foto, sem data, é da autoria de Armindo do Grego Ferreira, Jr. Cortesia do blogue NhaGente, de Amaro Ligeiro].


2. Mais um exemplo de um vocábulo, Xabéu, um africanismo guineense, ou Chabéu (, do crioulo),  que vem grafado no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, em duas variantes. E  o nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) é mais uma vez citado, pelo Priberam (**), para ilustrar o uso do termo. 

xabéu | s. m.

xa·béu
(africanismo da Guiné-Bissau)

substantivo masculino

[Botânica] Infrutescência das palmeiras muito estimada pelas suas variadas propriedades e sobretudo pelo saboroso molho de xabéu com que acompanham (especialmente os fulas) grande parte das suas comidas.

"xabéu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/xab%C3%A9u [consultado em 26-11-2018]


"xabéu" em Blogues

(i) ...de merda, fazes um bom xabéu com essa galinha para mereceres... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

 (ii) ...português de Matosinhos,  Frango de Xabéu elaborado por experiente cozinheira guineense... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(iii) ...apanha de mancarra, recolha de xabéu , etc.. Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(iv) ...de carne com arroz de xabéu , que estava uma delicia,... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(v) Xabéu à Guineense-.. Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(vi) ...junto à copa a colher xabéu...  Em Luís Graça & Camaradas da Guiné


chabéu | s. m.

cha·béu
(do crioulo da Guiné-Bissau)

substantivo masculino

1. [Guiné-Bissau] Fruto do dendezeiro. = DENDÊ

2. [Guiné-Bissau] Prato de carne ou peixe confeccionado com óleo de palma (ex.: chabéu de carne).

"chabéu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/chab%C3%A9u [consultado em 28-11-2018].

"chabéu" em blogues:

(i) ...famosos almoços de frango de chabéu , em geral aos domingos...Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

"chabéu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/chab%C3%A9u [consultado em 28-11-2018].

(ii) ... e orienta-me para umas caixas onde me acocoro . Ali estão as surpresas prometidas: um livro de cozinha e doçaria do ultramar português, inclui receitas da Guiné (Bolinhas de Mancarra, Bringe, Caldo de Mancarra, Caldo de Peixe, Chabéu de Galinha). A edição é da Agência Geral do Ultramar, o ano da... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

"acocoro-a", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/acocoro-a [consultado em 28-11-2018].


2. Segundo o  respeitado Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa, Círculo de Leitores, 2002), tomo II, pág. 886, a grafia correta seria "chabéu" (etimologia: do crioulo "tche bém"), que é o termo que também usamos, no blogue, como descritor. E que é usado na literatura especializada (, livros de gastronomia, por exemplo).

Uma receita de "chabéu de galinha" está disponível no nosso blogue, em poste da autoria do nosso camarada Hugo Moura Ferreira (***). Na pesquisa feita pelo Google,  a grafia "chabéu de galinha" é mais frequente que "xabéu de galinha"... Esta questão ainda não foi posta ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
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Notas do editor:

(*) 27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

(**) Último poste da série > 26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19236: Em bom português nos entendemos (17): os vocábulos "sinceno" e "sincelo" no nosso blogue e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

(***) Vd. poste de 12 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8087: Gastronomia(s) lusófona(s) (1): Algumas receitas tradicionais guineenses, do Caldo de Peixe (ou Mafefede) ao Chabéu de Galinha, do Caldo de Mancarra ao Bringe (Hugo Moura Ferreira)

Guiné 61/74 - P19240: (Ex)citações (346): Ainda e sempre 'o inferno do Xime'... A propósito da Op Abencerragem Candente (25 e 26 de novembro de 1970) ( Vitor M. Amaro dos Santos, 1944-2014; José Nascimento, António Duarte, Luís Graça; António J. Pereira da Costa)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Xime > Madina Colhido > CART 2520 (1969/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Op Boga Destemida > 9 de fevereiro de 1970 > A helievacuação de feridos em Madina Colhido, no regresso ao Xime ...


É uma imagem que se repetia ao longo dos meses, sempre ou quase sempre que havia operações à península da Ponta do Inglês, nomeadamente na época seca. Como acontecerá em 26/11/1970 (*), já no tempo da CART 2715 / BART 2917, a subunidade de quadrícula do Xime que foi render, em maio de 1970, a CART 2520. Era comandada pelo cap art  Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos (acabados de fazer em 22 de novembro)...

