domingo, 24 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21803: In Memoriam (383): General Ricardo Durão (1928-2021), ex-2.º Comandante do BCAV 705 (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

IN MEMORIAM

General Ricardo Durão
(1928-2021)


1. Em mensagem de 23 de Janeiro de 2021, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu"), enviou-nos este texto de homenagem ao General Ricardo Durão, que foi 2.º Comandante do BCAV 705, falecido no passado dia 22.


In Memoriam
General Ricardo Durão, meu Comandante, meu Camarada na Guerra da Guiné

Faleceu sexta-feira, dia 22, aos 92 anos de idade.

A notícia é oriunda do Comité Olímpico de Portugal… como atleta da modalidade de pentatlo moderno, que representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952.
O cidadão Ricardo Durão era mais que atleta – era um militar português de primeira água.

Eis o que conheci dele.

Em meados de 1965, o meu Batalhão foi colocado no sector do Leste da Guerra da Guiné, sediado em Nova Lamego, as suas subunidades em Madina do Boé, Beli, Camajabá, Buruntuma, etc. e a unidade foi perdendo o brio e o moral, reflexo de um comando omisso, e, sobretudo, das idiossincrasias do seu 2.º comandante.
Aguentei a crise aguda de paludismo, mas em sequela fiquei muito debilitado, os rins afectados, as costas curvadas e arrimava-me a um cajado, para me deslocar. O sempre solícito Alferes-Dr. João Sequeira – está de saúde e recomenda-se, ainda operacional lá para os lados de Almada - receitou-me um tratamento externo, na Missão do Sono – cheguei a Nova Lamego no dia a seguir ao da tomada do Major Ricardo Durão do posto Segundo-comandante, o QG tinha posto os patins ao que viera substituir.

A CCS Jogava futebol a meio da manhã, ele vinha participar, notou-me entre os poucos assistentes, quis saber o que tinha e disse-me que podia contar com ele. Era um superior de outro campeonato!
O jogo decorria, subitamente o capitão das “Informações e Operações” "fez-se” ao cabo mecânico e berrou: - Fora, rua!
- Meu Major, ele “espetou-me uma pantufada!
- Sentença do Major: - Nosso cabo, entre! Nosso capitão, isto não é para senhoras, saia!

Todos emudeceram de espanto – e disputa continuou e mais dura.
O tratamento era doloroso, aplicavam-me umas injecções parecidas com azeite que me paralisavam as ancas, além de paralítico ceguei durante dois ou três dias e todas as manhãs o Major Durão vinha interessar-se pelos externos pacientes – éramos quatro. Em menos de um mês o Batalhão estava galvanizado e tornou-se notória a exultação pela mudança dos capitães operacionais – Fernando Lacerda e Fernando Ataíde, ainda bem vivos e recomendam-se.
Nós viemos embora e o Major Ricardo Durão foi para o QG.

Recordo o seu aparecimento na TV, como delegado da JSN no Ministério do Trabalho, com a farda n.º 1, os galões de Tenente-coronel e a sua explicação que também era trabalhador e aquela a sua roupa de trabalho e a reportagem da sua ida a Tancos com o Capitão Salgueiro Maia, no contexto do 11 de Março de 1975 – foi metido na prisão, mas, com o seu depoimento, salvou dessa sorte aquele seu subordinado, aquele valente e honesto “capitão de Abril”.
O Capitão Salgueiro Maia nunca mais foi o mesmo, após os eventos daquele 11 de Março.

Noutro contexto, comovi-me, ao ver o já General Ricardo Durão, de lágrimas a deslizar no rosto e a dizer, na sua sinceridade, sem ódio nem rancor, ter sido metido no Forte de Caxias, obrigado a despir-se, a ficar nu em pêlo, para ser escarnecido pelos “revolucionários”…

Descanse em paz, General Ricardo Durão. Sentidos pêsames à sua Família.
Manuel Luís Lomba


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GENERAL RICARDO DURÃO

- Nasceu em Setúbal em 13 de Junho de 1928.
- Fez os estudos primários em Setúbal e os secundários no Colégio Militar (1938-45).
- Frequentou os Preparatórios Militares na Faculdade de Ciências de Lisboa (1945-46) e de Coimbra (1946-47) e completou o Curso de Cavalaria em 1950.
- Foi promovido sucessivamente a Alferes (1950), Tenente (1952), Capitão (1959), por distinção por feitos em campanha a Major (1965), Ten. Coronel (1969), Coronel (1974), Brigadeiro (1978), General (1983).
- Como Oficial General desempenhou as funções de Comandante da Região Militar Sul (1979/81), Director do Serviço de Justiça e Disciplina do Estado Maior do Exército (1981/83), Director da Arma de Cavalaria (1983/84), Comandante da Região Militar de Lisboa/Governador Militar de Lisboa (1984/87), Juiz Vogal do Supremo Tribunal Militar (1987/93).
- Cumpriu as seguintes comissões no Ultramar: Comandante de Companhia de Cavalaria 122 em Angola (1961/63), Oficial de Operações do Batalhão de Cavalaria 757, 2.º Comandante do Batalhão de Cavalaria 705, Chefe da Secção de Contra-Informação/Repartição de Informações do QG do Comando Territorial Independente da Guiné (1965/67), Chefe da Repartição de Operações do QG do Comando-Chefe da Guiné (1968/70), Comandante Militar de S. Tomé e Príncipe (1971/74).
- Tem averbado 22 louvores individuais (sendo 9 de Oficial General, 3 de Chefe do Estado-Maior do Exército e 3 de Ministro) e 2 colectivos da Companhia de Cavalaria que comandou em Angola.
- Após 25 de Abril de 1974 desempenhou funções de Delegado da Junta de Salvação Nacional no Ministério do Trabalho e foi Delegado da Assembleia do MFA, eleito na Região Militar de Tomar (1974-1975).
- Transitou para a situação de Reserva em 1987 e passou à Reforma em 1995.


Com a devida vénia a Gugol Livreiros

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21802: In Memoriam (382): Isabel Levezinho (1952-2020): (e)terna lembrança, um mês depois da sua partida para a última viagem, sem regresso, que um dia todos teremos de fazer (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21802: In Memoriam (382): Isabel Levezinho (1952-2020): (e)terna lembrança, um mês depois da sua partida para a última viagem, sem regresso, que um dia todos teremos de fazer (Luís Graça)


 



Vila do Bispo > Cabo de São Vicente, a 4 km da ponta de Sagres >  "A foto que junto, foi tirada no Cabo de São Vicente em 8 de janeiro de 2014. [Estou confinado, em Paço d'Arcos,]. Se estivesse em Sagres, teria mais escolha, mas gostei desta pelo enquadramento".

