terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21811: (Ex)citações (385): A família Soncó, o Regulado do Cuor e a situação da Guiné-Bissau (João Crisóstomo / Mário Beja Santos)

1. Mensagem enviada pelo nosso camarada João Crisóstomo ao outro nosso camarada Mário Beja Santos com conhecimento ao Editor Luís Graça, datada de 22 de Janeiro de 2021:

Caro Beja Santos,
Tentei fazer/escrever um comentário ao teu post P21795[1], de hoje, 22 de Janeiro, mas nesse comentário não consegui incluir cópia duma carta, que acho pertinente ao assunto/pergunta de que queria falar.

Por isso envio-te este comentário por E-mail, com conhecimento ao comandante de todos nós, Luís Graça, na esperança de que ele te faça chegar este comentário, pois me parece que raramente lês os meus E-mails, o que é mais que compreensível, pois assim como sucede com o Luís Graça, eu não sou capaz de imaginar como vocês têm tempo para tantas coisas sobre que escrevem e em que estão envolvidos todos os dias. Mas o facto de eu não ter capacidade para tanto não quer dizer que outros não a tenham e vocês os dois são disso prova. E, como diz o ditado: “contra factos não há argumentos”, embora o ex-presidente “trump" (letra pequena) e muitos dos seus crentes seguidores tenham tentado provar que não é bem assim. Mas com ele fora de circulação, esperemos que volte o bom senso e “ditados" como este voltem a ter a devida aceitação.

Mentiria se dissesse que leio tudo o que escreves; mas porque andaste por terras que a ambos nos ficaram no coração e ainda hoje nos são queridas, sempre que vejo menções destas, especialmente Missirá e Porto Gole não deixo de ler essas tuas memórias. Por vezes, como sucedeu hoje, essas descrições memórias são fortes demais para mim e tenho de me socorrer do lenço de bolso para controlar estas emoções.

Hoje foram algumas fotos deste post que começaram por chamar a minha atenção: as fotos a "subida da palmeira” ; a "panorâmica da velha Tabanca de Bambadinca”; a foto do “local em Mato Cão onde se fazia a vigilância das embarcações” …Que saudades e emoções me fizeram logo sentir! E depois comecei a ler:

“foi um grande choque encontrar Bissau a caminho do descalabro, as ruas esburacadas, os prédios em ruínas, a Guiné a viver da ajuda internacional, a classe dirigente enriquecida e o povo muito pobre.” e… à entrada do hospital “viste chegarem os familiares dos doentes com colchões, havia camas nas enfermarias, mas os colchões estavam literalmente podres. Tu sentias uma infinita tristeza com um espetáculo tão deplorável.”

O ponto alto dessa estadia foi a visita a Missirá,… “tu entraste em transe, a procurar reconhecer os locais que percorrias com tanta assiduidade, ficaste impressionado por ter voltado vida a Cancumba, durante a guerra não havia vivalma, e a alegria do reencontro com amigos, registei o abalo que sentiste quando abraçaste Bacari Soncó, que será mais tarde régulo do Cuor, a conversa havida com a população,… Antes, tu percorreras Missirá sempre a soluçar, à procura de vestígios do passado, a despedida foi um sofrimento ainda mais penoso, até porque foi nesse momento que chegou Cherno Suane, o teu guarda-costas, alguém fora de bicicleta chamá-lo a Gambiel, e quando o viste foi outro choro irreprimível, porque ele logo disse que sabia por Deus que um dia o virias buscar, um irmão ajuda sempre o seu irmão, era para ele impensável que eu não o trouxesse para Portugal, fora castigado porque pertencera aos Comandos,…”

Como não hei-de ficar abalado? Descrições como esta fazem-me sempre imaginar coisas: neste momento esta pessoa que tu descreves sou eu, voltando à Guiné procurando saber o que é feito de tantos que eram meus amigos… especialmente do meu guarda-costas… quem sabe não faz parte das muitas vítimas do abandono a que foram sujeitos depois da independência e da vingança dos “vencedores" que logo se seguiu… 

Como posso eu deixar de sentir mágoa e revolta… gostaria de um dia voltar lá; mas ao mesmo tempo sei bem que não sou capaz.

Antes, no mesmo texto leio: “Regressas a Lisboa em 1970, tens vários militares feridos, uns a pôr próteses, outros em tratamento. Outra gente da Guiné ia aparecendo, é o caso do Abudu Soncó, o filho mais novo do régulo, que apareceu em 1996,”

E aqui eu fiquei confuso: Eu conhecia o filho do régulo de Missirá, de nome António Eduardo Quebá Soncó, ferido um dia em combate, mesmo ao meu lado; o destino da bala podia ter sido eu, mas foi ele que a apanhou, numa operação em que tomei parte. Na minha mente jamais o esqueço e o seu grande sorriso permanente e contagioso. Era ele, assim se dizia, que ia um dia suceder a seu pai como régulo de Missirá. 

 Eu pensei que ele era o filho mais novo do régulo. Ferido, teve de ser evacuado para Bissau e daí foi para Portugal. Em 1966 eu vim de férias a Portugal e fui-o ver no hospital; e no dia seguinte voltei lá com uma mala que ele me disse precisava para as suas coisas pois ia ser enviado para a Alemanha, para lhe porem uma perna artificial. Ele queria conhecer Lisboa antes de partir; e no mesmo momento apesar do seu estado peguei nele e levei-o a visitar diversos pontos da cidade. Ele jamais esqueceu isso; quando voltou à Guiné escreveu-me de Bambadinca, que já tinha visto a família etc. Foi a última carta dele. Esta carta e outras que recebi dele guardo-as com o mesmo carinho com que guardo outras cartas de minha família e amigos cuja amizade muito enriqueceram a minha vida.

Como falas do "Abudu Soncó, filho mais novo do régulo” que apareceu em 1966… depreendo que eu estava enganado: então o Quebá Soncó não era o filho mais novo; muito menos sabia que o irmão dele tivesse conseguido ir/ficar em Portugal e o Quebá nunca me ter falado dele. Ou pelo menos eu não me lembro. Talvez esta minha confusão seja resultado da idade que nos faz destas…

Obrigado pelas muitas memórias que me fazer sempre reviver. Não esqueço que foi graças a ti - e a este blogue - que consegui encontrar e ainda ver o meu/nosso querido amigo Zagalo, antes de ele nos deixar.

A Vilma, (de nome “Knapič," não esqueças… e portanto ainda tua distante familiar e compatriota eslovena,) quis saber a quem eu estava a escrever e pede para a não esquecer o abraço, por enquanto apenas virtual, é portanto de nós dois. Vamos a ver se quando formos a Portugal tu arranjas tempo para um abraço mesmo como deve ser!

