terça-feira, 1 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21310: Agenda cultural (751): "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné", de José Matos e Luís Barroso, Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020, 146 pp.


O José Matos exibindo o seu último livro (em coautoria com Luís Barrosso), "Nos meandros da guerra; o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Caleidoscópio, 2020)

Capa do livro



1. Mensagem de José Matos, com data de 31 de agosto último, 15:58
 

Olá,  Luís

O meu livro  (*) acabou de sair mando-te o link

https://caleidoscopio.pt/collections/historia-1/products/nos-meandros-da-guerra-o-estado-novo-e-a-africa-do-sul-na-defesa-da-guine

Pedia-te que divulgasses no blogue, mando-te mais algum material. (**)

Ab, 


2. Ficha técnica, sinopse do livro e autores_


Autores: José Matos e Luís Barroso
Edição/reimpressão: 2020
Formato: 170 x 240 x 9mm
Páginas: 146
Tipo capa: Capa mole
Editor: Caleidoscópio
ISBN: 9789896586485
Preco de capa: 15,90€

Nos Meandros da Guerra

O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné

 José Matos e Luís Barroso

 

Sinopse

Nos últimos anos da guerra colonial, o regime português estabeleceu uma aliança secreta com os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia com vista a combater os movimentos de guerrilha em Angola e Moçambique. 

Com recursos financeiros muito limitados, Portugal não hesitou em pedir ajuda à África do Sul que, em 1974, nos concedeu um avultado empréstimo para financiar a guerra nas grandes colónias austrais e, sobretudo, para evitar o colapso militar na Guiné, onde uma derrota militar se afigurava cada vez como mais provável perante uma guerrilha fortemente armada

São os meandros desta estratégia que se pretende traçar neste livro, tendo como finalidade descrever em que consistiam e em que contexto é que ocorreram.


Os Autores

José Matos - Investigador independente em História Militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular da Revista Militar e de revistas europeias de aviação militar e de temas navais. 

Colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Âncora Editora, 2018) e na “A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019). É co-autor de “War of Intervention in Angola, Volume 3: Angolan and Cuban Air Forces, 1975-1989” (Africa@War, Helion, 2020).

Luís Barroso - Coronel de Infantaria e professor de Estratégia e Operações Militares no Instituto Universitário Militar e Academia Militar. É doutorado em História, Defesa e Relações Internacionais pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa e investigador no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL. 

Tem escrito e publicado sobre vários temas de História Contemporânea de Portugal, Estratégia e História Militar e é autor do livro “Salazar, Caetano e o Reduto Branco: A Manobra Político-Diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974)” (Fronteira do Caos Editores, 2012). 


Capa e contracapa do livro de José Matos e Luís Barroso, "Nos meandros da guerra; o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné"

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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P21309: Parabéns a você (1860): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21300: Parabéns a você (1859): António Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Guiné 61/74 – P21308: Memórias de Gabú (José Saúde) (95): Um ranger no momento em que apresentava o grupo ao capitão (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
 
 Memórias de Gabu

Camaradas,  

Contar pormenores da nossa estadia na guerra colonial na Guiné, é tão-só o reviver de imagens que concentram, em todos nós, instantes vividos, mas que, por enquanto, nos vão ainda alimentando a alma.

E são precisamente essas histórias passadas no conflito guineense que me fizeram partir para a elaboração de obras, as quais deixo para a posterioridade, tendo como finalidade passar para as gerações atuais e vindouras, caso assim o queiram, saberem o que foi, de facto, a ida para a guerra de “miúdos”, intitulados então como "carne para canhão”, onde a juventude partia rumo ao desconhecido.

No terreno o “miúdo”, com uma arma na mão, defendia o corpo e a mais não era obrigado. Afinal, a guerra colonial é tão recente e há uma geração, a nossa, que, felizmente, ainda a vive.

Com a chancela da Editora Colibri o meu último livro “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” integra a Coleção “Memórias de Guerra e Revolução”, cuja direção é pertença do Comandante Almada Contreiras.