Foto (e legenda): © António Levezinho  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ainda "embrulhado" com a penosa burocracia decorrente da morte da sua companheira de uma vida, o António Levezinho (Tony, para os amigos, "meu amigo do peito e mano", desde os tempos duros da Guiné), deu "luz verde" à minha intenção de, um mês depois da sua morte, fazer aqui um pequena homenagem pública à Isabel Levezinho (1952-2020).

Manifestei-lhe o meu desejo de lhe dedicar um soneto. E ele respondeu-me de imediato:

(...) "Onde ela agora estiver, a nossa Isabelinha vai sentir-se muito honrada e feliz por merecer o teu desejo de lhe escreveres um soneto. Sobre ela o que de mais marcante no seu carácter me atrevo a referir era uma certa tendência natural para evitar ser 'o centro da sala' "(...)

Do que ele me confidenciou (e de que me pediu a natural reserva), destaco apenas a carreira da Isabel na Galp:

 (...) "Profissionalmente, foi diligente e também fez carreira a pulso. A área financeira foi sempre o seu campo de atuação (adorava números) e do que me foi dado a perceber, sentia-se como peixe na água a fazer gestão diária de tesouraria, tendo deixado na banca, com quem tinha que negociar saldos, uma boa imagem. " (...)

Casaram-se cedo, em 1970, ela 18 anos, e o Tony na Guiné... Ainda tentou, em vão, ir com ele nas férias... Teria sido penoso, para todos, ela acompanhá-lo, para mais numa zona de guerra. O Tony voltou em março de 1971. E ela foi mãe antes dos 20. 

O Tony tem dois filhos e um neto, o Di, que hoje faz 14 aninhos (, um grande alfabravo de parabéns, para ele, que os netos dos nossos camaradas nossos netos são!).

(... ) "Em Sagres [, na casa do Martinhal], já fora da vida ativa, dedicou-se à aprendizagem de algumas artes  decorativas.  Dessa experiência ficaram, nomeadamente, alguns tapetes de Arraiolos os quais ainda hoje decoram as nossas casas.  Contudo 'a menina dos seus olhos' era o jardim onde passava muito do seu tempo, sempre a 'inventar' algo mais para só de lá sair agarrada às costas.

"Já tenho muitas saudades daqueles fins de tarde em que lhe 'gritava': ainda não achas que já são horas de parar?" (...)

O coração deixou de bater no dia 24 de dezembro último, logo pela manhã (*)... 

As palavras que o Tony me escreveu anteontem, e que me tocaram, serviram para inspiração do meu soneto. Disse-lhe, em resposta: 

(...) "Vou-me esforçar por lhe (e te) escrever um soneto bonito...Na realidade, não posso evocá-la sem ti....sem a tua cumplicidae, o teu compareinhismo e o teu amor... Chegar aos 50 anos, como casal, foi muito bonito,e deixar esse testemunho de vida, para os teus filhos e para o teu neto e para os teus amigos, é muito tocante, e faz-nos muito bem a todos, é a forma mais saudável de fazermos o luto pela perda (sempre irreparável e absurda) de quem amamos"...

Mandei-lhe esta manhã o soneto, acabado de ultimar, e ele deu-me o OK para o publicar no blogue, partilhando-o com as bons camaradas e amigos que ele aqui tem e que privaram, alguns, com a Isabel:

(...) "Ainda hoje parece ter sido um pesadelo, mas a verdade é que levaram-nos a Isabel faz já um mês. As saudades não param de aumentar e apenas as recordações mitigam esta dor que nos tomou a todos. O teu bonito soneto envolve a imagem da Isabel em amor e saudade, na medida certa das palavras que lhe dedicas." (...)

O Tony é membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2006. (**)

2. In Memoriam: Isabel Levezinho (1952-2020): 

uma (e)terna lembrança


Querida Isabel, há um mês que partiste, 

Em viagem sem regresso, deixando os teus

Devastados, crendo porém que lá nos céus,

Das almas boas, tens lugar, e que ele existe.

 

Sabem que não desistirás dos teus amores,

Mantendo para eles um jardim secreto,

E, por isso mesmo, sem acesso direto,

Mas que transforma dor e saudades em flores.

 

Haverá momentos difíceis, fins de tarde,

Em Paço d’Arcos, em Sagres, no Martinhal,

Em que o corpo sangra, em que a alma arde.

 

Mas também, por certo, um canteiro florido,

E nele verão teu sorriso matinal,

Como se, p’ra eles, nunca tivesses morrido.


Luís Graça, 
Lourinhã, 24 de janeiro de 2021, 6h00

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 25 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21692: In Memoriam (378): Isabel Levezinho (Lisboa, 1952 - Oeiras, 2020), esposa do Tony Levezinho (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)... A sua memória fica inscrita, a título póstumo, no lugar nº 824, sob o fraterno e simbólico poilão da Tabanca Grande (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 9 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P735: Tabanca Grande: António Eugénio da Silva Levezinho (Tony Levezinho) da CCAÇ 12

Guiné 61/74 - P21801: Blogpoesia (715): "Naquelas paredes negras", "Vou partir" e "Tem sabor a fado", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Naquelas paredes negras

Naquelas paredes negras há casas e lares
Há dores escondidas.
Há sonhos.
Há saudades do passado.
De quando se vadiava pelas ruas,
Como um recreio da escola
A que não se ia.
Há sonhos dum futuro farto e abundante
De saúde e de saudades.
Há janelas debruadas de vermelho,
Um tição de vida a arder e não se apaga.
Há raios de sol enviezado.
Que vence as frestas das janelas.
Há cantos de sereias e de outonos ressequidos do verão.
Celeiros loiros de fartura
Como se fome nunca houvesse.


Berlim, 21 de Janeiro de 2021
Jlmg


********************

Vou partir

Vou zarpar desta terra contaminada.
Tu ficou pior.
A maldição choveu.
Inundou-a.
Já nem nos lembramos de como era.
Aquela liberdade de caminhar.
Subir as serras.
Trepar montanhas.
Banhar na praia,
Com sol e saudades da primavera.
De repente e, sem o esperar, ficamos nus.
Vestidos de maldição.
Quem me dera aquelas manhãs na praia.
O banho frio pelas manhãs.
Remédio santo para tdas as malditas constipações.
Gripes mortais ou não.
Esta, porém, não arreda pé.
Resiste ao tempo.
Consome os mais serenos.
Atira ao chão os arrgantes.
Ricos ou poderosos.
Pobres e desprotegidos.
Tudo vai a eito.
Um castigo. Uma maldição.
Não adianta refilar.
Com más caras ou não.
Tudo se dobra perante ela.
E, não se vê remédio.
Só irá quando ela quiser.
Arre!...


Ovindo Hélène Grimaud ao piano tocando Mozart ao piano

Berlim, 23 de Janeiro de 2021,
20h e 27m
Jlmg


********************

Tem sabor a fado

Tem sabor esta melodia.
Lembra outras eras.
Outras madrugadas.
Eram puras as folias.
Não havia horas.
Nem o amanhecer do sol
Adormecia a magia das guitarras.
Se vinha para as ruelas.
A ver o romper do dia.
Horas mágicas eram aquelas.
Tinham a sedução do sonho e do infinito.