João e Vilma

********************

2. Resposta de Mário Beja Santos enviada ao João Crisóstomo, no dia 25 de Janeiro, com conhecimento ao Blogue:

Meu estimado João, 

Votos de muita saúde, tanto para ti como para a Vilma e restante família.
Aqui me tens pronto a satisfazer a tua curiosidade relativamente à família Soncó. Antes, porém, permite-me que te dê uma explicação quanto a silêncios. Cada um de nós reparte-se por causas, deveres auto-instituídos ou por imperativos de vária ordem. No ano passado, fui forçado a alterar rotinas, vendi a casa de Pedrógão Pequeno, seguiu-se o tormento do recheio. 

No Natal de 2019, a Cristina entrou no hospital entre a vida e a morte, um mês e meio depois, já num quadro de dependência e com grandes atribulações na mente, foi para um lar, onde está a minha irmã, vítima de AVC. Tive que ajudar a minha filha a tratar da papelada e a pôr ordem na casa, a todos os títulos é a coisa menos agradável do mundo. Acresce que mantenho quatro colaborações semanais no blogue, diferenciadas, e pretendo mantê-las com alguma exigência de qualidade. 

A despeito da pandemia, tenho prosseguido o meu trabalho à volta de um livro em construção "Guiné, Bilhete de Identidade", uma antologia cronológica dos textos fundamentais da Guiné, entre o período dos Descobrimentos do século XV até Sarmento Rodrigues, é um tamanhão de trabalho. A pandemia requer novos ritmos e não é fácil adaptarmo-nos na nossa idade a comunicar pelo computador e pelo telefone, pertencemos a uma geração em que nos encontrávamos, tínhamos vida associativa presencial e o mais que se sabe. 

Havia que encontrar antídotos para as longas permanências em casa, atirei-me às limpezas, a redecorar paredes, a cozinhar. E a ter tempo para ler como nunca tive, já que o televisor parece estar organizado para nos causar angústia e roubar o futuro. Dentro dessas opções, tu e muitos amigos foram afetados pela falta de comunicação, a ver se me emendo. E vamos às questões que me pões, Quebá Soncó e Abudu Soncó.

Quebá Soncó, que tu conheceste e combateu ao teu lado, era o filho mais velho do régulo Malam Soncó, foi ferido na região de Madina, veio para Portugal e esteve na Alemanha onde se adaptou a uma prótese. Deficiente das Forças Armadas, nunca renunciou à nacionalidade portuguesa, voltou para Missirá depois da independência, obviamente que não podia ser régulo, em 1990, quando o visitei em Missirá na companhia de Maria Leal Monteiro e Francisco Médicis, recebeu-me calorosamente e apresentou-me ao seu tio régulo que eu não conhecia, passou todo o período da guerra no Senegal. 

Quebá vinha muitas vezes a Lisboa e encontrávamo-nos, o seu filho Bacari Soncó telefona-me com uma certa regularidade, trabalha na construção civil em vários países. 

Pois foi nesse encontro de janeiro de 1990 que voltei a ver Abudu Soncó, já homem, falando um português impecável, era professor primário, veio para Portugal em 1996, era insuportável estar dez meses sem receber e com vários filhos para sustentar. Atirou-se à construção civil, foi um daqueles muito enganados por patrões que tiravam dinheiro para a Segurança Social e que efetivamente não o depositavam nos cofres do Estado, já sofreu dois enfartes do miocárdio e daqui não pode sair, não há um cardiologista na Guiné, e tem medicação obrigatória. 

Nesse mesmo ano de 1990 e no ano seguinte, tive a alegria de reencontrar o valoroso tio de Quebá e Abudu, Bacari Soncó. Como podes ver nas fotografias, o jovem Abudu, fotografia que lhe tirei em Missirá e a fotografia de Bacari, que tenho no meu escritório. Em 2010, quando voltei a Missirá nos preparativos do meu livro "A Viagem do Tangomau" visitei o seu túmulo, era um amigo muito querido.

Creio que estão esclarecidos os Soncó, o régulo atual chama-se Karambá, através do Abudu faço-lhe chegar os livros que escrevo. Confesso-te que tenho saudades sem fim das pessoas e do chão, se o futuro reservar oportunidade de ainda ter saúde para voltar àquela terra onde me tornei homem, acontecerá nova romagem, a despeito daquela dor que provoca a miséria, a mão estendida, o perguntar por A, B ou C, e responderem-me que partiram para as estrelinhas, já assim aconteceu em 2010. Mas um Soncó volta sempre.

Abraço-vos, diz à minha prima eslovena que a Fátima e eu rejubilamos pela vossa felicidade, e a despeito de toda esta ausência, guardo-te no coração com a admiração que bem sabes,
Mário

Abudu é o 2.º menino a contar da direita, distinguia-se pela sua grande cabeça e o seu bonito sorriso
Bacari Soncó e Lãnsana, dois filhos de Quebá Soncó, quando fomos visitar a sepultura de Malam Soncó
Bacari Soncó, régulo do Cuor, tio de Quebá Soncó
_____________

Notas do editor:

[1] - Vd. poste de 22 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21795: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (36): A funda que arremessa para o fundo da memória

Último poste da série de 23 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21798: (Ex)citações (384): A evacuação do capitão paraquedista Valente dos Santos, no decurso da Op Grande Empresa (Manuel Peredo, ex-fur pqdt, CCP 122, 1972/74 / Moura Calheiros, ex-maj pqdt, 2º cdmt, BCP 12, 1972/74)

Guiné 61/74 - P21810: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (35): Uma foto de 1966, em Aldeia Formosa, tirada por mim, com o Honório, grande piloto e amigo do peito (Maria Arminda Santos, ex-ten enf pqdt, FAP, 1961/70)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa [Quebo] > 1966 > Estávamos de alerta 
numa Base de Operações. Eu também estava e tirei esta foto.  O Honório está de costas.  De frente o tenente pilav Velez Caldas  capitão pilav Carvalho Araújo. " 

[Segundo comentário do Virgínio Briote, "o tenente Velez Caldas, já falecido, está de boné vermelho. Participou em todas as op. helitransportadas que fizemos. Em 1966 o meu grupo foi transportado nos Al-III para Aldeia Formosa para participar numa acção que estava a decorrer na zona".]

Foto (e legenda): © Maria Arminda Santos  (20021) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem da Maria Arminda [Santos] [, ex-tenente enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70]

Data - 24/01/2021, 18:25




Boa tarde,  amigo Luís Graça:


Estive a ler os comentários sobre o Honório (*), grande piloto e um amigo do peito.

Envio-lhe aqui uma foto dele, no ano de 1966, em Aldeia Formosa, quando estava de alerta numa Base de Operações, em que eu também estava e tirei esta foto. 

O Honório está de costas. De frente o tenente [Velez] Caldas e o capitão Carvalho Araújo.

Tenho dificuldade em fazer os comentários na página. Parece que o Google está zangado comigo, está sempre a pedir a senha e rejeita-a. Na da Tabanca do Centro, não tenho nenhuma dificuldade.

