segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20137: Notas de leitura (1216): “Por uma reinvenção da governabilidade e do equilíbrio do poder na Guiné-Bissau”, por Luís Barbosa Vicente; Edições Corubal, 2014 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Luís Barbosa Vicente é um guineense que trabalha em Portugal, mantém-se atento à sua pátria e propõe mudanças: instituições respeitáveis, um poder dotado de boa governança, formações partidárias cônscias dos interesses nacionais. Fala dos problemas de unidade, do imperativo dos consensos, da exigências na maleabilidade em governar no mosaico interétnico, que é iniludível, propõe medidas para gerar independência nacional na economia, um setor privado mais empreendedor, uma sociedade civil mais participativa, dá sugestões para um modelo de desenvolvimento.
Aqui se responde a este entusiasmo: o coração do problema é ideológico-político, há falta de clareza, há interesses contraditórios, há ambições desmedidas, falta integridade, ou seja, faltam líderes capazes. Não basta citar Amílcar Cabral, há que o estudar reatualizando o seu pensamento no tempo que passa. Adiar é agravar. É esta a minha modestíssima opinião.

Um abraço do
Mário


Sugestões para governar bem e para todos na Guiné-Bissau

Beja Santos

De Luís Barbosa Vicente já aqui se fez detalhada referência a um livro publicado em Outubro de 2016, na Chiado Editora, “Guiné-Bissau, das contradições políticas aos desafios do futuro”. Em 2014, Luís Barbosa Vicente, no rescaldo das eleições ganhas por José Maria Vaz, publicou “Por uma reinvenção da governabilidade e do equilíbrio do poder na Guiné-Bissau”, Edições Corubal, 2014. É incontestável o empenhamento e a boa vontade deste guineense que é hoje Técnico Superior de Economia, Gestão e Finanças do quadro dirigente da Câmara Municipal do Rio Maior, além de ser professor universitário e associativista sem desfalecimentos.

A sua obra de 2014 aponta para cinco direções: o problema ideológico e os consensos políticos que são indispensáveis para governar bem a Guiné-Bissau; um olhar sobre a forma de governar com profundo respeito pelo poder local e a cidadania; encontrar uma nova lógica de medidas de política que permitam forjar um modelo económico ao serviço da sociedade guineense; repensar a cidadania, acolher a juventude, tirar partido da sociedade digital; saber planear, formar e qualificar para que o processo de desenvolvimento aponte para o longo prazo.

O autor procura refletir sobre as falhas da natureza do estado, antes e depois do processo pluripartidário encetado em 1991. Temo que se continue a passar à margem sobre uma questão essencial, mais atual do que nunca: quem compõe, quais os graus de motivações e de preparação dos quadros políticos das principais forças partidárias, com realce para o PAIGC e o PRS. É verdade o que diz o autor, tem força universal: “O país carece de reformas profundas, nutridas de valores inalienáveis, assumidos por homens e mulheres de bem, com caráter, que respeitem o seu semelhante, a sociedade, o povo e o bem público, em todas as esferas da vida nacional”. Como em tudo na vida, o exemplo vem da liderança, do rigor e equidistância com que pratica o poder, sem ligações à esfera económica ou a interesses manifestamente incompatíveis com as funções que se exercem em órgãos de soberania. Um primeiro-ministro só pode exercer o seu cargo fora da área de interesses que tinha na sua vida privada, não se pode aproveitar do carro para benefício próprio, da família, do clã, do partido. Juízes, deputados, funcionários da administração, todos os titulares de cargos públicos têm que mostrar estar contra o clientelismo ou a corrupção. São questões que não se resolvem por decreto, têm a ver com a essência dos programas partidários, dos princípios que regem a vida dos políticos e o exemplo que dão. A corrupção não é erradicável quando os funcionários estão sem receber ao longo dos meses, não tendo dinheiro para os encargos familiares, esses funcionários corrompem-se. São os partidos os espelhos da sociedade civil. Basta ler os relatórios da liga guineense dos direitos humanos para aferir a má qualidade do exercício da atividade política, como esta ainda está dominada pelo vírus do revanchismo e da atração tribal. Percebe-se a intenção do autor invocando o pensamento de Cabral. Mas não chega, as proposituras passam pelo reconhecimento do diagnóstico, pelas manifestações do que se pretende alterar e da sua prática. A unidade e luta por que explanava Cabral, o modo como procurava educar os combatentes do PAIGC e moldá-los com um espírito revolucionário, é hoje pouco aplicável, tem que se mostrar, ao nível das principais forças político-partidárias, uma gestão que repudie a promiscuidade e o amiguismo, as instituições do poder, os órgãos de soberania, têm que se expor com a maior dignidade, respeito, responsabilidade e solidariedade. Essa mudança, a prazo, acarreta novas práticas de cidadania, uma saudável liberdade de expressão, uma boa imagem para o exterior e confiança para o investimento e ajuda internacional.

Só com esta mudança é que o poder poderá governar com acatamento popular, chegar aos lugares mais recônditos; só com uma administração preparada, com quadros e auxiliares qualificados e imunes à corrupção, é que se pode avançar para sustentáveis projetos de desenvolvimento.

O exemplo escolhido, pelo autor para o que devia ser uma auspiciosa boa governação é o IX Governo Constitucional, liderado por Domingos Simões Pereira e que integrava vários partidos da oposição. O conflito institucional revelou-se insanável, o PAIGC mostrou não dispor de uma linha estratégica suscetível de repor a ordem e o diálogo entre as instituições: baixou os braços, permitiu as cenas carnavalescas dos deputados dissidentes, espatifou-se uma excelente oportunidade de amplos consensos num governo que parecia ser a imagem da respeitabilidade e da integridade. Não o foi.

