quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21878: Os nossos médicos (91): recordando o sentido do humor do nosso saudoso J. Pardete Ferreira (1941-2021), ex-alf mil médico (CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1969/71)


Ministério do Exército > CTIG > HM 241 > Bissau, 24 de junho de 1962 >
BI Militar do alf mil médico José António Pardete da Costa Ferreira, assinado pelo então 
Director do HM 241, Major Médico Filino de Almeida (falecido em janeiro de 2011)



1. O nosso camarada, ex-alf mil médico J. Pardete Ferreira, que nos deixou em 13/1/2021, na véspera de completar os 80 anos (, nasceu em Lisboa a15 de fevereiro de 1941), era um homem que tinha e cultivava o sentido do humor... e que amava a vida e o convívio (*).

Entrou para a nossa Tabanca Grande em 27 de junho de 2011, já depois dos 70 e aposentado do SNS. O seu filho, Jean-Jacques Pardete,  teve acortesia e o cuidado de me participar a sua morte. Ao seu filho e à sua filha já apresentei as nossas condolências em nome da Tabanca Grande.

Infelizmente, não privei com ele, em vida,  falámos ao telefone uma vez ou outra  e trocámos mails, ao longo destes últimos anos. 

Aconselho, de resto, os nossos leitores a ler ou reler o  seu livro “ O Paparratos – Novas Crónicas da Guiné – 1969/1971" (romance). Lisboa: Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda, ISBN: 972-8816-27-8". Irei em breve fazer uma detalhada recensão bibliográfica desta obra. (Jà há uma, feita pelo Mário Beja Santos.)

O talentoso criador literário de Paparratos,  soldado 'comando', bem  do médico miliciano João Peckoff, era um arguto observador da "fauna humana" e tem deliciosos apontamentos sobre a vida estudantil em Lisboa, em 1962 e o "movimento católico juvenil" dos anos 60, bem como sobre a tropa e a guerra... Antes de ser mobilizado para o CTIG, foi médico na EPA, a Escola Prática de Artilharia, por onde também passou o nosso "alfero Cabral"...

Fui respecar dois pequenos apontamentos, honrando a sua memória como nosso camarada (***):


(i) Comentário do José Pardete Ferreira  ao poste P12222 (*)

A história [do Jorge Cabral] está gira. Fui Médico na EPA [, Escola Prática de Artilharia,m em Vendas Novas], de Fevereiro a Outubro de 1968. 

Onde nós íamos era à tasca / "restaurante" do Zé do Calção, junto à estrada, à direita de Sul para Norte, já a Chegar a Bombel(i).  Tinha umas febras de porco notáveis. A Casa das Bifanas já trabalhava mas era muito diferente. Os mais abonados iam ao Manel das Bombas (que se licenciou em Direito depois de "enviuvar") ou então a Montemor(i). 

Havia um Capitão, que regressara da Guiné, e que, depois do jantar, fazia o trajecto Montemor-Vendas Novas, pela faixa esquerda da estrada para... treinar os reflexos.

Já não me lembro bem mas tenho a impressão que era o Cap. Reis,  não tenho a certeza. Os anos passam... Abraço.



(ii) Mensagem que J. Pardete Ferreira me enviou no dia seguinte:


Date: quinta, 31/10/2013 à(s) 12:07
Subject: Vendas Novas

Caro Luís Graça,

Na minha última intervenção  sobre uma história hilariante de Vendas Novas (**), escrevi que havia um Capitão, que regressara da Guiné, que,   quando ia jantar a Montemor, voltava pela esquerda para treinar os reflexos.

E, embora não me soasse muito bem, chamei-lhe Cap Reis. Esta noite, às quatro da manhã, acordei: "Rei"! 

Com efeito, tratava-se  do Cap Rei, que regressava fora de mão com o seu Carocha e que só 
regressava à sua faixa quando via as luzes.

Abraço, Pardete
 
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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P21877: Parabéns a você (1931): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21865: Parabéns a você (1930): Tino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21876: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (123): Fui descobrir que o Hospital de Torres Vedras fica na Rua Aurélio Ricardo Belo, médico militar e arqueólogo [Fundão, 1877- Lisboa, 1961] (José Manuel Samouco, ex-fur mil, CCAÇ 2381, Os Maiorais, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)


1. Mensagem de José Manuel Samouco, ex.fur mil, CCAÇ 2381, Os Maiorais (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada , 1968/70) 



Data - 9 fev 2021 14h34

Assunto - Tabanca Grande

Boa tarde, Luis:

Para tentar contrariar este tempo cinzentão e de prisão domiciliária,  envio a morada do Hospital de Torres Vedras. 

Certamente conheces a morada mas talvez não saibas que o Dr. Aurélio Ricardo Belo é, foi Avô do José Belo.

Se já sabias, esquece.

Pertencemos ambos aos Maiorais, CCaç 2381ç


Hospital de Torres Vedras

Unidade de Torres Vedras

Rua Dr. Aurélio Ricardo Belo

2560 - 324 Torres Vedras



Um abraço, José Manuel Samouco


2. Comentário de LG:

Olá, camarada, a última vez que nos vimos foi no nosso adorado PeraltaBar, na praia da
Peralta, Lourinhã, onde vamos comer choco frito e outros petiscos do mar,  feitos pelo nosso Vitor. Estou mesmo com saudades !... Mesmo que esteja só a 3 km de distância da nossa casa... Simplesmente  está fechado, com o raio desta pandemia... (De resto, já costumava fechar no inverno.)

Pois é, és bem aparecido. Aproveitas para fazer "prova de vida"... e eu, em resposta,  pergunto-te: "Então, e essas estórias dos Maiorais prometidas em 2006 ?" (*)... Não há problema, podes agora aproveitarar o confinamento pôr a escrita em dia...

Quanto ao avô do nosso cap inf ref José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia... sim, sabia que se chamava Aurélio  Ricardo Belo (Fundão 1877- Lisboa, 1961), médico militar, reformado com o posto de major,  e co nhecido  arqueólogo, com nome de rua em Torres Vedras... 

Já em tempos tinha comentado com  o teu e nosso camarada José Belo esse pormenor biográfico, ele tem belíssimas recordações das férias passadas na casa dos avós em Maxial, Torres Vedras.  Não sabia exatamente onde era a rua, fico a saber. Estou-te grato pela lembrança...  (**)

O Centro Hospitalar Oeste, Unidade de Torrs Vedras. tem estado na berlinda por causa dos problemas decorrentes da pandemia de Covid-19, nomeadamente nesta 3ª vaga...

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de abril de 2006 > Guine 63/74 - P659: Tabanca Grande: O ex-Fur Mil José Manuel Samouco da CCAÇ 2381 e o Major Fabião

(...) Apresenta-se o ex-furriel miliciano José Manuel Samouco, pertencente à Companhia de Caçadores 2381, "Os Maiorais", que passou pela Guiné entre Maio de 1968 e Abril de 1970.

Sou camarada de guerra do Zé Teixeira e, por ele viciado no blogue.

Feita a necessária mas sumária apresentação, venho, carregado de emoção, solicitar a devida autorização para me juntar a vós. Leitor atento, diário, emocionado, por tudo o que se escreve e mostra no blogue, senti hoje uma vontade enorme de me tornar participante de viva voz. (...)

Em próximos capítulos, não deixarei de contar algumas estórias em que me vi envolvido e das quais fazem parte o Homem que teimava em se fazer acompanhar sempre com um enorme cabo de vassoura!

Por hoje fico por aqui. O primeiro passo (normalmente o mais difícil) está dado. (...)