Um ranger no momento em que apresentava o grupo ao capitão  
Recordando  

O tempo passava por cuidados intensivos. Sair para o mato impunha precaução, quer a missão passasse por mais uma patrulha às tabancas onde a finalidade era efetuar a inevitável incumbência pela então chamada “psicó”, ou para a proteção de uma coluna, ou para mais uma noitada passada a contar as estrelinhas, sendo a guerra feita pelos zumbidos dos mosquitos que não davam folgas ao sossego do militar pronto a dormir, mas… acordado.

Usufruí de profícuos conhecimentos obtidos em Penude, Lamego, Curso de Operações Especiais / Ranger, para que, quanto da minha mobilização para a guerra acontecesse, jamais abdicasse do que me fora ensinado em pleno sopé da Serra das Meadas, a tal “bíblia sagrada” de todos os rangers.

O curso como instruendo fora, para todos, literalmente penoso, sendo que na condição de instrutor readquiri uma outra bagagem, esta acrescida como fundamental no momento áureo em que a guerra era uma verdade indesmentível. Estávamos no auge de uma peleja que não dava descanso e as nossas mobilizações invariavelmente assumidas como certezas absolutas.

Havia, aliás, preceitos, ordens e princípios básicos que impunham bastas regras de autodefesa. Em Gabu conheci a realidade da guerrilha e aos poucos consegui introduzir no grupo a noção da responsabilidade. Uma verdade que passava pela preparação eficaz para uma nova saída. Nada de “baldas” e nem tão-pouco jogarmos com o facilitismo.  

Ao cimo da parada do quartel de Nova Lamego, local onde o pessoal se concentrava mesmo defronte a um casario com diversos fins, ali ouviam-se os dizeres finais. O armazém de material ficava a dois passos. O pessoal ordeiramente formava, distribuíam-se as munições de entre outro material que porventura pudesse ser utilizado, organizavam-se as incumbências de cada militar e dirigiam-se palavras aos camaradas que partiam rumo ao desconhecido.  

Um belo dia preparei a rapaziada, falhei-lhes da minha intenção, adiantando à conversa para que não houvesse gozos e nem a mínima falta de respeito. Estávamos de partida para mais uma incursão aos matagais de Gabu e por perto passava o capitão Rijo, comandante da nossa Companhia, que esboçou a sua admiração com a inesperada postura que ocasionalmente o furriel lhe havia preparado.  

Com o grupo formado e com o capitão Rijo a olhar de soslaio, eis que solto um grito à ranger que se propagou exaustivamente por todo o recinto, dei então dois passos em frente, bem trabalhados, os calcanhares e as solas dos pés a emitirem um som enorme, corpo hirto, uma magistral paulada e com as minhas cordas vocais entoei uma frase que me fora ensinada nos rangers: “Vossa Excelência meu capitão dá-me licença que mande avançar o grupo para mais uma missão”.  

Reparei que a sua primeira atitude foi de espanto. Ele, que era capitão oriundo da GNR, jamais terá imaginado uma atitude tão autoritária de um mero furriel que, entretanto, levou o oficial a lisonjear-se com a bem-aventurada situação. 
 
Mas a sua reposta à minha inesperada solicitação não foi imediata. Meditou e num curto espaço de segundos a sua resposta ao devolver-me a continência foi com a singela palavra – “pode”. 
 
A malta, sempre traquina, divertiu-se depois à fartazana com a “peça” que o furriel tinha feito ao capitão. Mas a marca estava dada para que, em eventuais situações futuras, o capitão respondesse atempadamente ao monograma de um ranger que comandava um pelotão de destemidos soldados.  
Ali não existiam distinções, todos bebiam pelo mesmo cálice e comiam do mesmo prato. Um por todos, todos por um. E era assim a mensagem que diariamente propunha a uma rapaziada jovem que ainda recordo com um respeito enorme.

Histórias alegres empreendidas no interior do arame farpado, mas sempre com o devastador palcio de guerra ali por perto.