Berlim, 24 de Janeiro de 2021
8h1m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21776: Blogpoesia (714): "A Tannhauser de Wagner", "Prefiro o cantar dos cucos", "A locomotiva" e "Meras coincidências?", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 23 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21800: Os nossos enfermeiros (14): Na falta de médicos, optou-se pela secção sanitária a nível de companhia: um fur mil enf e três 1.ºs cabos aux enf (António J. Pereira da Costa / Paulo Santiago / António Carvalho / José Teixeira / Luís Graça)


Guiné >Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > 1969 (ao tempo do BCAÇ 2852, 1968/70) > Da esquerda para a direita, o 1º cabo aux enf Fernando [Andrade] Sousa (, vive na Trofa), o 1º cabo aux enf Carlos Alberto Rentes dos Santos ), é de Amarante, vive em França), o fur mil enf João Carreiro Martins (,vive em Lisboa) e o alf mil at cav José António G. Rodrigues (, já falecido, vivia em Lisboa; estava aqui de oficial de dia, era o cmdt do 4º Gr Comb).


Guiné >Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > 1969 
 (ao tempo do BCAÇ 2852, 1968/70)  > Três elementos dos serviços de saúde: ao centro, o fur mil enf João Carreiro Martins;  à sua esquerda,  o 1º cabo ex enf Fernando [Andrade]Sousa; e à sua direita o 1º cabo aux enf José Maria S. Faleiro (, morada actual desconhecida; foi dos primeiros a ser evacuado por doença intectocontagiosa, ainda em 1969).

Os três militares da CCAÇ 12 estão junto ao monumento erigido pela CCAÇ 1551 / BCAC 1888 (Bambadinca, mai - nov 1966; Fá Mandinga, nov 1966 - jan 1968): além de Bambadinca, teve pessoal destacado em Xitole, Saltinho, Mansambo; Missirá e Dulombi).


Fotos (e legendas): © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. Comentários a vários postes sobre os serviços de saúde militares, e os nossos médicos e enfermeiros:


(i) António J.Pereira da Costa (*)


Louvemos o coronel médico Carlos Reis Alves, pela sua acção variada e pelo médico que foi ou ainda é. O conhecimento é algo que não nos podemos despir e que podemos aplicar sempre.

Pela recensão que foi apresentada podemos concluir que a sua acção dirá respeito a um TO [Angola] e num dado momento da Guerra [1970/71].

As alterações que se verificaram são consequência do "problema do pessoal" ou falta dele... Efectivamente seria lógico que em cada companhia existisse um médico. Efectivamente, teríamos uma unidade isolada - como era habitual - à qual estava ligada uma população que, às vezes atingia os milhares de pessoas.

Porém, o número de médicos não chegava e, assim rapidamente se resvalou para um médico por batalhão que era manifestamente insuficiente, devido à dispersão das unidades no terreno. E era o mínimo dos mínimos.

Assim, surge-nos o trabalho das Secções Sanitárias, sob o comando do furriel e com 3 cabos auxiliares de enfermagem (maqueiros), cujo trabalho foi heróico, quer pela insuficiência de meios, quer pela falta de conhecimentos, quer pelas variadíssimas situações que lhe poderiam surgir. Mas este será um tema para outro estudo.

Recordo que, no BArt 1896 e BCaç 2834, havia dois médicos, um em Cacine e outro em Buba.

Em Mansoa, havia também dois médicos no BCaç 4612, ambos em Mansoa. Um deles visitou a CArt 3567. Curiosamente era... ginecologista.


(ii) Paulo Santiago  (**)

No Saltinho, ao tempo da CCaçç 2701, havia Médico, o Dr Martins Faria, que era de Guimarães e faleceu precocemente há uns vinte anos. 

Na mesma altura,também havia médico no Xitole, o Dr Nunes de Matos.

No Saltinho, deixou de haver médico quando lá estava a Companhia da tragédia [ do Quirafo
, a CCAÇ 3490, Saltinho, 1972/74].

No Xitole [, CCAÇ 3492 /BART 3873, Xitole, 1972/74] continuou a haver Médico. O Dr Azevedo curou-me um otite.

Em Galomaro [, CCS / BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74], 
esteve o Dr Veloso, foi Director do IPO do Porto, e agora julgo ser Presidente da Liga. O Dr Pereira Coelho também esteve em Galomaro, mas tive pouco contacto com ele. 


(iii) António Carvalho [Carvalho de Mampatá] (**)

Caro amigo Teixeira e caros tabanqueiros

É (como costuma ser) interessante esta tua descrição pormenorizada da tua passagem por locais da Guiné, alguns deles comuns à minha permanência lá, pouco tempo depois.

No meu tempo, a minha companhia 
[, CART 6250/72, Mampatá,1972-74] tinha quatro Cabos Auxiliares de Enfermagem ( Celso, Gomes, Pinto e Azevedo), um por cada grupo de combate. Eram todos desenrascados e excelentes no mato.

Eu [, furriel enfermeiro,] estava mais na Enfermaria do Quartel, mas, algumas vezes, por doença ou férias de um 1º Cabo, ou ainda quando o Capitão saía, tinha também que alinhar no mato.

Nunca fiz qualquer diário, infelizmente, por isso não posso fazer descrições muito minuciosas de como aquilo funcionava. 

 Certo é que só havia um Alferes Médico na sede do Batalhão [BCAÇ 3852], em Aldeia Formosa, e esse era, segundo o que conheço, no período 72/74, o panorama geral naquele território.

O Médico terá visitado a nossa Companhia uma ou duas vezes , no decurso da comissão. O que sucedia com mais frequência era eu deslocar-me a Aldeia Formosa para receber instruções ou formação do Médico.

Na enfermaria do aquartelamento de Mampatá, havia dois turnos de trabalho, um destinado a pessoal civil e outro a pessoal militar. Claro que qualquer civil ou militar era atendido em qualquer um dos turnos e em qualquer hora se se tratasse de alguém que padecesse de algum ferimento ou doença grave que requeresse atendimento imediato. Os civis eram tratados com os melhores meios disponíveis, nada lhes sendo regateado. Estávamos, então, no tempo do Spínola. 

 
(iv) José Teixeira (**)

Bom amigo Carvalho: No tempo em que estive em Mampatá era o enfermeiro do Grupo de Combate aí sediado.

A Companhia [, CCAÇ 2381, 1968/70,]  estava sediada em Aldeia Formosa e tinha um Gr Comb em Mampatá e outro na Chamarra. Em Aldeia Formosa ficaram dois Gr Comb e um cabo auxiliar de enfermeiro.