Cá vamos continuando confinados, que isto não está famoso.

Um grande abraço
Mª Arminda Santos

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, camarada!... Por email, responderei à questão dos comentários na nossa "caixa de comentários", que nem sempre é amigável. 

Boa saúde, cuidado com a "picada", cada vez mais cheia de "minas e armadilhas"... Um bj.

____________

Guiné 61/74 : P21809: In Memoriam (385): José Pardete Ferreira (1941 - 2021), ex-alf mil médico, CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1971; cirurgião, médico especialista em medicina desportiva, foi diretor clínico do Hospital de São Bernardo, e presidentedo Rotary Club de Setúbal, poeta e escritor (Hélder Sousa / Luís Graça)


José Pardete Ferreira, médico, natural de Lisboa, 
residente em Setúbal (1941-2021)


Ministério do Exército > CTIG > HM 241 > Bissau, 24 de junho de 1962 >
 BI Militar do alf mil médico José António Pardete da Costa Ferreira



1. Mensagem do Hélder Sousa, nosso colaborador permanente, residente em Setúbal:
 
Date: terça, 26/01/2021 à(s) 01:11
Subject: Falecimento do nosso "camarada da Guiné" Dr. José Pardete Ferreira 

Caros amigos

Como seria de prever, as notícias de falecimentos de camaradas do "nosso tempo" tendem a aumentar e a aumentar rapidamente. Seja pelo avançar inexorável da idade, seja pelas maleitas que nos vão apoquentando, seja por alguma doença "tradicional", seja até por consequência da "doença da moda", a Covid-19,

De facto o nosso "camarada da Guiné", médico, José A. Pardete Ferreira, faleceu, embora não se encontrem muitas notícias sobre isso, nem de que ocorreu o infausto acontecimento.

Procurei junto do nosso tabanqueiro Vitor Raposeiro [ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM, Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula, 1970/72] que ainda tem parentesco com ele e, ironia do destino, fui eu que acabei por lhe dar conhecimento. Nem ele nem a prima ainda sabiam.

Portanto, à falta de mais e melhor informação, adianto que a morte terá ocorrido no passado dia 13 já que encontrei num post do TAS (Teatro Animação de Setúbal) datado de 14 às 07:57 a dar conta do seu falecimento e a lembrar a colaboração que ele tivera com o TAS, nomeadamente com a tradução duma peça levada à cena em 2008.

O jornal regional "Semais" recebeu uma "Nota de pesar" por parte da Liga dos Amigos do Hospital de São Bernardo (Hospital de Setúbal) que a seguir reproduzo.

Nota de Pesar - Dr. Pardete Ferreira,

Partiu um amigo e companheiro - conhecido Médico Cirurgião que conta no seu percurso clínico também o exercício da medicina desportiva. Foi Diretor Clínico do Hospital de São Bernardo - no mandato do Dr. David Martins como Diretor do Hospital.

Com ele, fiz parte da Direção da Casa do Pessoal do HSB. Mais tarde, veio também a integrar os Órgãos Sociais da LIGA - como Presidente do Conselho Fiscal da Liga de Amigos do Hospital São Bernardo/LAHSB-CHS.

Teve relevante intervenção cívica, associativa, filantrópica, cultural e desportiva. Foi Escritor, Membro Rotary e jogador de andebol no Sporting Clube de Portugal.

Os Órgãos Sociais da LAHSB-CHS, associam-se ao pesar sentido pelos seus associados que partilharam e vivenciaram com o Dr. Pardete Ferreira momentos muito felizes e profícuos.

Há a indicação de que a Câmara Municipal de Setúbal em sessão pública ocorrida, salvo erro, no passado dia 21 relembrou e aprovou votos de pesar a três personalidades de Setúbal recentemente falecidas, o Capitão Quaresma Rosa, antigo Comandante dos Sapadores Bombeiros, a 16, e os médicos Machado Luciano, vítima de doença súbita a 11 e Pardete Ferreira a 13, destacando as suas atuações no desempenho de funções no Hospital de São Bernardo.

Por sua vez também obtive do Rotary Club de Setúbal [, cuja página no Facebook está está parada desfe 6/12/2020], a nota que republico:


Participação de Falecimento: O RCS está de luto


"É com profundo pesar que comunicamos o falecimento do nosso sócio representativo José António Pardete Ferreira.

O companheiro Pardete Ferreira entrou para o Rotary Club de Setúbal em 1984 com a classificação "Medicina-Cirurgia", tendo sido 3 vezes seu Presidente (1990-91; 2002-03 e 2009-10) e passado por todas as suas comissões, sendo considerado a referência de "sapiência" rotária do nosso clube.

Adepto do Rotary no seu aspecto mais "puro", defendia intransigentemente o protocolo e a praxis rotária original.

Profissional de excelência, era dono de um intelecto brilhante e professava a sua profunda fé e conhecimento eclesiástico em várias colaborações com a Igreja Católica, escrevendo regularmente para algumas das suas publicações. 

Exerceu várias missões ao serviço de Rotary a nível Distrital, sendo de destacar ter sido Team Leader do IGE em Distrito do Rio Grande do Sul, Brasil.

Era um companheiro muito querido e estimado do nosso clube e a sua perda é impossível de reparar!

O Rotary em particular e Setúbal em geral, ficam mais pobres.Que descanse em Paz!

Cordiais saudações rotárias"

O Presidente Rotary Club de Setúbal

Alberto Vale Rêgo


Caros camaradas, cuidemo-nos! A "ceifa" anda por aí.

Hélder Sousa


2. Comentário do nosso editor Luís Graça:


Hélder, obrigado por nos teres dado, em conversa telefónica,  a infausta notícia. Alguém, desgraçadamente, nos tempos que correm, tem de fazer este indesejável papel de "mensageiro da morte".

Já tinha, entretanto, confirmado, o desaparecimento do teu vizinho de Setúbal e membro da nossa Tabanca Grande, o dr. José Pardete Ferreira, O último poste, dele, na sua página do Facebook é de 12 de janeiro...

Deve ter sido morte súblita. Nasceu em 1941. Ia complementar em 15 de fevereiro próximo os 80 anos. Infelizmente não temos qualquer contacto com a família. Diz-nos que era casado com uma senhora francesa, e primo da mulher da do Vitor Raposeiro, nosso camarada e meu contemporâneo de Bambadinca.

O J. Pardete Ferreira foi alf mil médico [CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1969/71]. Tem 32 referências no blogue;

Deu-nos preciosas informações sobre os colegas médicos que com ele trabalharam, sobretudo no HM 241, e de outros que conheceu, bem como sobre a organização e o funcionamento dos serviços de saúde militares, no CTIG.

