quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20295: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXII: 1984/85: um regresso, quinze anos depois (ii): as minhas andanças por Bissau e Dakar a tentar vender um projeto de desenvolvimento agrícola em Cabuca, junto ao rio Corubal


Foto nº 21 > Senegal > Dakar > 7 de janeiro de 1985 > A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, ao centro, o Isidro Gomes Quaresma em mangas de camisa, e o nosso adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal.  Ao fundo, a ilha de Gorée, onde  se localiza  a "Casa dos Escravos".


Foto nº 22 > Senegal > Dalar > 8 de janeiro de 1985 > Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baía de Dakar, e o carro do Adido Comercial da Embaixada Portuguesa, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma [, técnico agrícola,retornado de Angola].


Foto nº 23 > Senegal > Danar > 8 de janeiro de 1985 > Foto minha em Dakar,  nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau.  Influência francesa em tudo, a começar pelos carros.


Foto nº 20 > Senegal > Dakar > 8 de janeiro de 1985 > ma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos.  Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido Comercial.


Foto nº 19 > Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85. 



Foto nº 17 > Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto, para levantar voo.


Foto nº 18 >  Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação do texto, sobre o regresso à Guiné-Bissau (*), em 1984/85, do nosso amigo e camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem já perto de 140 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T999 – O regresso à Guiné em 20OutT84
- 10 anos após a independência em 74Set24
- 15 anos depois da minha saída em 4Ago69
- 17  anos depois da minha primeira chegada, em 21Set67


II Parte – A viagem de negócios à Guiné-Bissau e Senegal 
(de 30/12/1984 a 14/1/1985)


Anotações  e introdução ao presente Tema 


Este tema tem tanto de louco como apaixonante

Não vou entrar em pormenores, porque teria aqui tanto para escrever que daria sono a qualquer um que tivesse a ousadia de querer ler tudo. Já escrevi, no meu livro inédito,  todos os dramas pessoais e familiares que esta saga me trouxe, nunca saberei se valeu a pena, abandonar a família, desbaratar dinheiro que viria a fazer falta, com resultados nulos.

Sobre a  primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, já aqui escrevi, em poste anterior (*):


 A preparação da 2ª viagem à Guiné


E entrei mesmo no esquema, foi feita uma apresentação do que precisavam, e eu nem sequer olhei para o lado, tal a minha obsessão pelas gentes da Guiné, integrei-me totalmente, mediante certas condições, negociadas em cima do joelho.

Após o levantamento das necessidades para o projecto, durante aproximadamente 2 meses trabalhou-se neste plano, e nessa altura era tudo feito à máquina de escrever, e com a ajuda de uma máquina de calcular, não havia os computadores como hoje, tudo seria muito mais fácil então.

Falamos com o Major (, o Valentim Loureiro, ) pois programamos nova viagem à Guiné para finais do ano de 1984, era preciso pagar a viagem e despesas de estadia para ambos, nesta fase apenas era necessárias duas pessoas. O Isidro convence o Major, mas não há dinheiro para me pagarem os meus honorários, conforme havia sido combinado para eu entrar dentro da organização.

Alguns dos outros sócios, lá vão adiantando algum, não muito, 50 a 100 contos no máximo [ de 1.188,72 € e 2.377,43 €, respetivamente, a preços de hoje, segundo o conversor de moeda da Pordata],  o que era muito pouco. Eu aguento, pois estou a perceber que se este negócio vai para a frente, há muito dinheiro a ganhar.

Apostei tudo neste projecto, foi a minha grande ilusão na vida, e acreditava cegamente em tudo. Mas enganei-me redondamente.

O Major mandou comprar as passagens de ida e volta para os dois, e na minha frente entregou ao Isidro 2.000 USD em notas para as outras despesas, incluindo as minhas.

Em 28 de Dezembro de 1984 tinha já o 2º visto no passaporte. A viagem foi marcada, por razões que desconheço, para sair de Lisboa na manhã do dia 31 de Dezembro, por isso teria de ir passar o ano em Bissau e não em casa, mas tinha de ser.

Vou passar o fim de ano de 1984 em Bissau

Novamente saí de casa na tarde do dia 30 de Dezembro de 1984 e lá fui carregado com o dossiê do projecto e uma máquina de escrever portátil, pois era importante para complementar qualquer coisa e não havia onde pedir ajuda naquele pobre país.

As despedidas do costume, agora com outro ambiente, havia qualquer coisa no horizonte, foi mais fácil, mas deixar a casa e família custa sempre muito. Vou para Lisboa no então chamado Foguete e pelas 18 horas já estou a escrever uma carta que vou novamente pedir a uma hospedeira para colocar no correio em Lisboa quando ela regressar.

Chegamos a Lisboa eu e o Isidro às oito horas da noite, fomos pôr as malas no Hotel, o VIP, não era mau, ficava perto das instalações da TEOR – uma empresa de consultoria, onde tinha já trabalhado como Director da Delegação Norte no Porto – era no Saldanha, e eu já lá tinha ficado uma vez.

Fomos jantar a uma Churrasqueira.  na Baixa de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, e encontro aí, a servir à mesa, um antigo soldado da CCS do meu batalhão, o José Espadana, era condutor de especialidade, mas lá arranjou alguma cunha e ficou a servir à mesa na messe de oficiais quando estávamos na Guiné. Falamos um pouco e disse-lhe que ia voltar às origens, ele ficou admirado, despedi-me e nunca mais o vi. Mais tarde venho a ver na Internet que ele estava à frente de um "site" sobre as passagens do nosso batalhão pela Guiné, e com relatos, memórias e fotografias, umas que eu tirei na altura e outras dele próprio.

Na manhã do dia 31 de Dezembro fomos para o aeroporto, a viagem estava prevista para mais cedo, mas só levantou voo às 11h25, devido a uma avaria ou problemas de carga. Não havia muita gente a bordo, não era o dia ideal para alguém se deslocar para a Guiné na véspera de ano novo, mas há sempre malucos e anormais para tudo, e outras razões, que a ‘razão’ desconhece.

Chegados a Bissau, fechei a carta, pedi agora a um comissário de bordo para me levar a carta para Lisboa e a colocar no correio. O envelope tem o carimbo dos correios do dia 4 de Janeiro de 1985, é normal por causa dos feriados do fim do ano.

Na noite de passagem de ano, ficamos no quarto e bebemos uma daquelas garrafinhas pequenas que servem a bordo, nós pedimos às hospedeiras duas de vinho branco e elas fizeram esse pequeno favor, e assim se festejou a passagem de ano, de 1984/85.

A suite 3002 só tinha um quarto com duas camas. Nós mudamos uma das camas para a sala de entrada, onde ficou o Isidro, e eu fiquei com o quarto só para mim. Ficamos melhor. A casa de banho era só uma, havia frigorífico, ar condicionado e as respectivas e sempre omnipresentes baratas. Á noite quando me ia deitar olhei para o teto e lá estava uma enorme, mesmo por cima da cama. Tivemos de andar atrás dela, atirando com as almofadas para ela cair, e após muito tempo teve mesmo de cair dali e matei-a, esborrachando-se toda, mas pelo menos já poderia dormir sem aquele nojento e pequeno monstro por cima da minha cabeça.

O dia 1 de Janeiro [de 1985] é feriado como em toda a parte e por isso o dia foi passado a passear. Nós quando arranjamos um táxi do aeroporto para o Hotel, era mesmo um Mehari, que eu já tinha visto antes, pertencia a um homem Fula, talvez chamado Mamadu. Falamos com ele, perguntando quanto é que ele ganhava em 2 semanas ele disse o preço, e então combinamos ficar com o carro e ele ficou em casa a descansar com a mulher e os filhos. Só o entregamos quando viemos embora, pagamos o combinado e ficamos amigos.