Como o Furriel se estava nas tintas , era o desgraçado que alinhava em todas. Por exemplo: ia a Buba na coluna, regressava no dia seguinte com as viaturas carregadas e no outro dia a seguir partia para Gandembel.

Era duro, até porque as saídas de batimento da zona era feita a nível de Gr Comb e o desgraçado estava sempre a alinhar. Por esta razão eu sempre disse que fui um homem de sorte.

Eu montava o meu posto de socorros num sobrado de uma casa e atendia os meus camaradas e a população em geral. Foi um tempo bom para mim pelo que me pude dedicar à população, conhecer as pessoas os seus hábitos e valores, etc


(v) Luís Graça (***)

Em comentário à publicação do álbum de Fernando Andrade Sousa que foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa
, escrevemos o seguinte:

É inacreditável como é que a CCAÇ 12, uma subunidade de intervenção ao serviço do BCAÇ 2852 e depois do BART 2917, só tinha dois enfermeiros operacionais para alinhar no mato, aliás, dois 1ºs cabos aux enf, o Fernando Sousa e o Carlos Alberto Rentes dos Santos.

E este último só por pouco tempo, já que foi trabalhar como carpinteiro (!) no reordenamento de Nhabijões!... 

O 1º cabo aux enf José Maria S. Faleiro foi cedo evacuado para a metrópole. por doença infetocontagiosa (creio que hepatite) e e só muito mais tarde foi substituído pelo 1º cabo aux enf Fernando B. Gonçalves [, de quem já nem me lembro].

Os médicos e os furrieis enfermeiros (como era o caso do nosso João Carreiro Martins, de resto já enfermeiro na vida civil ) não alinhavam no mato (!), sendo cada vez mais absorvidos pelas tarefas de prestação de cuidados de saúde às populações civis!...

Spínola parecia confiar apenas no HM 241, nos helicópteros da FAP e nas enfermeiras paraquedistas que vinham fazer as evacuações Ypsilon!... 

Mas é legítimo perguntar-se: quantos camaradas nossos não terão morrido por falta de primeiros socorros e reanimação no mato!... A vida ali contava-se ao segundo... E nenhuma graduado tinha aprendido na recruta e na especialidade a fazer um simples garrote para estancar um ferimento de bala numa perna ou num braço!... Muito menos administrar um soro... É que os enfermeiros também eram alvos a abater, no caso de uma emboscada no mato.,,

Nunca vi ninguém protestar por esta insólita situação. A política da "Guiné Melhor" levou Spínola a "canibalizar", literalmente,  o seu próprio exército: alguns dos nossos melhores operacionais eram afetados a missões civis, como os reordenamentos, os postes militares escolares e os serviços de saúde! Spínola tinha pressa em "roubar" as populações ao PAIGC... 

Com a melhor das intenções, acabou por desfalcar as companhias que andavam na "porrada"... Enfim, não sabemos  o que se passava com as tropas especiais,que tinham outro estatuto e poder reivindicativo... Seria interessante saber como estavam organizados os serviços de saúde nos destacamentos de fuzileiros especiais, nas companhias de comandos, no BCP 12...

Mais: a CCAÇ 12 é obrigada a participar directamente no "projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões", ao tempo do BCAÇ 2852 (e depois do BART 2917), fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelos operacionais:

  • alf mil António Carlão (cmdt do 2º Gr Comb, já falecido);
  • fur mil at inf Joaquim M. A. Fernandes (cmdt da 1ª seção do 4º Gr Comb);
  • 1º cabo at inf Virgílio Encarnação (cmdt da 3ª seção do 4º Gr Comb);
  • sold arv at int Alfa Baldé.

Foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969, estava  a CCAÇ 12 há três meses em Bambadinca, à ordens do BCAÇ 2852...

Foram ainda requisitados à CCAÇ 12 dois carpinteiros, um  1º cab at inf (cujo nome ainda consegui saber) e próprio 1º cabo aux enf Carlos Albertos Rentes dos Santos.

A CCÇ 12 tinham 24 operacionais (graduados e 1ºs cabos atiradores),
metropolitanos, e uma centena de praças do recrutamento local, distribuídos por 4 grupos de combate, sem contar com os especialistas, metropolitanos (condutores auto, transmissões, enfermagem, etc., ao todo uns 35/40). 

Os 4 elementos operacionais brancos que são retirados à companhia, representavam... um 1/6 do total!

Na prática, e durante muitos meses, o pobre do 1º cabo aux enf Fernando Andrade Sousa era o único a "alinhar no mato", dos 4 elementos iniciais da equipa de saúde!... (A CCAÇ 12 não tinha, de resto, soldados maqueiros; é possível que, por vezes, tenha alinhado o pessoal sanitário da CCS em operações a nível de batalhão).

E o Fernando também tinha, além disso, de integrar as equipas de "ação psicossocioal" (!), por exemplo, as visitas às tabancas, vacinação, etc.... E mais: ia todos os dias para o poste de saúde quando estava em Bambadinca!... E ainda foi destacado, dois ou três meses, no princípio de 1970, para o Xime da CART 2520, que estava sem enfermeiro!...

Em conclusão foram homens como o Fernando Anadrade Sousa, "marca c...",, como se diz no Norte, que seguraram as pontas desta "p... de guerra"!... (Julgo que levou, no fim, um louvor, averbado na caderneta militar, como seria, de resto, da mais elementar justiça!... Era o mínimo que  o capitão lhe podia dar!).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21781: Nota de leitura (1335): Os serviços de saúde militar e a guerra colonial - Parte I (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21799: Os nossos seres, saberes e lazeres (434): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (3): Das Caldas da Rainha à Foz do Arelho (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Era impossível escapar à rota caldense, um convívio que se encetou há mais de 60 anos, tudo por causa das férias na Foz do Arelho, inevitável não ir à Praça da Fruta, D. Anita, minha madrinha, acolitada por marido e ajudantes, abastecia-se de fruta e legumes, carne e peixe, nenhuma das refeições tinha menos de dez pessoas. Havia escapadas até à Pastelaria Machado, com os seus doces icónicos. Atravessava-se a cidade para ir até Peniche, o meu padrinho era conserveiro, ali havia fábrica, uma outra na Nazaré, aqui havia o ritual de uma sardinhada servida por mulheres indumentadas com as sete saias, refeição de arromba. Interessava-me visitar a azulejaria de muitos edifícios caldenses, um legado de Rafael Bordalo Pinheiro, não perdia ocasião de ir até ao Museu José Malhoa, o mestre pintou os pais do meu padrinho, são dois retratos fabulosos.
O parque continua muito bem tratado, é aprazível e dá gosto vê-lo sempre cheio de vida. Pedi a quem ia ao volante de não fazermos diretamente a estrada para a Foz do Arelho, ocorreram outras recordações, os passeios ao Bom Sucesso e à Serra, atravessar a lagoa até à Lapinha, então um lugar bem pobre. E assim se contornou a lagoa para ver o oceano e os areais como num grande ecrã, longe da aglomeração hoje urbana, da Foz do Arelho. E foi maravilhoso reviver o passado, lembrar os meus mortos muito queridos e aqueles que estão distantes, que a roda da fortuna separou. A viagem continua, regressa-se a Óbidos, há que fazer as honras à casa, e depois, de orelha murcha, fazer uma pausa nas férias.