Entrou para a Tabanca Grande em 27/6/2011.  Um resumo do seu "curriculum vitae" está disponível aqui;

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/06/guine-6374-p8474-tabanca-grande-292.html

Nascido em Lisboa a 15 de fevereiro de  1941, foi  cirurgião – médico, especialista em medicina desportiva. Entre outras funções,  desempenhou os cargos de:

  • Director Clínico do Hospital de São Bernardo (Setúbal);
  • Director do Centro de Medicina Desportiva de Setúbal;
  • Director do Serviço de Cirurgia II do Hospital de são Bernardo (Setúbal);
  • Médico da Selecção Nacional de Andebol;
  • Presidente do Rotary Club de Setúbal.

Poeta e escritor, publicou, nomeadamente, “ O Paparratos – Novas Crónicas da Guiné – 1969/1971" (romance); Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda – ISBN: 972-8816-27-8 (DL nº 213619/04). Ver aqui nota de leitura do Beja Santos.

(...) Paparratos é a candura, a simplicidade e a força da natureza daqueles soldados portugueses que se adaptavam como podiam ao meio estranho (...)

 O Paparratos é uma divertimento sério, supera as situações caricatas e cómicas, na senda da literatura de humor, que se perde na noite dos tempos, comprova que muitas vezes o que se diz a rir é para reter em todo o horizonte da amargura, a sisudez pode ser troça e não é difícil provar que há muito Paparratos que servem de carne para canhão.

É o prazer da memória e, insiste-se, não se conhece um fresco tão vigoroso sobre o meio estudantil universitário daqueles longínquos anos 60. (...)

 

Mandou-nos também em tempo uma letra de fado, da sua autoria, o Fado da 'Orion', e que voltamos a reproduzir em sua homenagem e aos nossos camaradas da Marinha, e em especial à malta da LFG Orion:

 
Fado da 'Orion'

Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à "Marinha"
Aos "jantares da quinta-feira"!

Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.


Refrão 

Ser marinheiro
De "LFG' no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.


Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:

Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.

Refrão...


(Nota do autor: 1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do "Fado do Cacilheiro" do Maestro Carlos Dias).


Infelizmente, não tivemos, em vida, ocasião para  nos conhecermos pessoalmente. Trocámos diversas mensagens por email. E a sua colaboração no nosso blogue foi extremamente valiosa. Era um homem crente. Continuará, connosco, em espírito, sob o nosso sagrado e fraterno poilão, no lugar que lhe coube, o nº 505. 

À família enlutada (e muito em particular ao seu filho Jean-Jacques Pardete, que tem página no Facebook), a Tabanca Grande envia a sua solidariedade na dor.(**)


 ____________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 30 de outubro de  2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

(...) Caro Luís, o prometido é devido:

O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante [Alberto Augusto]  Faria dos Santos [, entretanto falecido em 1986; como 1º ten, comandou o NRP Orion, 1968/70]. 

A LFG {Orion]G passou mais de um ano acostada ao molhe do Pi(n)djiguiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores.

Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando "a acreditar nos praticantes da má-língua" e, de seguida, foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde,  22 de novembro de 1970], sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro.

Poeta e grande amigo, recebia a jantar e bem um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool.

Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras, havia jantar melhorado e aberto a convidados. (...)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21808: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (17): Batata raiz-de-cana com 'arraia' seca (Luís Graça)



Foto nº 1 > Lourinhã > 25 de janeiro de 2021 > Batata raiz-de-cana, feia, sem grande valor comercial,  insuscetível de "normalização", difícil de cascar, gastronomicamente valiosa, consistente, saborosa... Acompanhava tradicionalmente os pratos ligados à matança do porco e, claro, o peixe seco, que era o "governinho" dos povos ribeirinhos no inverno nas terras da Estremadura...



 Fpto nº 2 > Lourinhã > 20 de janeiro de 2021 > Batatada de peixe seco: batata raiz-de-cana, raia (ou "arraia") seca, ovo, grelhos,  azeite, vinagre e alho... [A receita original é só peixe seco, muito e variado (raia, sapata, safio, cação, etc.), batata, cortada ao meio, e cebola, muita, inteira...]


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 1. A ideia da criação da Confraria da Batata Raiz-de-Cana e a Confraria do Peixe Seco (ou da Batatada de Peixe Seco) já andavam no ar, antes da pandemia de Covid-19... 

 Uma e outra, juntas ou separadas,   a criarem-se, podem ter uma papel (pedagógico) na defesa e promoção de um produto gastronómico que continua a ser muito popular, tem tradição na Estremadura  (e nomeadamente em povoações ribeirinhas da Lourinhã como Ribamar, Porto Dinheiro, Ventosa, Marquiteira, Atalaia, etc.) e raízes fundas na nossa alimentação, cultura e convivialidade... 

Seria uma pena perder-se ou adulterar-se tanto esta variedade de batata (foto nº 1) como o peixe seco (foto nº 2). Fico impressionado com o número de "apreciadores" desta "iguaria" que dantes era dos "pobres"... 
 
Em 2011, um grupo de lourinhanenses da Marteleira (onde se inclui o nosso camarada Luís Mourato Oliveira, lisboeta, com raízes aqui na terra, e agora cá a viver, há pouco tempo)  já elaborou uns primeiros estatutos de uma Confraria Gastronómica da Batata Raiz de Cana e Peixe Seco. (*)

Há tempos, ainda antes deste segundo confinamento geral, o Luís teve a gentileza de nos oferecer dois ou três quilinhos da batata raiz-de-cana que, dizem por aqui,  deixou de se cultivar por falta de "valor comercial"... 

Creio que essa confraria não saiu do papel, se bem que o grupo da Marteleira continuasse a conviver, a juntar-se, etc., pelo menos até ao início desta maldita pandemia. E alguns cultivam a batata raiz-de-cana, tendo sido um deles a dispensar as batatas que chegaram a minha casa. Estou-lhe grato!

Há dias a "chef" Alice quis experimentar a batata raiz-de-cana, que se coze com a pele. Mais dura, leva mais tempo a cozer. Juntou-lhe duas boas postas de "arraia" seca, grelos e um ovo... 

Cinco estrelas!... Recomendo... É comidinha boa para aguentar o inverno e sobreviver ao confinamento (**)... 

Foi pena o Luís Mourato Oliveira, por causa do confinamento,  não se ter podido juntar a nós: a batatada de peixe seco comida à volta de uma mesa grande tem outro sabor,  o da fraternidade, o do companheirismo!...Mas oportunidades não faltarão, lá mais para a frente, se a gente escapar desta, como escapámos... da Guiné!
 