(...) Comentário de LG: Camarada Samouco: Não precisas de licença para entrar nem cartas de apresentação. Basta teres pertencido aos Maiorais, a CCAÇ 2381, que a gente já tão bão bem conhece graças ao testemunho do Zé Teixeira e que andou por Buba, Mampatá, Quebo e Empada. A caserna é tua, ou melhor, arranja um espaço para ti, acomoda-te e depois mostra o que vales... Isto é: abre lá o teu rio da memória... Bem vindo à nossa tertúlia, em meu nome e dos restantes amigos e camaradas. L.G. (...)

(...( Tabanca Grande Luís Graça:

Quem passou por Runa, como médico militar, foi o avô do nosso camarada José Belo, o régulo da Tabanca da Lapónia...

https://historiasdetorresvedras.wordpress.com/2012/04/17/aurelio-ricardo-belo-e-a-investigacao-arqueologica/

(...) "Aurélio Ricardo Belo nasceu em Vale de Prazeres, no concelho do Fundão, em 3 de Abril de 1877. Licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa, seguiu a carreira de médico militar, tendo sido director do Hospital Militar de Tomar. 

"Com o estalar da I Guerra Mundial, integra um dos contingentes expedicionários enviados para as colónias, para fazerem face aos constantes ataques das tropas alemãs. Em Angola, dirige o Hospital da Cruz Vermelha de Quelimane e, em Moçambique, na Ambulância da Cruz Vermelha do Niassa e no Hospital de Sangue de Patichinembo.

"A sua acção militar, em África, valeu-lhe diversas condecorações, entre as quais as medalhas de Serviços Distintos no Ultramar, da Vitória, das Campanhas do Sul de Angola e da África Oriental. Na área da Medicina, desenvolveu alguns estudos, que culminaram na publicação da obra Hérnias de Treitz.

"A sua ligação a Torres Vedras viria a dar-se com a nomeação para Director-Médico do Lar de Veteranos Militares (então Asilo de Inválidos Militares), em Runa – onde prestou serviço durante muitos anos -, e com o casamento com D. Valdemira Gomes da Costa Belo, natural do Maxial, onde viria a fixar residência e a estabelecer-se, também, como proprietário rural. 

"Pessoa muito conhecida e estimada na região, participou na vida política local, tendo desempenhado funções de vereador e de administrador do concelho de Torres Vedras, entre 19 de Novembro de 1923 e 1 de Julho de 1926 ." (...)


(**) Vd. poste  de 1 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21721: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (120): Notícias do blogue no ano de 2050, por Jorge Cabral

Guiné 61/74 - P21875: Tabanca Grande (512): Adélio Monteiro, "homem grande" de Castro Daire, ex-sold cond auto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 830, com 12 anos de atraso



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadina > CCAÇ 12 (1969/71) > s/d> Dos dos nossos bravos condutores: em primeiro plano, o Adélio Monteiro, em segundo plano o Aniceto R. Rodrigues, já falecido este ano.


Fotos (e legenda): © Adélio Monteiro (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Óbidos > Restaurante A Lareira > 22 de maio de 2010 > 16º Convívio do Pessoal de Bambadinca 1968/71 > Quatro camaradas da CCAÇ 12 > Da esquerda para a direita: (i) João Gonçalves Ramos (ex-sold radiotelegrafista); (ii) José Manuel P. Quadrado (ex-1º cabo ap armas pesadas inf) (1947-2016); (iii) Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf); e (iv) Adélio Monteiro (ex-sold cond auto, organizador do encontro de 2009, o 15º, em Castro Daire)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Crachá da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)


Castro Daire > Freguesia de Monteiras > Zona Industrial da Ouvida > Restaurante P/P > 30 de Maio de 2009 > 15º Convívio do pessoal de Bambadinca, 1968/71, CCS / BCAÇ 2852, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 e outras subunidades adidas > 

Depois do almoço, houve um espectáculo de "variedades", com música ao vivo e artistas espontâneos como foi o caso aqui do nosso camarada Soares, do Pel Rec Inf (1968/70), que era comandado pelo Alf Mil Oliveira. à direita o Adélio Monteiro apresenta, ao estimável público, mais um artista de ocasião, ... 
O Soares tinha vindo do Luxemburgo e disse-nos que esperara 39 anos (!)  por aqule momento... Emocionado, tocou-nos várias músicas com uma harmómnica que lhe foi dada na Guiné por um oficial superior cujo nome não retive..

Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O  Adélio Gonçalves Monteiro [foto à  esquerda], ex-sold cont auto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969 / Março de 1971), e hoje um conceituado comerciante de Castro Daire, com duas lojas de moda, e chefe de um clã de gente fantástica e hospitaleira, com talentos para a música, o fado  e as cantigas ao desafio, é um "homem grande" na sua terra, tendo  exercido funções em instituições locais como a Misericórdia de Castro Daire de que foi provedor e pertencendo aos seus corpos sociaisa.

Há  muito tempo que deveria estar aqui, formalmente, ao nosso lado, sentado à sombra do nosso poilão. Tinha essa intenção desde que participei num convívio do pessoal de Bambadinca, 1968/71, de que ele foi o entusiástico e competente organizador (*). De resto, também sou vizinho dele, quando estou na Tabanca de Candoz; entre as nossas moranças distam menos de 50 km, tendo o rio Douro , o rio Paiva e a serra de Montemuro a separarnos.

Lembro-me da carta que ele me mandou em 2009, com o convite para participar no 15º Convívio do Pessoal de Bambadinca (1968/71):

(...) "Cá estou eu, Adélio Gonçalves Monteiro, para vos convidar ao nosso já habitual convívio que todos os anos se realiza por esta altura (...).

Castro Daire é uma vila muito bonita bem no Coração de Portugal, mais propriamente no Planalto Beirão, banhado ao sul pelo Rio Paiva, um dos rios menos poluídos da Europa, onde abundam as famosas trutas (...) que fazem parte da gastronomia local.

Castro Daire conta também com as famosas Termas do Carvalhal consideradas as melhores do País em tratamentos de doenças de pele, aparelho digestivo e respiratório. Esta vila pequena, mas muito acolhedora, rodeada de vales e montes, sobranceira à serra de Montemuro, com paisagens deslumbrantes que só a natureza nos pode oferecer" (...) 

Volei a estar com ele e outros camaradas, no ano segyuinte, em Óbidos.(**)

O Adélio Monteiro foi um dos 15 condutores auto da CCAÇ 2590 que foi, comigo, e os restantes graduados e especialistas, no T/T Niassa, a caminho da Guiné. Embarcámos am 24 de maio de 1969 e regressámos, no T/T Uíge, a 17 de março de 1971...

Éramos 6 dezenas de "metropolitanos", abancados, a partir de 18 de julho de 1969, em Bambadinca,  conhecíamo-nos todos. Aqui fica lista dos nossos 15 bravos condutores (entre parênteses,  o local de residência conhecido há uns anos atrás):

1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro [Vila do Conde, mais tarde Porto];
Sold Cond Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];
Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos [, morada actual desconhecida];
Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares [, morto em, mina A/C, em Nhabijões, em 13/1/1971];
Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga [Lisboa];
Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro [Castro Daire];
Sold Cond Auto João Dias Vieira [Vila de Souto, Viseu];
Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha [,Viseu, falecido em 6/12/2007]
Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho [Brejos de Azeitão, Setúbal];
Sold Cond Auto Manuel S. Almeida [, morada actual desconhecida];
Sold Cond Auto António C. Gomes [, morada actual desconhecida];
Sold Cond Auto Fernando S. Curto [, Vagos];
Sold Cond Auto Aniceto R. da Silva [,Anadia e EUA, faleceu em 2021];
Sold Cond Auto Diniz Giblot Dalot [Aljubarrota, Prazeres, Batalha];
Sold Cond Auto Manuel G. Reis [, morada actual desconhecida]