E assim se passou para um impasse que ainda não está resolvido. Não há pois condições de pôr de pé as reformas que Luís Barbosa Vicente sugere: para a produção de arroz, para o reequilíbrio da balança comercial, para uma gestão dinâmica no setor das pescas, para pôr de pé ou abandonar para todo o sempre a construção do Porto de Buba, para promover mais turismo graças aos recursos extraordinários que a Guiné oferece, e sem as garantias de um maciço apoio estrangeiro é impossível falar-se em sociedade digital, uma melhor formação da juventude, e não há matriz possível para o modelo de desenvolvimento. E permanecerão as ameaças: na saúde, na exploração selvática de recursos, que podem ser areias pesadas de Varela ou a exportação de troncos da madeira devastando a floresta guineense sem projetos de regeneração, por exemplo.

Tudo isto para dizer que a esperança e o entusiasmo do autor embatem na autocontemplação de uma classe política caprichosa, impreparada e onde as formações partidárias se revelam incapazes de travar as ambições de muitos dos seus membros que querem fazer riqueza e depois partir. É, pois, a questão ideológica/política que está no coração do problema. O povo, um tanto descrente, procura governar-se com as instituições disponíveis nas sociedades rurais. Segundo muitos autores, há muitíssimos séculos que as coisas se passam assim…
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20127: Notas de leitura (1215): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (22) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20136: Agenda cultural (700): Convite para a sessão de autógrafos do livro "A Minha Guerra a Petróleo", da autoria de António José Pereira da Costa, dia 13 de Setembro de 2019, pelas 14h00, na Feira do Livro do Porto patente nos Jardins do Palácio de Cristal (António José Pereira da Costa)

C O N V I T E

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS

"A MINHA GUERRA A PETRÓLEO"

ANTÓNIO JOSÉ PEREIRA DA COSTA

FEIRA DO LIVRO DO PORTO

JARDINS DO PALÁCIO DE CRISTAL

DIA 13 DE SETEMBRO ÀS 14 HORAS




1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), datada de 7 de Setembro de 2019:

Boa tarde 
Informo que no próximo dia 13 (sexta-feira) pelas 14 horas (pavilhões 72 e 73) estarei nos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto, a promover "A Minha Guerra a Petróleo". 

Espero grande mobilização entre os ex-combatentes e não só, de modo a que o acontecimento se torne verdadeiramente memorável. 

Comprem o meu livro! É bom e barato. 
António Costa
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Nota do editor:

Último poste da série de 5 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20125: Agenda cultural (699): Convite para a sessão de autógrafos do livro Memórias Boas da Minha Guerra - Volume III, da autoria de José Ferreira, dia 11 de Setembro de 2019, pelas 18h00, na Feira do Livro do Porto patente nos Jardins do Palácio de Cristal (José Ferreira da Silva)

Guiné 61/74 - P20135: Controvérsias (134): os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, em 1 de novembro de 1965: a memória das vítimas e o risco de falsificação da história... Excertos de reportagem do jornal "O Democrata", Bissau, 13/11/2014


Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 2015 > Memorial e largo Mártires do Terrorismo >  Alguns dos sobreviventes do massacre de Morocunda (ou Morcunda), em 1 de novembro de 1965. Foto de Armando Conte, um dos organizadores da homenagem às vítimas. Cortesia de TV Guiné-Bissau (*)


1. Parece que ainda há, na Guiné-Bissau, e em especial em Farim, quem pense, mais de meio século depois, que os trágicos acontecimentos do dia 1 de novembro de 1965, em Morocunda, Farim (**), foram provocados pelos "colonialistas portugueses"... 

Nessa noite teria havido "uma série de rumores que indicavam que um avião militar 'Dakota' (sic) iria efetuar uma rusga para perseguir e consequentemente prender pessoas nos bairros de Morcunda, Nema, Sintcham, Gã-sapo e Praça." (**)

Consequentemente, "o massacre de Farim" terá resultado de um "bombardeamento", indiscriminado, efetuado por um Dakota (!)... Indiscriminado, não, digamos... cirúrgico!... As vítimas, sobretudo mulheres e crianças, terão sido apanhadas "no meio da dança do 'Djamdadon' uma das manifestações culturais da etnia Mandinga"... Mas também houve, entre os militares presentes, um ferido grave e vários feridos ligeiros..., o que é omitido na reportagem do jornal 'O Democrata'.

Alguns dos sobreviventes, entrevistados em 2014 pelo jornal 'O Democrata' (**), admitem honestamente que são incapazes de atribuir responsabilidades ao PAIGC ou aos "colonialistas"... O próprio jornalista [,Filomeno Sambú,] reconhece que até agora [, 2015,] não há informações concretas sobre a verdadeira origem do ataque. 

Mas outros são perentórios: "Sobreviventes ilesos e testemunhas reclamam que se tratou de um ato bárbaro e premeditado perpetrado pelos colonialistas portugueses devido às perseguições contra certas pessoas ligadas ao partido PAIGC. (...) Ao mesmo tempo {que] pedem a intervenção do Governo guineense junto de Portugal para indemnizar todas as vítimas do atentado que ceifou as vidas de dezenas de pessoas e cerca de cem feridos."