O mato

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. também o poste anterior desta série:

Guiné 61/74 - P21307: Notas de leitura (1301): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Só vejo utilidade em apreciar os eventos e propostas do quadro ideológico da mística imperial colonial que se começou a urdir desde as primícias da organização do Estado Novo: a legislação, a divulgação pela Agência Geral das Colónias, a restruturação da Escola Superior Colonial, as exposições que atraíam grande público, em Lisboa e no Porto, a adesão formal às teses do luso-tropicalismo enquanto seguia o seu rumo imparável o Estatuto do Indigenato. Década de propaganda e de ofensiva diplomática, os regimes totalitários da Alemanha e de Itália reivindicam colónias, os governantes não tinham esquecido que britânicos e alemães, antes da I Guerra Mundial, tinham acordado em retalhar o império português, para seu proveito.
É nesta atmosfera que se deve estudar o primeiro cruzeiro de férias às colónias.

Um abraço do
Mário


Aquele cruzeiro de férias sob o signo da mística imperial colonial

Beja Santos

Dentre os estudos publicados em “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, com coordenação de Maria Cardeira da Silva, Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 ressalta uma leitura sobre o “Primeiro Cruzeiro de Férias às Colónias”. De que se trata, que importância se pode atribuir à iniciativa, nessa alvorada da mística imperial colonial? A 10 de Agosto de 1935 saiu do Cais da Fundição o paquete "Moçambique" com destino às colónias ocidentais. Levava no seu bojo 250 excursionistas, entre eles professores, estudantes, aristocratas e comerciantes, e como escreveu o então Ministro das Colónias, José Silvestre Ferreira Bossa “cheios de fé patriótica, vão por seus olhos conhecer a grandeza do nosso Ultramar”. Dois anos mais tarde, realizar-se-á o Primeiro Cruzeiro de Férias dos Estudantes da Colónias à Metrópole, transportando estudantes dos liceus de Angola e Moçambique ao Portugal Europeu, seguido de outro, que levou estudantes de Moçambique a Angola, e mais tarde chegariam ao cais da Nação os cruzeiros dos velhos colonos.


Pondere-se a contextualização ideológica, nacional e internacional. Erguiam-se vozes, mormente na Escola Superior Colonial para a promoção de viagens às colónias nacionais e estrangeiras, pedia-se sem tibieza que se fizessem essas viagens envolvendo professores e alunos, realizando-se conferências, elaborando-se relatórios. Augusto Cunha, escritor e humorista, diretor da revista "O Mundo Português", preparou cuidadosamente esta viagem de barco. Como observam as autoras do artigo, o tempo é de crise económica mundial, particularmente sentida nos territórios coloniais portugueses, produtores de matérias-primas. A Alemanha e a Itália mostram o seu apetite por mais territórios. Os ideólogos do Estado Novo apostam na preparação de gerações mais novas para a consolidação do ideal imperial. No campo ideológico do Estado Novo, com o "Acto Colonial" de 1930 e a "Carta Orgânica do Império Colonial Português" definira-se a missão civilizadora, e reconhecia-se a urgência de ultrapassar o “défice de colonização”, a metrópole e as colónias deviam formar uma “comunidade e solidariedade natural”. Salazar tinha um paladino na mística imperial, Armindo Monteiro, que sobraçara a pasta das Colónias entre 1931 e 1935. Concretizaram-se iniciativas já na perspetiva de dar ressonância a essa mística: em 1933, realizou-se a Conferência Imperial Colonial; em 1934, a I Exposição Colonial Portuguesa no Porto e o I Congresso de Intercâmbio Comercial com as Colónias. A Sociedade de Geografia de Lisboa passou a comemorar a semana das Colónias. O clímax da mística imperial será em 1940 a Exposição Mundial do Mundo Português. Escreve-se no Diário de Notícias de 1 de Agosto de 1935, a propósito do cruzeiro de férias: “É preciso, se queremos voltar a ser um grande povo, que cada português tenha dentro de si o panorama exato das suas possessões”. Marcello Caetano, o mestre orientador do cruzeiro referiu-se à campanha contra o Quinzinho, este era a imagem de um jovem sem caráter, o exatamente oposto ao que o Estado Novo pretendia ser como povo imperial: “As colónias, procuradas pelos melhores de cada geração no ânimo do trabalho, na esperança de construir um Novo Mundo, serão, como já começaram a ser nas campanhas da ocupação a escola na iniciativa, da energia e do carácter. O cruzeiro de férias também é uma campanha: a campanha contra o Quinzinho, a campanha pelo melhoramento moral e intelectual da mocidade portuguesa".