Dei conta da minha falha aquando da notícia recente morte do Aniceto Rodrigues da Silva (***). Prometi ao Adélio que ia cumprir  o que tinha planeado há 12 anos atrás.  Lembro-me de tempos a tempos dos nossos bravos condutores e das peripécias por que passámos juntos (*****)



Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 > CCAÇ 2590 / CCAÇ12 >  1969 > Estrada de Bambadinca-Mansambo. Eu e o Dalot, o Diniz G. Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou pelo menos o melhor que eu alguma vez conheci... Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz, não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto... Reguila, setubalense, de apelido francês, apanhou logo no princípio da comissão, em Julho de 1969, cinco dias de detenção... Devia estar aqui, na nossa Tabanca Grande, ao lado do Adélio Monteiro e do Aniceto Rodrigues da Silva. Não o vejo há séculos.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Lúís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados]



(**) Vd. poste de 23 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6460: Convívios (159): Grande ronco, Óbidos 2010 / Bambadinca 1968/71: CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Rec Daimler 2206, CCS/ BART 2917... (Parte I) (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 1 de fevereiro e  2021 > Guiné 61/74 - P21833: In Memoriam (388): Aniceto Rodrigues da Silva (1947 - 2021), soldado condutor auto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, maio de 1969 / março de 1971)


(****) Vd. postes de:

16 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13148: A minha CCAÇ 12 (30): fevereiro de 1971: batismo dos "piras" que nos vieram render... Adeus, Bissau, em 17 de março de 1971, no T/T Uíge... A CCAÇ 12 será extinta em 18 de agosto de.. 1974 ! (Luís Graça)

e em especial:

11 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12139: A minha CCAÇ 12 (29): 1 morto e 6 feridos graves em duas minas A/C, no reordenamento de Nhabijões, Bambadinca, em 13/1/1971, aos 20 meses de comissão (Luís Graça)

30 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10094: A minha CCAÇ 12 (25): Setembro de 1970: Levando 50 toneladas de arroz às populações da área do Xitole/Saltinho, e aguardando o macaréu no Rio Xaianga (Luís Graça)

22 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7655: A minha CCAÇ 12 (11): Início do reordenamento de Nhabijões, em Novembro de 1969 (Luís Graça)

8 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7401: A minha CCAÇ 12 (10): O inferno das colunas logísticas Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, na época das chuvas, 2º semestre de 1969 (Luís Graça)

28 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)

25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21874: Agenda cultural (766): "A Descolonização", série da RTP com emissões nos dias 2; 10 e 16 de Fevereiro de 2021 na RTP2

1. Alerta do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2021:

A RTP está a emitir uma série com o título "A Descolonização", que vale a pena ver. É uma visão da luta anticolonial e da descolonização em todo o mundo, produzida pelo Canal ARTÉ e a TV belga.

O primeiro episódio desta série documental é sobre aprendizagem. Quando a violência e a injustiça colonial alimentam uma raiva abafada, surgem figuras de luta. É Mary Nyanjiru em Nairobi ou Lamine Senghor, atirador senegalês que se tornou militante anticolonialista na França.

O 1.º episódio passou na RTP 2 - 3.ª feira dia 2 de Fevereiro. Está nas gravações automáticas e também disponível no endereço https://www.rtp.pt/play/p8429/decolonisations

O 2.º episódio vai passar na próxima 4.ª feira, dia 10, e o 3.º (e último) no dia 16, 3.ª feira (de carnaval), também na RTP 2.
Convém ver no GuiaTV os respectivos horários, porque deixam sempre estas coisas para horas mortas e trocam-lhes as datas.

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21629: Agenda cultural (765): Lançamento, em Alcácer do Sal, no sábado, dia 12,do livro de Isabel Castro Henriques, Os «Pretos do Sado»: História e memória de uma comunidade alentejana de origem Africana (Séculos XV-XX)

Guiné 61/74 - P21873: In Memoriam (389): Mamadu Camará, a "Onça Vigilante" do Pel Caç Nat 52 (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2021:

Meu caro Luís,
 
Junto texto evocativo de mais uma perda dolorosa. Bom seria que não passasse de uma atoarda, de uma daquelas confusões em que já me vi envolvido, caso do Braima Galissá.
 
Como qualquer um de nós, dou comigo a refletir sobre comportamentos valorosos ligados à fidelidade e à camaradagem que ficaram sem o devido reconhecimento. Mamadu Camará era um Futa-Fula que sabia bem o que valia, tanto não se negou às práticas da valentia que foi um dos meus soldados que avançou para os Comandos, posso dizer com mágoa que tenho fuzilados, presos e espancados e fugitivos, gente que atravessou países a pé e à boleia até encontrar paz e auxílio para vir para Portugal.
 
Como gravemente ferido em combate, em 1972, Mamadu ficou em Portugal e aqui recompôs a sua vida, num turbilhão afetivo que não se deseja a ninguém. Viveu nos últimos anos em boa acalmia, adorava ir até à Irlanda do Norte visitar os seus netos "cor de café com leite", sempre irrepreensivelmente vestido, todo aquele corpanzil exibia um cavalheiro à moda antiga.
 
É talvez esta última imagem que eu quero guardar de ti, como se estivesse a ouvir o teu vozeirão de baixo-barítono, que não perdeu volume, passados mais de 50 anos. E um abraço fraterno de nosso alfero, aí vai, até às estrelinhas,
 
Mário

Mamadu Camará - Pel Caç Nat 52


Estas repetidas perdas de inexauríveis amizades

Mário Beja Santos

Não tenho precisado do confinamento para me manter em rede com a tropa guineense e as gentes do Cuor. Acresce, quando é possível ir trabalhar na Biblioteca da Sociedade de Geografia haver passagem obrigatória pela comunidade que se espraia pelos bancos do Rossio, para os lados da casa da ginjinha e por todo o Largo de São Domingos, comércio variado não falta por ali, pergunto por beltrano ou sicrano, sempre com prudência, nunca esqueço o lamentável incidente em que perguntei a alguém pelo Braima Galissá, exímio tocador de korá, e me responderam prontamente que tinha morrido durante um concerto em Genebra. 

Como há meses que o telefone não atendia, telefonei contristado ao Abudu Soncó, dei-lhe a triste nova. Não passou quinze dias que o Abudu voltou a telefonar-me, apanhara um susto de todo o tamanho, deu com o Braima na rua, dadas as explicações do seu assombro, Braima Galissá, com a maior placidez, explicou que quem esperneara fora outro Braima Galissá, também tocador de korá, e à cautela procurou-me como se estivesse a fazer prova de vida.

Passou-se recentemente algo parecido, telefonava sem resposta ao Queta Baldé, o meu admirável 126, sempre a arrastar os pés, que me deu uma ajuda extraordinária a reconstituir o meu diário da Guiné, faz parte do pequeno grupo que de vez em quando aqui vem ao bacalhau com batatas, a maior das preferências de qualquer guineense. 

Eis que desta vez o Queta atendeu o telefone, passámos em revista Bambadinca e Amedalai, por lá anda a família do Queta e certos amigos comuns, como Fodé Dahaba e Sadjo Seidi. Manifestei-lhe a minha estranheza de o telefone do Mamadu Camará não responder, tinha dois números de telemóvel, penso que um deles era o que ele levava para a Irlanda do Norte quando ia visitar os netos, “cor de café com leite”, expressão sua. Queta, mostrou-se surpreendido, então não sabia que o Mamadu já morreu? 