Na Op Abencerragem Candente, que envolveu 3 destacamentos (CART 2714, CART 2715 e CCÇ 12), num total de 8 grupos de combate (c. 250 homens), a CART 2715 e a CCAÇ 12 apanharam uma das mais sangrentas emboscadas na história do subsetor do Xime (e até do setor L1), com 6 mortos e 9 feridos graves. Os mortos foram penosamente transportados até ao Xime, em macas improvisadas, os feridos foram encaminhados para Madina Colhido e dali helievacuados para o HM 241, em Bissau... Não temos fotos desse dia de inferno...

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Ando a viver o inferno do Xime [em caixa alta].
Minuto a minuto.
Ambos sofremos isso.
[Você] sabe tudo [o] que fiz para evitar a tal op[eração]…
Sem a CCAÇ 12 talvez tivesse “acampado” [sic]
em Gundagué Beafada.
Não existia estrada [Xime-Ponta do Inglês]….
Era tudo mata densa…
Qual dispositivo [?!].
Aceito que o estado maior do CACO [sic, gen Spínola]
tenha feito relatório
[, incriminando-me,]
porque não denunciei [a] discussão c[om] Anjos [sic, major Anjos de Carvalho]
[, 2º cmdt do BART 2917].

Aliás [a] História[da] Unidade diz
embos[cada] [na] estrada.
[O] relatório [da] op[eração]
[foi] feito [por] Anjos e cap[itão] Brito [sic, Carlos Brito]
[, cmdt da CCAÇ 12].

Evacuado [, em 1 janeiro de 1971], fui bode expiatório.
Essa op[eração] alterou para sempre
[o] meu (des)equilíbrio [sic] psico[lógico].


Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, ex-cmdt CART 2715 (Xime, 1970/72). Excerto de mensagem, enviada por telemóvel ao editor do blogue, em 2 de março de 2012, às 10h15, dois anos antes de morrer, em Coimbra, aos 69 anos. Membro da Tabanca Grande, nº 781, a título póstumo.


1. Comentários dos leitores e do editor do blogue:

(i) José Nascimento [ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71)


Lamento muito a morte destes camaradas, principalmente do Cunha, com o qual estabeleci uma relação de amizade no tempo de sobreposição das companhias, mas também me lembro do Senhor Capitão [Amaro dos Santos] ironizar: "Isto aqui não há guerra", pelo facto de nos primeiros 15 dias em que as duas companhias [, a CART 2520 e a CART 2715]  estiveram juntas, não ter acontecido nada.

José Nascimento
26 de novembro de 2016 às 01:33 

[Foto acima: Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Enxalé > CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) > O José Nascimento na margem direita do Geba]..

Foto (e legenda): © José Nascimento (2017). Todos os direitos resevados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



(ii) António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola]


Impressionante a dor que se percebe no texto da mensagem enviada [, pelo ex-cap da CART 2715]. Aquela referência de que teria "acampado" antes do objetivo, se não estivesse presente outra unidade, menciona uma prática corrente, (pelo menos no meu tempo,  dez 71 a jan 74).

Curiosamente não me recordo do assunto tratado no nosso blogue. (**)

Já agora recordo uma emboscada que a CCAÇ 12 teve perto de Madina Colhido, em 1973, onde apanhámos, com surpresa, para as duas partes, um grupo do PAIGC, que supostamente iria atacar o Xime. Parámos praticamente, logo que o último homem da coluna deixou de avistar o quartel. Iam dois pelotões. A operação era para ser feita através de "rádio".

Explicando melhor, à medida que o tempo ia passando informava-se o aquartelamento da nossa falsa posição, "percorrendo-se" todo o itinerário. Riscos deste procedimento, era os obuses fazerem fogo para locais onde estava a nossa tropa. Suponho que até ao nível de capitão todos percebíamos o tema, pelo que nada de grave aconteceu... que seja do meu conhecimento.
Abraços a todos e renovando a memória dos camaradas que tombaram nesse malfadado dia.