Um abraço do
Mário


Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (3):
Das Caldas da Rainha à Foz do Arelho


Mário Beja Santos

Tive esse privilégio, fazer vilegiatura na Foz do Arelho, anos a fio, em casa dos meus padrinhos, a última casa que alugaram tinha sido a colónia de férias do Colégio Moderno. Era inevitável vir às Caldas, primeiro pelo abastecimento, não há nada no país como a Praça da Fruta, muita dela proveniente de localidades limítrofes, caso da Benedita. O parque é de visita obrigatória, sempre o conheci bem mantido, com os seus cortes de ténis e a escultura de José Malhoa como que a convidar a visita do museu com o nome deste ilustríssimo caldense. E a igreja-matriz, que vem do tempo da donatária, a Rainha D. Leonor, que deu certidão de nascimento em 1488, eram as Caldas um mero lugarejo. Falava-se das cerâmicas de Rafael Bordalo Pinheiro, havia sinais do seu trabalho no Museu José Malhoa e em edifícios da cidade, bastava olhar para aquela azulejaria do tipo sevilhano. Era estância termal, não perdeu a fama, quase no final do século XIX as termas passaram a ser local obrigatório associado a férias, a população cresceu. Isto são coisas que eu estou a ler no livro Linha do Oeste, que também anuncia a chegada do comboio, a modernização urbanística, a importância da cerâmica, o Hospital Termal e a beleza do parque, obra do Administrador Rodrigo Maria Berquó, um arquiteto que procedeu à construção do parque com um lago e áreas aptas à prática de desportos. Nesses cortes de ténis, jogaram muitos estrangeiros fugidos aos horrores da II Guerra Mundial, eles estavam estacionados nas Caldas por decisão política superior, há mesmo livros que recordam a sua presença. E no século XX, em 1927, passou a cidade, destaca-se pelo seu trabalho de planeamento urbano o jovem arquiteto Paulino Montez. Mas voltemos atrás, por aqui andou Rafael Bordalo Pinheiro e deixou sinais do seu génio, a sua cerâmica era tão engenhosa que ainda hoje se reproduz e tem ávidos compradores.

Praça da Fruta, Caldas da Rainha

O Museu José Malhoa não se cinge ao romântico naturalismo deste caldense ilustre. É certo que ele está altamente representado por figuras prestigiadas da aristocracia, cenas campestres, figuras populares, retratos de amigos e discípulos como, caso do consagrado retrato que dedicou à sua discípula Laura Sauvinet, mas outros grandes artistas justificam uma demorada visita. Com efeito, a coleção de pintura, desenho, aguarela, escultura e cerâmica, onde predomina o movimento naturalista, tem obras de grande mérito e mesmo modernistas como Eduardo Viana aparecem aqui representados com obras de significado.

Estátua de José Malhoa, junto do museu do mesmo nome, Parque D. Carlos I
Retrato de Laura Sauvinet, por José Malhoa


Cidade termal, fundada em finais do século XV, sofrerá novo impulso no período joanino. Ganhou muito com o comboio, com a modernização urbanística, com o dinamismo do Hospital Termal. Não há viajante que não se abisme com aquelas construções fantasmáticas, parece que uma parte fundamental do termalismo deixou de pé uns edifícios esventrados, numa plácida agonia, mas na prática é um abandono chocante.

Os pavilhões termais, imponentes mas decadentes, Parque D. Carlos I
Os edifícios termais vistos de perto


O Parque é de uma indizível beleza, muito bem cuidado, e a prova de que é atrativo é a sua utilização para atividades desportivas, para recreio e lazer, e as instalações museológicas favorecem a atmosfera local, entra-se e sai-se para contemplar edifícios, visitar lojas de cerâmica, o meio envolvente é muito sugestivo. E é imperdível a visita à igreja-matriz, Nossa Senhora do Pópulo, está marcada pelo tardo-gótico, o seu interior é uma preciosidade em azulejaria, talha e escultura.

O viço das buganvílias num parque primorosamente mantido
A torre sineira da Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, Caldas da Rainha
Uma imagem interior da Igreja de Nossa Senhora do Pópulo


Prossegue a viagem em direção à Foz do Arelho, com uma nuance, não se vai propriamente pelo Nadadouro e contorna-se a lagoa, tom-se outra direção, caminha-se pelo lado oposto, há necessidade de recordar certos passeios de outrora, a praia e a lagoa eram uma outra coisa, caminhava-se pelo areal naqueles dias de bandeira vermelha e mar em turbulência, as ondas em cachão, uma constante neblina, impossível ver as Berlengas. Ia-se em direção ao Gronho, um maciço todo ornamentado de vegetação rala. Faziam-se burricadas quase até Peniche, o mar em vazante, todos na galhofa montados na azémola, com farto piquenique, ia-se até às praias de Peniche, o nosso guia sabia exatamente a tabela das marés, regressava-se à Foz do Arelho são e salvo. E foi com essa recordação, também a pensar nos passeios em que se atravessava a lagoa de barco para vir até à Lapinha, hoje tudo radicalmente transformado, que se parou diante daquele mar imenso, lá está a lagoa sempre ameaçada pelo assoreamento, deste ponto é tudo uma beleza, nem dá para acreditar que aquela aldeia que conheci vai para 60 anos se transformou e adaptou ao turismo de massas. Está na hora de regressar a Óbidos, amanhã vamos visitá-la a preceito, conviver um pouco com essa pintora extraordinária que foi Josefa d’Óbidos.

A Foz do Arelho contemplada do Gronho, a permanente ameaça da Lagoa de Óbidos assorear
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21773: Os nossos seres, saberes e lazeres (433): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (2): Conservas de peixe, um naufrágio com grande riqueza, uma fortaleza-prisão: Peniche (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21798: (Ex)citações (384): A evacuação do capitão paraquedista Valente dos Santos, no decurso da Op Grande Empresa (Manuel Peredo, ex-fur pqdt, CCP 122, 1972/74 / Moura Calheiros, ex-maj pqdt, 2º cdmt, BCP 12, 1972/74)

 
Guiné > Bissau > Bissalanca> BCP 12 (1972/74)

Foto (e legenda): © Manuel Peredo (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21779 (*)


(i) Manuel Peredo 

[ ex-fur mil paraquedista, na foto acima é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do sagento Carmo Vicente e do Fernandes, caboverdiano, fur mil, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12, Bissalanca, 1972/74; vive em França, ou vivia até há uns anos; tem 7 referências no nosso blogue: integra o nosso blogue desde 2008](**)


Tendo eu participado na "reconquista do Cantanhez” [Op Grande Empresa], queria fazer uma observação. Eu estava presente quando o capitão Valente dos Santos [,comandante do CCP 122,]foi ferido com uma bala que lhe atravessou um braço.