O Virgílio Teixeira, de motorizada, em Safim,
em 11/3/1968
Fomos a Safim, que fica a uns 20 km de Bissau, eu já lá conhecia um pequeno tasco que servia antigamente uns petiscos e mariscos, e outras coisas, arriscamos e fomos. Comemos 2 kg de camarão com cerveja e voltamos, não havia mais nada de comer. Tudo tinha mudado radicalmente.

No dia 3 de Janeiro falei por telefone com a minha mulher, foi muito empolgante e fiquei excitado com a voz dela, parece-me que estamos no fim do mundo. A chamada foi conseguida, porque já tinha ido ao Ministério do Comércio, que ficava na Avenida que todos nós conhecemos, pedi à menina que me deixasse fazer um telex para o BESCL em Vila do Conde, quase ao lado de minha casa. O nosso amigo Macedo levou lá a mensagem, na qual eu pedia para ela pedir uma chamada ‘via Marconi’ para o telefone do Hotel em Bissau, marcando o dia e hora. Isto parecem coisas, nesta época, da era dos Descobrimentos, mas lá chega a mensagem e o telefonema é feito. [Telex , lembram-se ?  "Serviço de dactilografia à distância, posto à disposição dos utentes por meio de teleimpressores", segundo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa...(LG)].

Vou voltar atrás um pouco, por causa deste telex. Já na primeira viagem, o dinheiro que levei acabou muito rápido, eu precisava de mais e não sabia como arranjar. Então fui eu próprio, sem ligações nenhumas, ao tal Ministério do Comércio, falei com uma dessas Secretárias simpáticas e atenciosas, e pedi-lhe para mandar um telex, para o BESCL – Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, balcão de Vila do Conde, no qual pedi ao nosso amigo e vizinho Macedo, funcionário do BESCL – depois BES, depois NB [, Novo Banco,]  – , para ir a minha casa e combinar com a minha mulher para me fazerem chegar mais uns 100 contos [, em 1985, a preços de hoje, seria o equivalente a 1.988,66 €], e ele lá chegou, só não sei como, não me lembro, mas não havia cartões!

Agora aproveito, porque estes favores das meninas do MC [Ministério do Comércio]de Bissau, não são gratuitos, ela então, sabendo já que eu voltaria novamente, está na posse do meu telefone de casa, e do telex do Cônsul da Guiné, e envia um telex, ao meu cuidado, ainda o tenho em meu poder, como aliás quase toda a documentação desta aventura, a pedir-me para lhe levar ou mandar até ao fim do ano, além de sapatos tamanho x, vestido tamanho y, roupa interior tamanho z, e ainda uns medicamentos para uma infecção intima, ‘Gyno qualquer coisa’ e o que pudesse arranjar.

Levei o medicamento quando cheguei em 31 de Dezembro e entreguei-o quando lá fui novamente pedir o mesmo favor. São coisas simples demais para aqui escrever, mas não sendo eu romancista, isto até dava um belo romance. Não de ‘amor’ pois nunca passamos a 'linha vermelha', mas de amizade pura.

Voltando ao assunto que estava a contar, depois do telefonema, ouvir a voz da minha mulher, dos filhos, fico desperto demais, e escrevo às 5 horas da manhã, já do dia 4, umas primeiras palavras de uma carta que seguiria no dia 5, não conseguia dormir, estava muito excitado, e precisava de estar fresco pois íamos ter muitos contactos. No dia 5 de Janeiro voltei a escrever dando conta da situação e mandei a carta para o correio, via normal, e tem a marca do dia dos correios de Bissau, e saída de 7 de Janeiro.

E é assim tudo muito lento, pois está muito calor, mas não está aquela humidade incrível e viscosa e pegajosa do tempo das chuvas, o tempo está quente e seco, é a época mais fresca do ano.

Naquele telefonema os meus filhos a pedirem sempre a mesma coisa, que lhes ficou na mente depois de verem as minhas fotos, algumas claro, do tempo na Guiné. A mais velha, 13 anos, só me pedia para eu trazer aquela motorizada que via nas fotos, o meu filho seguinte, de 11 anos, que lhe trouxesse a minha G3 que via na cabeceira da cama, a mais nova de 10 anos, que lhe trouxesse o macaquinho que viu nas fotos.

Coitados,  ficaram todos desiludidos, mas porquê as crianças não sabiam que isso era de todo impossível?

Por vezes e agora com a idade avançada, já passei os 75, como é possível que eu tenha feito aventuras destas, com as responsabilidades que tinha a meu cargo, uma mulher em casa e mais 3 filhos menores... Foi a loucura dos meus 40 anos, hoje vejo outras pessoas que correm o mundo e andam atrás de ganhar algum ou procurar uma vida melhor, e admiro-os, mas afinal eu fiz o mesmo em muito piores condições, sem ajuda ou apoio de ninguém, e não era preciso sair de Portugal para viver uma vida normal.


O presidente 'Nino ' Vieira, em 6/3/2008,
um ano antes de ser assassinado.
Foto: Luís Graça (2008)
Os contactos com o Presidente 'Nino' Vieira 


Nos dias seguintes, tivemos o primeiro contacto com o Presidente 'Nino' Vieira, no seu palácio. Fomos recebidos à frente de toda a gente que lá esperava, pois tínhamos a carta diplomática do Major Valentim, cônsul honorário e amigo pessoal do 'Nino' Vieira.

Falamos e expusemos a nossa ideia, mostramos o projecto, mas ele não percebia nada daquilo, deu-nos a promessa de toda a sua ajuda, e encaminhou-nos para outros diversos ministérios, e em especial o Desenvolvimento Regional, era aí que passava o primeiro crivo. Tinha lá um engenheiro local, técnico destas áreas, e a quem competia a análise do nosso projecto, mas tinha atrás de si toda uma série de pessoal do Leste Europeu e de outros países que se diziam amigos, e com a mesma filosofia que aqui não vou comentar, apesar de já a ter escrito, fica por escrever.

Estes amigos, os novos imperialistas, que eram os seus conselheiros e consultores, instalados nos grandes centros de decisão, eram por isso nossos inimigos, não nos queriam lá, e por isso encontramos todas as resistências, pois o nosso grupo era 100% capitalista e europeu em busca do lucro fácil e imediato.

Era assim mesmo, não vale a pena andar à volta de outros ideais, o objectivo era sacar o máximo possível, para isso teríamos de ajudar o país em causa, mas não era ideia de ninguém ajudar por ajudar, mas sim para retirar o máximo proveito legal. Bem ou mal era esse o alvo dos principais capitalistas, eu não pertencia a esse ‘núcleo duro’, mas os ideais eram os mesmos, nesses tempos.

Encontrávamos uma cáfila de gente de todo o mundo, ou nos aviões ou nos Hotéis com esses ideais e piores ainda, vender a alma se fosse preciso.

O nosso projecto transitou pelos serviços governamentais, sob a designação inventada por mim, de “AGRINÉ – Agricultura da Guiné, Lda.,“ e ocupava uma zona previsional de 7000 hectares de terreno [, mais do que 7 mil campos de futebol...], já inscritos a nosso favor, e com mapa registado, na zona de Cabuca, nas margens do Rio Corubal, que eu tão bem já conhecia.

Bem,  como um elevado montante de investimento nacional e internacional, eram 20 Milhões de USD que ao câmbio daquela época, já tinha baixado de 200 para 180, dava em dinheiro português cerca de 3,5 Milhões de contos.

Aquele valor a preços actuais com a inflacção de mais de 30 anos, e com as mudanças de Escudos para Euros, significava algo como 70 milhões de euros!...  [Em rigor,  3,5 milhões de contos, em 1985, dava qualquer coisa como 69.603.048,44 €, a precos de hoje, usando o conversor de moeda da Pordata. ] E fosse o que fosse era sempre muito dinheiro, e da parte do Estado da Guiné significava pouco mais do que a cedência do terreno.