Depois de ter levado este coice, com a voz entaramelada, insisti com o Queta se não tínhamos para aqui uma confusão como a do Braima Galissá, Queta respondeu prontamente que tinha a certeza, confirmara junto de alguns irmãozinhos de Mamadu, eu que ficasse descansado…

Descansado era coisa que eu não haveria de ficar, desde de 4 de agosto de 1968 que Mamadu Camará fazia parte do meu currículo. Estou neste momento a vê-lo atrás de Zacarias Saiegh, ao lado de Abdulai Djaló (dito o Campino), vieram buscar-me a seguir ao almoço para seguirmos para Finete e Missirá, o seu olhar coruscante media de alto a baixo o novo comandante, o que dele podia esperar. E começou logo a dar trabalho, tinha dívidas por toda a parte, era doido por rádios, relógios, pulseiras e caprichava na roupa, passeava-se nas horas disponíveis num brinco de roupa garrida. Aceitava que através da contabilidade houvesse os descontos para os seus credores esfaimados. E sabia pedir. O meu guarda-costas, Cherno Suane, escovava regularmente a roupa que trouxera de Lisboa, bem como três pares de sapatos. Em escassos meses, levou-me dois pares, tive que lhe fazer frente explicando-lhe que os sapatos pretos eram de uso obrigatório com a farda n.º 2, rendeu-se à evidência, mas aproveitou para perguntar se eu não precisaria de um par de sapatos novo, era uma questão de irmos a Bafatá, sim, àquela loja do Esteves, onde nosso alfero compra a música dessa gente que está sempre a gritar… 

Era inequivocamente um dos meus bravos e não se furtava ao trabalho, como demonstrou na reconstrução de Missirá, de abril a junho de 1969. Quando acabou o seu tempo de tropa, foi incorporado na 2.ª Companhia de Comandos Africana, e um dia recebi carta com fotografia sua, deitado numa cama de enfermaria, alguém escrevia que tinha levado um tiro no calcanhar perante uma operação em Salancaur, no Sul. Os médicos terão feito um esforço titânico para reconstituir os ossos, a perna gangrenou, acompanhei este processo no Hospital Militar Principal, foi alguns meses à Alemanha, adaptou-se bem à prótese.

Tornei-me seu confidente. Não era muito feliz nos seus amores. Apaixonara-se por uma cabo-verdiana que tinha um terrível cadastro, numa rixa com o anterior companheiro, quando este se preparava para lhe dar uns tabefes e pontapés, ela atirou-lhe um facalhão de talho à tábua do peito. Terá vivido embeiçado com a dita, suportou estoicamente comportamentos menos desejáveis, acarinhou os filhos dela e os rebentos dos dois. Passavam-se os anos e a praxe dos encontros manteve-se imperturbável. 

Estou neste momento a vê-lo sentado a conversar com Tina Kramer, quando esta se preparava para ir para a Guiné fazer o trabalho de campo do seu doutoramento, impressionante com o seu fato completo, incluindo colete e gravata acetinada, era como se estivesse sempre preparado para ir à conservatória ou a casamento alheio.

Inesquecível esquecê-lo, e neste meu vasto armário onde guardo relíquias da saudade abro mais uma gaveta, e com que dor contida vasculho a homenagem que devo prestar a tal querido amigo. E foi então que me recordei de um texto que lhe dediquei relacionado com o ato de lealdade e dedicação incomparável, curvando-me respeitosamente pela sua memória, volta-se a publicar algo que tanto pode ser ficção mas também tomado como realidade, e abraço mais saudoso para ti não pode haver:

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Agosto de 1969

MAMADU CAMARÁ, A ONÇA VIGILANTE

Fogo de Santelmo, fogo de Madina


A partir do meio da tarde, o céu fez-se chumbo, o ar esfriou, ficámos à espera que chovesse, contrariados no meio dos trabalhos, tudo à volta do arame farpado. Quando parecia que o chumbo passaria a negro, o negro da nuvem espessa que se encaixara como uma abóbada sobre Missirá deixou imprevistamente que os raios e coriscos se acendessem e, como uma faca que rasga a seda, estoiraram estrepitosamente em Missirá, em todo o Cuor. O anoitecer fez-se dia com aquela iluminação de teatro, espectral. A chuva abundante caiu dos céus, ficou a empapar-se às nossas botas, o sibilar da trovoada gigante levou-nos a fugir para casa.

É nesse entretanto da fuga precipitada para as moranças que começa uma flagelação com morteiros e costureirinhas. Do pânico da chuva passou-se rapidamente para a resposta, corríamos nus, em roupa interior, encharcados, enlameados. Quem limpava as armas pô-las em funcionamento, quem fazia a contabilidade mudou de armas, quem cozinhava foi logo responder com metralhadoras, e todo este fogo de resposta amorteceu o som das obusadas que espalhavam o metal destruidor, salpicando a terra. Colhidas de surpresa, as mulheres e as crianças que cultivavam e brincavam, atiraram-se para as valas. No morteiro 81, encadeado por aquele maldito fim de tarde desorientador, pois falsa era a noite e falso era o dia, com o precioso auxílio do Queirós, eu punha e tirava cargas das granadas, procurando atinar com as distâncias. 

Era uma estranha flagelação, era um fogo espúrio, como se estivessem a testar-nos para o tiro a tiro. O Queirós gemia, segurando o tubo sem a braçadeira, o braço a ficar em chaga. As explosões chegavam espaçadas, como a lembrar que há muitas maneiras de fazer flagelação. É então, entre esse dia e essa noite de Santelmo e do fogo de Madina que sou disparado a coice, saio do abrigo de morteiro com forte encontrão, alguém me projeta no solo. Uma explosão ao pé soergue-me e ao intruso que me arrancara do morteiro 81. Eu desfiro palavrões, mas o intruso grita de dor. Desprendo-me do fardo, o Queirós a tudo assiste aparvalhado, ponho-me de pé e vejo Mamadu Camará jazente e depois de tronco arqueado, com o rosto riscado pelo sofrimento. É o Queirós, que sai do atordoamento, que explica o transcendente daqueles instantes: "Meu alferes, o Camará viu o rebentamento, quis salvar-lhe a vida"

Entretanto, acabou-se a flagelação, que deixou a mesquita com algumas chapas perfuradas, há os pés rasgados do costume, há semblantes enfarruscados e queimados e há ainda alguma luz para deitar contas à vida e ver o que correu mal. Felizmente, nada mais aconteceu, Madina lançou mais um aviso, muito provavelmente vieram patrulhar e antes de retirar deixaram este cartão de visita.

Agora, nada mais me interessa do que agradecer discretamente a Mamadu Camará, que cambaleia, cheio de contusões e rasgões. Nessa noite, depois do jantar, enquanto Missirá faz serão a comentar os acontecimentos, chamo Mamadu, depois de ter refletido sobre a sua bravura. 

"Mamadu, não tenho palavras para te agradecer, tu estiveste pronto para dar a tua vida para me salvar. Tu merecias uma elevada condecoração. No entanto, vê a posição em que me encontro: se publicitar o teu feito, parece que estou a engrandecer o facto de estar no morteiro, no meu dever a enfrentar o inimigo. Peço-te que me compreendas, prefiro ficar com uma dívida contigo, deixa-me amanhã eu contar a todos o que fizeste por mim. E esta história fica sem ser conhecida por mais ninguém fora de Missirá"

Mamadu, que em todas as conversas sérias tinha um vozeirão de barítono wagneriano, pôs-se a entaramelar a voz, reduzindo-a a um fio, vacilava na resposta. Ouviu-me e disse:

  "Está certo, ninguém tem o direito de saber fora de Missirá esta história. Eu já tenho uma medalha, não preciso de mais"

E ninguém soube até hoje. Chegou o momento da tua abnegação chegar aos quatro cantos do mundo, Mamadu.
Na reconstrução de Missirá, Mamadu senta-se no tronco da palmeira, enquanto converso com Cibo Indjai, lá ao fundo, Alcino Barbosa, quer intervir na conversa
Fotografia tirada em Missirá, seguramente depois do grande ataque de março de 1969, em que perdi todo o material fotográfico
Mamadu Camará à esquerda, sempre galhofeiro, disse pilhéria e pôs toda a gente a rir, que saudades guardo de todos estes meus queridos companheiros
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21833: In Memoriam (388): Aniceto Rodrigues da Silva (1947 - 2021), soldado condutor auto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, maio de 1969 / março de 1971)

Guiné 61/74 - P21872: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (5): "A carreira para Brá"; "Ilondé" e "Desenrascanço"


1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):


13 - A CARREIRA PARA BRÁ

Enquanto estivemos nos Adidos, a aguardar colocação, deslocávamo-nos com alguma frequência ao centro de Bissau, fosse para ir telefonar ao Correio, comer ostras frente ao Mussá, na rua da Polícia, beber um café no Bento, no Império ou na Ronda, tomar ao fim da tarde um gin tónico na esplanada do Pelicano ou jantar no Solar dos Dez.