Há óbvias contradições nos depoimentos: Malam Sané, um dos sobreviventes, diz que "depois do bombardeamento, na mesma noite do dia 1 de novembro, o primeiro grupo dos feridos foi evacuado de imediato para Bissau num avião" [, avião esse que sabemos que foi um Dakota, a única aeronave da FAP que estava em condições de voar à noite]. A explosão do engenho, lançado para a fogueira, terá sido tão violenta que algumas testemunhas tê-la confundida com a de um "bombardeamento aéreo"..., o que nos parece totalmente inverosímil. O 'Dakota', o avião de transporte (e não propriamente um "bombardeiro"),  que aterrou nessa noite em Farim, veio fazer as evacuações dos feridos mais graves... Na memória de alguns sobreviventes, na altura crianças, poderá ter ficado a imagem aterradora de um Dakota que provavelmente nunca tinha visto antes, muito menos à noite...

Naturalmente  também temos sérias reservas em relação à versão "oficiosa" dada na altura pelas autoridades portuguesas, neste caso o comando do BART 733 (***)... Bom seria que, ainda hoje, passados estes anos todos, o exército português fizesse uma investigação independente ao ocorrido em 1 de novembro de 1965. Alguns camaradas nossos, como o António Bastos e o Virgínio Briote, estavam lá, em Farim, nesse fatídico dia, mas não exatamente em Morocunha (antigo bairro, afastado do centro da vila).

O segundo grupo de feridos, onde se incluía Malam Sané, foi evacuado "de Farim em direção a Bissau às 8 horas do dia seguinte".

Que foi um ato de terrorismo, hediondo, foi, estamos todos de acordo. Perpetrado por quem, não sabemos. O PAIGC nunca o reivindicou. AS NT, por sua turno, acusam elementos locais,  como o comerciante Julio Lopes Pereira, de estarem por detrás deste atentado, que vitimou sobretudo mulheres e crianças, vítimas inocentes.

2. Aqui vão alguns excertos da reportagem de Filomeno Sambú (**), com a devida vénia:

(...) Depois de quarenta e nove (49) anos do Massacre de Morcunda, uma tabanca situada nos arredores da cidade de Farim, no norte do país, um grupo de pessoas decidiu trazer à memória os acontecimentos ocorridos a 1 de novembro de 1965 com registros de mais de trinta vítimas mortais e cerca de cem feridos, na sua maioria mulheres e crianças.


Na cerimónia de homenagem às vítimas deste bombardeamento de 1965, foi depositada uma coroa de flores em memória dos falecidos. O Governo central, a administração local e os deputados da nação eleitos em Farim nas últimas eleições legislativas de abril fizeram-se representar na cerimónia.


Segundo informações de testemunhas, o atentado que matou civis inocentes, aconteceu à noite, no meio da dança do “Djamdadon”, uma das manifestações culturais da etnia Mandinga.



A dança ocorria ao ritmo de sons de tambores tocados pelos “Djidius” com a multidão à volta do local. Dados recolhidos no terreno pelo Jornal 'O Democrata' revelaram ainda que o número das vítimas poderá não ter sido o que consta dos documentos coloniais [27 mortos e 70 feridos graves, todos civos, mais um ferido grave entre os militares portugueses] .

Depois do bombardeamento houve pessoas que tentaram resistir aos ferimentos, mas acabariam por morrer, ficando fora dos dados oficiais disponíveis nos boletins de informações coloniais.



A equipa de 'O Democrata' que se deslocou a cidade de Farim,  viu o local e pôde ainda constatar a tristeza e as lágrimas a caírem dos olhos de crianças depois de vários depoimentos de testemunhas ainda em vida. Este facto revela que o que aconteceu foi muito doloroso e que ainda abala a memória dos cidadãos daquela terra.



Os organizadores pretendem que no futuro a iniciativa seja institucionalizada como dia de Farim, porquanto é um dos maiores massacres da história do povo local.



Malam Sané, um dos sobreviventes do ataque, recorda de 1 de novembro de 1965 com muita tristeza e mágoa. O sobrevivente disse que estava inconsciente e que apenas se lembra dos momentos ocorridos antes do ataque.



Depois do Bombardeamento, na mesma noite do dia 1 de novembro, o primeiro grupo dos feridos foi evacuado de imediato para Bissau num avião [, um Dakota}. A segunda equipa que incluía Malam Sané saiu de Farim em direção a Bissau às 8 horas do dia seguinte.



Malam Sané informou ainda que antes do rebentamento, estava ainda em casa com a sua mãe e que de repente chegaram-lhes uma série de rumores que indicavam que um avião militar 'Dakota' iria efetuar uma rusga para perseguir e consequentemente prender pessoas nos bairros de Morcunda, Nema, Sintcham, Gã-Sapo e Praça.


Mas sobretudo Gã-Sapo e Praça, não especificando contudo as razões porque os dois últimos bairros foram sublinhados. Poucas horas depois de chegar no local, por volta das 22 horas, aconteceu o ataque que vitimou civis inocentes e feriu perto de cem pessoas, explicou Malam Sane com lágrimas nos olhos: “não posso prosseguir, chega” – concluiu.

Sadjo, também uma das sobreviventes do atentado, conta a sua versão na primeira pessoa. Disse que foi atingida por um estilhaço de granada que lhe cortou a barriga e que, em consequência dos ferimentos, não conseguiu comer nem beber água durante um mês. E enquanto recuperava desses ferimentos foi ajudada por médicos que administraram um soro. “Até agora padeço de dores devido aos ferimentos na barriga. Não consigo fazer nada nem jejuar”, notou a vítima.

Ela fez parte do primeiro grupo evacuado para Bissau. Referiu que depois da detonação que ouviu, nada mais soube e não pode avançar com explicações se foi algo preparado internamente ou pelos colonialistas, porque “estava no ponto da morte”, assinalou.