Marcello Caetano aparece assessorado pelos doutores Cardigos dos Reis e Orlando Ribeiro, que se encarregaram de um calendário apertado de cursos para os estudantes e conferências para os seus acompanhantes. Os cursos eram acompanhados de notas e pequenas publicações de apoio preparadas para o efeito. Os estudantes foram estimulados a participar num concurso literário e noutro fotográfico, sujeitos ao tema “O que ouviu em África”. Recordo que já aqui se fez referência ao que Ruy Cinatti escreveu sobre a passagem do cruzeiro na Guiné, exatamente em O Mundo Português.

Marcello Caetano comentará na época numa entrevista ao Diário da Manhã: “Em primeiro lugar vejamos o que o cruzeiro de férias significa nesta nova fase da política colonial. Não há ainda 50 anos a costa de África era o lugar negregado da expiação dos grandes crimes, um motivo dolente de fados da Mouraria: e eis que hoje parte um navio com ar festivo, uma boa parte do escol da mocidade portuguesa e até das camadas dirigentes do país. Os viajantes do cruzeiro são guiados por puro amor de Portugal de além-mar”. Anos depois, em 1958, Marcello Caetano escreverá: “ (…) seria curioso inventariar os estudantes que viajaram no cruzeiro, e ver o que deram na vida. Muitos, muitíssimos mesmo, voltaram ao Ultramar para aí fazerem a sua carreira. Perderam o medo a África ou deixaram-se seduzir por ela".

Há um outro dado do ambiente ideológico que não pode ser escamoteado: a atração sentida pelas teses do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, nomeado em 1938 como membro da Academia Portuguesa de História pelo próprio Salazar. Estas teses do luso-tropicalismo celebravam a miscigenação criada pelos portugueses, era uma fórmula do politicamente correto enquanto na prática vigorava o vigoroso regime do “indigenato”, ainda herdeiro do darwinismo social. Recorde-se ainda que este luso-tropicalismo era aclamado pela UNESCO como bom modelo das relações raciais. Entretanto, o movimento da descolonização começa a descolar e por toda a década de 1950 o quadro ideológico da mística imperial colonial vai-se desagregando, começara com a independência da Índia e da Indonésia, estendia-se agora a África, a um ritmo vertiginoso. E os jovens do cruzeiro de férias deram outros rumos às suas vidas.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21302: Notas de leitura (1300): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Foto 1 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1970) - Vista aérea da tabanca de Bambadinca tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (para leste); Bambadinca-Xitole/Saltinho (para sul) e Bambadinca-Xime (para oeste). Ao fundo, o Rio Geba Estreito [foto do álbum de Humberto Reis, fur mil op esp da CCAÇ 12 (1969/1971)], com a devida vénia.
 

Foto 2 –  Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1972) >  BART 2917 (25Mai70-27Mar72) > Bambadinca; Carreira de Tiro, Março de 1972. Da direita para a esquerda: na primeira fila, o TCor Tiago Martins (Cmdt do BART 3873), o General Spínola, e o TCor Polidoro Monteiro (Cmdt do BART 2917). Atrás, na segunda fila, o Paulo Santiago (Alf mil PCNAT 53, Saltinho, 1970/72, de bigode e ósculos escuros) e o antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro – P11288. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue.
  