Havia transporte do Exército mas, por conveniência, de vez em quando fazíamos a viagem de autocarro, com a população local, e, para mim, era uma viagem deliciosa não obstante os odores e a gritaria que tinha de suportar.

Um belo dia, durante o trajeto, o autocarro, com portas automáticas, apinhado, parou para entradas e saídas. Empurrão daqui, empurrão dali, o pessoal lá se foi ajustando no espaço disponível. Contudo, no arranque, um guineense ficou com o corpo de fora e as pernas para dentro da porta traseira do autocarro o que gerou alarme imediato com a pronta imobilização da viatura. Tornou a tentar entrar no autocarro e, quando ia a subir, a porta fechou-se novamente e, no arranque, logo abortado, ficou com a cabeça dentro do autocarro e as pernas de fora. Finalmente lá conseguiu entrar totalmente dentro do autocarro e, com toda a gente a rir incluindo o próprio, lá seguimos viagem.

Uma situação que, na Metrópole, daria ensejo a forte discussão foi ali um momento de boa disposição.

Adidos: momento de descontração

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14 - ILONDÉ

Após alguns dias passados nos Adidos fomos para o Ilondé, aquartelamento situado entre Bissalanca e Quinhamel, que apenas possuía dois edifícios que serviam para a instalação do comando do Batalhão e das Companhias, secretarias, depósito de géneros e de armamento e um pequeno bar que servia à porta. Aliás, naquele local ia ser construído um novo aquartelamento cuja obra teve início mas duvido que tenha sido terminada.

O pessoal ficou instalado em tendas de campanha. Não havia latrinas nem banho. Para obviar ao problema foram cavados alguns metros de trincheira para onde a rapaziada defecava diretamente. A questão dos banhos era solucionada no rio que passava próximo, com grande dificuldade para os que não queriam tomar banho diretamente no rio, pois era preciso esperar que o latão enterrado na margem enchesse e, depois, com meia cabaça proceder à molha, ensaboamento e retirada do sabonete (Lifebuoy), situação semelhante à vivida em Colibuia só que agora com mais gente. As nativas que lavavam a roupa em local próximo passavam o tempo do nosso banho na risota, fazendo entre si comentários em crioulo que não percebíamos mas facilmente adivinhávamos.

Mas, o pior sucedeu após alguns dias naquela situação pelo facto de, com o vento, o papel higiénico utilizado andar a voar por todo o acampamento, situação que deu lugar à formação na parada das forças acampadas perante as quais foi feito um discurso tardio sobre a forma de resolver o problema, que passava pela utilização de uma pá de areia de cada vez que se usava a latrina improvisada. Não sei se saiu à ordem qualquer orientação sobre o assunto mas, se saiu, gostaria de saber os termos em que foi feita.
Ilondé: a minha tabanca (e de mais 7). O Caetano e eu (em pé)

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15 - DESENRASCANÇO

Com o pessoal instalado em tendas de campanha começou, logo no primeiro dia, a procura por melhores condições de vida dentro das circunstâncias que incluiam a inexistência de latrinas e banhos.

As tendas foram sendo abertas na parte de tràs, junto ao arame, e com ajuda da vegetação existente formava-se um acrescento significativo (atrasado) da tenda que servia de sala de estar e de comer (não havia refeitório).

Com madeira aproveitada faziam-se mesas e pequenos armários para guardar os utensílios de necessidade constante.

O pessoal mais apto para a área comercial construiu uma pequena estrutura coberta com capim, onde era servido café instantâneo e se lia o jornal com alguns dias de atraso.

Alguns dias passados, apareceu um jogo de matraquilhos, instalado ao ar livre, que constituia receita da Companhia e cujo montante foi progressivamente minguando, embora o pessoal jogasse mais ou menos o mesmo.

Entretanto, com a resolução do problema das latrinas e dos banhos, o pessoal partiu para um estádio superior de conforto tendo-se dedicado afanosamente a melhorar as suas condições de vida das formas mais diversas.

Porém, a cereja no topo do bolo era a cadeira de baloiço feita de um barril de vinho.

Ilondé: a minha tabanca (e de mais 7), a mesa exterior e as cadeiras de baloiço. Da esquerda para a direita: o Pinto, o Chaves, o Caetano, o Mendes e o Domingos (à civil)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21858: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (4): "O Machado"; "O Tiago e a pena" e "Viagem para Bissau"

Guiné 61/74 - P21871: Tabanca Grande (511): Albertino Ferreira, ex-alf mil at inf, CCAÇ 4540/72 (Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74), natural de Figueira de Castelo Rodrigo; senta-se à sombra do nosso sagrado poilão, no lugar nº 829



O novo membro da Tabanca Grande, nº 829, Albertino Ferreira, 
ex-alf mil at inf, CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74), natural de Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda.



1. Mensagem de Albertino Ferreira

 
Data - 16:48 (há 1 hora)
Assunto - Envio de fotografias

Boa tarde

Em conformidade com o teu pedido, que agradeço, junto envio as fotografias solicitadas, em anexo, e o seguinte texto:

Albertino Nunes Ferreira, ex- Alferes Miliciano, Atirador de Infantaria, CCAÇ. 4540 - R. I. nº 15 Timar / - Guiné-Bissau,  Bigene, Cadique, Nhacra., 1972/74.

Cumprimentos

Albertino Ferreira


2. Comentário do nosso editor LG:

Albertino, obrigado pro aceitares o nosso convite para integrar a Tabanca Grande, que reune os amigos e camaradas da Guiné. Somos já 828, contigo 829.(*)

Tens acompanhado o nosso blogue, lendo-nos e comentando-nos, mas gostaríamos também que partilhasses connosco c mais fotos e outras memórias do teu tempo.

Da tua companhoa,  CCAÇ 4540/72 (CumeréBigeneCadiqueCufarNhacra, 1972/74),   temos pelo menos três camaradas aqui atabancados:

Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio-telegráfico), Vasco Ferreira (ex-alf mil at inf) e  António Manuel da Conceição Santos (Tomanel, para os amigos). Este último vive em Faro e os outros são nortenhos (Maia e Vila Nova de Gaia, respetivamente). Já se devem ter encontrado nalgum dos vossos convívios anuais.

Foste lacónico em informação sobre a tua pessoa, mas sei que nasceste em Figueira de Castelo Rodrigo. em 1947 (és da minha colheita).  E tens un diário, que começaste a escrever depois de a tua companhia, vinda de Bigene,  ter desembarcado no Cantanhez, em 12/12/1972, a bordo da LDG Bombarda, com apoio dos Fiat G-91 e de um bigrupo da CCP 121, no âmbito da Op Grande Empresa.

Como ssbes, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana, como  camarada de armas que fomos, e que hoje, mais velhotes, se reunem à sombra do simbólico, metafórico, poilão da Tabanca Grande. O teu lugar é, pois, o nº 829 (*) e  o teu nome passa a figurar na lista alfabética, de A a Z, dos membros da nossa comunidade virtual, Vê aqui, na coluna estática, no lado esquerdo. 