Armando Conté, um dos membros da organização [da cerimónia de homenagem aos 'mártires do terrorismo'], referiu que o motivo fundamental da comemoração do dia é solidarizar-se com todas vítimas e também informar as pessoas que não tinham nascido, quando o triste acontecimento sucedeu em Farim, para poderem se informar daquilo que realmente se passou no sítio do monumento. ainda em construção.


Lembra que é um primeiro passo apenas para que agora em 2015, quando se completam 50 anos, que o Governo central declare o dia 1 de novembro, curiosamente dia dos fiéis defuntos, como um dia de “ reflexão de Farim”, referiu.

“Penso que o Governo vai estar na posição de nos ver, ouvir e dar a voz a quem não tem voz. Acredito que esse ato vai ser o princípio de muitas coisas que virão para Farim e com a iminência da exploração do fosfato local”, disse.

Armando Conté disse ainda que, em 2015, a organização está construindo um monumento com nomes de todas as vítimas, para que sirva de informação aos mais novos e as gerações vindouras.

Entretanto, até agora não há informações concretas sobre a verdadeira origem do ataque. Vítimas sobreviventes do atentado dizem desconhecerem por completo a proveniência desse bombardeamento e os seus motivos específicos.

Sobreviventes ilesos e testemunhas reclamam que se tratou de um ato bárbaro e premeditado perpetrado pelos colonialistas portugueses devido às perseguições contra certas pessoas ligadas ao partido PAIGC.

As vozes que se levantaram agora atribuem o ataque aos portugueses. Ao mesmo tempo pedem a intervenção do Governo guineense junto de Portugal para indemnizar todas as vítimas do atentado que ceifou as vidas de dezenas de pessoas e cerca de cem feridos.

O registo do atentado está nas duas páginas deste livro [, história da unidade, BART 733 ?] que 'O Democrata' conseguiu fotografar, com a solidariedade de um dos elementos da equipa de reportagem da RTP-África em Bissau. (...)

[Essas imagens das supracitadas páginas não constam da edição eletrónica desta reportagem, de que reproduzimos o essencial. LG]
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Notas do editor:

(*) TV Guiné-Bissau > Memória: Farim e o massacre de 1965. Reprodução de texto de Filomeno Sambu, jornal "O Democrata", 13/11/2014

(**) Vd. O Democrata, Guiné-Bissau > 13/11/2014 > Filomeno Sambú > Reportagem: Farim recorda o massacre de 1965 com mágoa.


Guiné 61/74 - P20134: Parabéns a você (1680): Filomena Sampaio, amiga Grã-Tabanqueira de Guimarães e Raul Manuel Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 2.ª CART/BART 6522 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20131: Parabéns a você (1679): Alberto Grácio, ex-Alf Mil Op Esp do BCAÇ 4615/73 (Guiné, 1973/74) e Carlos Alberto Fraga, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74)

domingo, 8 de setembro de 2019

Guné 61/74 - P20133: Em bom português nos entendemos (23): Morocunda, topónimo mandinga = Moro (o que se converteu ao islamismo) + Cunda (localidade ou habitação) (Cherno Baldé)

1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P20130 (*)

Um pouco de história e etnografia da Guiné e/ou da Senegâmbia:

Morcunda, Morocunda ou Moricunda é a designação em mandinga, do Bairro ou localidade (assentamento) de mandingas de confissão muçulmana, assim como Fulacunda significa assentamento de Fulas, na mesma lingua. 


Estas terminologias teriam sua origem no império de Kaabu ou Gabu, em meados do séc. XIX, com o aparecimento das guerras santas [Jiade] e dos primeiros reinos teocráticos fundados por marabus fulas e saracolés no território do actual Senegal, Mali e Guiné-Conacri.

O prefixo Moro ou Mori faz referência aquele que deixou a religião tradicional dos soninquês (idólatras) e se converteu à religião dos Mouros ou Maures (Mauritanos e Marroquinos) e aprendeu alguns versículos corânicos e sua escrita em Árabe.

Cunda, como se pode notar nos topónimos de muitas aldeias da Guiné [Bajocunda, Cancunda, Colicunda, Faracunda, Fulacunda, Iracunda, Massacunda, Sissaucunda, Tienecunda ...], significa localidade ou habitação em Mandinga.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves

(**) Último poste da série >  15 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19981: Em bom português nos entendemos (22): nas grandes ocasiões, como o nosso léxico pode ser tão.. pequeno!

Guiné 61/74 - P20132: Blogpoesia (635): "Custe o que custar...", "Gravitando no espaço..." e "Deixei-me levar pela maresia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Custe o que custar...

A sorte nos abençoou com a dita de nascer.
Nossa meta é ser feliz.
Viver em plenitude. Apesar dos momentos mais sombrios.
Levantar as vezes que for preciso.
Mas se precisa de ajuda.
Há capelinhas e ermidas pelo caminho onde me posso ajoelhar.
O destino é para além.
O que importa é lá chegar.
Não há outra razão de ser.
Só fica pelo caminho quem deixe de sonhar...

Café Castelão, 6 de Setembro de 2019
9h58m
Ouvindo Mozart - Concerto no 23 in A major k 488 - Daniil Trifonov and the Israel Camerata Orchestra
Jlmg

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Gravitando no espaço...

Asa perdida, sem leme, meu ser gravita com fome no espaço.
Sem eira nem beira, cerca a terra de laços e voltas.
Dormita de noite.
Refulge de brilho ao sol.
Vezes sem conta, se põe ao relento, mirando as estrelas e astros.
Que belo saber que tudo é obra do Ser que me quer como filho e herdeiro do mundo...