António Duarte

Cart 3493 e CCAÇ 12

26 de novembro de 2016 às 19:05 


(iii) Tabanca Grande [editor LG]
CCAÇ 12, 2º Gr Comb, c. 1969/70.
Foto de Humberto Reis (2006)


António Duarte. essa famosa discussão com o 2º cmdt do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), dizem, terá terminado com o célebre ultimato: "O nosso capitão vai e torna a ir [, à Ponta do Inglês,] nem que seja a reboque de uma GMC!"...

Só me lembro de ver o Amaro dos Santos, completamente transtornado a entrar na messe de sargentos, com a malta pronta a sentar-se, e ele lançar um salto de felino sobre as garrafas de vinho que estavam 
alinhadas para a refeição (, deve ter sido 
à hora do almoço!)...

Há imagens que não se apagam... Está a ver o efeito devastador que cenas como esta tinham sobre o moral do pessoal... E, sem o sabermos, tinha acando de decorrer, em 22 de novembro de 1970, a Op Mar Verde... Estávamos todos em "alerta máxima" sme saber a razão... E o subsetor do Xime era "pressuposto" estar desfalcado, em termos de efetivos do PAIGC...

27 de novembro de 2016 às 09:12 


(iv) Tabanca Grande  [editor LG]

António, a tua o observação é pertinente: a técnica de "acampar" (recusando-se a ir ao objetivo ou não cumprir a missão) era usada com maior ou menor frequência pelas NT, e nomeadamente pelas subunidades de quadrícula...

A nível da CCAÇ 12 era mais difícil, porque éramos pau para toda a obra, "pau para a colher" do comando de batalhão do setor L1... Quando se fazia operações com PCV e vários destacamentos (caso desta, Op Abencerragem Candente: 3 destacamentos, 8 grupos de combate, 250 homens...) era mais dífícil fazer batota e acampar... Além disso, o nosso capitão, 38 anos, em vésepra de ser promovido major, também alinhou, o que estragou os planos do Amaro dos Santos de "acampar" em Gundagué Beafad... Além,d a avaria do rádio, que nos obrgiou a seguir juntos, os dois destacamentos, B e C... O A era o de Mansambo...

No fundo, era um técnica para gerir o mosso próprio esforço de guerra e fazer o "curto circuito das besteiras" do major de opeerações... Uma das técnicas que se usabva era o silêncio rádio, para evitar que o PCV nos localizasse... Arranjava-se a desculpa da falha nas transmissões...
27 de novembro de 2016 às 09:32 

 
(v) Tabanca Grande  [editor LG]

António:

Em boa verdade, desenvolveram-se, no TO da Guiné, diferentes formas de "pôr um pauzinho na engrenagem”... Não direi que se tratava de “contestação” política da guerra, insubordinações ou revoltas de caserna ou coisas do género…. mas sim de simples “contestação” da autoridade dentro do quartel…

Ao longo da guerra (1961/74), em diferentes unidades e lugares, todos teremos exercido (em maior ou menor grau, com maior ou menor regularidade, com maior ou menor “acordo tácito” dos nossos capitães…), o mais elementar direito à resistência passiva face a comportamentos de prepotência do comando (em geral do setor ou batalhão) ou a processos reiterados de uso e abuso do nosso "coirão": excesso (e elevado grau de risco) de operações, de saídas para o mato, de emboscadas, patrulhamentos, colunas, etc.

Além da técnica de "acampar" na orla da mata (referida pelo cap art QP Amaro dos Santos) ou a uns escassos quilómetros do quartel, fora das vistas do “comando”, havia ainda outras, mais ou menos encapotadas, umas mais fáceis, outras mais arriscadas, não pondo todavia em risco a segurança imediata de ninguém…

Algumas que me vêm à cabeça: “falsificar” os relatórios de ação, sobrevalorizar o número de baixas causadas ao IN, sabotar os planos de operações, evitar o contacto com o IN, “inventar” avarias nos rádios ou dificuldades de ligação com o PCV (posto de comando volante), fazer silêncio-rádio, reportar “enganos” do guia (ou até fuga do guia-prisioneiro) nos trilhos levando ao não cumprimento das missões, simular problemas de saúde do pessoal (obrigando a um regresso antecipado ao quartel), etc.

Claro que era mais fácil "fazer batota" a nível de um simples pelotão ou grupo de combate ou até de um companhia, desde que o capitão e os alferes alinhassem… Era mais difícil "fazer batota" quando as operações eram a nível de batalhão, e havia PCV (com o major de operações ou 2º comandante a dar ordens lá de cima, da DO-27)...