__________

Notas do editor:

(*( Vd. poste de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20022: Os nossos seres, saberes e lazeres (346): Viva a confraria da batatada de peixe seco (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 12 d dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21636: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (16): Repetindo o prato típico da terra fria transmontana, o "Butelo com casulas...anti-Covid-19", à moda da "Chef" Alice

Guiné 61/74 - P21807: In Memoriam (384): Leopoldo Amado (1960-2021), Professor e Historiador guineense, membro da nossa tertúlia desde 2005 (Carlos Vinhal / Luís Graça / Patrício Ribeiro)

IN MEMORIAM

Leopoldo Amado (1960-2021)
Professor e Historiador guineense


Notícia da agência Lusa, difundida pela SIC Notícias, hoje às 9h16, reproduzida aqui com a devida vénia:

Morreu historiador guineense
 Leopoldo Amado

 
O professor e historiador guineense Leopoldo Amado, 61 anos, morreu no domingo em Dacar, no Senegal, vítima de doença, disse esta segunda-feira à Lusa fonte do Governo e anunciou que o corpo será transladado ainda hoje para o funeral.

Leopoldo Amado desempenhava o cargo de comissário da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) para a Educação, Ciência e Cultura, desde 2018.

Nascido em Catió, no sul da Guiné-Bissau, Leopoldo Amado era um conhecido historiador e investigador sénior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) do qual chegou a ser diretor-geral.

Enquanto comissário da CEDEAO, tinha como grande objetivo, para os próximos anos, "melhorar a qualidade do ensino" na Guiné-Bissau para que pudesse competir com os demais países da organização.

A CEDEAO é composta por Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.


********************

1. CV do Dr. Leopoldo Amado (até 2013), com a devida vénia, à Associação das Universidades de Língua Portiguesa (AULP)

. 1976 – 1979 – Trabalhou como professor primário em Canchungo e Bissau;

. 1979 – 00 – Trabalhou como professor do Ensino Básico Complementar na Escola “Justado Vieira”, Guiné-Bissau”;

. 1979 – 1980 – Trabalhou, em comissão de serviço, como redactor principal da Revista do Ministério da Educação da Guiné-Bissau;

. 1980 – 81 – Trabalhou como professor do Liceu Regional de Bafatá, onde desempenhou a função do Presidente do Conselho Técnico;

. 1986 – 88 – Foi bolseiro de investigação do extinto Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (actual Instituto Camões), tendo nessa qualidade produzidos estudos sobre a Literatura Colonial Portuguesa;

. 1988 – 89 – Trabalhou na Embaixada de Angola em Portugal como assessor do Departamento Cultural, com as funções específicas de redactor principal da Revista “Angolé, Artes & Letras;

. 1989 – 91 – Trabalhou como investigador permanente do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau), onde actualmente é investigador associado;

. 1991 – 00 – Trabalhou como consultor nas pesquisas tendentes ao zoneamento da Guiné-Bissau, pela UICN – União Internacional para a conservação da natureza;

. 1991 – 00 – Trabalhou como Consultor da USAID no estudo sobre “Mercado de Castanha de Caju” na Guiné-Bissau;

. 1991 – 93 – Trabalhou como Director Comercial do “Geta-Bissau”, na altura a maior empresa privada da Guiné-Bissau;

. 1994 – Passou a desempenhar as funções de comentador político junto à imprensa guineense e internacional, designadamente junto a Rádio Difusão Nacional, Rádio “Pindjiguiti”, Rádio “Bombolom”, Diário de Bissau, (Guiné-Bissau) “RDP-África” (Portugal), Rádio Renascença Internacional (Portugal), RTP África (Portugal), Voz de América, Rádio das Nações Unidas e BBC;

. 1994 – 96 – Desempenhou na Guiné-Bissau as funções de Director do mensário “Baguera”;

. 1994 – 95 – Trabalhou na Guiné-Bissau como consultor da Radda Barnen (ONG sueca) na elaboração do estudo sobre “A situação das crianças fulas, mandingas, balantas e papel”;

. 1994 – 96 – Trabalhou como Coordenador de Projectos da AMIC – Associação dos amigos da Criança: associativismo; jardins-de-infância; Infra-estruturas escolares e sociais; monitorização acções comunitárias de desenvolvimento (educação saúde e actividades produtivas); seguimento E avaliação de Projectos.

. 1994 – 96 – Trabalhou como consultor da UNICEF e da Radda Barnen, dirigindo várias acções de formação de formadores em Bissau e no interior do país, em matéria de organização comunitária, gestão participativa e Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças;

. 1994 – 96 – Trabalhou na Avaliação do Programa trienal da UNICEF-BISSAU;

. 1995 – 97 – Desempenhou as funções de Director da Revista “Tcholoná”, única Revista Cultural então existente na Guiné-Bissau;

. 1995 – 97 – Trabalhou como Coordenador de Projectos da Liga Guineense dos Direitos Humanos;

. 1996 – 00 – Trabalhou como consultor da PLAN INTERNATIONAL no âmbito da Planificação Estratégica e Programação do novo ciclo de acções e Projectos dessa ONG internacional;

. 1996– 00 – Trabalhou em Bordéus e Paris como consultor da Editora Nathan e École International de Bordeaux na elaboração, como co-autor, do livro Anthologie Littéraire de l’ Afrique de l’ Ouest;

. 1996 – 00 – Trabalhou como consultor da UNICEF no exercício de Planificação Estratégica por objectivos e Programação do um novo ciclo de acções e Projectos;

. 1996 – 00 – Trabalhou na Guiné-Bissau como consultor na Planificação Estratégica por objectivos para o FNUAP, onde teve responsabilidades pelo sector “Advocacy/Plaidoyer”;

. 1996 – 00 – Trabalhou como professor de Literaturas Africanas de expressão portuguesa na Escola Normal Superior “Tchico Té” em Bissau;

. 1997 – 2000 – Desempenhou as funções de Vice-presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos;

. 1997 – 00 – Produção, realização e apresentação de inúmeros programas radiofónicos de interesse público e pesquisa histórica: Rádio Difusão Nacional da Guiné-Bissau e “Rádio “Pindjiguiti”;

. 1997- 00 – Trabalhou como consultor da Plan International/Bissau na Avaliação do Programa Nacional “O Sistema de apadrinhamento de crianças da Guiné-Bissau”;

. 1997 – 1998 – Trabalhou como consultor da UNESCO, desempenhando as funções de Investigador do SPHAC (Projecto de Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea): os casos da luta de libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde, com sede na cidade da Praia, Cabo Verde;

. 1998 – 00 – Trabalhou como consultor da Amnistia Internacional em Moçambique (Maputo, Beira, Nampula, Nacala e Nacala-Porto) e Joanesburgo (África do Sul), na elaboração do relatório de 1998 sobre os direitos Humanos em Moçambique e na África do Sul;

. 1999 – Após o conflito armado de 1998 na Guiné-Bissau, trabalhou na área de Projectos como consultor contratado da AMIC (Associação dos Amigos da Criança) e da LGDH (Liga Guineense dos Direitos Humanos);