Andei um ano às voltas com este projecto, e para elaborar o estudo tive de me deslocar 2 vezes àquele país, a burocracia era tanta que quase dava para desistir, formamos a empresa local, arranjamos sócios locais – o próprio 'Nino' Vieira, presidente da república, também entrava através do sogro, e mais um brigadeiro local, ajudante de campo do 'Nino'...  E cada viagem custava uma pequena fortuna, era arriscar muito.


As burocracias do projecto junto das instâncias do Estado 


Havia um investimento em dinheiro a realizar pela República Portuguesa, através dos seus sócios, com transferências – em dinheiro e em espécie - , e havia o retorno a prazo destas verbas para Portugal, logo que houvesse os lucros. Tudo isto estava legislado no CIE - Código do Investimento Estrangeiro português e guineense, que era a cópia integral do português, mais coisa menos coisa.

Elaborei o maior estudo realizado até então – técnico, económico e financeiro -, a apresentar junto do Banco de Portugal, que era a entidade que autorizava e protegia este investimento. Levei muitos meses de trabalho no conjunto, mas ao fim de 6 meses já havia um dossier para apresentar junto das imensas entidades envolvidas e que teriam de dar o seu parecer, nacionais e guineenses. Tudo era feito à mão e com uma máquina de calcular, e seguidamente passado à máquina de escrever, se fosse hoje o tempo seria infinitamente menor, e fiz tudo com a ajuda dos técnicos, o português na parte Agrícola e o alemão na área de Agroindustrial, pois isto envolvia para aquela data um investimento enorme.

O Banco de Portugal aprovou o nosso projecto, pois o retorno estava garantido com taxas de rentabilidade fora de normal, e com uma inscrição de louvor que passo a citar, não é para me regozijar, mas tenho de levantar também a minha moral e puxar dos meus galões, quando é preciso, não é só lamechices que tenho de contar:

Decisão:  “Porque jamais deu entrada no Banco de Portugal um projecto de investimento externo, tão pormenorizado e tão completo, como este”.  Conclusão:  Aprovado.

Havia apenas de dar seguimento ao mesmo, isto é, solicitar o envio das remessas para o estrangeiro, em dinheiro e em espécie. O governo da Guiné-Bissau também deu o seu ‘parecer favorável de princípio’, sempre com grandes resistências e com pareceres pouco favoráveis dos técnicos das zonas de influência já referidas. E isso atrasou tudo, o despacho final em papel timbrado não saía e então não podia andar nada. O tempo passa e nada acontece. Mas viria a acontecer.


A preparação do pacto social e quotas 


Entretanto e durante este longo período – Agosto de 84 (data em que foram iniciadas conversações entre o Major e os Técnicos) e Julho de 85 (data em que tudo acabou), vão sendo discutidas e acertadas as condições de cada sócio, as suas percentagens e tudo em função da capacidade de influência de cada um, então liderada sempre pelo Major, que achava que o seu peso político era mais importante que qualquer outro.

São feitas várias alterações de quotas e com entradas e saídas de alguns, fazem-se acusações mútuas entre uns e outros, e ameaças de denúncias e de procedimentos criminais. Mas tudo volta ao normal. E lá estou eu metido no meio de malabaristas, era a minha sina...

Eu passo a ficar instalado a partir talvez de Dezembro de 1984, no edifício do consulado, na Praça Marquês de Pombal, numa sala do 1º andar ao lado do gabinete do Major, e acabei por ter conhecimento de muitas coisas que ele tratava ao telefone, ou até em reuniões, pois como todos sabem o Major fala sempre muito alto e até aos berros, por isso é fácil ouvir tudo. [Soube muitas coisas sobre o mundo do futebol, ele era também Presidente do Boavista, pude ver como foi tratado o caso do famoso ‘Luvas Pretas’, o João Alves,  agora comentador de programas desportivos com que a TV nos enche a barriga todos os dias.]

O Gabinete – aquilo era uma mansão - era frio, mas ele gostava das janelas abertas, não queria muitas luzes acesas, não ligava o aquecimento e não gostava de água a pingar das torneiras. Manias que fui vendo e aprendendo, mesmo com muito dinheiro que ele já tinha e as suas influências, era assim um forreta como poucos. [Nas minhas atuais andanças de fotógrafo pelo Porto, fui lá fotografar este palacete do Marquês, e o edifício, antes em ruinas, é hoje um hotel de luxo!]

A viagem a Dakar

Aguardando o impasse nas negociações e estudos lentos do Estado da Guiné, e porque já estava em carteira esta ideia, partimos no dia 7 de Janeiro de 1985 rumo ao Senegal, num avião Bi-Turbo das Linhas Aéreas da Guiné-Bissau, com capacidade para uns 50 passageiros, com paragem de escala em Zinguinchor, depois de atravessar o Rio Casamansa, e correu tudo bem até aterrar no Aeroporto Internacional de Dakar.

A nossa viagem ao Senegal, tinha como objectivo principal, ‘vender’ o projecto ao Governo deste país, o Senegal, tivemos uma reunião com o Ministro do Desenvolvimento Rural, ele gostou e apreciou muito e disse que seria interessante para eles. Pediu para deixar uma cópia, ficamos com todos os contactos, mas nunca mais disse nada. Coisas de África…

Verificamos que toda a Economia do Senegal estava nas mãos dos Franceses, vimos isso em Dakar, mas era o mesmo nos outros locais do país, foi o que também nos assegurou o nosso Adido [Comercial, da Embaixada Portuguesa], pois já tinha muitos anos daquele país.

Dakar [, hoje com mais de 3 milhões de habitantes,] era uma grande cidade, moderna e desenvolvida, era uma espécie de ‘Paris em África’, mas habitada na sua maioria por cidadãos de diferentes etnias, de religião muçulmana.  Quando desembarcamos no aeroporto de Dakar – a 25 km da capital – parece que tínhamos chegado a outro mundo, o clima muito diferente para mais suave, e não faltava nada. Mas tudo muito caro, uma garrafa de águas de 0,25 custou 400$00 na nossa moeda, e tomada em pé na rua.[, 7,95 €, a preços de hoje].

Ficamos instalados num Hotel novo, no centro da capital, o Hotel ‘Al Afifa’ era tudo gerido por franceses, só os criados eram africanos. Tudo muito caro, almoçamos lá, com a fome que trazíamos de Bissau, e foi bom mas caro, uma garrafa de vinho normal francês, custou 7 contos, no total pagamos mais de 20 contos por tudo [397,73 €, hoje ]. A moeda circulante era o Franco CFA, e com os câmbios para a nossa moeda ficava tudo muito caro, para nós, portugueses. Nessa altura o câmbio de 1USD era à volta de 200$00 [3,98 €, a preços de hoje].

Ficamos lá 2 dias, pois o visto que foi dado no aeroporto, a troco de suborno, pois não tínhamos as vacinas em dia, custou 100$00 este pequeno suborno, eles não conheciam a nossa moeda, eu disse-lhes que era equivalente a Dólares Americanos, por isso 100 USD era muita massa.

Tivemos um contratempo, levamos só dinheiro em escudos, lotes de notas de 5 contos, e quando fui no aeroporto ao balcão para trocar pela moeda deles, ele devolveu as nossas notas de 5 contos, dizendo que era ‘merde’,  não tinha câmbio. Ficamos enrascados, mas não havia problemas, apanhamos um taxista, levou-nos até à Embaixada de Portugal, os gajos faziam aquilo a uma velocidade louca, mas chegamos vivos, o meu amigo ficou no carro, pois o taxista nunca desligou o motor, estava sempre a contar, entrei e pedi para falar com o Embaixador, ele ouviu a explicação e mandou logo o Adido com dinheiro para pagar ao táxi e não aumentar a conta.