MEMÓRIAS CRUZADAS
NA REGIÃO DO "MACARÉU" (BAMBADINCA) EM 1971
- O EXERCÍCIO DE COMPREENDER A REALIDADE E A FICÇÃO 

1.     - INTRODUÇÃO

A contextualização da presente partilha de informação, como pode depreender-se do seu título, tem por cenário uma parcela do território da Guiné, situada na Região Leste (Sector L1), de nome Bambadinca (foto 1), local onde durante dois anos da minha missão ultramarina, na qualidade de miliciano do exército (1972/1974) passei por diversas experiências, entre elas a do "macaréu" (10Ago72; hoje memórias), que, quando cruzadas com outras, nos permitem compreender melhor as diferenças existentes entre "verdade" e "ficção".

Por outro lado, a ideia de colocar no papel uma nova reflexão sobre alguns "factos" relacionados com aquela região, de que tivéramos conhecimento por leituras que foram acontecendo, data do ano de 2016, como iremos dar conta no ponto seguinte.

2.     - O LIVRO DE AL J. VENDER

Mais ou menos há quatro anos, um familiar (dos mais próximos) ofereceu-me o livro «Portugal e as Guerrilhas de África. As guerras portuguesas em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa 1961-1974», da autoria de Albertus Johannes Venter, identificado por AL J. Venter, um conhecido jornalista de guerra, nascido a 25 de Novembro de 1938, em Kroonstad, a sul de Pretória, portanto sul-africano, e que é considerado internacionalmente como "um veterano na cobertura de conflitos em África e no Médio Oriente".


O meu familiar, ao ter a intenção de me oferecer "algo" (já não sei a que propósito), encontrou na expressão "um testemunho surpreendente do único jornalista estrangeiro presente nas três frentes da Guerra Colonial", a opção por esta sua escolha, uma vez que sabia que a temática da «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», conteúdo historiográfico abordado nesta obra, era uma das áreas do meu interesse pessoal, concomitante com o facto de ter sido ex-combatente na Guiné, como já referi.

Entretanto, só passados alguns dias me foi possível folhear o livro, iniciado, por defeito ou virtude (técnica) da prática profissional, pelo índice. Aí encontrei, desde logo, na página 245, o início da Parte II «A Guerra na Guiné Portuguesa», estruturada entre os pontos 12 e 20, ou seja, das páginas 247 a 372.

Chamou-me a atenção o ponto 17. «Guiné Portuguesa: Norte e Leste de Bissau», com início na página 309. Mas foi na página 322 que o meu foco se fixou, naturalmente, por tratar-se de uma referência a Bambadinca, onde é citado o lema «BRAVOS E SEMPRE LEAIS», curiosamente o mesmo do meu Batalhão [BART 3873] – Bambadinca: Fev72-Mar74 – por ser a divisa da Unidade Mobilizadora: o RAP 2 (Regimento de Artilharia Pesada 2), e não a divida do BART 2917, que era «P'LA GUINÈ E SUAS GENTES», como se pode observar no ponto 3.2.

Li, reli e voltei a ler, para me certificar do que estava a entender da narrativa. Mas não queria acreditar, por experiência feita e por muitas leituras já realizadas na minha continuada investigação. Não tive dúvidas!… Estava perante uma "fraude" intelectual e histórica. Grande parte do conteúdo do "conto" não podia ter acontecido… dizia eu em voz alterada para os "meus botões". Era (é) uma gigantesca «ficção» que não só descredibiliza o autor como põe em causa o valor histórico, logo científico, do "objecto" divulgado e que, não raras vezes, é utilizado (citado) na elaboração de trabalhos académicos, como iremos sinalizar de seguida.

2.1       - FACTOS ERRÓNEOS

Para melhor esclarecimento e posterior análise dos "factos erróneos", contidos na narração a que tivemos acesso, reproduz-se na íntegra o seu conteúdo, retirado da página 322, onde consta:

"Em Bambadinca ficava o quartel-general do tenente-coronel João Monteiro [João Polidoro Monteiro], chefe do Batalhão 2917 [BART 2917; de 25Mai70 a 27Mar72] (lema: «Bravos e Sempre Leais», do RAP 2, Unidade mobilizadora); [divisa da Unidade: «P'la Guiné e suas Gentes». O Aquartelamento situava-se num dos poucos rios do interior onde não se fazia sentir a humidade usual da região costeira pantanosa.