Toda a gente sabe o "ódio" que tínhamos ao PCV por denunciar no mato a nossa posição...
27 de novembro de 2016 às 17:46 


(vi) Tabanca Grande  [editor LG]

Já aqui se escrevu, por diversas vezes, que a malta começava a "cortar-se", a partir dos 18 meses de comissão, para evitar sofrer mais baixas... Precisamos de recuperar esses escritos... A ideia que se tem vindo a transmitir seria a seguinte: (i) nos primeiros seis meses, "os piras" são cautelosos, respeitam as normas de segurança, estão-se a "aclimatar", a "ambientar" a conhecer as manhas do IN e do comando do setor (ou batalhão); (ii) nos dozes meses seguintes faz-se a guerra pura e dura; e (iii) os últimos 3 a 4 meses, com o fim da comuissão á vista, a começa-se a fazer a "gestão do coirão"...

Verdade ?

27 de novembro de 2016 às 17:58



(vii) António José Pereira da Costa [ cor art ref, ex- alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; autor da série A minha guerrra a petróleo"]

Olá, Camaradas

Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo (***). Era arriscada para ambos lados. Por um lado informávamos falsamente o comando, dizendo que fazíamos uma guerra que não fazíamos; por outro deixávamos de criar no inimigo o respeito em que tinha da nos ter para não vir à porta-de-armas perguntar: "corpo di bó?

Quando fui colocado no Xime, em 22JUN72, informei lealmente o comando de que se me mandasse a qualquer lado e eu aceitasse a missão escusava de ir verificar porque era verdade. Porém, se eu dissesse que não ia era escusado empurrar. Dei-me bem com o sistema, embora sentisse que da parte do comando houvesse sempre essa dúvida. Numa das tais operações com PCV cheguei a ser mal guiado e isso custou um embrulhanço sem consequências, mas sem vantagens.

De outra vez fui sobrevoado por um DO-27 mas não fui visto embora fosse a atravessa (mal) uma superfície lateritizada (ferruginosa e sem mato). Ou íamos bem camuflados ou o observador era coxo dos olhos. Inclino-me para a segunda hipótese, dado o sucedido na operação com PCV.
No caso da operação à Ponta do Inglês diria que não vejo a vantagem, a menos que houvesse elementos de informação importantes a explorar... Nunca lá fui, mas sei que se tratou de um destacamento ao nível grupo que se tornou insustentável, o que já diz qualquer coisa.

No fundo poderemos concluir que a lealdade e a inteligência deveriam andar juntas naquela "Guerra a Petróleo". Tapar o Sol com a peneira dá mau resultado. (****)

Um Ab.
António J. P. Costa
________________

Notas do editor:

(*) 26 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...

(...) Estamos a falar de "batota no mato"... Afinal, "pequena batota", da arraia miúda, os filhos do povo que fizeram a guerra (e a paz)... Treze anos de "sangue, suor e lágrimas".. Um milhão de homens, portugueses e africanos,,,

Nunca vi um oficial superior, de G3 na mão, oito carregadores, e dois cantis de água, a meu lado, em operações a nível de batalhão (!)... Falo de oficiais de posto superior a capitão, majores ou tenentes coronéis !...

Onde estavam os nossos comandantes, os nossos líderes ? Não passavam de burocratas, chefes de secretaria, alguns deles!... E no máximo, andavam lá em cima, de DO-27, no chamado PCV, a quem tínhamos, nós, os infantes, um ódio de morte!

Acredito que, pelo menos no TO da Guiné, eles já eram demasiados velhos para alinhar no mato connosco!... Tinham idade para ser nossos pais!...

Só conheci um, que foi comigo, connosco (CCAÇ 12), explorar as "imediações" do famiegrado inferno do Xime, no início de 1971, quando já estávamos em fim de comissão: chamava-se Polidoro Monteiro, era tenente coronel de infantaria, oficial da confiança de Spínola, e honrou-nos a todos, honrou as melhores tradições do exército português!..

Já morreu há muito: que descanse em paz! (...)