Esperamos poder-nos conhecer, "ao vivo e a cores", quando a Tabanca Grande tocar a reunir, como o temos feito, todos os anos desde 2006. Os nossos convívios anuais (, já 15 ao todo,) foram interrompidos com a pandemia de Coivi-19. Façamos votos para nos voltarmos a encontrar em 2022.

Peço-te que leias as  nossas regras do jogo,   blogue, aqui condensadas em  10 regras da política editorial do blogue.

És bem vindo e deixo-te a seguir uma nota com a ficha da tua unidade, para os nossos leitores saberem um pouco mais sobre onde andaste.

Sobre a tua CCAÇ 4540 temos já cerca de meia centena de referências.

 


2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores nº  4540/72

Identificação:  CCaç 4540/72
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: Cap Mil Cav Manuel Varandas Lucas
Divisa: "Somos um caso sério"
Partida: Embarque em 19Set72; desembarque em 19Set72
Regresso: Embarque em 25Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 20Set72 a 170ut72, no CMI, em Cumeré, seguiu em 180ut72 para Bigene, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CArt 3329. 

Em 15Nov72, assumiu a responsabilidade do subsector de Bigene, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 3.

Em 9Dez72, foi substituída no subsector de Bigene pela CCaç 3, a fim de seguir para Cadique e ocupar e instalar-se na zona.

Em 12Dez72, assumiu a responsabilidade do subsector de Cadique, então criado, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 4 e depois do BCaç 4514/72.

Em 17Ag073, após substituição no subsector de Cadique pela 1ª Com / BCaç 4514/72, seguiu para Bissau, ficando temporariamente na dependência do COMBIS, a fim de colaborar na segurança e protecção das instalações e das populações, tendo ainda efectuado escoltas a colunas de reabastecimento a Farim e Binta.

Em 8Set73, iniciou o deslocamento, por fracções, para Nhacra, a fim de substituir a CCaç 3477. Em 19Set73, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, com um destacamento em Ensalmá, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 8.

Em 16Ag074, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 4945/73 e seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 114 2ª Div/4ª Sec, do AHM).


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág. 416.
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21835: Tabanca Grande (510): Aniceto Rodrigues da Silva (1947-2021), natural da Anadia, ex-sold cond auto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71); que descanse em paz, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 828

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21870: Antropologia (40): Conto iniciático da etnia Fula, contado aos mais novos (Cherno Baldé, colaborador permanente em assuntos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau)

Guiné > Região de Cacheu > Bigene > A festa do fanado... mandinga

Foto (e legenda): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, ("Chico de Fajonquito", colaborador permanente em assuntos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau), com data de 1 de Fevereiro de 2021:

Caros amigos,

Na sequência das ultimas publicações sobre cerimónias e ritos tradicionais de fanados e outros, junto envio um conto iniciático dos fulas, contado aos mais novos nessas ocasiões. Trata-se de uma amostra quando se fala das bases sociológicas em que se assentava a educação tradicional africana nas suas diversas facetas.

Todos aqueles que foram educados na base da matriz cultural da tradição africana saberão reconhecer os alicerces e suas derivações e aqueles que não o sendo tem acompanhado seus contornos poderão experimentar o prazer de navegar em águas já conhecidas e apreciadas ao longo dos últimos anos.

Se for de algum interesse, de momento, podem publicar no Blogue da TG.

Com os meus respeitosos cmpts,
Cherno Baldé


CONTO INICIÁTICO DA ETNIA FULA CONTADO AOS MAIS NOVOS

Um homem que vivia numa aldeia tinha um filho de quem gostava muito e a quem queria dar uma boa educação conforme usos e costumes da época. Depois de uma vida de criança livre de brincadeiras até à idade dos sete anos, o pai decidiu enviá-lo para uma escola corânica a fim de aprender os fundamentos da religião que orientava a vida espiritual da sua comunidade. 

Depois de muitos anos de aprendizagem e de duros trabalhos junto do seu mestre, concluiu os estudos e voltou para casa familiar.

Após o contentamento e euforia dos primeiros dias e quando o jovem se preparava para construir sua casa e ampliar a família com a constituição de sua própria família, o pai chamou-o outra vez e disse-lhe:

- Meu filho, estamos muito orgulhosos da tua dedicação ao trabalho e o teu desempenho escolar, mas acontece que na vida a escola é importante mas não é tudo. Agora vais ter que aprender na escola maior que é vida, o conhecimento sobre o mundo, suas infindáveis maravilhas, contradições e desafios, por isso queremos que partas para uma viagem de volta ao mundo, tomando a direcção que te convier - Norte-Sul-Este-Oeste - e durante o percurso vais encontrar e viver muitas situações e observar fenómenos que nunca tinhas visto e experimentado na tua vida. Em tudo deverás tirar lições que te poderão servir na vida futura, pelo que tudo que não for da tua compreensão, deverás observar direito e tomar boa nota até ao seu regresso.

No dia seguinte, o filho despediu-se da sua mãe e de toda a família, pegou na sua flecha e no chapéu de abas largas com que protegia a cabeça do ardor do sol africano e outras poucas coisas que poderia precisar durante a sua viagem e partiu rumo ao desconhecido.

Depois de muito caminhar, encontrou uma abelha que estava morta no caminho e decidiu dar-lhe sepultura, mas para sua surpresa, à medida que a enterrava e se preparava para continuar a sua caminhada a abelha emergia da terra e voltava ao mesmo sitio donde a tinha retirado antes.

 Percebendo estar diante de um fenómeno que não compreendia, lembrou-se dos conselhos do pai que lhe dissera para tomar nota de tudo que visse e lhe parecesse estranho, tomou nota e continuou a sua caminhada.

Mais à frente viu no caminho um objecto redondo que brilhava parecendo ouro, mas quando se preparava para pegá-lo o objecto transformava-se numa cobra e quando se afastava, o objecto voltava a assumir, de novo, o mesmo brilho. Percebeu estar diante de um fenómeno estranho, tomou nota e continuou. 

Prosseguindo seu caminho, viu um macaco em cima de uma árvore que, sistematicamente, metia a mão no sexo e de seguida punha na boca como se de alimento tratasse, pareceram-lhe muito estranhos e pouco higiénicos estes gestos, todavia lembrando-se dos conselhos do pai, tomou nota e prosseguiu.

Passou à frente e viu um grupo de vacas num terreno de ervas verdes e água ao redor, mas os animais eram bem magros e de aspecto triste. Não conseguiu entender o que se passava com aqueles animais, havia muita erva e água em abundância, mas mesmo assim estavam tão magros e tristes. 

Mais à frente vislumbrou um outro grupo de vacas num terreno desta vez sem ervas nem água, curiosamente, desta vez, os animais eram gordos e bem dispostos. Pareceu-lhe mais um fenómeno incompreensível, tomou nota e prosseguiu.

Continuando a sua caminhada viu, mais à frente, um porco vestido de batina, uma larga e comprida camisa que lhe ia da cabeça aos pés como se vestem os nossos almames (padres), nas mãos tinha um rosário cumprido recitando versículos corânicos. Ele que conhecia o Alcorão de cor, nunca na sua vida imaginara ver um porco religioso e eis que encontra um porco que recitava versículos. Era tudo muito estranho. 

Mais a frente viu uma outra imagem, onde o mesmo porco estava, desta vez, mais descontraído e rodeado de mulheres em ambiente que parecia de uma grande festa. O jovem ficou confuso diante deste fenómeno bizarro, lembrou-se das palavras do pai, tomou nota e continuou seu caminho. 