A Base controlava [?] uma área que incluía a confluência dos rios Geba e Corubal, outra parte do país que vira muitos confrontos violentos no período anterior a 1968 [triângulo: Bambadinca-Xime-Xitole].

O Último ataque ocorrera exactamente um ano antes de eu chegar [só podia ter sido em 1970]: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para norte do outro lado da fronteira a partir de Kandiafara para tentar cortar e minar a estrada de Bafatá. Num final de tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio [?], retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria atacar outras posições durante o assalto [?].

Foi então que algo correu mal. Um grupo de pisteiros do grupo de ataque colidiu com uma das patrulhas do coronel [João Polidoro] Monteiro [Cmdt do BART 2917] e foi capturada[o] intacta[o], sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC [?]. Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca, onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar.

E foi assim que o general Spínola teve todo o plano de batalha [?] dos guerrilheiros nas suas mãos nessa mesma manhã…"



2.2       - CONTRIBUTOS PARA O CONTRADITÓRIO

Na sequência das várias leituras que fiz aos diversos temas abordados ao longo da obra acima citada, procurei encontrar outras perspectivas que me ajudassem a aliviar "a revolta" que então senti pela imprudência (ou desfaçatez) de tanta "ficção".

◙ Vejamos as principais:

▬ No circuito comercial:

Em "Opinião dos Leitores", Miguel da Costa (04.01.2016) dizia: "Um livro fundamental, escrito por um jornalista credível…Recomendo Vivamente".



▬ Nas redes sociais:

No Blogue "Herdeiro de Aécio", com mais de dois milhões e meio de visualizações, em 16 de Outubro de 2018, o seu editor, A. Teixeira, escreve:




▬ Em trabalhos académicos:





[…]
"Bem ou mal, a história militar da Guerra Colonial Portuguesa está feita (Venter [,Al J.], 2015 [Portugal e as Guerrilhas de África. …]; Afonso & Gomes, 2010; Garcia, 2010; Teixeira, 2010; Leite, 2009; Rebocho, 2009; Brandão, 2008; Garcia, 2006; Cann [John], 2005; Bacelar, 2000)." […] (p 96)

▬ No Blogue da «Tabanca Grande»:

Durante a pesquisa realizada ao espólio fotográfico do blogue, visando a selecção de algumas imagens de Bambadinca para enquadramento deste trabalho, foi com surpresa (e ainda bem!) que encontrei no P17378 (19Mai2017), na série «Notas de leitura», da responsabilidade do camarada Beja Santos, uma análise ao mesmo livro de Al J. Venter "Portugal e as Guerrilhas de África", bem como um conjunto de "comentários" que vieram mesmo a calhar nesta minha narrativa, a saber:

● [Luís Graça] – (i) O referido ataque a Bambadinca foi a 28/5/1969 (ou "flagelação", segundo a história da unidade...), estavas tu em Missirá e eu a chegar a Bissau no "Niassa", ainda deu no dia 2 de junho'69, ao passar por lá, vindo de Bissau a caminho de Contuboel, para ver os estragos (relativamente poucos...) mas sobretudo sentir as reações e emoções da malta da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

(ii) Nunca ouvi esta versão do Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe, ou a melhor a versão contada pelo comandante do BART 2917 (que rendeu o BCAÇ 2852) e registada pelo escritor sul-africano... Será que o inglês do Magalhães Filipe e o português do Venter eram assim tão maus?

(iii) Parece que alguém está a delirar... ou trocou as cassetes... Recorde-se que o BART 2917 chegou a Bambadinca em finais de maio de 1970...

(iv) O Venter deve, portanto, ter falado, talvez em junho ou mesmo princípios de junho de 1970, com o então TCor Art Domingos Magalhães Filipe, que irá ser substituído pelo famoso TCor inf Polidoro Monteiro [situação verificada somente em meados de Dez70, vindo do BCAÇ 2861 (11Fev69-07Dez70), na sequência da conclusão da comissão desta Unidade].