(****) Último poste da série > 16 deoutubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19239: Fotos à procura de... uma legenda (110): O sorriso da bajuda... (Virgílio Teixeira / Cherno Baldé)



Foto nº 6A > Belíssima imagem!... Um dos mais belos sorrisos (e seios) de bajuda do Gabu, que temos aqui publicado...




F6 – Uma bela bajuda lavadeira, até tirou o vestido para baixo, fui eu de certeza que lhe pedi, e outra mais novinha ao lado, e os seus rapazes a controlar tudo. Nova Lamego, Outubro 67.


Guiné > Região de Gabu > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Fonte de Nova Lamego > Fotos do álbum do Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM. (*)


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  O que é que cada um de nós na foto nº 6A ?

(i) Cherno Baldé:

Na foto n.6A está  uma Bajuda de Gabu, de etnia indefinida, a quem o Virgílio deve ter pedido para mostrar os seios para a fotografia, pois a posiçao do braço preso pela manga do vestido e a cara da mesma mostram que ela acedeu ao pedido sem grandes contrariedades, mas claramente embaraçada e pouco à vontade.

É isto que significa aquilo que parece ser um sorriso, mas que significa ao mesmo tempo uma cedência/recusa desafiante. 

Explicando melhor:  a posição dos lábios mostram desprezo pelo acto em si, sinalizado com a emissão de um som característico, ao mesmo tempo que os seus olhos brilhantes lançam um desafio ao Virgílio como quem diz: 'Era isto que querias, seu desavergonhado e depois?!'...

 (ii) O dono da foto (e da máquina que tirou a foto), o Virgílio Teixeira,  esclarece o contexto: "Uma bela bajuda lavadeira, até tirou o vestido para baixo, fui eu de certeza que lhe pedi, e outra mais novinha ao lado, e os seus rapazes a controlar tudo. Nova Lamego, Outubro 67".

(iii) Em legenda complementar, o editor do blogue, comenta: "Belíssima imagem!... Um dos mais belos sorrisos (e seios) de bajuda do Gabu, que temos aqui publicado"...

2.  Todos o(s) olhar(es) é(são) "etnocêntrico(s)"... O do Virgílio Teixeira, português, o do Cherno Baldé, guineense, o do editor, o do leitor... Toda a comunicação é complexa, em todas as espécies animais... A comunicação humana é ainda mais complexa porque junta à "natureza" a "cultura"...  Comunicamos por sistemas de  signos, a língua, a fotografia, a música, os cheiros, suportados por códigos próprios  (linguísticos, icónicos, musicais, sensoriais, etc.), que não são universais...

Uma foto não é a "realidade", mas um signo (ou um conjunto complexo de signos) que estabelece uma "relação" entre um significante e um significado... Algo que "fala" pela realidade... 

A foto nº 6A não é apenas a de uma lavadeira, bajuda, do Gabu, no leste da Guiné-Bissau (hoje,  no passado, Guiné, colónia portuguesa em guerra...) que mostra os seios a um militar português, a aparentemente a pedido deste, "para a fotografia"...  

O Virgílio Teixeira acrescentaria: "naturalmente, sem pudor"... E o nosso editor viu, ingenuamente, um "belo sorriso"... O Cherno Baldé, por seu turno,  dá importância à "postura corporal" e diz que aquele aparente  sorriso denota  ao mesmo tempo "uma cedência/recusa desafiante". 

É a leitura mais atenta, mais rica mas também a mais arriscada, podendo suscitar "contraditório".  Não deixa de ser tão "etnocêntrica" como a do Virgílio... Mas o Cherno tem, por si, a vantagem de pertencer à mesma cultura da bajuda fotografada:

(...) A posição dos lábios mostram desprezo pelo acto em si, sinalizado com a emissão de um som característico, ao mesmo tempo que os seus olhos brilhantes lançam um desafio ao Virgílio como quem diz: 'Era isto que querias, seu desavergonhado e depois?!' (...)

No nosso entender, o sorriso da bajuda pode ser tão enigmático como a da Giaconda...