Cada vez mais perplexo com o que estava observando pelo caminho, prosseguiu a sua caminhada e desta vez ele viu um enorme elefante parado numa bolanha (planície) enquanto outros pequenos animais, répteis, insectos e pássaros subiam ou pousavam no seu dorso picando e alimentando-se da sua carne e bebendo do seu sangue, mas o elefante, incompreensivelmente, mantinha-se quieto e imóvel. O jovem não compreendeu porque um animal tão possante estava parado e quieto enquanto animais insignificantes o molestavam. Lembrou-se das palavras do pai, tomou nota e continuou sua viagem.

Mais à frente viu uma gazela que só tinha três pés e dum lado e doutro do corpo tinha brilho de ouro e de prata. O jovem correu atrás da gazela tentando agarrá-la ja que só tinha três pés, no entanto sempre que se aproximava da mesma esta parecia que voava e se distanciava para bem longe da sua vista. Pareceu-lhe estar diante de um novo fenómeno que não compreendia, lembrou-se do pai, tomou nota e prosseguiu. 

Continuando a sua caminhada de aprendizagem sobre a vida e o mundo e já o sol se escondia no horizonte e a noite estendia o seu manto de escuridão sobre a terra, quando o jovem resolveu entrar numa aldeia situada à beira do caminho para passar a noite a fim de prosseguir no dia seguinte. Quando entrou na primeira morança, encontrou um homem muito velho e abatido pelo peso da idade que estava sentado junto a uma fogueira, cumprimentou-o com todo o respeito e pediu asilo para uma noite pois tinha caminhado muito e estava cansado. 

O velho respondeu-lhe numa voz acabada e quase inaudível que a morança não era dele, mas do seu pai que, de momento estava ausente. O jovem ficara, mais uma vez, pensativo com a ideia de saber, se o filho estava assim naquele estado como não seria o pai. No mesmo momento surgiu a entrada da morança um homem mais novo e robusto que trazia lenha a cabeça para sua morança. O homem cumprimentou-o e confirmou que, de facto, era o pai do velho sentado junto a fogueira. Deu asilo e mandou trazer água e comida ao jovem, que, mais uma vez ficou intrigado com o fenómeno diante dos seus olhos, lembrou-se das palavras do pai, tomou nota e foi dormir para descansar, enquanto passava em revista todas as cenas de que tinha sido testemunha em tão pouco tempo de viagem.

Após alguns anos de viagem pelo mundo, o jovem decidiu regressar a casa dos pais e contar ao pai e família tudo aquilo por que tinha passado e tinha observado ao longo dos últimos anos. Enquanto ele descrevia as cenas do filme das experiências da sua viagem, o seu pai dava o significado dos diversos comportamentos e fenómenos daquilo que ele tinha visto no caminho, com que tomamos a liberdade de partilhar com os nossos estimados leitores.

Assim:

1. A abelha que ele não conseguia enterrar, é o homem de bem, homem puro, solidário e desprovido de inveja, a este homem imaculado ninguém consegue denegrir a sua imagem por mais que tentem. É o homem próximo do Deus.

2. O objecto brilhante que se transforma em cobra, é a mentira embelezada para parecer verdade, ao longe tem o brilho de ouro, mas é brilho de pouca dura, pois se a mentira pode ser o início numa relação, só a verdade a manterá.

3. O macaco que metia a mão no sexo e de seguida a levava a boca, são os nossos tempos actuais “Afri-djamanu” (África moderna), tempos em que homens e mulheres vendem seu corpo, ganham autonomia financeira vivendo por sua conta graças à prostituição, alimentando famílias inteiras.

4. O cabrito que subia o tronco da árvore com espinhos em vez dos seus semelhantes fêmeas, é o jovem que vai atrás de mulheres idosas e do sexo duvidoso e infrutífero, ele perde seu tempo, sua força e saúde, mas nunca terá progenitura.

5. O pássaro que, quando se pousava numa árvore esta perdia suas folhas, é o homem irresponsável que em sua casa não assume suas responsabilidades, mas lá fora é o homem-valentão de mãos largas e bondoso que alimenta as mulheres e filhos alheios.

6. O grupo de vacas muito magras num terreno fértil e água em abundância, são as mulheres eternamente insatisfeitas, que passam a vida a bisbilhotar na vida dos outros e levantar a vista para a casa dos vizinhos. Estas mulheres, inconformadas com as possibilidades dos seus maridos e família,  nunca se contentarão com aquilo que têm, em consequência nunca serão felizes da vida. As vacas gordas num terreno seco sem ervas nem água, pelo contrário, são as mulheres de bem, conformadas com o pouco que têm em casa e não se embirram com seus maridos.

7. O porco vestido de batina com um rosário nas mãos recitando versículos, é o rei despojado do seu trono que está a fazer figura de grande religioso. Devolvam-lhe o poder e verão que ele continua tão descrente como todos os reis e homens de poder do mundo.

8. O elefante gigante parado na bolanha e servindo de pasto aos pequenos animais, é o velho e chefe da morança (família) que com paciência, benevolência e muita resignação trabalha todos os dias para o sustento e bem estar da sua família sem esperar qualquer retribuição em troca. Em África, o mais velho é o centro do mundo, o abrigo e a lixeira onde se deita o lixo da humanidade.

9. A visão da gazela de três pés que tinha brilhos de ouro e de prata de um lado e doutro, é a visão utópica e efémera do mundo que perseguimos todos os dias, sem nunca a alcançar na sua plenitude. Significa que no mundo, ninguém deve esperar ser completamente satisfeito e que devemo-nos conformar com a nossa pequena estrela e que é o nosso destino, para a sanidade do nosso espírito e da nossa mente numa luta de permanentes (des)equilíbrios e rupturas.

10. E, por fim, o velho encontrado junto da fogueira e que era filho do outro homem, aparentemente, mais novo que ele, é a visão metafórica da inutilidade de alguns jovens da nossa sociedade actual que vivem do ócio e da futilidade, onde o corpo e a alma, rapidamente, envelhecem triste e precocemente.

Estas sessões iniciáticas em forma de lições de vida para os mais novos, eram feitas nos fanados e outros fóruns de ritual tradicional africano com o objectivo de prepará-los para a vida adulta de modo a poderem assumir plenamente suas responsabilidades como homens e futuros chefes de família.

Bissau, 1 de Fevereiro de 2021
In Conto tradicional fula, de autor(res) desconhecido(s)_apenas um exemplo.
Tradução de Cherno Baldé
Bissau-Guiné-Bissau

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20773: Antropologia (39): Guiné Portuguesa, breve notícia sobre alguns dos seus usos, costumes…, pelo Cónego Marcelino Marques de Barros (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21869: Notas de leitura (1339): “Henrique Galvão, Um Herói Português”, por Francisco Teixeira da Mota; Oficina do Livro, 2011 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
 
O nome de Henrique Galvão faz parte do rol dos malditos da oposição a Salazar, o seu nome, quando invocado, é automaticamente associado ao desvio do paquete de Santa Maria. Homem do 28 de maio, de 1926, deixou um legado impressionante: na literatura, na obra teatral, na narrativa de viagens, na etnografia; foi executante exímio de eventos ligados ao Império, nomeadamente em 1934 e 1940; o regime confiou-lhe a criação e a direção da Emissora Nacional, o seu amor a África era obsessivo, criou uma mística imperial que não se coadunava com o que ele irá ver enquanto inspetor superior de Administração Colonial. Encontrará uma oposição cerrada aos seus relatos crus em que desvela casos de escravatura e corrupção, em Angola. 

Nesse preciso instante, em 1947, ele que tantas juras de fidelidade dirige a Salazar, prepara a rutura.
Poucas figuras, fora da oposição comunista, darão tantas dores de cabeça a Salazar e ao seu regime. Mas o que será sempre incontestável e por todos reconhecido é o seu amor a África.