(v) Em conversa há dias [Maio2017] com o Fernando Calado, que foi alf mil trms da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), ele transmitiu-me a seguinte versão dos factos que, de resto, podem ser corroborados pelo Ismael Augusto, outro oficial miliciano da CCS, ambos membros da nossa Tabanca Grande:

■ O relato do escritor sul-africano Al J. Venter é uma falsificação da história;

■ Não houve prisioneiros nenhuns, nem muito menos nenhuma figura grada do PAIGC, e nem muito menos apanhados à mão e trazidos de helicóptero para Bambadinca para serem interrogados;

■ O comandante do BCAÇ 2852 não estava em Bambadinca nem ele nem a esposa.

◙ Em resumo:

▬ 1. - No caso do jornalista sul-africano Al J. Venter ter passado por Bambadinca, a sua visita só poderia ter sido durante o ano de 1971.

▬ 2. - No período em análise não aconteceram quaisquer dos factos "classificados de relevantes" para as NT, narrados na página 322 do seu livro.

▬ 3. - O TCor João Polidoro Monteiro comandou o BART 2917 durante quinze meses, desde a sua chegada a Bambadinca, em meados de Dezembro de 1970 até à sua substituição, verificada em meados de Março de 1972, pelo TCor António Tiago Martins (1919-1992), Cmdt do BART 3873 (28Dez71-04Abr74).

▬ 4. - A maioria dos depoimentos, conforme se infere do acima exposto, são de opinião de que Al J. Venter prestou um mau serviço à causa da "ciência historiográfica" ao narrar "factos" que não constam em nenhum dos Documentos Oficiais, pelo que se pode concluir que "falsificou a história" da «Guerra Colonial», em particular a da Guiné.

▬ 5. - Em função do ponto anterior, sugere-se à «Academia» e à sua comunidade científica, no caso de vir a utilizar este recurso bibliográfico, que tome as devidas precauções, cruzando-o com outras fontes em que se possa confiar.

▬ 6. - É relevante o facto deste livro fazer parte do "Plano Nacional de Leitura"…

3.     – SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 2917 = BAMBADINCA - XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - XITOLE (1970-72)



Foto 3 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Mato Cão > Dez'71 > O TCor João Polidoro Monteiro, último Cmdt do BART 2917 (1970/72), na companhia do Alf Médico Vilar e do Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba – P9034. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


3.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizado pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, o Batalhão de Artilharia 2917 [BART 2917], liderado pelo TCor Art Domingos Magalhães Filipe, mais as suas três Unidades de quadrícula – CART 2714, CART 2715 e CART 2716 – embarcaram em Lisboa, no Cais da Rocha, em 17 de Maio de 1970, domingo, seguindo viagem a bordo do N/M "CARVALHO ARAÚJO", rumo à Guiné (Bissau), onde chegaram a 25 do mesmo mês, 2.ª feira. 



3.2 - SINTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BART 2917

Quatro dias após a sua chegada a Bissau, o BART 2917 seguiu, em 29Mai70, para Bambadinca, a fim de efectuar a sobreposição e render o BCAÇ 2852 [30Jun68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º); TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º) e TCor Inf Jovelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real (3.º)], assumindo em 07Jun70 a responsabilidade do Sector L1, com sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Xime [CART 2715], Xitole [CART 2716] e Mansambo [CART 2714] e Bambadinca [CCS e Cmd].

As suas três subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do Batalhão. Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado a realização de diversas operações, patrulhamentos, emboscadas e protecção e segurança dos itinerários e ainda promovendo a segurança e protecção dos trabalhos de construção de aldeamentos para as populações e correspondente desenvolvimento socioeconómico.

Da sua actividade destacam-se, entre outras, as operações «Corrida Entusiástica» e «Triângulo Vermelho», e ainda a organização e funcionamento do Centro de Instrução de Milícias [CIM], bem como a captura de diverso material de guerra, como sejam duas metralhadoras ligeiras, uma espingarda, um lança-granadas foguete, quinze granadas de armas pesadas, cinco minas e elevada quantidade de munições de armas ligeiras.