Caro/a leitor(a): é a tua vez...Acrescenta a tua legenda à foto nº 6A.
________________

Notas do editor:

(*) 27 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19238: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LIII: As fontes e as lavadeiras de Nova Lamego

(**) Último poste da série > 31 de outubro de  2018 > Guiné 61/74 - P19151: Fotos à procura de...uma legenda (109): a GNR de ontem e de hoje, na Feira Saloia da Lourinhã, no passado dia 27 de maio de 2018... Ou os uniformes que também contam histórias... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19238: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LIII: As fontes e as lavadeiras de Nova Lamego


Guiné > Nova Lamego (ou Gabu) > Fonte de Nova Lamego... Aspeto parcial com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, com a seguinte inscrição: «Fonte da Várzea CABO (sic) 1945». Obra do tempo do governador Sarmento Rodrigues (1945-1949).

Foto (parcial) de postal ilustrada: "Nova Lamego, Guiné Portuguesa".  Colecção "Guiné Portuguesa, nº 153". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL). 

A partir de exemplar da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.

Digitalização e edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


Foto nº  1A > Fonte de Nova Lamego > Parcialmente visível o painel de azulejo português, pintado à mão, com a seguinte inscrição: «Fonte da Várzea CABO (sic) 1945». 


Foto nº 1 > Fonte de Nova Lamego, 28 de janeiro de 1968... O fotógrafo, no seu jipe, observa as lavadeiras, na véspera de completar 25 anos...


Foto nº 1B > Da inscrição no painel de azulejo (que representa um cavaleiro do Gabu)  só se lê as duas últimas letras, "ea", do topónimo "Várzea"


Foto nº 3 > Fonte de Nova Lamego, outubro de 1967


Foto nº 6 > Nova Lamego, lavadeiras, outubro de 1967


Foto nº 6A > Belíssima imagem!... Um dos mais belos sorrisos (e seios) de bajuda do Gabu, que temos aqui publicado...

Foto nº 7A > Nova Lamego, lavadeira bajuda no rio, fevereiro de 1968


Foto nº 2 A > Pormenor da lavadeira, com a sua lata, à direita, que servia para recolher a
água (. Parece ser uma lata de conservas, da manutenção militar.)


Foto nº 2 > Lavadeiras na Fonte de Nova Lamego, outubro de 1967


Guiné > Região de Gabu > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Fonte de Nova Lamego

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviado pelo Virgílio Teixeira, que vive em Vila do Conde:

Data - 16/11/2018, 13:28
Assunto - Tema T003 - As Fontes de Nova Lamego



Bom dia,  Luís,

(...) Eu vou continuando a construir 'pequenos temas' com meia dúzia de fotos, para ir enviando. Mas já temos alguns que estão desde Maio ou Junho e nunca apareceram, não sei porquê.

Gostava de saber se existem alguns temas ou fotos ou conversa, que não deva mandar, basta dizer e altero tudo num abrir e fechar de olhos.

(...) Mas para alternar, de guerra, armas, aviões, crónicas, minas, mortes etc, estou aqui eu com as minhas relíquias e os meus temas, para a malta ver as terras que não conhecem, tenho visto pedidos nesse sentido, e o tempo vai voando, sobre um ninho de cucos, e um dia isto acaba, e fica mais de metade do meu espolio por aparecer no Blogue.

Este exemplo, que volto a enviar - As Fontes - já muito falado há tempos, já foi corrigido 3 vezes desde Junho até esta data, Acho que poderia ser editado, para aliviar a malta, mas tens por aí mais, é só escolher.

Hoje é o "Dia Internacional da Tolerância". Por isso desculpa estas minhas lamentações ou o que quiserem chamar, tolerem-me estas lamechices.

Um BFS,
abraço, Virgílio


2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)

CTIG / Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:
T003 – A FONTE DE NOVA LAMEGO – GABU
AS NOSSAS LAVADEIRAS NA FONTE DE NOVA LAMEGO


I - Anotações e Introdução ao tema:


INTRODUÇÃO:

Estava a dar uma vista de olhos sobre as mais de 200 fotos de Nova Lamego. Pensei que é muita coisa para um Poste, temos de fazer coisas mais pequenas.

Observei pela primeira vez, apesar de já ter enviado estas fotos junto do Tema Nova Lamego – Parte I, a existência desta fonte, apesar de ter escrito tratar-se de uma fonte.

Como nos últimos tempos tivemos vários Postes sobre Fontes, aqui encontrei mais um para juntar aos restantes.