Mafra, 5 de Setembro de 2019
14h53m
Jlmg

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Deixei-me levar pela maresia

Vesti meu corpo de espuma branca.
Salto as ondas do mar como um cavalo.
Abracei o mundo
Fujo de afogar meu ser no mar da sedução.
Minha meta é o além.
Tantas nuvens espessas mo escondem.
Me entrego cegamente à força que me segura e orienta.
Estou certo.
Vou chegar seguro ao porto para onde vou.

Mafra, 27 de Agosto de 2019,
7h47
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20113: Blogpoesia (634): "Clique!", "Âncora" e "O fluir das horas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20131: Parabéns a você (1679): Alberto Grácio, ex-Alf Mil Op Esp do BCAÇ 4615/73 (Guiné, 1973/74) e Carlos Alberto Fraga, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 5 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20123: Parabéns a você (1678): José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

sábado, 7 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves


Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954)  > Escala de 1/50 mil > Posição de Morocunda, bairro de Farim.



Guiné- Bissau > Região de Oio > Farim > Março de 2008 > Cádi ou Cati, uma sobrevivente dos trágicos acontecimentos de 1 de novembro de 1965. O António Paulo Bastos conheceu-a, ma Missão Católica, na altura da sua 3ª viagem à Guiné-Bissau.

Fotos (e legenda): © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Excerto de relatório sobre o período de 1 a 30 de novembro de 1965,  inserido na história do BART 733, Bissau e Farim, 1964/66). Cortesia do nosso camarada e grã-tabanquerio António Paulo Bastos,
ex-1º Cabo do Pelotão de Caçadores 953 (Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66) (*).

1.  Ainda está envolta em controvérsia a responsabilidade material e moral dos trágicos acontecimentos de 1 de novembro de 1965, em Morocunda [e não Morucunda...], nas imediações de Farim (**), aqui relatados em primeira mão pelo António Bastos, em 2009, em 3 postes (*) mas já referidos antes pelo Virgínio Briote (***)... 

Só conhecemos a versão da PIDE e do BART 733,  atribuindo a responsabilidade do atentado a "elementos subversivos"... Tanto quanto sabemos, o PAIGC nunca reivindicou a autoria deste horrendo atentado, que teve um balanço trágico, segundo o documento acima reproduzido: 27 mortos e 70 feridos graves, além de feridos ligeiros, entre a população civil; um ferido grave, entre as NT. 


(i) Poste P5203, de 3 de novembro de 2009:

CARNIFICINA EM FARIM

1 de Novembro de 1965

Camaradas,

No passado dia 1 [de novembro de 2009]  completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morocunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora atualmente em Farim e, em março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias.

Como tudo aconteceu: eu pertencia ao Pelotão Caçadores 953 e estava nesse dia de passagem por Farim, a caminho de Canjambari. No momento da explosão,  eu estava junto à porta da caserna do pelotão de morteiros. Logo de seguida, começaram a passar viaturas com corpos em cima, a caminho das enfermarias civil e militar.


A maioria das vítimas eram crianças e, entre elas,  estava a Cáti. Foi chamado um Dakota e recorreu-se à iluminação da pista de aterragem, com os faróis das viaturas, para se evacuar aquela gente toda.

Agora, passados estes anos, fui encontrar uma das sobreviventes e, como não podia deixar de ser, estivemos a falar do assunto, tendo ela permitido que eu obtivesse as 2 fotos do seu cicatrizado corpo. (...)

(ii) Poste P7205, de 1 de novembro de 2010:

 (...) Neste fatídico Dia 1 de novembro de 1965, pelas 21:30, horas estava eu de passagem por Farim esperando transporte para Canjambari, quando se dá um rebentamento no Bairro da Morocunda em Farim que causou a morte a 27 pessoas, 70 feridos graves e vários ligeiros, todos civis. As NT sofreram 1 ferido grave e um ligeiro.

O engenho, duas granadas reforçadas com explosivos, pregos e lâminas, foi lançado para o meio do batuque onde era suposto estar muita tropa, o que não aconteceu, porque se tinha feito uma operação e o pessoal estava ainda a descansar.

Pela primeira vez na Guiné um Dakota levantou de noite para proceder à evacuação dos feridos.

No dia seguinte já se encontravam presos na 1.ª Companhia de Caçadores em Nema (Farim), 60 indivíduos entre eles: Pedro Mendes Fernandes, Bernardo da Cunha, Raul Teixeira Barbosa, José Maria Jonet, Dionísio Dias Monteiro, Pedro Tertuliano, Dionísio da Silva Pires (este empregado dos CTT)  e muitos mais, todos empregados das repartições públicas e casas comerciais.

As prisões foram feitas pelo agente da Pide, de nome Prodízio e militares da CCS do BART 733. (...)



(...) No relatório falam de um agente da PIDE. O seu nome era Prodísio (nunca mais me esqueci) e, em conversa com a Cáti (ou Cádi,  não me lembro exactamente), ela confirmou-me que, depois de recuperada dos graves ferimentos que sofreu, regressou a Farim, tendo sido empregada na casa dele.
No mês de narço de 2008, ao passear com a Cáti em Farim, ela disse-me onde tinha morado o tal PIDE e onde trabalhava.

Sobre relatórios, tenho em meu poder, ainda, os do BART 733 e do BCAV 490, pois foram os batalhões onde estive adido. (...)