Em 15Mar72, o BART 2917 foi substituído no sector de Bambadinca pelo BART 3873 [Dez71-Abr74] e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, que aconteceu entre os dias 24 e 27 de Março de 1972, a bordo dos TAM. (Ceca; p. 228).



● A DA CART 2714

A CART 2714, do Cap Art José Manuel da Silva Agordela, seguiu em 29Mai70 para Mansambo a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 2404 [30Jul68-16Jul70; do Cap Mil Inf Carlos Alberto Franqueira de Sousa (1.º)], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector. 

Por períodos variáveis, destacou Grs Comb para reforço de outras subunidades do sector, mantendo também um Gr Comb em reforço da CART 2715, no Xime, a partir de 23Set70. Em 14Mar72, foi rendida no subsector de Mansambo pela CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], após o que recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 24 de Março.

● A DA CART 2715

A CART 2715, do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1.º), seguiu em 31Mai70 para o Xime a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2520 [29Mai69-17Mar71; do Cap Mil Art António dos Santos Maltez], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento no Enxalé, sendo este guarnecido ora com um Gr Comb, ora com dois, conforme as necessidades operacionais. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xime pela CART 3494 [28Dez71-03Abr74; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º); Cap Art António José Pereira da Costa (2.º) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho Costa (3.º)], tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 25 de Março.

● A DA CART 2716

A CART 2716, do Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida, seguiu em 29Mai70 para o Xitole a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2413 [16Ago68-18Jun70; do Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um Gr Comb destacado na ponte do Rio Pulom. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xitole pela CART 3492 [29Dez71-01Abr74; do Cap Mil Inf António Vítor Ribeiro Mendes Godinho], tendo recolhido seguidamente a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 26 de Março. (Ceca; p. 229).
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Fontes Consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
28AGO2020
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Nota do editor

Último poste da série "Memórias cruzadas" > 18 de agosto de 202 > Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)

Vd. também:

15 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 30 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21305: Blogpoesia (693): "As falésias", "Em ondas mansas..." e "As primeiras impressões", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


As falésias

Golpes na terra. Sangrando ao sol.
Esterilizou-lhes o verde das plantas.
Lascas estéreis
Não sustentam as raízes.
Não oferecem segurança à superfície.
Oferecem panoramas deliciosos sobre o mar.
Por isso as procuram os sonhadores.
Correndo o risco sério de desabar.
Nem nas rochosas se pode confiar.
Pedaços de encosta em ferida.
A chuva lhes dá nervuras.
O sol as queima sem pudor.
Fujam delas sobre as praias.
Por certo, virá o dia da derrocada sem aviso.
Pior que morrer no mar...

Berlim, 29 de Agosto de 2020
8h24m
Jlmg

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Em ondas mansas…

Chega à praia em ondas breves o mar do meu pensamento.
Escrevem na areia poemas com o sargaço verde que o mar ditou.
Estremeço a lê-los. Tiritando ao frio.
Minha alma aquece no contentamento de cada verso aceso.
Me extasio perante a imensidão do mar.
A inspiração é breve.
Só enquanto brilha o sol no horizonte.
Recolhida em sonho, dormita pela noite branca.
Reina o silêncio no firmamento.
Minha mente se sacia da beleza azul que bebeu do mar…

Berlim, 28 de Agosto de 2020
8h14m
Jlmg

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As primeiras impressões

Há em nós um relógio milimétrico que trabalha as impressões.
Seu visor são nossos olhos.
Se fixam na face da pessoa.
Prescrutam as radiações da sua mente.
Comparam-nas com as suas.
As semelhanças e as diferenças.
Se o saldo for positivo, há condições para um fecundo entendimento.
Se não, se abrem as portas da reserva.
Dificilmente deixará de ser superficial a relação.
O tempo é, por demais, caro para se desperdiçar.
Raramente enganam as primeiras impressões.
Vêem muito mais para lá dos nossos olhos...

Berlim, 24 de Agosto de 2020
9h7m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21286: Blogpoesia (692): "Balancear...", "Salpicos de bem..." e "Será desta", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728