Ele estava incluído no quarto pelotão, que era o meu e nessa emboscada tivemos quatro feridos,ou talvez cinco: o capitão Valente dos Santos,o radiotelegrafista Ribeiro,o enfermeiro Azenha e o soldado Severino que transportei às minhas costas.

Todos foram evacuados ao mesmo tempo, incluindo o capitão Valente dos Santos que, vendo em que estava o seu braço, não podia continuar a operação.

Eu li o livro do major Moura Calheiros (um excelente livro) (***) e a passagem sobre a evacuação do capitão Valente dos Santos deixou-me surpreendido ao afirmar que o capitão recusou ser evacuado querendo continuar a operação, o que não corresponde à verdade.

Em Maio de 2012 estive com o major Moura Calheiros em Tancos no dia da Unidade, onde se juntam várias gerações de paraquedistas. Dei-lhe os meus parabéns pela obra, mas disse-lhe que não estava de acordo com ele quando diz que o capitão Valente dos Santos recusou-se a ser evacuado. Disse-lhe que eu estava presente e que o capitão foi evacuado quando os restantes feridos, mas ele disse-me que eu estava errado e que o que escreveu estava certo pois andava a sobrevoar a zona na Dornier.

Nesse dia da Unidade encontrei-me com vários elementos do meu pelotão [4º  da CCP 122] que fizeram parte dessa operação e todos estavam de acordo com a minha versão.

Depois de os feridos terem sido evacuados, veio outro pelotão da CCP 122 reforçar o meu grupo e voltámos ao local onde tínhamos sofrido a emboscada, sendo a minha secção a ir na frente do bigrupo. 

Encontrámos várias granadas e munições e quando nos preparávamos para sair daquela zono, fomos atacados novamente e o furriel Aníbal Martins foi ferido gravemente. Esteve alguns dias no Hospital Militar, vindo a falecer dos ferimentos. A morte dele deixou-me abalado, pois éramos amigos e no BCP 12 dormíamos no mesmo quarto.

Também participei na operação Muralha Quimérica, onde o meu pelotão encontrou uma grande quantidade de bandeiras do PAIGC e ainda hoje tenho uma.


Capa do livro de José Moura Calheiros, "A Última Missão" 
(Porto, Caminhos Romanos,
2ª edição, 2011). A 1ª edição de 2010.

 (ii) Moura Calheiros

[tem 22 referências no nosso blogue, coronel paraquedista reformado, gestor e escritor; das três comissões de serviço no ultramar, destaque para a da Guiné (1971-1973) como 2º Comandante e Oficial de Operações do BCP12, COP4 e COP5 e ainda como Comandante do COP3]

"Sou" o Major Moura Calheiros, referido pelo Amigo e camarada paraquedista Manuel Penedo, no seu comentário ao meu livro "A Última Missão ", cujo elogio agradeço. 

Mas apresento-me hoje, e aqui, com mais 48 anos — meio século!!! — de vida do que aqueles que então exibia nos tempos que ele recorda, os da "invasão" do Cantanhez, na Guiné...

Tudo aquilo que ele refere se passou numa clara e muito quente manhã, tipicamente guineense, no dia 12 de Dezembro de 1972. E foi relatado, no livro, em 2010; logo, 38 anos depois..., passível, pois, de algumas pequenas imprecisões por efeito da falta de memória e de relatórios escritos sem muito detalhe e precisão, pois que aquele período não permitiu tempo para "burocracias", cuja falta hoje se fazem sentir... e que lamentamos existirem..

Mão amiga fez chegar ao meu conhecimento o comentário do Amigo e camarada Paraquedista Manuel Penedo a uma imprecisão existente no livro de minha autoria atras referido. E existe na verdade uma imprecisão: contrariamente ao que eu lhe tinha afirmado em Tancos, num Dia da Unidade...

Só que agora pude recorrer ao Comandante da Companhia, então Cap Paraq Valente dos Santos, muito mais jovem que eu, logo, com melhor memória. Ele confirmou-me que eu lhe propus a sua evacuação e de todos os outros feridos, mas que ele se recusara a ser evacuado sem que tivesse atingido o quartel inimigo; e, diferentemente do que eu afirmo no livro, os restantes feridos não foram logo evacuados por decisão sua, pois que não eram graves, mas sim, conjuntamente com ele, logo após a ocupação do objectivo.

Em resumo: o Amigo Manuel Penedo tem toda a razão no que afirma no seu Post, mas penso que a inexatidão não é relevante, pois em pouco ou nada o momento da evacuação é importante na narrativa; excepto, claro está, para os feridos... E felizmente tudo correu bem com eles... E com tudo o resto nesse dia, com excepção do raio do desembarque em Cadique...

As minhas desculpas aos leitores do meu livro por esta minha — quanto a mim, ligeira — imprecisão; e também ao Amigo e camarada Manuel Penedo, com o meu pedido de desculpas pelas minhas afirmações em Tancos, no Dia da Unidade. Como compensação, vai daqui um forte abraço para ele.

E, para terminar, saúdo os seguidores deste magnífico Blog, que em tempos idos eu visitava com muita frequência. Mas a idade não perdoa... (****)

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(**) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

(***) Vd.postes de;

 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

27 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)


2 de dezembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7371: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (2): Excerto de Discurso do autor

3 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7375: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (3): Sítio promocional

(****) Último poste da série > 6  de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21741: (Ex)citações (383): Jaime Frederico Mariz Alves Martins, Major Graduado Infantaria, vítima mortal por derrube de aeronave em 6 de Abril de 1973, na Região de Sambuiá (António Carlos Morais Silva, Cor Art Ref)

Guiné 61/74 - P21797: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (83): Pergunta ao Beja Santos: afinal quem era o filho mais novo do régulo de Missirá? E quem foi o seu sucessor? (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Carta do António Eduardo Quebá Soncó, filho do régulo de Missirá, enviada ao João Crisóstomo,  Datada de Lisboa, 23 (?) de junho de 1967 (?)

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentárioenviado ao Mário Beja Santos, pelo João Crisóstomo
nosso camarada da diáspora (EUA, Nova Iorque), ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), casado com a eslovena Vilma, e destacado ativista social:


Date: sexta, 22/01/2021 à(s) 18:58
Subject: Comentário ao Post Guiné 61/74 - P21795
 

Caro Beja Santos,

Tentei fazer/ escrever um comentário ao teu post P 21795 (*), de hoje, 22 de Janeiro, mas nesse comentário não consegui incluir cópia duma carta, que acho pertinente ao assunto/pergunta de que queria falar.