Depois explicamos que tínhamos ali dinheiro de sobra, mas era preciso cambiar, ele explicou aquilo que já sabíamos uma hora antes, não tinha câmbio em Francos CFA. Ele falou com o Governador do Banco Nacional do Senegal, depois este falou para um Banco Comercial, e fomos com o Adido juntos falar com o Presidente. Trocamos aquilo que eles pensaram que era necessário para os dois dias e hotel, e extras, acho que 20 ou 30 contos. Ainda tenho a nota de câmbios e sei que ficava tudo muito caro com base na nossa moeda. O Presidente do Banco foi ele mesmo que nos pagou em Francos CFA, não fomos à caixa porque não era possível, foi assim feito tipo saco azul, não sei, mas para nós ficamos aliviados.

Este Adido depois é que nos orientou em tudo, convidou-nos para um jantar inolvidável na casa dele, a mulher era de Macau, e falava também Chinês, mas cozinhava muito bem. Um grande peixe inteiro dos mares de Dakar, comemos até dizer chega, depois ainda ficou mais de metade, pesava aí uns 5 kg, os pescadores transportavam aquilo aos ombros, um pau grande e um peixe de cada lado, era um postal da cidade. Eles tinham de ir trabalhar no dia seguinte, deixaram-nos a chave de casa, e ao almoço fomos lá comer o resto sozinhos. Depois pagamos um jantar fora, ficamos muito agradados com aquele casal.

Ainda fomos ao cinema uma noite, e andamos pelos bares, e quase deu para o torto, eu pegava no dinheiro vivo das calças, um monte de notas, às tantas estava já cercado por meia dúzia deles, senegaleses,  o Adido a ver tudo, ele já os conhecia a todos, daí que, ele mesmo sendo baixinho, investe contra eles aos pontapés, a maioria tinha uns 2 metros de altura, com insultos na língua deles, a verdade é que fugiram e nós lá ficamos. O Adido alertou-me para não exibir o dinheiro, ele disse que eles estavam a preparar-se para me sacar a nota, pois eu fiquei no meio deles sem dar por isso.

Na última noite fomos para o Hotel já tarde, havia música africana e miúdas giras, todas falavam Francês, e vi uma coisa do outro mundo, a mulher preta mais bonita que vi até hoje, e de uma beleza tipo sueca, as feições como branca, mas preta mesmo, era da Guiné Conacri. Estava ali para ganhar dinheiro, como é óbvio, fiquei com os olhos feitos em bico, mas já não tínhamos dinheiro para mais.

O Adido, sabendo das vigarices que os taxistas  faziam, combinou com um deles, a hora que deveria estar no Hotel para irmos para o aeroporto, e o ‘preço’ certo para a viagem, tudo escrito e falado.

No dia seguinte fomos com ele à hora certa, quando chegamos ele estacionou à beira de um Policia, depois teve a lata de pedir o dobro do preço combinado. Como não tínhamos muito tempo, e apesar de barafustar, o polícia foi-se chegando, eles falaram, e deu para entender que tínhamos de pagar, senão ficávamos em terra. Por isso o Adido dizia que eles eram todos uns 'filhos DP'...

Deixamos aquela terra no dia 9 de Janeiro de 1985, com muita saudade e com grande gratidão ao Adido comercial e à sua mulher. Nunca mais nos falamos nem nos vimos, e já lá vão 33 anos, agora 35 e nem o nome dele e dela me lembro.

Em Bissau, depois voltamos aos contactos, tivemos imensas reuniões sempre inconclusivas, conhecemos muita gente, Africana e de todo o mundo, andavam por lá a tentar fazer negócios de rentabilidade imediata, eram do tipo ‘mercenários comerciais’ com muita experiência por países africanos e do terceiro mundo.

Regressamos a 14 de Janeiro, sem nada na pasta. Com grande tristeza pelo tempo e dinheiro perdidos. Mas ainda com a esperança de que íamos dar a volta àquela gente.

Lembro-me das mensagens dos meus filhos, que tenho escritas nas cartas que enviavam, que me pediam para trazer ‘um macaco’, outro perguntou se já tinha encontrado as minhas motorizadas que lá tinha deixado em 1969, a minha G3 e coisas de crianças que tinham entre 10 e 13 anos.

O que trouxe, foi um caixa de 10 kg de camarão da Guiné, tudo devidamente embalado em gelo, que pedi ao comissário de bordo para as colocar nas geleiras do avião. Ficou depois no Hotel onde fiquei hospedado com a minha mulher, nas câmaras frigoríficas, e no dia seguinte veio de comboio para o Porto e Vila do Conde, à temperatura ambiente, fria naturalmente.

Foi o nosso jantar no dia 16 de Janeiro de 1985, fazia o meu filho do meio 12 anos.

O camarão foi cozido e preparado à moda da Guiné, comprei lá o piripiri natural, os limões muito diferentes dos nossos, e fiz o molho que era servido lá nas esplanadas no tempo da guerra.

Num prato pequeno, piripiri moído, sal e o indispensável sumo de limão da Guiné, não tem nada a ver com o nosso. Depois ficou um petisco e foi até acabar.


O regresso de Dakar até Bissau 

Regressamos no mesmo avião e com o mesmo piloto, ainda fizemos escala em Zinguinchor, que eu ainda não conhecia, era uma cidade do tipo de Bissau, ainda deu para dar umas voltas.

Regressados à luta ‘armada’ dos papeis e reuniões, não vou maçar mais ninguém, pois as muitas reuniões não levam a nada, e não é objectivo deste trabalho contar isto tudo, mas com a máquina de escrever fiz muitos requerimentos e adendas ao projecto, sempre tentando que fosse ultrapassado os impasses que eram colocados, muito embora as reuniões com altas patentes governamentais não davam passos significativos, nunca se tentou corromper ninguém, talvez fosse esse o mal.

Havia o problema das colheitas, a cultura do arroz seria de sequeiro e não de bolanha, previam-se 4 colheitas por ano, e os senhores do Leste, não percebendo nada, diziam que não ia além das duas, e as quantidades por hectare eram muito diferentes, estava tudo emperrado.

O problema do financiamento ficou assegurado por um Consórcio Árabe-Espanhol, mas havia que ter um ‘garantia idónea’. Então era a do próprio ‘Aval do Estado Guineense’. Ninguém aceitava, pois, a Guiné não tinha ‘crédito’ nenhum. Tentou-se então entre muitas a COSEC, que era do Estado, mas também não alinhavam. Só mesmo aquele Consórcio. Depois o nosso Banco de Portugal não dava o aval porque não aceitava também o aval do Estado Guineense, o mais pobre país do mundo nessa altura.

Foi um trabalho hercúleo, cá e lá, que não ficou resolvido na segunda viagem.

(Continua)

Legendas das fotos:

Das fotos já enviadas e para esta Parte II são válidas as seguintes:

F17 a F23 – A VIAGEM DE TRABALHO A DAKAR NO SENEGAL

Esta viagem foi realizada de Bissau para o Senegal, com paragem em Zinguinchor, feita num avião médio Bi-Turbo dos Transportes Aéreos da Guiné Bissau – TAGB, comandando por um piloto negro, guineense e hospedeiras morenas, possivelmente de Cabo Verde.

F17 – O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto Amílcar Cabral, para levantar voo. Bissau 8Jan85.

F18 – O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal. Bissau, 8Jan85.

F19 – Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85.

F20 – Uma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos.  Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido, não são muçulmanos. E se ficássemos mais uns dias, ainda poderíamos assistir à chegada do rali Paris-Dakar, que chegou uns dias depois. Dakar, 8Jan85.