. 1999 – 2001 – Assumiu as funções de Coordenador do Projecto SPHAC da UNESCO (Projecto de Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea), de que resultou a elaboração do livro “Uma Luta, Um Partido, Dois países”, de Aristides Pereira, ex-Presidente da República de Cabo Verde;

. 2001 – 2005 – Prelector de várias conferências, seminários e colóquios na Guiné-Bissau, Portugal, Brasil, Moçambique, Cabo Verde, Senegal, Guiné-Conakry, Angola, Brasil, Moçambique, Togo, Nigéria, Costa de Marfim e outros países;

. 2003 – 2007 – Secretário Executivo da Guineáspora – Fórum Mundial de Guineenses na Diáspora;

. 2005 – 2006 – Consultor contratado da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde realizou um inventário crítico (comentado) do espólio documental, bibliográfico e arquivístico relativo aos 10 anos da organização;

. 2005 – 2006 – Participação na Guiné-Bissau no Exercício de Avaliação do Projecto “Compreender e ajudar as crianças Talibés”, projecto desenvolvido em parceria pela AMIC (Associação dos Amigos da Criança e a PLAN INTERNACIONAL;

. 2008 – Professor convidado de História Contemporânea de África no Curso de verão em Cambrilis, promovido pela Universidade Rovira i Virgili, Tarragona, Espanha;

. 2008 – Arguente principal nas provas de dissertação da tese de mestrado de Antero Monteiro Fernandes, intitulado “Guiné e Cabo Verde: da Unidade à separação”, defendida em Abril de 2008 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto;

. 2008 – 2010 – Chefe de Departamento de História da Universidade de Cabo Verde;

. 2010 – 2011 – Presidente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Cabo Verde;

. 2011 – 2012 – Investigador do CES (Centro de Estudos Sociais) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;

. 2012 – Arguente principal nas provas de dissertação da tese de doutoramento de Maria Anabela Ferreira da Silveira, intitulado “Dos nacionalismos à guerra de libertação angolanos – 1945/1965”, defendida publicamente em Junho de 2012 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto;

. 2013 – “Quem é o inimigo? Anatomias de guerras revolucionárias: uma análise da Guiné-Bissau “-comunicação apresentado na oficina recentemente organizado pelo CES (centro de estudos sociais, Universidade de Coimbra) quem é o inimigo? Anatomias de guerras revolucionárias”, de Janeiro de 2013;

. 2013 – Consultor/Expert para Guiné-Bissau para o novo projecto de avaliação global da democracia (variedades de democracia – V-Dem) do departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo e a Kellogg Institute, University of Notre Dame), Janeiro de 2013. (...)

********************

2. A notícia apanhou-nos a todos de surpresa. O nosso editor Luís Graça enviou esta manhã à tertúlia a mensagem que se segue:

Amigos/as e camaradas: 

Mais uma triste, brutal notícia que chega à Tabanca Grande... Morreu o Leopoldo Amado (, historiador, guineense de Catió, nascido em 1960). Foi um dos nossos primeiros tertulianos, tendo-nos ajudado a "construir a ponte" com a Guiné-Bissau e a sua história recente... 

Entrou para a Tabanca Grande em 7 de setembro de 2005...

Guiné 63/74 - P159: Tabanca Grande: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia

Tem valiosa colaboração no nosso blogue... 

Alguns de nós foram ao seu doutoramento, aqui em Lisboa, em 28 de maio de 2007.



Depois seguiu a sua vida... Estive com ele em março de 2008, bem como o Julião Soares Sousa, e vários de vós, no Simpósio Internacional de Guiledje (março de 2008)... Foi colaborador íntimo do Pepito na organização da temática do Simpósio... Encontrei-o, pela última vez, há uns anos, na Feira do Livro de Lisboa...

Era um homem extremamente culto e afável... Um grande lusófono e humanista... E patriota. 

 É uma grande perda para todos nós, portugueses e guineenses... Sei que tinha família em Londres. Para eles a nossa solidariedade na dor.

Àqueles de vós que o conheceram melhor, gostava de pedir um pequeno depoimento para publicação no blogue.

Mantenhas.
Luís Graça


********************

3. Outra notícia, igualmente triste, chegou-nos esta tarde por intermédio do nosso amigo Patrício Ribeiro através desta mensagem:

Luís,

As más noticias correm rapidamente.

Quando o conheci pela primeira vez em Bissau, no Restaurante Jordani, preparava-se para lançar o Livro sobre a História das "Guerras Internas" e Colonial, das últimas décadas, na Guiné.

Brinquei com ele, e disse que não acreditava que ele o conseguisse editar, pois muitos estavam a escrever sobre o assunto, mas nunca conseguiam publicar ...

Quando mais tarde tive a possibilidade de o ler, foi uma grande surpresa... ainda hoje funciona, para mim, como o livro de História da Guiné recente.

Infelizmente a mãe dele também faleceu este fim de semana, conforme informações que recebi hoje de Bissau.

Perdemos mais um filho da Guiné, um grande intelectual.

Abraço
Patrício Ribeiro


4. Notícia posterior do nosso camarada Paulo Santiago:(que é engenheiro técnico agrícola, com bons amigos em Bissau):

Acabei de falar (faço-o várias vezes) por vídeo chamada com um meu colega de Bissau, grande amigo do Leopoldo Amado.

Tanto a mãe,como ele, foram vítimas do Covid. O Leopoldo esteve internado na UCI em Bissau, posteriormente transferido para Dakar, onde acabou por falecer.

Que descanse em paz.

Cuidem-se.


Santiago.

26 de janeiro de 2021 às 11:58


5. A tertúlia e os editores deste Blogue associam-se à dor da família do Dr. Leopoldo Amado, não só pela sua perda mas também pela morte da senhora sua mãe. As nossa mais sentidas condolências. 

OBS: - O Dr. Leopoldo Amado tem uma vasta colaboração no nosso Blogue, além de outras referências ao seu trabalho enquanto historiador.

Tem 88 entradas que podem ser acedidas pelo marcador Leopoldo Amado

____________

Guiné 61/74 - P21806: Notas de leitura (1337): "Voando sobre um ninho de STRELAS", por António Martins de Matos; Edições Ex Libris, 2020 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
São poucos os relatos publicados sobre a Força Aérea na Guiné e o depoimento de alguém que foi tenente entre 1972 e 1974 forçosamente que precisa de ser apreciado. 

Martins Matos iniciou no Fiat G-91 e após tarimba muito tempo andou no DO-27, peripécias destes dois aviões não lhe faltam, desde largar bombas a evacuações. É um testemunho precioso sobre a organização de Bissalanca, e com a Força Aérea combatia, cooperava com as outras armas, procurava desenrascar situações de convulsão em pleno mato, transportava os anjos do céu e contribuía para salvar vidas.
Estamos chegados a 1973, a chegada de uma nova arma gerou ebulição em toda a estratégia da contra-guerrilha com aquela nova arma chamada Strela, não impediu a destruição de aquartelamentos do PAIGC com poderosos armazenamentos de armas e munições, como ele adiante nos vai contar os bombardeamentos a Kambera. 