Por isso envio-te este comentário por E mail, com conhecimento ao comandante de todos nós, Luís Graca, na esperança de que ele te faça chegar este comentário, pois me parece que raramente lês os meus E mails, o que é mais que compreensível, pois assim como sucede com o Luís Graca, eu não sou capaz de imaginar como vocês têm tempo para tantas coisas sobre que escrevem e em que estão envolvidos todos os dias). 

Mas o facto de eu não ter capacidade para tanto,  não quer dizer que outros não a tenham e vocês os dois são disso prova. E, como diz o ditado: "contra factos não há argumentos", embora o ex-presidente "trump" (letra pequena) e muitos dos seus crentes seguidores tenham tentado provar que não é bem assim. Mas, com ele fora de circulação, esperemos que volte o bom senso e "ditados" como este voltem a ter a devida aceitação.

Mentiria se dissesse que leio tudo o que escreves; mas porque andaste por terras que a ambos nos ficaram no coração e ainda hoje nos são queridas, sempre que vejo menções destas, especialmente Missirá e Porto Gole,  não deixo de ler essas tuas memórias. Por vezes, como sucedeu hoje, essas descrições memórias são fortes demais para mim e tenho de me socorrer do lenço de bolso para controlar estas emoções.

Hoje foram algumas fotos deste post que começaram por chamar a minha atenção: as fotos a "subida da palmeira" ; a "panorâmica da velha Tabanca de Bambadinca"; a foto do "local em Mato Cão onde se fazia a vigilância das embarcações" …Que saudades e emoções me fizeram logo sentir! E depois comecei a ler:

(...) "Foi um grande choque encontrar Bissau a caminho do descalabro, as ruas esburacadas, os prédios em ruínas, a Guiné a viver da ajuda internacional, a classe dirigente enriquecida e o povo muito pobre. (...). E à entrada do hospital (...) viste chegarem os familiares dos doentes com colchões, havia camas nas enfermarias, mas os colchões estavam literalmente podres. Tu sentias uma infinita tristeza com um espetáculo tão deplorável (...) 

"O ponto alto dessa estadia foi a visita a Missirá (...), tu entraste em transe, a procurar reconhecer os locais que percorrias com tanta assiduidade, ficaste impressionado por ter voltado vida a Cancumba, durante a guerra não havia vivalma, e a alegria do reencontro com amigos, registei o abalo que sentiste quando abraçaste Bacari Soncó, que será mais tarde régulo do Cuor, a conversa havida com a população. (...) Antes, tu percorreras Missirá sempre a soluçar, à procura de vestígios do passado,(...)

(...) "A despedida foi um sofrimento ainda mais penoso, até porque foi nesse momento que chegou Cherno Suane, o teu guarda-costas, alguém fora de bicicleta chamá-lo a Gambiel, e quando o viste foi outro choro irreprimível, porque ele logo disse que sabia por Deus que um dia o virias buscar, um irmão ajuda sempre o seu irmão, era para ele impensável que eu não o trouxesse para Portugal, fora castigado porque pertencera aos Comandos. (...)

Como não hei-de ficar abalado ? Descrições como esta fazem-me sempre imaginar coisas: neste momento esta pessoa que tu descreves sou eu, voltando à Guiné procurando saber o que é feito de tantos que eram meus amigos… Especialmente do meu guarda-costas, uem sabe não faz parte das muitas vítimas do abandono a que foram sujeitos depois da independência e da vingança dos "vencedores" que logo se seguiu… 

Como posso eu deixar de sentir mágoa e revolta… gostaria de um dia voltar lá, mas ao mesmo tempo sei bem que não sou capaz. 

Antes, no mesmo texto leio:

(...)  "Regressas a Lisboa em 1970, tens vários militares feridos, uns a pôr próteses, outros em tratamento.(...) Outra gente da Guiné ia aparecendo, é o caso do Abudu Soncó, o filho mais novo do régulo, que apareceu em 1996. (...)

E aqui eu fiquei confuso: Eu conhecia o filho do régulo de Missirá, de nome António Eduardo Quebá Soncó , ferido um dia em combate, mesmo ao meu lado; o destino da bala podia ter sido eu , mas foi ele que a apanhou, numa operação em que tomei parte. 

Na minha mente jamais o esqueço e o seu grande sorriso permanente e contagioso. Era ele , assim se dizia, que ia um dia suceder a seu pai como régulo de Missirá. Eu pensei que ele era o filho mais novo do régulo. Ferido, teve de ser evacuado para Bissau e daí foi para Portugal . 

Em 1966 eu vim de férias a Portugal e fui-o ver no hospital; e no dia seguinte voltei lá com uma mala que ele me disse precisava para as suas coisas pois ia ser enviado para a Alemanha, para lhe porem uma perna artificial. Ele queria conhecer Lisboa antes de partir; e, no mesmo momento apesar do seu estado, peguei nele e levei-o a visitar diversos pontos da cidade . 

Ele jamais esqueceu isso; quando voltou à Guiné escreveu-me de Bambadinca, que já tinha visto a família, etc. Foi a última carta dele. Esta carta e outras que recebi dele guardo-as com o mesmo carinho com que guardo outras cartas de minha família e amigos cuja amizade muito enriqueceram a minha vida.

Como falas do "Abudu Soncó, filho mais novo do régulo" que apareceu em 1966… depreendo que eu estava enganado: então o Quebá Soncó não era o filho mais novo; muito menos sabia que o irmão dele tivesse conseguido ir/ficar em Portugal e o Quebá nunca me ter falado dele. Ou pelo menos eu não me lembro. Talvez esta minha confusão seja resultado da idade que nos faz destas… (**)

Obrigado pelas muitas memórias que me fazer sempre reviver. Não esqueço que foi graças a ti —e a este blogue--que consegui encontrar e ainda ver o meu/nosso querido amigo Zagalo, antes de ele nos deixar.

A Vilma , ( de apelido  "Knapič," não esqueças… e portanto ainda tua distante familiar e compatriota eslovena,) quis saber a quem eu estava a escrever e pede para a não esquecer… 

O abraço, por enquanto apenas virtual, é portanto de nós dois. Vamos a ver se quando formos a Portugal tu arranjas tempo para um abraço mesmo como deve ser!  

João e Vilma
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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21796: Os nossos enfermeiros (13): em louvor do ex-fur mil enf Urbano Silva e do ex-1º cabo aux enf Silva (Jorge Fontinha, ex-fur mil inf, CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)


Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > CCAÇ 2791 (1970/72) > O fur mil Jorge Fontinha a ser assistido pelo 1º cabo aux enf Silva, no decurso de uma operação na zona de 


Foto (e legenda): © Jorge Fontinha (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta história do Jorge Fontinha, publicada pelo nosso coeditor Carlos Vinhal, há quase 10 anos atrás (*), merece ser "desenterrada" e reproduzida na série "Os nossos enfermeiros"... 