F21 – A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, o Isidro Quaresma em mangas de camisa, e o nosso Adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal.  Não me lembro agora do nome deste homem que foi o nosso anfitrião, guia e amigo naquele país. Ao largo pode ver-se a ilha onde se traficavam escravos, tem um nome qualquer como símbolo contra a escravatura, não me lembro do nome, e agora serve como prisão de alta segurança no Senegal. Dakar, 7JAN85.

F22 – Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baia de Dakar, e o carro do Adido, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma. Dakar, 8Jan85.

F23 – Foto minha em Dakar, na viagem ao Senegal, nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau.  Pode ver-se ainda uma Renault 4L, a maioria dos carros de origem Francesa. Dakar. 8 Jan85.

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933  / RI15, Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».

Corrigido, aperfeiçoado e modificado novamente,

Em, 2019-10-29

Virgilio Teixeira

______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20271: Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXI: 1984/85: um regresso, quinze anos depois: (i) a primeira viagem de saudade

Guiné 61/74 - P20294: Blogpoesia (642): "Porque tardaste?" - Poema de Juvenal Amado dedicado ao seu neto que hoje completa o seu primeiro ano de vida

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 18 de Outubro de 2019, trazendo um poema dedicado ao seu neto que completa hoje o seu primeiro ano de vida:

Caros camaradas,
É costume falarmos das agruras do nosso passado de militares mas hoje cabe-me falar das alegrias do presente, bem como de algumas dores nas costas.
Faz um ano, hoje dia 31, que nasceu o meu neto Henrique, e como esse acontecimento veio transformar a minha vida de piloto experimental de sofás, bem como umas reconfortantes sestas, numa agitação de parques infantis, sopas e fruta esmagada, fraldas mijadas e pior que isso choradeiras e agora já com umas nódoas negras.
Não é nada que milhares de camaradas não tenham passado e perguntarão alguns para quê tanta tragédia. Mas para que servem os momentos felizes se não falarmos deles e dos seus actores, agora que estão aí as castanhas e a água-pé mais logo o vinho novo?
Assim sendo cá vai um poema que as cataratas me deixaram escrever.

Um abraço para todos
Juvenal Amado


Porque tardaste?

Porque tardaste tanto?
- Não conhecerás se não os meus olhos cansados
As minhas mãos que tremulam
O meu andar pesado e lento
As minhas barbas brancas
O meu cabelo raro.
-Porque tardaste tanto?
Miro-te
Não sabes ainda que o tempo será sempre pouco
Vou guardar o teu sono
Pois os dias em que te contemplo serão curtos
Não te assustes com o vento e trovoada
Que eu rezo a Santa Bárbara.
- Vou ajudar nos teus os primeiros passos
Vou magoar-me com o teu choro
Quero-te mostrar a beleza do mar
Ensinar-te o quanto é suave o odor das árvores
Por recompensa beberei o teu riso
Cada gargalhada tua será um hino.
- Só chegaste no meu entardecer
Fizeste-me renascer
Trouxeste-me amanheceres límpidos
- Porque demoraste tanto a chegar?
Só tenho amor para dar e estórias para te contar.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20279: Blogpoesia (641): "Noites bravas", "Os frascos" e "Vales sombrios", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Guiné 61/74 – P20293: Memórias de Gabú (José Saúde) (89): Recuperando as “traquinices” do meu camarada Dias. A sua astúcia para contornar as “armadilhas” da guerra. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Memórias de Gabu


Recuperando as “traquinices” do meu camarada Dias
A sua astúcia para contornar as “armadilhas” da guerra

Ouso trazer novamente ao nosso blogue nacos de recordações das memórias de Gabu então ali vividas, agora recuperando as “traquinices” do meu camarada Dias. O rapaz, franzino e com um ar lunático, era uma pessoa que escondia no seu íntimo inadiáveis princípios de um homem culto e politicamente informado.

O antigo furriel miliciano exponha saber e a sua astúcia para contornar as “armadilhas” da guerra eram simplesmente inigualáveis. Raramente pronunciava palavra e a sua postura pessoal restringia-se à sublevação de meias locuções, ou a um profundo silêncio. Tal era a revolta que lhe ia na alma, pensava-se.

Entrava no Bar calado e saía mudo. Aliás, o mesmo acontecia nos momentos das refeições. Nós, aparentemente mais expeditos, puxávamos por ele e… nada. Trazia, sim, consigo uma folha A4 com pequenas frases escritas sendo o teor das mensagens expostas redigidas em código. Por vezes lá ficávamos com a pulga no ouvido acerca do conteúdo do recado. Aliás, a sua intenção seria alertar mentes adormecidas sobre o contexto da guerra e tudo aquilo que a rodeava.

A filosofia quotidiana do Dias causava-nos, de certo modo, apreensão. Falava-se, em surdina, que o fulano, além de eventualmente “cacimbado” era um homem de esquerda, politicamente falando. A sua ironia, ou seja, o escárnio que colocava em cada palavra inscrita no papel que normalmente trazia debaixo do braço, deixava antever que o camarada sabia utilizar os meios para atingir os fins.

Perito no jogo de pingue-pongue o camarada Dias dava grandes cabazadas a um qualquer destemido adversário que porventura lhe fizesse frente. Aí o Dias mostrava supremacia. Era o maior. A curiosidade, porém, é que mesmo durante o jogo de pingue-pongue, que ele adorava, a sua voz pouco ou nada se fazia ouvir.

Convidado para as peladinhas da bola, o Dias desengonçado e com jeito zero para dar chutos na pelota, o bom do camarada guerreava com a redondinha e por vezes delirava a malta com uma finta ancestral que deixava o opositor completamente de rastos. Uma finta de corpo, uma outra em que “trocava os pés e as pernas” e a bola ia parar desconcertadamente ao adversário, resvalava, por norma, para uma gargalhada geral.

Aliás, a malta ria que se fartava com o desengonçado estilo do homem oriundo de Setúbal, mas ele lá mantinha a sua vertical postura. E eram tão giras aquelas tardes em que o futebol proporcionava momentos de lazer.

Acontecia que o furriel miliciano Dias nem no jogo da bola dava abébias aos camaradas. Falava pouco, não discutia uma jogada nem mesmo o resultado final, quer este lhe fosse positivo ou negativo. Para ele estava tudo bem. O banho seguinte, e com água barrenta vinda de um enferrujado chuveiro, limpava-lhe as ideias. O idealismo proporcionava-lhe outros desafios. E o Dias obviamente agradecia aos deuses da sorte.

Depois do 25 de Abril e com o fim da guerrilha no terreno consumada, surgiram os primeiros contactos com elementos do PAIGC. Nessa altura tivemos a oportunidade em observar, e constatar, que o bom do nosso camarada Dias, juntamente com o furriel miliciano enfermeiro Navas, já se tinham envolvido com visitas a bases dos guerrilheiros da PAIGC.

Dizia-se que tanto o Dias como o Navas partiam clandestinamente para esses contactos. Confesso que fui leigo nessa matéria, por isso não vou afirmar convictamente se porventura tudo o que se falava era absolutamente certo. Todavia, ficou a certeza que o camarada Dias era, já nesse tempo, militante ou simpatizante de um partido político que desafiava os bárbaros poderes do Estado Novo.

As suas “bocas”, sempre oportunas e enquadradas com a situação que se vivia na guerra colonial e onde se concentrava a chamada “carne para canhão”, teriam uma força bem maior se elas não fossem proferidas em instalações de sargentos, ou seja, em aposentações em que arraia miúda abundava.

Ah grande camarada Dias, revejo-te na tua luta titânica e o quanto das tuas “dicas” eram estilhaçadas pela força da razão. Lutavas a uma só voz e o teu grito de revolta esfumava-se num ténue horizonte onde os “revoltosos” não tinham cabimento. Outros tempos, outras realidades. 