E não deixará de tecer considerações sobre o evoluir da guerra.

Um abraço do
Mário


A Guiné de 1972 a 1974 vista por um tenente da Força Aérea ao tempo (1)

Mário Beja Santos

O livro "Voando sobre um ninho de Strelas", redigido pelo Tenente-General António Martins de Matos, é um relato circunstanciado do seu percurso profissional na Força Aérea, cuja ênfase está na sua comissão no período crítico dos últimos anos da guerra: de cadete da Academia Militar a piloto operacional, vemo-lo chegar à Base Aérea N.º 12, escreve as esquadras ali colocadas e fala-nos no Fiat G-91 e no DO-27, as aeronaves com que trabalhou. Começa a ir ao mato, percorre Bissau, compra uma mota Yamaha, dá-nos o relato das primeiras missões, tem o condão de explicar a leigos a essência de um voo, o tema do combustível, a sua utilização. Andou a pairar sobre os céus do Cabo Roxo enquanto o General Spínola conversava com o Presidente Senghor.

Adaptou-se ao DO-27, era o Batata, dá-nos pormenores vivacíssimos dos transportes efetuados. Chegara em maio de 1972, deram-lhe a responsabilidade de “oficial de informações da zona Norte”, dá-nos conta das múltiplas dúvidas e interrogações ao tempo sem resposta. Está interessado em que o leitor se familiarize com todo o jargão daquela aeronáutica, é mesmo coloquial a falar do Fiat G-91: 

“Ao contrário do que muita gente ainda hoje pensa o avião não tinha sido concebido para ‘Apoio Próximo’ às tropas no chão, mas sim para missões de tipo furtivo. O avião até tinha algumas coisas boas; era fiável, um ótimo motor, uma cadeira de ejeção moderna, asa em flecha e silhueta pequena. Para ser utilizado na guerra, a seu favor tinha algumas blindagens e era pequeno, passava por entre o fogo das antiaéreas. Como pontos fracos o seu pequeno raio de ação e a pouca capacidade de transportar armamento”

Explica-nos as atividades em Bissalanca, as aeronaves em alerta, fala-nos no DO-27 e no Alouette III, na natureza das evacuações, tudo era gerido no Centro de Operações. Inevitavelmente, para além de reconhecimentos visuais evacuavam-se parturientes difíceis (caso de bebé atravessado) e conta a história de um pimpolho que resolveu chegar a este mundo dentro de um helicóptero.

Peripécias quanto às missões de DO-27, o autor tem um alfobre de estórias passadas com unidades militares, com pistas grandes ou curtas, fala-nos do destacamento montado em Nova Lamego, como foi fuzileiro num só dia, e assim chegamos a 1973, tece considerações sobre os planos de Sékou Touré para asfixiar a Guiné Portuguesa, elogia as enfermeiras-paraquedistas e inopinadamente aparece o míssil Strela.

O seu aparecimento concretiza-se em 20 de março, começam as especulações de que arma é aquela, logo se apurou que tinha uma trajetória curva como se procurasse perseguir o avião e cinco dias depois, nas imediações de Guileje, é abatido o primeiro avião. 

“A guerra tinha-se intensificado e era evidente que os apoios aos aquartelamentos com metralhadoras e foguetes já não surtiam o efeito desejado. Necessitávamos de uma melhoria imediata no armamento, nada de exorbitante, apenas a substituição das metralhadoras 12,7 milímetros por canhões de 20 ou 30 milímetros”

Em 28 de março é abatido o segundo Fiat G-91, pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito. 

“Foi um rude golpe no moral dos pilotos, além de ser o mais experiente da Guiné era igualmente o nosso Comandante”

E ficaram consternados por não terem recebido autorização para recuperar o seu corpo.

“Durante a manhã de 6 de abril foram abatidos o Furriel João Baltazar (DO-27) e o Major Rolando Mantovani (T-6), tendo igualmente desaparecido o Furriel Fernando Ferreira (DO-27)”

Por artes mágicas apareceu um documento de origem americana do míssil soviético SA-7, no código NATO conhecido por Strela, constatou-se ser uma arma introduzida há pouco tempo na guerra do Vietname. 

“Das suas caraterísticas sobressaía o alcance (3,5 quilómetros), a altitude em que era efetivo (de 15 a 1500 metros), velocidade (1,4 superior à do som) e sistema autónomo de guiamento por infravermelho.
Chegámos à conclusão que o míssil poderia ter um alcance até 3500 metros mas tinha de ser disparado com um ângulo mínimo de cinco graus em relação ao solo, caso contrário caía aos pés do atirador.
Possuía duas espoletas, uma de impacto e outra de influência, não era necessário colidir com o alvo para se dar a explosão, bastava-lhe passar perto da aeronave. 

Uma conclusão importante e que não vinha no manual era o facto de não ser pintado de vermelho conforme alguns pilotos tinham referido, a cor vermelha que alguns tinham visto era tão só a chama do foguete propulsor quando visto de topo, quando o míssil vinha ao nosso encontro. Logo estabelecemos uma regra de ouro. 

Quem avistasse o fumo branco do seu disparo podia ficar descansado, o míssil não lhe era dirigido. Já quem o visse como uma bola vermelha podia estar certo que, se nada fizesse, esse seria o seu dia. Verificámos igualmente que, dada a sua alta velocidade, poderíamos deixá-lo aproximar-se e, no momento imediatamente antes do impacto, e com uma manobra brusca, fazer-lhe uma finta, semelhante ao toureiro numa arena frente a um touro em investida”

E elaboraram contramedidas, e tece outro comentário: 

“Foi assim que passámos a ter aeronaves a baterem em ramos de árvores ou entrarem rios adentro, caso de um AL-III a chegar a Cacine cheio de água, ou DO-27 3459 que devido a uma falha do motor acabou por amarar junto à ilha de Como”.

 Vivia-se uma situação debilitante, como ele explica: 

“Com as baixas entretanto verificadas, era evidente que os restantes pilotos de Fiat G-91 estavam numa situação bem delicada. Era humanamente impossível manter um ritmo contínuo de três voos diários, já que a Esquadra 121, que deveria ter 6 pilotos, estava reduzida a 2. Para agravar a situação, as substituições dos pilotos milicianos tinham-se volatizado”.

Para responder às novas ameaças estabeleceram-se táticas, os aviões cruzavam a cerca de 10 mil pés de altitude (3000 metros), andava por ali a circular, picava-se o objetivo largando o armamento à volta dos 5 mil pés após o que iniciava a recuperação da picada, etc. 