Em 2007, o Virgínio Briote já se te tinha referido a este ato de terrorismo,  citando o testemunho de um preso político entrevistado pela historiógrafa Dalila Cabrita Mateus (**): Pedro Pinto Pereira, nascido em Bissau, em 1926, preso e desterrado para São Nicolau, Angola (1966-1969), libertado no tempo do Spínola. Será mais tarde preso depois da independência da Guiné-Bissau, acusado de colaboracionismo.

O Virgínio Briote também estava lá nessa altura, em Farim (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


4 de novembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)

(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente,

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a certeza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população? Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965. (...)

(...) Nota da historiadora: Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar, afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

Guiné 61/74 - P20129: O nosso livro de visitas (202): O nosso amigo e grã-tabanqueiro, Nelson Herbert Lopes, dos EUA, a "partir mantenhas" e a pedir informações sobre postes relativos aos trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965 (Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Herbert Lopes [, jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America; tem mais de meia centena de referências no nosso blogue]: 

Data - segunda, 19/08, 20:28

Assunto - Só pra falar Mantenha!

 Luís e Carlos:

Antes de mais para saber de notícias dos meus amigos... pelo que faço votos, desde já, que estejam ambos desfrutando de uma boa saúde.

Mas, é também propósito deste email recorrer a um préstimo vosso... o aceder aos postes do blogue referentes às mortes/ataques/acontecimentos registados em 1965 na Tabanca de Morkunda [, Morocunda,] em Farim.

 Li no blog, e já faz tempo, alguns postes alusivos ao acontecido. E como voltar a aceder a esses “postados” ?

 Um abraço aos dois.

Nelson Herbert Lopes

 PS - Luís, a esta hora quem sabe os nossos “Mais Velhos” já tenham se encontrado lá no Céu e a “rememorar” as peripécias e experiência de ambos na ida década 40 do século passado como integrantes da força expedicionária portuguesa em São Vicente, Cabo Verde. E que meu pai faleceu em Dezembro último (2018) em Cabo Verde, tendo sido sepultado no seu Mindelo Natal. Mantenhas e um rijo abraço aos “Tabanqueiros”... da nossa, porque minha também, Tabanca Grande.


2. Resposta do nosso coeditor Carlos Vinhal:

Caro Nelson Herbert:

Não sei se o Luís já lhe deu resposta. Em todo o caso aqui está a minha ajuda. Pode aceder à informação que pretende através do descritor Morocunda [, um bairro de Farim, na altura, em 1965].

 Quem fala dessa tragédia é o António Bastos (**).

Lembro que ao navegar na página, encontrará no rodapé ao lado direito, uma ligação para os posts (mensagens) mais antigos. Fará sempre isso até receber a informação de voltar à página inicial.
Com respeito à saúde, tudo bem, tirando um ou outro sobressalto próprio da "septuagenidade". Obrigado pelo cuidado.
Esperando que esteja tudo bem consigo, deixo-lhe um abraço em meu nome pessoal e do resto da malta que ainda sobrevive por aqui. (***)

(**) Vd. postes de:


Guiné 61/74 - P20128: Os nossos seres, saberes e lazeres (353): Casa da Cerca: a mais bela vista de Lisboa, na outra margem do Tejo (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2019:

Queridos amigos,
À frente deste espantoso projeto esteve uma figura cimeira das Artes Plásticas, Rogério Ribeiro, tive o privilégio de o entrevistar para a colaboração que mantive durante 28 anos no Jornal de Notícias, vi nascer o esplêndido acervo com centenas de obras de arte e alguns dos nomes mais importantes da Arte Contemporânea Portuguesa, aqui tiveram lugar exposições de altíssima qualidade, vi nascer o Jardim Botânico, o Chão das Artes, que tem como missão a exploração da ligação entre a arte e a ciência, possui uma coleção de plantas cujos componentes vegetais são matéria-prima para o fabrico de materiais utilizados na prática artística. E o serviço educativo anda sempre numa dobadoura. O que aqui não fica dito nem mostrado é que a Casa da Cerca tem uma vista esplendorosa, como iremos depois mostrar.

Um abraço do
Mário


Casa da Cerca: a mais bela vista de Lisboa, na outra margem do Tejo (1)

Beja Santos

Regressar à Casa da Cerca, no Almada Velho, é um renovado prazer. O edifício está construído com arenito da arriba fóssil da zona, o corpo mais antigo é frontal ao Tejo e a Lisboa, tem séculos com remodelações à mistura. Conheceu diferentes proprietários, esteve muito ligada à família Teotónio Pereira, Pedro Teotónio Pereira, figura grada do Estado Novo, imprimiu-lhe várias remodelações, mas nunca chegou a habitá-la. Em 1974, o Hospital de Almada ocupou a casa e em 1983 iniciaram-se obras de transformação para um empreendimento turístico, a autarquia não aceitou e comprou em 1988 a propriedade. Iniciava-se a vida do Centro de Arte Contemporânea, artes plásticas centradas no desenho, era esse o projeto do seu primeiro diretor, o pintor Rogério Ribeiro, o projeto inicial previa que aqui se exibisse o acervo artístico municipal bem como doações. A Casa da Cerca abriu em 1993 com a exposição dedicada ao desenho de Amadeo de Souza-Cardoso. Para comemorar o primeiro quarto de século, à Casa da Cerca regressou Amadeo, acompanhado de alguns contemporâneos, como vamos ver.