Setúbal, a tua cidade, aqui tão perto da minha Beja, poderia ser palco de um reencontro entre estes dois velhos camaradas onde as memórias de Gabu proliferam e num abraço fraterno esmiuçarmos esses antigos tempos em que tu secretamente espalhavas, em surdina, doutrina política.  


 Dias, antigo furriel miliciano 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

21 DE OUTUBRO DE 2019 > Guiné 61/74 – P20265: Memórias de Gabú (José Saúde) (88): Manel Pereira, um amigo. (José Saúde)

Guiné 61/74 - P20292: Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Partes II/III: Em Tite, ordem (frustrada) para caçar o 'Nino' Vieira, vivo ou morto; em Bissalanca, voluntário para apanhar as 'canas dos foguetes'


Guiné-Bissau > Bissau > Presidência da República > 6 de Março de 2008 > 'Nino' Vieira em pose de Estado... Foto extraída de vídeo feito durante a audiência que o Presidente João Bernardo Vieira, 'Nino' (1939-2009) deu a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008)... Sem dúvida, faz hoje parte dos 'mitos' fundadores da jovem e conturbada República da Guiné-Bissau... Seguramente foi o homem mais procurado do PAIGC durante a guerra colonial... O seu fantasma era visto por todo o lado... Chegou às mais altas responsabilidades do Estado... Mas nunca nenhum bom guerrilheiro deu um bom estadista... Como político, 'Nino' Vieira é uma figura controversa. O que pensarão dele, hoje, os jovens guineenses que nada sabem da luta pela independência?...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]



[Foto à esquerda: Manuel Rosa Viegas, ex-Furriel da Companhia de Caçadores, nº 1587, Empada , Catió e ilha do Como, entre 1966 e 1968; vive em Faro; é o mais recente membro da Tabanca Grande, nº 798 (*)]

Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Partes II/III:  Em Tite, ordem (frustrada) para caçar o 'Nino' Vieira, vivo ou morto; em Bissalanca,  voluntário para apanhar as 'canas dos foguetes'

Há dias o meu amigo Zé Viegas acordou-me de uma hibernação de mais de cinquenta anos, e convenceu-me a não levar comigo o que vi e o que passei.

Este episódio que vou transcrever é sobre a minha ida a Tite (Parte II). E o outro sobre Bissalanca (Parte III).

Encontrava-me na tabanca dos Fulas, em Empada,  que ficava perto do aeródromo, vi uma avioneta que sobrevoava o aeródromo, pensei que vinha entregar frescos, porque o correio tinha sido entregue de manhã.

Quando me deslocava na sua direção, apareceu o impedido do comandante no jipe a dizer que o comandante queria falar comigo. Pelo caminho fomos à procura do Ceia e do Hermenegildo, um era o apontador da bazuca, o outro era municiador. Começamos a fazer contas de cabeçal  que não estava para acontecer coisa boa. 

Fomos à presença do capitão, que nos cumprimentou efusivamente e disse-nos que tínhamos como missão deixar bem representada a Companhia 1587, e para nos fardarmos devidamente e levarmos o material de guerra que costumávamos utilizar, as instruções seriam dadas depois no local do desembarque. 

Fiquei apreensivo e amedrontado,  não transmitindo aos meus camaradas o que me ia na alma. Fomos para a avioneta sem saber para onde íamos, o piloto cumprimentou-nos e disse para não estarmos preocupados, que tudo ia correr bem... Já no ar perguntei qual era o o nosso destino. Respondeu-me que íamos para Tite. 

Ao aterrarmos veio um oficial buscar-nos, cumprimentou-nos e disse que já me conhecia de uma operação que tínhamos feito juntos. No trajeto até ao gabinete das operações, vi tropas espalhadas por todo o lado, fez- me uma grande confusão... Quando chegámos ao gabinete do capitão é que soubemos a finalidade da nossa ida ali, disse-nos que íamos fazer um ataque surpresa a um sítio onde estava o 'Nino' Vieira, e que receberíamos instruções sobre o nosso lugar na coluna.

Passado um bom bocado fomos jantar, os soldados começaram-se a organizar, íamos descansar e pela madrugada iríamos ao alvo. Veio o dia, quando de repente recebemos ordem que já não se efetuava a operação, o 'Nino' Vieira tinha sido avisado do que estava a ser organizado em Tite, tendo desaparecido do lugar. Por esse motivo a operação não foi concretizada, o que foi um alívio.

Ao transcrever esta operação frustrada, lembrei-me de quando estava em Bissau numa consulta externa... Nessa noite atacaram Bissalanca com canhões sem recuo e não só, apareceram dois condutores à procura de voluntários para Bissalanca, os voluntários não foram muitos, mas chegados lá verificamos que o inimigo largara as granadas e desaparecera...

O pessoal estava todo em alvoroço. Entrei na caserna ocupada por três militares e vi que uma granada caiu lá dentro e desfez quase tudo. Um dos três ocupantes era meu amigo, cabo especialista da Força Aérea, cujo nome era Pinho. Foi ver os estragos dos seus aprestos, estes estavam todos traçados inclusive um casaco de antílope estava todo traçado e preto, não houve mortos nem feridos que eu tenha conhecimento.

Manuel Rosa Viegas
Furriel Miliciano – 75 anos
__________

Guiné 61/74 - P20291: Manuscrito(s) (Luís Graça) (171): Parabéns, mano Zé António Paradela... E toma lá um arrozinho de santieiros...










Tabanca de Candoz > 30 de outubro de 2019 > Os "santieiros" e o arrozinho do nosso contentamento... Vêm as primeiras chuvas e "eles", os cogumelos,  surgem, da noite para o dia, no fundo da terra, junto aos castanheiros e aos carvalhos... Estes são os primeiros cogumelos comestíveis deste ano...Aqui dizem-se "sentieiros"é um regionalismo... 

É um cogumelo comestível [Macrolepiota procera], com chapéu com 10 a 30 centímetros, muito apreciado na região de Entre Douro e Minho... Na região Centro, chamam-lhe "frade"... 


Atenção: há o "frade" comestível[Macrolepiota procera] e o falso "frade", venenoso [Macrolepiota venenata]...

Também se comem... (i) fritos com cebola; ou (ii) assados na brasa, só com uma "pedrinha de sal"!... Enfim, sabores da infância, um petisco, de comer e chorar por mais, dizem os tabanqueiros de Candoz.
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Parabéns, mano!...
E toma lá um arrozinho...
de santieiros!



Zé António Paradela,
Não t’fazia este alarido,
Se a vida não fosse bela,
E tu um amigo querido.

E tu um amigo querido,
Cheio de talentos e afetos,
À beira mar nascido,
Só te falta ter uns netos.

Só te falta ter uns netos,
Quanto ao resto és campeão,
Vida de anos repletos,
E amigos do coração.

E amigos do coração,
Que muito te querem bem,
Da Joana ao João,
E o Tibério também.

E o Tibério também,
Mais o capitão Aveiro,
E, se falta mais alguém,
É o teu filho bacalhoeiro.

É o teu filho bacalhoeiro,
Que não quis ser arquiteto,
Na Terra Nova é o primeiro,
E o mar é o seu projeto.

E o mar é o seu projeto,
Diz a mãe, que é 'madeirense',
Num barco não há chão nem teto,
Confirma o pai, ilhavense.

Confirma o pai, ilhavense,
Poeta do risco  e do mar,
Que o futuro a nós pertence,
E o resto é p'ra quem calhar.

E o resto é p'ra quem calhar,
Já não nos roubam o passado,
A chorar e a cantar,
Foi um tempo bem gozado.

Foi um tempo bem gozado,
Não me venhas cá com tretas,
Mesmo se às vezes mais stressado,
Não estavas mal das canetas.


Não estavas mal das canetas,
Nem te faltavam encomendas,
Agora é só maquetas,
E um gajo não ganha p'ras prendas.