Um abraço do
Mário



Henrique Galvão, o feitiço do Império, a insubmissão a Salazar (1)

Beja Santos

Oficial do 28 de maio, mas antes sidonista, ginasta, publicista e epistológrafo compulsivo, exilado em África, depois do “Golpe dos Fifis”, aqui nasce uma paixão que o acompanha até ao túmulo, 

África será uma das tónicas dominantes da sua existência, Governador de Huíla, autor teatral, embaixador de feiras comerciais, figura pública após a coordenação da Exposição Colonial do Porto de 1934, deputado da União Nacional, Diretor da Emissora Nacional, Inspetor Colonial, galvanizador na Exposição dos Centenários, figura incómoda da Assembleia Nacional, caçador exímio… e a partir de 1947 uma das figuras mais incómodas do regime quando Galvão apresenta na Assembleia Nacional o “Relatório sobre o Trabalho dos Indígenas nas Colónias”, estava inoculado o vírus dos ódios que o elevado número de inimigos, dentro do próprio regime, de governantes à administração colonial. Inicia-se um processo que de afeiçoado indefetível de Salazar o leva ao completo repúdio, às prisões, ao assalto ao paquete de luxo Santa Maria, ao exílio e à solidão. 

Em “Henrique Galvão, Um Herói Português”, por Francisco Teixeira da Mota (foto à direita, acima), Oficina do Livro, 2011, temos os dados biográficos relevantes desta figura polémica de um enamorado de África que foi a primeira figura da oposição portuguesa a ser ouvida por uma Comissão das Nações Unidas, em Estados Gerais de Descolonização.

Henrique Galvão (1895-1970) levou uma vida gloriosa e trágica, publicista irreverente desde a juventude, adere entusiasticamente ao 28 de maio de 1926, é plumitivo feroz contra os republicanos, adere a um golpe do período da ditadura militar, é exilado em África, nomeado Governador do Distrito do Huíla, onde começa a ganhar notoriedade e o afeto das populações, quando é recambiado para Lisboa, a sua saída deu origem a numerosas manifestações de pesar. 

Escreve um livro polémico, “Em Terra de Pretos: Crónicas de Angola”, foi rejeitado no 4.º Concurso de Literatura Colonial, Armando Cortesão, Agente Geral das Colónias, pronunciou-se de forma arrasadora sobre a obra. 

Em 1931, acompanha o Ministro das Colónias, Armindo Monteiro, à Exposição Colonial de Paris, certamente que aqui tirou ideias para o que irá concretizar na Exposição do Porto, em 1934. Escreve o relato dos feitos do General João de Almeida na ocupação do Sul de Angola. Sempre ativo, o então Tenente Henrique Galvão ausenta-se para as colónias portuguesas na qualidade de Diretor de Feiras de Amostras Coloniais.

E chega o seu primeiro momento de glória, a Exposição Colonial do Porto. Com um orçamento extremamente reduzido, Galvão vai ser o mentor de um evento único que se espalhará pelos jardins e pelo Palácio de Cristal, com aldeias de indígenas das colónias e os seus habitantes expressamente trazidos para o Porto. 

Da Guiné virão 63 indígenas, predominam Fulas, Balantas e Bijagós, para os quais se irá construir uma aldeia lacustre. Artistas como Eduardo Malta e o fotógrafo Domingues Alvão deixam obra feita. Realiza-se o I Congresso Militar Colonial, entre outros eventos. Elege-se a Rainha das Colónias, Galvão preside ao júri composto por Amélia Rei Colaço, Aurora Jardim Aranha, Eduardo Malta e Mimoso Moreira.
 
Um jornal relata o acontecimento:

“A um sinal dado por mão forte, as concorrentes erguem-se, desnudando os bustos. Sobre o peito, em cores garridas, uma banda de cetim indicando a colónia a que pertenciam. A Guiné iluminava o maior número. Foi vencedora Maria, ‘a virgem quipungo’ que conseguiu 7 minutos de aplausos enquanto dava sucessivas voltas ao estrado”. 

O povo do Porto e do país inteiro adotara a Rosinha, uma jovem Balanta da Guiné, eleita como Dama de Honor e que provocava verdadeiras romarias à tabanca da Guiné. Relatava o Jornal de Notícias:

“Rosinha, a negra que entontece os brancos, tem sido muito visitada na sua aldeia e há, até, quem lhe leve pequenos presentes. Para todos os que a visitam revela uma pequena surpresa, um sorriso. Há quem se contente só com isso, mas outros, como um da sua cor, quis mais – e beijou-a. Hoje deve estar arrependido deste gesto – custou-lhe 800$00, e essa quantia por beijar uma negra é um pouco forte”.

Um triunfo não vem só, é eleito deputado, depois Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e de Comunicações convida-o para organizar e dirigir a Emissora Nacional, nesta época a sua correspondência com Salazar entrara na rotina. 

As suas relações com o sucessor de Armindo Monteiro nas Colónias, Francisco José Vieira Machado, serão desde logo conflituosas. Escritor incansável, não para de escrever. Abandonando a Emissora Nacional, vemo-lo em 1937 a fazer uma inspeção aos Serviços Administrativos de Angola. O que manda a Salazar é muito incómodo: 

"Tão facilmente se encontra o heroísmo que comove como a miséria que confrange como a patifaria que revolta”.

 Farta-se de caçar, e volta a Lisboa onde elabora quatro relatórios. No início de 1938 entrega, na sua qualidade de Inspector Superior de Administração Colonial, no gabinete do Ministro das Colónias, o seu relatório sobre a “Mão-de-obra de Angola para S. Tomé”. É explosivo à solta, leem-se coisas como esta: 

“Durante a minha permanência na Colónia, tive conhecimento de que pelo Governo da Província de Benguela se pensava enviar para S. Tomé um contingente de indígenas do Bailundo, com o pretexto de castigar uma presumida insubmissão dos mesmos. Não houve insubmissão de espécie alguma. Mas, ainda que a houvesse, o Código de Trabalho Indígena e o Estatuto dos Indígenas não admitem tais processos de punição, muito semelhantes a processos condenáveis de escravatura”

E refere o autor: 

“Apoiado em números, muitos deles obtidos com enorme dificuldade dos serviços da Curadoria dos Indígenas, Henrique Galvão descrevia a enorme tragédia que se abatera sobre os indígenas de Angola recrutados para S. Tomé desde o início do século XIX. Os contratos eram por dois ou três anos e, no entanto, em 1934, ainda havia um elevado número de serviçais que tinham sido levados para S. Tomé, entre 1909 e 1922, e que aí permaneciam. A política de repatriamento era uma tragédia”.

Comentando o documento, o autor observa que para Galvão, a situação que se deparara era a negação do Império que queria construir. O Estado-Novo em África não existia e a realidade com que se confrontava eram os comportamentos mais aberrantes e a maior miséria.

Embora já muito incómodo para uma facção do regime, Salazar confia nele sem nenhuma hesitação, nomeia-o Diretor da Secção Colonial da Comissão dos Centenários, a Galvão caberá um conjunto de tarefas como a dos festejos, a Secção Colonial da Exposição do Mundo Português, as Festas de Guimarães, o Cortejo do Mundo Português. 

É um incontestável artífice do efémero. Começara, em finais de 1940, o afastamento de Galvão do regime, vira o suficiente para estar profundamente desiludido. A mudança decisiva irá ocorrer na Assembleia Nacional com o polémico “Relatório sobre o Trabalho dos Indígenas nas Colónias”.
Nada ficará como dantes.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21834: Notas de leitura (1338): "Voando sobre um ninho de STRELAS", por António Martins de Matos; Edições Ex Libris, 2020 (2) (Mário Beja Santos)