Como se escreve no desdobrável oferecido ao visitante: “Para trazer Amadeo de volta à Casa da Cerca, escolhemos um livro ilustrado intitulado ‘Gustave Flaubert – La Légende de Saint Julien L’Hospitalier’, o qual parte de um conto homónimo do escritor francês. Flaubert, que foi um dos percursores do modernismo, inspira Amadeo, um pioneiro das vanguardas do início do século XX. Um século depois desafiámos dois artistas e um poeta a responder ao livro de Amadeo. Ana Jotta, Jorge Queiroz e Matilde Campilho iniciaram um diálogo criativo e estimulante com o passado. Sobem-se as escadas e começa a nossa conversa com Amadeo.


Em 1912, na Bretanha, Amadeo cria um livro de artista no qual copia integralmente e ilustra o conto “A Lenda de São Julião Hospitaleiro” de Flaubert. Transformando a escrita num poema visual, este livro-objeto exemplifica as linhas fundamentais da estética deste artista e é paradigmático de uma afinada modernidade vanguardista que vai desde o cubismo, passando pelo futurismo, até à abstração, ao mesmo tempo que evoca os copistas medievais. Na impossibilidade de permitir a cada visitante folhear este livro, quis-se transformar o exercício individual e privado de leitura numa experiência coletiva física de habitar um livro, propondo que cada um navegue por entre as suas páginas.




Jorge Silva, curador da exposição A Luta Continua! – 140 anos de Ilustração Portuguesa, afirma que “esta mostra sintética passeia por 140 anos de artes visuais portuguesas, acompanhando o afiado realismo oitocentista à volta dos deserdados da fortuna, e surpreende o reverso do brilho corrupto dos anos vinte”. É uma mostra preciosa de grandes mestres da ilustração. Se o leitor visitar em breve a Casa da Cerca será sempre surpreendido pela variedade de exposições que se espalham pela Galeria Principal, pela Capela, pela Galeria do Pátio, pelo Átrio de Receção, podendo ir até ao Parque de Escultura e mesmo àquilo que se chama o Chão das Artes, um mundo floral que intervém na elaboração dos materiais com que se faz a arte. Não nos esqueçamos que o acervo da Casa da Cerca é bem rico, quem quer estudar tem um centro de documentação e investigação, a Casa da Cerca dispõe de serviço educativo e todos os anos faz gala em organizar a Festa da Casa da Cerca, várias horas de atividades inteiramente gratuitas e destinadas aos mais diversos públicos. Aliás, a entrada na Casa da Cerca é gratuita.





(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20048: Os nossos seres, saberes e lazeres (347): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (9) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20127: Notas de leitura (1215): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (22) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
O bardo continua na ilha do Como, chora amargamente os camaradas que partiram e que ficarão no cemitério de Bissau. É o momento propício para dar um pano de fundo da Frente Norte, já se falou de Mansabá e Bissorã, a seguir à batalha do Como o destino será Farim, importa esclarecer o que na região aconteceu ao longo de 1963, aí se passarão muitas coisas que o bardo a seguir irá contar.
Feitas as contas, a batalha do Como assegurou uma retirada estratégica dos elementos do PAIGC, não podiam resistir ao potencial de fogo e à capacidade ofensiva das forças portuguesas. Só que o Como acabou por deixar de ter interesse estratégico, o PAIGC ganhou posições no Sul muito mais influentes. O mesmo PAIGC que usou o Como como arma de arremesso propagandístico, mentiu até dizer basta.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (22)

Beja Santos

“Ao virem para o Ultramar
seus paizinhos abraçaram.
Grande azar os perseguia,
ao Continente não voltaram.

O 820 falou
pouco antes de morrer
dizendo: - “é má de vencer
a força que nos enfrentou”.
Com coragem rastejou,
para conseguir escapar.
Ele e o 311 com azar
levaram muita rajada,
tinham a vida determinada
ao virem para o Ultramar.

Acabaram sua lida.
Aqui a lutar na guerra
ficaram debaixo da terra
tão longe da família querida.
Já não gozam mais na vida,
a mocidade deixaram,
pela nossa Pátria lutaram
com prazer e com orgulho.
Em 63, no mês de Julho
seus paizinhos abraçaram.

Ao abraçarem seus pais
foi uma coisa amargurada.
Na hora da abalada
deram suspiros e ais.
Já não tornam a ver mais
quem os trouxe à luz do dia.
Foi tão grande a agonia
quando este caso se deu.
Pinto e o condutor: morreu
grande azar os perseguia.

Na Província da Guiné
foi este acidente passado,
o condutor era Soldado
e o 1.º Cabo Henrique José.
Foi na mata de Uncomené,
que as amarguras passaram.
Para Bissau se evacuaram
onde foram enterrados.
E assim, estes malfadados,
ao continente não voltaram.”

********************

Enquanto o bardo exprime a sua dor pela morte dos camaradas, penso que chegou o momento azado de introduzir duas obras como pano de fundo para este PAIGC que desencadeara uma luta armada consequente logo no início de 1963 e ouvir um ponto de vista sobre a utilidade desta batalha do Como, do lado de investigadores portugueses, deixando para mais adiante a opinião de Basil Davidson, num trabalho panegírico sobre a libertação da Guiné.