E um gajo não ganha p'ras prendas,
Faz p'ros amigos uns versinhos,
E lá p'ras gregas calendas
Há de te papar uns almocinhos.

Há de te papar uns almocinhos,
Que a amizade não tem preço,
Com abraços e beijinhos,
Vou-me embora e me despeço.

Vou-me embora e me despeço,
Com este arroz de santieiros...
Vais-me dizer: "Eu mais mereço,
E vocês são uns lambareiros".

E vocês são uns lambareiros,
Comem tudo, não deixam nada,
Ainda dizem que são porreiros,
E a Matilde fica... augada!


Quinta de Candoz, 30/10/2019,
Os amigos Luís & Alice
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...

Guiné 61/74 - P20290: Historiografia da presença portuguesa em África (182): Dados Informativos 4, publicação da Agência Geral do Ultramar - Guiné, 1968: Os números da educação e saúde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Estes dados são uma mera curiosidade, podem servir para quem pretenda estudar este período. O sistema educativo era de fresca data, o trabalho missionário, por natureza, não possuía a consistência que o sistema educativo público veio permitir, tanto no liceal como no técnico-profissional, acresce que a própria Agência Geral do Ultramar proporcionava bolsas de estudo para a metrópole. Onde podia haver, com legitimidade, orgulho era no setor da saúde, tanto o sistema público como a atividade missionária, pense-se na Cumura, no Asilo de Bor, no Hospital Central de Bissau, na Missão do Sono, no Combate às Tripanossomíases, nas tabancas-enfermarias, o período colonial marcou pontos na prevenção e combate às doenças tropicais mais agressivas, o Instituto de Medicina Tropical era apresentado como uma entidade de excelência.
Foi o que foi.

Um abraço do
Mário


Guiné, 1968: Os números da educação e saúde

Beja Santos

Um achado na Feira da Ladra, esta edição da Agência Geral do Ultramar, dados informativos sobre todas as províncias ultramarinas.
Retenhamos o que se escreve sobre a Guiné, logo quanto à educação e ensino:
“Na Guiné, a instrução na sua primeira fase e até meados do século XIX, esteve inteiramente confiada aos missionários, que não só catequizavam como ensinavam português.
Em 1883 havia já professores oficiais em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba, Geba e Farim, e em 1890 foi publicado o primeiro Regulamento Escolar da Província, tornando-se o ensino primário obrigatório para as crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 15 anos de idade. Este ensino primário incluía a leitura, escrita e gramática do português, a aritmética, a História de Portugal, a corografia e a geografia, a doutrinação cristã, elementos de agricultura e economia doméstica”.

Dá-se igualmente conta das alterações do sistema educativo na I República e na Ditadura Nacional, e assim se chega aos anos mais recentes já na década de 1960, onde se lê o seguinte:
“No ano lectivo de 1964/65 havia 123 escolas primárias, com 188 professores para 11.664 alunos, e 33 postos escolares, com 53 professores e 1376 alunos. Em 1965/66 os estabelecimentos oficiais, dispondo de 98 agentes de ensino para 3644 alunos, compreendiam 15 escolas e 22 posto escolares. As missões religiosas ensinaram em 36 escolas primárias e 52 postos escolares, com o total de 147 professores para 9800 alunos. Os números provisórios relativos a 1966/67 indicam a existência de 105 escolas primárias, com 280 professores e 12.105 alunos, e de 52 postos escolares, com 64 professores e 4900 alunos.
Os cursos nocturnos, especialmente para adultos, funcionam nas escolas de Bissau, Bolama, Bafatá, Mansoa, Bissorã, Catió, Farim, Nova Lamego, S. Domingos e Teixeira Pinto, e ainda outras. Fazendo parte do ensino primário, embora estranho ao plano oficial, há a contar (1966/67) com 276 escolas muçulmanas, com 278 professores e 4100 alunos.
Em 1958, dado o aumento da frequência do instituto de ensino liceal, foi a Guiné dotada com o Liceu Honório Barreto, em Bissau, com os três ciclos liceais. Em 1961 criou-se o Serviço Liceal Extraordinário, para adultos, em alas nocturnas. O Liceu Honório Barreto, no ano lectivo de 1966/67, teve 417 alunos, leccionados por 21 professores.
Quanto ao ensino técnico-profissional, em 1958, tinha sido instituída em Bissau uma escola técnica elementar, como um primeiro passo para a criação de estudos mais desenvolvidos. Aquela escola foi convertida, no ano seguinte, na Escola Industrial e Comercial. Em Dezembro de 1966, tinha 30 professores e 643 alunos.
Para a formação de quadros dos serviços públicos contava-se em 1966/67, com dois institutos (Correio e Telecomunicações, e Obras Públicas) com 6 professores e 26 alunos”.

Passando para a saúde e assistência, o Regulamento dos Serviços de Saúde e Assistência da Guiné, publicado em 1966, estipula a missão destes serviços: promover a defesa e proteção da saúde das populações, incluindo a prevenção e combate das doenças endémicas e epidémicas; estabelecer normas de salubridade urbana, rural, habitacional, de higiene de trabalho e das indústrias; promover o saneamento do território da Província; manter-se sempre atualizado o estudo das necessidades efetivas de assistência sanitária contra os grandes flagelos sociais e as endemias.

A rede sanitária incluía o Hospital Central de Bissau, 3 hospitais regionais, 6 hospitais rurais, 10 delegacias de saúde, 53 postos de saúde, 10 maternidades regionais nas sedes das delegacias de saúde e outras 12 maternidades rurais.
O Hospital Central de Bissau era assim apresentado:
“É um estabelecimento hospitalar e policlínico, com 356 camas, compreendendo, além dos serviços de medicina e cirurgia geral, as especialidades de pediatria, obstetrícia, oftalmologia, estomatologia, neurologia e psiquiatria, traumatologia e ortopedia, dermatologia e os serviços auxiliares de terapêutica e diagnóstico (de análises clínicas, anatomia patológica, anestesiologia, hemoterapia, radiologia, fisioterapia e dietética). Neste hospital são atendidos e tratados não só os doentes de toda a área do concelho de Bissau como também os doentes evacuados dos centros de saúde que não disponham de serviços especializados. O sempre crescente afluxo de doentes que se vem registando nas diferentes formações sanitárias determinou importantes obras de ampliação e adaptação no Hospital Central de Bissau, que conta hoje com dois blocos operatórios, uma enfermaria reservados exclusivamente a pediatria, encontrando-se em construção novos blocos de enfermarias e uma moderníssima cozinha”.

O documento da Agência Geral do Ultramar carateriza os hospitais regionais e os hospitais rurais, alude ao combate à tuberculose, às brigadas de radiorrastreio, à Missão de Combate às Tripanossomíases, bem como o combate à doença do sono.

Também se contextualiza a atividade missionária, recordando a elevação à categoria de prefeitura apostólica em abril de 1955, com sede em Bissau, compreendendo os três arciprestados de Bissau, Cumura e Bafatá, confiados, respetivamente, aos missionários franciscanos portugueses, padres franciscanos da província de Veneza e missionários do Instituto das Missões Estrangeiras de Milão. Em 1964, havia na prefeitura 22 sacerdotes, 9 irmãos auxiliares e 18 irmãs religiosas. As Irmãs, Hospitaleiras de Nossa Senhora da Conceição, trabalham no Asilo e Creche de Bor, no Hospital Central de Bissau e no Internato Feminino de Bafatá. No censo de 1960, havia cerca de 26 mil católicos e 8 mil catecúmenos.