“Com a aplicação das contramedidas estudadas (e não obstante o PAIGC ter disparado cerca de 60 mísseis), a FAP apenas teve mais um avião abatido, a 31 de janeiro de 1974, na região de Canquelifá-Copá, tendo o piloto sido recuperado na manhã seguinte”.

E sumula a importância que deve ser atribuída ao míssil Strela:

“No meu entender, influenciou de algum modo a guerra mas não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe querer dar.

Se por um lado alguns aquartelamentos junto à fronteira (Guidaje, Buruntuma, Guileje, Gadamael) deixaram de ter o apoio diário do DO-27, por outro lado passaram a ter uma melhor proteção, já que o armamento usado pelos aviões nos apoios de fogo passou a ser muito mais potente.

Com o decorrer do tempo e em termos de ameaça, os pilotos habituaram-se ao Strela e continuaram a ter mais respeito em relação às antiaéreas ZPU. Para mim, a arma que mais influenciou a guerra na Guiné não foi o Strela, a arma de defesa antiaérea, mas sim o morteiro 120 milímetros”
.

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21782: Notas de leitura (1336): Os serviços de saúde militar e a guerra colonial - II (e última) Parte (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21805: Os nossos enfermeiros (15): seleção aleatória, formação rudimentar do pessoal de enfermagem, carência de material, etc. (selecão de textos de Armandino Alves, 1944-2014)


Guiné > Região do Oio > Setor O2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 1565 (1966/68) > 10 de julho de 1966 > Helievacuação do cap mil inf Rui Romero > Na foto da evacuação importa também identificar o 1º Cabo Enfermeiro Fernando Teixeira Picão.  colocado do lado esquerdo da foto em calção e camisa (já falecido), e ainda do mesmo lado e logo a seguir o 1º Cabo radiotelegrafista Guilherme Augusto Leal Chagas, natural de Elvas; do lado direito em tronco nu e calção, junto ao Heli o Furriel, Manuel Júlio Vira, natural de Setúbal, (já falecido em 2003).

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Armandino Alves, à direita, reencontra,
em 2010, o seu antigo comandante,
agora cor inf ref Henrique Victor 
Guimarães Perez Brandão. 
1. O nosso camarada Armandino [Marcílio Vilas] Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem, CCAÇ 1589, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) tem 38 referências no nosso blogue.  Entrou para a Tabanca Grande em 2009, morreria, infelizmente cinco anos depois. Era natural do Porto (*).

Dos vários e interessantes postes que publicou, em vida, no nosso blogue, alguns têm por objeto os serviços de saúde militares a que ele pertencia. Na série "Os nossos enfermeiros", tem pelo menos dois postes (**)


Vamos reunir, nesta série, "Os nossos enfermeiros" (***), alguns dos seus apontamentos sobre algumas questões  relevantes como a seleção do pessoal de enfermagem, a sua formação teórico-prática,  a  carência de material, as ambulâncias e atrelados sanitários, e ainda as doenças sexualmente transmissíveis.

  
Enfermeiros… mas não por opção (****)


4 de maio de 2010


(...) Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades,  era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.

Vais para “isto”... e bico calado!

Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.

Depois, no Regimento do Serviço de Saúde, em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD [Readmitidos]. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente –, uma  ou duas  vezes, em todo o curso.

E, pelo menos, no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra. Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?

Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?...A dar injecções!

Quanto ao resto,  eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.

Na época de 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação,  ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO-27 nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.

A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato. Havia enfermeiros, mas não havia o material necessário.

O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro? Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.

Como já aqui se falou,  a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa para melhor nos informar).

Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.

O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.

Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315 (******). Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.

E quanto tempo aguentaria um soldado ferido? Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?

Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e, mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.

Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite. À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.

9 de setembro de 2009 (**)

(...) Em suturas, eu era um zero. A primeira vez que vi suturar, foi na Academia Militar, o Cabo que estava a executá-la teve que deixar o ferido para me atender a mim. No entanto, na Guiné tive de fazer das tripas coração e fazê-las, pois tive colegas que delas precisaram.

Mas não foi o Serviço de Saúde do Exército que nos ministrou isso nos cursos. Mesmo os Enfermeiros nos Hospitais Civis, só quando passam pelos serviços de urgência é que aprendem alguma coisa além de dar injecções, medir a tensão ou distribuir comprimidos. (...)

Quando cheguei à Companhia [, CCAÇ 1589,] não havia quem soubesse preencher os formulários para o Laboratório Militar pois isso era da competência dele [,o furriel enfermeiro]. Só 3 a 4 meses depois é que foi substituído.

Nesse entretanto fui encarregado pelo meu Capitão, não por ser o mais antigo da Companhia, mas porque, tendo estado no HMR1 [Hospital Militar Regional nº 1, Porto] onde era eu, que a pedido do Sargento que nunca lá estava, elaborava os mapas, fazia a requisição dos medicamentos e quejandos, e fui tendo umas luzes, continuando na Academia Militar a fazer o mesmo a pedido do 1.º Sargento que era um tipo porreiro e me desenrascava nos fins de semana para vir ao Porto. Amor com amor se paga.

Ora isto não se aprendia nos cursos que eles nos davam. Nós é que por moto próprio íamos tentando aprender. Por exemplo, o meu tirocínio foi em infecto-contagiosas. O que é que esta especialidade interessa para o mato? Absolutamente nada. Era uma especialidade hospitalar. (...)

7 de setembro de 2009 (**)

[Sobre a prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis]
 
(...) A verdade é que o que existia nos postos Médicos das unidades (e nem em todos),  era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto [antivenéreo]  que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.

E foi assim que, quando a minha Companhia [, a CCAÇ 1589,] regressou do mato a Bissau e os Soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.

Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções. 

Só que, para meu azar,  um dos atingidos por motivos de serviço , não pôde estar no horário previsto e foi ter com o Cabo Enf de Dia para que lhe desse a injecção. Como ele não sabia de nada,  comunicou ao Médico que comunicou ao meu Comandante que chamou o soldado que lhe disse que tinha sido eu que o mediquei.

Claro que fui chamado ao Comandante [,
 cap inf Henrique Victor Guimarães
Perez Brandão,] 
 que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo.  

Felizmente o Comandante, atendendo aos bons serviços prestados durante toda a Comissão, rasgou a participação do Médico e ficou tudo em águas de bacalhau.

O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas.(...)
________

Notas do editor: 

(*) Vd. postes de:




(***) Último poste da série > 23 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21800: Os nossos enfermeiros (14): na falta de médicos, optou-se pela secção sanitária a nível de companhia: um fur mil enf e três 1ºs cabos aux enf (António J. Pereira da Costa / Paulo Santiago / António Carvalho / José Teixeira / Luís Graça)


(*****)  Vd poste de 4 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6315: Recortes de imprensa (24): Salgueiro Maia, comandante da CCAV 3420, em fim de comissão, 5 de Maio de 1973: "Em 60 homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote" (Beja Santos)