Na foto não se lê completamente o nome, o meu lema era fazer alguma fotografia com um fundo, neste caso o fundo foi a Fonte, mas as personagens são as lavadeiras que utilizavam aquela água para as suas lavagens, quer de roupa, quer para tomar banho.

Mas pode-se ler ainda duas letras ‘GO’ as duas últimas de Nova LameGO. Julgo que é, mas não vi lá mais nenhuma Fonte, para ali me deslocava tantas vezes para apreciar as bajudas, e ver a minha lavadeira Fátima, bonita q.b. 

[. Na realidade, a fonte chama-se ou chamava-se "Fonte da Várzea",  as letras que se vêem na foto nº 1 não são "GO" do topónimo "Lamego",  mas as duas últimas letras, "EA", do topónimo "Várzea"... Nota do editor, LG.]

Se alguém tem outras que contrariem esta imagem, pode fazê-lo, eu estou quase certo disso, embora a Fonte não fosse o meu primeiro objectivo da foto, como se pode ver.

Aproveitei para selecionar mais algumas, que têm a ver com o tema: Fonte, Lavadeira, Rio.

Espero que apreciem, tenho pena ser a preto e branco, uma delas a cores ficava bem, mas não tinha nessa altura ainda chegado às minhas mãos rolos a cores.

Obrigado, Virgílio Teixeira

II – As Legendas das fotos:

F1 – A Fonte de Nova Lamego e lavadeiras bajudas. Eu observo do Jeep. Nova Lamego,  28Jan68. No dia seguinte fiz os 25 anos de nascimento.

F2 – Grupo de lavadeiras nas águas da Fonte. Nova Lamego, Outubro 67.

F3 – Grupo de lavadeiras nas águas da Fonte. Nova Lamego, Outubro 67.

F6 – Uma bela bajuda lavadeira, até tirou o vestido para baixo, para a fotografia,   e outra mais novinha ao lado, e os seus rapazes a controlar tudo. Nova Lamego, Outubro 67.

F7 – Uma lavadeira Fula, na hora da minha despedida daquela terra, já tinha o cabelo rapado por causa da praga de piolhos. Acho que é a última daquela terra. Nova Lamego,  Fevereiro 68.

F8 - A Fonte de Nova Lamego e lavadeiras bajudas. Eu observo do jipe. Foto Original com legenda escrita na hora. Nova Lamego, 28Jan68. No dia seguinte completei os meus 25 anos (de juventude)

Em, 2018-06-18, Virgílio Teixeira

Revisto hoje novamente com alterações,

Em, 2018-09-13

Revisto hoje novamente com alterações, Em, 2018-11-16

Nota Final do Autor:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.#

Em, 2018-11-16

DIA INTERNACIONAL DA TOLERÂNCIA

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19216: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LII: Fez ontem 50 anos que o meu cmtd de batalhão, ten cor Armando Vasco de Campos Saraiva, foi gravemente ferido em combate, sendo evacuado para a metrópole... A minha homenagem à sua memória,

Guiné 61/74 - P19237: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 71: A última carta (, "de amor, ridícula"), com data de 9 de junho de 1974, escrita sem saber que a sua mâe já tinha morrido no dia 1... Foi também a única, em centenas, que nunca chegaria ao destino...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O Dino, no rio Fulacunda, junto ao "porto fluvial"

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita
, "Em Nome da Pátria"), do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita] (*):

José Claudino da Silva, chapeiro em Amarante
Quase a chegar ao fim da sua viagem pelas memórias de Fulacunda, socorrendo-se do seu "roteiro literário-sentimental", o autor evoca aqui, no capº 71,  "a última carta" que escreveu à sua Amélia, namorada e futura esposa, com data de 9 de junho de 1974, sem saber que a sua mãe tinha morrido no dia 1...

Passa por alto ou por cima de acontecimentos (coletivos) como o 25 de Abril e a retração do dispositivo das NT ou os primeiros contactos "pacíficos" com o PAIGC em Fulacunda.

Recorde-se, por outro lado  que o autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. 

O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. 


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Cap 71º


71º Capítulo > A ÚLTIMA CARTA

Estou muito perto de terminar esta partilha confidencial de emoções que guardei, sem nunca ter intenção de divulgar. Entre o drama e a comédia, tentei dar-vos uma visão dum soldado que escreveu apenas por amor, num tempo de guerra.