Em “Os Anos da Guerra Colonial”, Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, a propósito da expansão da guerra, lembram que em junho de 1963 o PAIGC instalava-se na região que liga o Morés à fronteira norte, e escrevem:
“O comando militar português não esperava que essa actuação fosse desencadeada com tanta agressividade, nem que os grupos guerrilheiros do PAIGC dispusessem de armamento tão aperfeiçoado e em tal quantidade. A seguir a esta acção sucedem-se várias outras, reveladoras do potencial de combate e das capacidades militares do PAIGC”.
E vem um rol de datas com eventos: viaturas alvejadas entre Binta e Farim; grupos guerrilheiros a tentar destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá e Mansoa-Nhacra; ataques a Binar e Olossato, aqui saquearam-se casas comerciais; emboscada a uma força militar de Mansabá; ataque a Encheia.
E os autores comentam:
“Era evidente que a atuação do PAIGC obedecia a um plano bem definido. A PIDE de Bissau tinha informações de um plano para o desencadeamento de acções armadas na zona norte da Guiné e de que as acções seriam desencadeadas por guineenses residentes no Senegal. O PAIGC contava nessa altura, na região de Zinguinchor, com perto de 300 elementos em Samine, e a PIDE estimava existirem no interior do território cerca de 6500 elementos treinados para a luta. Era ainda conhecida a existência de um depósito de armamento em Biambe, concelho de Bissau, e que estavam a aguardar mais material para distribuir nas áreas de Bula e Canchungo, onde, em princípio, pensavam desencadear as ações militares. O plano do PAIGC que a PIDE descobriu incluía ainda sabotagem de aviões e barcos".

Voltemos ao Morés, onde o PAIGC estimava poder manter no centro do Oio um quartel-general. Em poucas semanas, todas as pontes da região circundante do Morés foram destruídas e as estradas cortadas com abatises, em especial a de Bissorã-Mansabá. O PAIGC pretendeu inutilizar eixos rodoviários de interesse económico, o principal dos quais era a estrada Mansoa-Mansabá-Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida no leste da Guiné.
E adiantam os autores:
No final de agosto de 1963, a situação na região-chave que abrangia Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabá e Olossato era idêntica à de grande parte do sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e a atividade comercial profundamente afectadas.
Amílcar Cabral emitiu um comunicado difundido em Agosto pelas emissoras de Dacar e de Conacri sobre este alastramento da actividade militar, confirmou que a luta estava a ser intensificada para tornar mais sólidas as suas posições no sul da Guiné ao mesmo tempo que se estendia a acção armada ao centro e ao norte.
A intensificação da luta, anunciada por Amílcar Cabral, correspondeu à realidade. No sul, o PAIGC, além de continuar a obstruir as estradas com abatises ou vales, aumentou o número de acções contra aquartelamentos militares, tendo sido especialmente visados os de Fulacunda, Catió, Buba, Cacine, Chugué, Empada e Bedanda. Estas acções foram quase sempre realizadas de noite e com maior ou menor violência. Para responder a esta situação de grande violência, as Forças Armadas deslocaram para a Guiné cerca de 5 mil homens durante o ano de 1963.”

O bardo e camaradas a caminho da Ilha do Como.

E chegamos agora à batalha do Como, evento militar maior, quase coincidente com o congresso do PAIGC em Cassacá. O PAIGC ocupava desde fevereiro de 1963 as ilhas de Como, Catunco e Caiar, ilhas estrategicamente importantes, a sua posse pela guerrilha dificultava a navegação pelo sul e facilitava-lhe ataques ao lado continental da colónia. Os autores de “Os Anos da Guerra Colonial” descrevem a Operação Tridente, a retirada de todo o contingente do PAIGC em que as suas bases foram destruídas após 71 dias de operação. Foi posteriormente construído um aquartelamento em Cachil onde ficou instalada uma companhia, com o objetivo de assegurar o controlo da ilha. Como seria de esperar, o PAIGC regressou à ilha e não deu vida fácil a quem estava em Cachil. Só que o Como acabou por perder a importância estratégica na justa medida em que a guerrilha se consolidou em vários locais do continente. Feitas as contas à batalha do Como, do lado português pôde dizer-se que os guerrilheiros resistiram e depois fugiram e a propaganda do PAIGC usou a batalha como uma grande vitória, falando sem pudor de centenas de mortes do lado português e de uma retirada das forças portuguesas perseguidas pelo PAIGC.

Se demos um pano de fundo sobre os acontecimentos da abertura da Frente Norte é para enquadrar o que, depois da batalha do Como, se irá passar com a atividade operacional do BCAV 490. E referir o livro “A libertação da Guiné”, por Basil Davidson, que teve a sua edição original em 1969 e edição portuguesa em 1975 é para ter uma imagem da profunda admiração sentida pelo jornalista e escritor britânico pelo pensamento e ação de Amílcar Cabral e como ele fez eco da batalha do Como. Prefaciou o livro Amílcar Cabral, fica demonstrada a conivência, a afinidade ideológica entre ambos, começara em 1960, quando Cabral se deslocou a Londres para pedir apoios políticos, deixando ali um importante documento.

Basil Davidson caminha no interior da Guiné ao lado de Cabral, fala-se da história da colónia, das bombas de napalm, colhe testemunhos de guerrilheiros, regista as tiradas tribunícias proferidas por Cabral junto das populações afetas, visita a região do Boé, descreve os princípios políticos do PAIGC: “É um movimento revolucionário que se baseia numa análise marxista da realidade social”. Dá como adquirido que organização política é uma democracia participativa, o PAIGC aceita apoio militar, formação profissional, nomeadamente na área da saúde e cita Cabral, a propósito do apoio internacional: “Não queremos voluntários. Conselheiros militares ou comandantes ou qualquer outro pessoal estrangeiro seria a última coisa que aceitaremos. Roubariam ao meu povo a sua única oportunidade de conquistar significado histórico pelos seus próprios meios, de reafirmar a sua própria história, de recapturar a sua identidade própria”. Mais adiante descreve a evolução dos meios militares sem antes, porém, enunciar as diligências perpetradas por Cabral para tentar negociar um processo de independência com o Governo Português. E assim chegamos à batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20116: Notas de leitura (1214): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1627), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)