Estamos justamente "com a mão na massa", a falar dos serviços de saúde militares durante a guerra, e da crónica  escassez de recursos humanos e técnicos que foram superados, em grande parte, pela grande abnegação, coragem e altruismo dos nossos médicos e enfermeiros (**). 

Nesta altura, no CTIG, em 1970/72, parece que a regra geral era 1 médico por batalhão, e não 1 médico por companhia, como previa originalmente o dispositivo sanitário.


Os nossos enfermeiros

por Jorge Fontinha


[Foto ao lado: Jorge Fontinha, foi fur mil inf,  da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72; é membro da nossa Tabanca Grande desde 2008 (***); tem  mais de três dezenas de referências no nosso blogue]


A CCAÇ 2791, "Força",  foi uma Companhia, cujos Especialistas e não só os Operacionais, foram de verdadeira excelência.

Hoje vou falar da equipa de enfermagem cuja competência e dedicação não tiveram limites. Superiormente liderada pelo Furriel Miliciano Urbano Silva, os Cabos e maqueiros divididos pelos 4 Grupos de Combate, foram uma equipa de respeito.

O Urbano era incomparável, tanto na sua Especialidade como ser humano, voluntarioso, competente e rigoroso. Ninguém escapava às suas seringas nem aos seus comprimidos. Protagonizámos, os dois, muitos episódios, alguns deles já nem sequer os consigo lembrar. Há todavia um que jamais vou esquecer.

Quando a Companhia se reúne em Teixeira Pinto com o nosso 4.º Grupo, alguns dias passados, há uma operação programada para o Balangarez. Na véspera tive uma entorse no pé direito e,  como nunca me havia baldado em circunstância alguma, fui ter com o Urbano para que ele me desse a sua opinião. 

Depois de revisto, aconselhou-me a consultar o médico do Batalhão [,  
BCaç 2928], que me aconselhou a descansar 3 a 4 dias, passando-me uma baixa para 3 dias. 

Como era da minha obrigação, dei conhecimento ao Alferes Gaspar e dirigi-me ao gabinete do Capitão Mamede, informando-o da situação. Aconteceu o impensável!

O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a  situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.

Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.

Fur mil enf Urbano Silva
Perguntei-lhe para que era aquilo tudo, se já tinha decidido não ir à operação. Aí,
sem que nada o fizesse esperar, faz uma pirueta no ar, dá dois ou três passos de dança e diz três ou quatro palhaçadas, provocando um ambiente hilariante e de boa disposição. Foi a táctica dele. 

- Vais à operação ou não? 

- Vou, mas levo a dispensa no bolso. Se tiver de ser evacuado, alguém a vai ver!

Hoje digo: obrigado,  Urbano!

No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado. 

Valeu-me na altura a minha companheira de emboscada, a inseparável garrafa de whisky, duas goladas e a colaboração do 1º Cabo Auxiliar Enfermeiro Silva, que com o restante me massajou, pondo-me a transpirar abundantemente. Ao raiar do dia, preparamo-nos para regressar à estrada e sermos recolhidos para voltarmos para Teixeira Pinto.

A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.

Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.

Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Enf Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.

Entretanto eu e o Alferes Gaspar continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos à mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar. 

Quem estava de frente para a porta de entrada era o Gaspar, que de imediato começa a vomitar, provocando-me a mim próprio, igual reacção. O Chaves ao lavar-se, esqueceu-se de mudar a camisa, que vinha ensanguentada e com vestígios da placenta. Resta dizer que o desempenho do Silva, foi exemplar.

O Cabo Enfermeiro Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…

Aos meus bons amigos,  ex-Furriel Urbano e ao ex-1º Cabo Silva, o meu abraço eterno.

Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.

Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha

2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores nº 2791

Identificação: CCaç 2791
Unidade Mob: RI 16 - Évora
Cmdt: Cap Mil Art Mamede José de Sousa | Cap Inf Joaquim Humberto Rodrigues Teixeira Branco | Cap Inf Manuel Estêvão Martinho da Silva Rolão | Cap Inf Joaquim Humberto Rodrigues Teixeira Branco
Divisa: "Força"
Partida: Embarque em 19Set70; desembarque em 020ut70 | Regresso: Embarque em 28Set72

Síntese da Actividade Operacional


Após realização da IAO, de 50ut70 a 290ut70, no CMl, em Cumeré, seguiu, em 300ut70, para Bula, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com a CCav 2487, sob orientação do BCav 2868. 

A partir de  1Dez70, foi integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2928, como subunidade de intervenção e reserva do sector, com vista à realização de acções nas regiões de Choquemone, Ponta Matar, Bofe e outras e ainda de reconhecimentos,
patrulhamentos, emboscadas e escoltas na zona de acção do batalhão.

Após ter destacado, temporariamente, um pelotão para Teixeira Pinto, em
reforço do BCaç 2905, outro para Bissum, em 2Mar71, em reforço da CCaç 2781,
e ainda outro para Pache, em 19Mar71, foi deslocada para o subsector de Binar,
em 13Mar7l.

Em 25Mai71, mantendo um pelotão em Bissum, foi transferida para
Teixeira Pinto, reagrupando então o pelotão ali destacado do antecedente, a fim
de colaborar na segurança e protecção dos trabalhos da estrada Teixeira Pinto-
-Cacheu, ficando na dependência do CAOP 1 e depois do BCaç 2905. 

De 30Jul7l a 19Ag071, entretanto, esteve atribuída temporariamente ao COMBIS,
deslocando-se no período para Bissau e regressando em seguida a Teixeira
Pinto, com excepção de um pelotão que só recolheu em 30Ag071.

Em 250ut71, mantendo o pelotão destacado em Bissum, foi deslocada para
a base temporária de Capó, para protecção dos trabalhos da estrada Teixeira
Pinto-Cacheu até 06Dez71.

Após a recolha do pelotão destacado em Bissum em 2Nov71, para Bula e seu deslocamento para Ponta Augusto Barros em 16Nov71, a subunidade foi deslocada para Ponta Augusto Barros, com pelotões destacados em João Landim e Mato Dingal, substituindo nos respectivos reordenamentos a CCaç 2790 e assumindo a responsabilidade do subsector em 8Dez71, na dependência do BCaç 2928.

Em 30Jun72, foi rendida no subsector de Ponta Augusto Barros pela CCaç 3328, por troca, sendo colocada em Bula como subunidade de intervenção e reserva do BCaç 2928 e depois do BCav 8320/72, destacando um pelotão para Nhamate, em 30Jul72 e sendo utilizado em acções de emboscadas e patrulhamentos de contrapenetração.

Em 19Set72, foi rendida no subsector de Bula pela 3ª Comp/BCav 8320/ 72 e recolheu seguidamente a Bissau para o embarque de regresso.

Observações
Tem História da Unidade (Caixa n." 89 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. 395/396.