As missões protestantes na Guiné eram Evangélicas e situavam-se em Bissau, Bissau Novo, Biombo, Bissorã, Teixeira Pinto e Orango. Também segundo o censo, os islamizados, principalmente Mandingas e Fulas, orçavam pelos 182 mil.
E escreve-se:
“Note-se que o avanço do islamismo na Guiné não se fez de uma maneira contínua, mas antes por períodos de expansão seguidos de outros de recuo. A ocupação europeia veio favorecer consideravelmente esse avanço.
A dispersão do islamismo encontra-se ligada ao sistema de confrarias (na Guiné Portuguesa, a dos Cadiriya e a dos Tidjaniya) derivadas do rito malequita. As confrarias são dirigidas por grão-mestres (cheiques), que detêm a emanação da santidade (baraca), sendo muito hierarquizadas. À volta delas gravitam os operadores de milagres, curandeiros, místicos ou iluminados (marabus) ”.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20245: Historiografia da presença portuguesa em África (180): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20289: Agenda cultural (709): Renato Monteiro: "Ciganos", apresentação de projeto fotográfico, 5/11/2019, 18h00, Palácio do Beau-Séjour, Benfica,LIsboa




Renato Monteiro, Xime,
cais fluvial do Xime (c. 1969/70)
Renato Monteiro

(i) ex-fur mil, CART 2439 / CART 11, (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70); 

(ii)  licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 

(iii) professor do ensino secundário reformado; 

(iv) tornou-se um notável fotógrafo do quotidiano, com obra feita (vários álbuns publicados desde 1998; e tem pelo menos 20 blogues de fotografia, com destaque para  Fotografares e A Minha Cave;

(v) nasceu em 1946, no Porto, vive em Lisboa;

(vi) tem mais de meia centena de referências no nosso blogue;

(vii) um dos seus primeiros trabalhos publicados foi "Fotobiografia da Guerra Colonial",   em coautoria com Luís Farinha (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990,  e Círculo de Leitores, 1998).
_______________

Nota do editor:

Último poste da série >  29 de outubro de 2019 >  Guiné 61/74 - P20288: Agenda cultural (708): Conferência "História da China: Relações Portugal-China", pelo prof António Graça de Abreu, dia 30, 4ª feira, às 17h45, no Campus de Carcavelos, NOVA School of Business and Economics

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20288: Agenda cultural (708): Conferência "História da China: Relações Portugal-China", pelo prof António Graça de Abreu, dia 30, 4ª feira, às 17h45, no Campus de Carcavelos, NOVA School of Business and Economics

1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu [ ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74). membro sénior da Tabanca Grande, com c. 240 referências no nosso blogue]


Date: quinta, 24/10/2019 à(s) 13:42

Subject: Conferência Relações Portugal-China

 São todos muito bem vindos à minha conferência 4ª feira, dia 30 de Outubro, às 17,45 na NOVA School of Business an Economics, Carcavelos, sobre "Chinese History: China-Portugal Relations". A conferência é em inglês, organizada pela NOVA China Club.

Nova China Club will organize the lecture "Chinese History: China-Portugal Relations". Gain insights into the past 500 years of Sino-Portuguese relations that are crucial to understand the modern bilateral relations. This means understanding how Portugal and China strengthen their ties through mainly cultural and economic exchanges.

The lecture will be held by Prof. António Graça de Abreu, former teacher at Chinese Culture and History at Universidade NOVA de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisbon and currently in Universidade de Aveiro.

He has published more than 20 books and lived
Fonte: António Graça de Abreu (2019) 
in China in the end of 1970's and beginning of the 1980's witnessing the transformation of the Chinese society first-hand. Since 1990, he has worked as a teacher of the annual courses in Chinese Culture and Civilisation, History of Macau and Chinese History at the Macau Mission in Lisbon and at Fundação Oriente.

The lecture will be hold at Nova SBE (School of Business and Economics, in Carcavelos) on Wednesday, October 30 at 17:45. Sala B 005. Please note that with your registration, you commit to attend the conference.

We are looking forward to welcoming you at the event!

Thank you/ Muito obrigado/ 谢谢! (#)

___________

(#)  Tradução [Google / LG]

O 'NOVA China Club'  vai organizar a palestra "História da China: Relações China-Portugal". Conheça os últimos 500 anos das relações sino-portuguesas que são cruciais para se entender as  relações bilaterais de hoje.  Isso significa entender como Portugal e China fortalecem os seus laços através de trocas principalmente culturais e económicas. 

A palestra será realizada pelo Prof. António Graça de Abreu, ex-professor de História e Cultura Chinesa da Universidade NOVA de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa e atualmente na Universidade de Aveiro. 

Publicou mais de 20 livros e viveu na China no final dos anos 70 e início dos anos 80, testemunhando ao vivo  a transformação da sociedade chinesa. Desde 1990, trabalha como professor dos cursos anuais de Cultura e Civilização Chinesa, História de Macau e História Chinesa na Missão de Macau em Lisboa e na Fundação Oriente. 

A palestra será realizada na NOVA School of Business and Economics, anteriormente Faculdade de Economia , em Carcavelos) na quarta-feira, 30 de outubro, às 17:45. Sala B 005. 
e
Tome nota que, com sua inscrição, compromete-se  a participar da conferência. Estamos ansiosos para recebê-lo no evento!  Muito obrigado.

_____________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20287: Agenda cultural (707): Curso “A Herança Judaica em Portugal” pela Universidade Lusófona: dias 9, 16, 23, e 30 de novembro, Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa, Oeiras


Guiné > c. 1954/55 > Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), entºao  com "seis/sete anos",  e Clara Schwarz da Silva (Lisboa, 1915- Lisboa, 2018).

Foto do arquivo de João Schwarz da Silva, que vive em Paris, e que edita a página da Web, "Des Gens Intéressants". São três membros da mesma família que fazem parte da nossa Tabanca Grande e têm ascendência judaica, como muitos outros portugueses que ignoram completamente esse facto, a herança (genética) hebraica...

Fonte: Página "Des Gents Intéressants", de João Schwarz da Silva (2017) (com a devida vénia...)


1. Mensagem de Maria José Rijo, técnica superior da CM Oeiras:

Data: 29 out 2019 13:52



Assunto: Curso “A Herança Judaica em Portugal” pela Universidade Lusófona:

Sinopse:

Potenciada pela recente lei que permite aos descendentes dos sefarditas obter a nacionalidade portuguesa, a procura e reencontro com a memória e identidade judaica é hoje um forte ponto de interesse em Portugal. Verifica-se uma intensa dinâmica cultural em torno desta temática com a proliferação de museus e centros interpretativos.

Que lugar dão os portugueses a esse património quase desconhecido que hoje se começa a vislumbrar?

Este curso proporcionará uma abordagem aos aspetos mais importantes e significativos da cultura sefardita, neste reencontro fundamental com a nossa História.



Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa, Oeiras


9 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (1ª sessão) – "A herança judaica em Portugal: A antiguidade da presença na Península Ibérica", por Paulo Mendes Pinto.

16 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (2ª sessão) – "A herança judaica em Portugal: Sinagogas, Judiarias e Comunidades",  por António Caria Mendes.

23 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (3ª sessão) – “A Inquisição no património mental”,  por Susana Bastos Mateus


30 Nov, sáb, 11h: Curso Lusófona (4ª sessão) – “As cosmopolitas comunidades da diáspora: Amesterdão e Nova Iorqu",  por Susana Bastos Mateus e Carla Vieira


Preço: 15€ (para todas as sessões)

Informações e inscrições: galeria.verney@cm-oeiras.pt;


Maria José Rijo

Técnica Superior
Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa
Divisão de Bibliotecas e Equipamentos Culturais
Câmara Municipal de Oeiras
Rua Cândido dos Reis, nº90-90 A
2780-211 Oeiras

Tel: 21 440 83 29/ Ext: 51505

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20269: Agenda cultural (706): III Encontros Literários de Montemor-o-Novo, a levar a feito na Biblioteca Municipal Almeida Faria, entre os dias 24 e 27 de Outubro (José Brás)