A partir de Março de 74, e talvez por influência da mãe e do irmão, a Amélia deixou de guardar o correio que lhe enviava. Embora eu continuasse a escrever, já não o fazia tão assiduamente. No meu mapa, não está marcado que tenha escrito, por exemplo, no dia 25 de Abril de 1974. Sei que festejei esse acontecimento em Fulacunda mas não me lembro como foi.

Ora, como é lógico, e partindo do princípio que me norteou, não quero citar nada que não possa provar. Contudo, mesmo assim, ainda consegui reaver alguma correspondência sem grande relevância,  excepto a última que escrevi.

Esta última carta tem 12 páginas que perfazem um total aproximado de 2700 palavras. Como digo, a última que escrevi na Guiné. Sendo a última, vou transcrever algumas frases, aleatoriamente:


“Fulacunda Domingo 9 de Junho de 1974.

Desejo que esta carta te encontre de boa saúde, eu não me sinto muito bem.
Ficarei bem se amanhã conseguir falar-te.
Quando a gente está na cama doente é que pensa em mais coisas.
Sofri mais nestes 24 meses na Guiné que no resto da minha vida”.


Com 2700 palavras fazem-se muitas frases, mas nesta carta quase adivinhando o que poucas horas depois iria suceder, estão também alguns desabafos e um estranho balanço amoroso.

Confio no vosso sentido de humor ao lerem o que vos ofereço e lembro-vos que as cartas de amor são sempre ridículas.

“Quando vim para aqui não queria ocultar-te nada no entanto tive de ocultar-te muitas coisas. Ataques que sofríamos e não queria que ficasses em cuidado porque na verdade passamos muitos perigos. Estou até a recordar-me de uma vez em que fui para o mato numa operação para assaltarmos um acampamento de terroristas mas que só por felicidade eles não estavam lá. Mas bem isso não te interessa.

Se tu tens razões para pensar que eu tenho outra eu quero que sejas sincera e me digas se eu tenho ou não razões para pensar que tens outro.

Primeiro: Pouco depois de eu vir para aqui num aerograma dizem-me que tens outro namorado.

Segundo: Numa visita que a minha avó fez a tua casa vê um rapaz a sair de lá.

Terceiro: Quando fui de férias e nos chateamos, logo que te deixei, ficaste pouco aborrecida o que demonstra pouco interesse.


Desculpem, mas estou confuso, não tenho o quarto motivo. Não interessa! Adiante!

Quinto: Nunca atendes-te um pedido meu com a solicitude que devias.

Sexto: As cartas que me escrevias e muito mais os aéros, chegavam a ter três semanas de atraso e mais, sem que te preocupasses com isso.

Sétimo: Em 24 meses recebi cinco fotografias e isto porque te supliquei quase sempre que as mandasses.

Oitavo: Tu não respondias em condições às minhas cartas mostrando dessa maneira um total desinteresse por aquilo que te mandava.

Ainda teria muito mais coisas para te dizer…”


Francamente!... A guerra colonial, comparada com a minha guerra amorosa, ficou nitidamente a perder.

Atenção! Na quinta página ainda afirmo que esta ingrata me vai pagar com juros. Pois, mas na sexta página, depois de dizer que ela até havia de morrer, digo:

“Tens beijos de fogo que me acendem o coração.

Vou dormir e nem quero sonhar contigo.

Já dormi e fui ver se a chamada que marquei para falar contigo pode ser feita. Por acaso pode por isso amanhã às 14H30, quatro horas e meia da tarde aí na Metrópole vou tentar mais uma vez falar-te”.


Esta última carta devia ser a única a não chegar ao destino. Nas páginas 9 e 10 escrevi a história da Bela Adormecida. Na página 11 tem um poema da minha autoria, para ser cantado na música de Gianni Morandi “Non son degno di te”[1964] [Vd. vídeo no You Tube, disponível aqui, com legendas em português do Brasil]

Ultimo parágrafo:

“Havias de ter os lábios gelados quando beijares outro que não fosse eu, havias até de te transformar numa estátua de gelo”.

“Dino”


Acham que foram as bombas, os tiros, em suma, a guerra… que me fizeram sofrer mais?

(Continua)

3. Nota detalhada dobre o autor e sinopse dos postes anteriores [vd. aqui]
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