segunda-feira, 24 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22222: O nosso blogue por descritores (1): Lavadeiras (que tem mais de 4 dezenas de referências)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda >1972/74 > Fonte velha. Lavadeiras.

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné], com a devida vénia


 


Guiné-Bissau >  Região de Tombali >  Guileje > 2009 > Uma  antiga lavadeira, bajuda, fula, ao tempo do abandono do aquartelamento pelo Exército Português, em 22 de Maio de 1973. Local: Museu de Guileje (na altura em construção). Data: Finais da época das chuvas, 2009.  Fragmentos da memória musical deixada pela tropa portuguesa (*)... 

Nesta versão há pelo menos duas conhecidíssimas canções populares portuguesas (de que se reproduziu a letra completa, no poste P6765)... Esta mulher, que não teria então mais de 50 anos, era uma bajuda, quando as NT retiraram, com toda a população, de Guileje para Gadamael... (LG)

Vídeo (0' ''24): Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009).
 Alojado em You Tube > Nhabijoes (Em alternativa, clicar aqui para ver e ouvir o vídeo)


1. Inauguramos hoje uma nova série, "O nosso blogue por descritores"... Com mas de 5 mil "descritores", de A a Z, torna-se difícil (se não impossível) aos nossos leitores fazer uma pesquisa exaustiva de um determinado tema ou assunto no nosso blogue que já tem 17 anos de existência e mais  de 22 mil e duzentos postes. 

O descritor "lavadeiras" (com mais de 4 de dezenas de referências no nosso blogue) inaugura esta série. Além de uma mini-imagem, o poste é refenciado por:

(i) data;
(ii)  número de ordem (cronológica);
(iii) série em que vem inserido;
(iv) título (e subtítulo);
(v)  autor(es) (dentro de parênteses, no final) (não aparecendo este campo, o poste é, por defeito, da autoria de um ou mais  editores do blogue)

A listagem só não traz o link de cada poste, porque seria muito consumidor de tempo para os editores recuperá-lo. Mas os nossos leitores podem consultar o poste inserindo  o seu número na janela do canto superior esquerdo do blogue, antecedido sempre da consoante P, de poste: por exemplo P6765).

A título de curiosidade, refira-que o poste que teve mais visualizações (n=1622) foi o P11360. E o que teve mais comentários (n=25) foi o P22169.


O nosso blogue por descritores (1): Lavadeiras 
(que tem mais de 4 dezenas de referências)


11 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)


8 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22183: 17º aniversário do nosso blogue (7): a lavadeira de *sobretudo* (Jorge Cabral)



7 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22178: 17º aniversário do nosso blogue (6): homenagem às "nossas lavadeiras" (Valdemar Queiroz / Cândido Cunha)
 

6 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22175: 17º aniversário do nosso blogue (5): homenageando todas as "nossas lavadeiras", na pessoa da Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea, "Ni", esposa do ex-fur mil Henrique Cerqueira, 3ª C/BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)


5 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22173: 17º aniversário do nosso blogue (4): recordando os resultados de um inquérito "on line", de há cinco anos, sobre as nossas lavadeiras, que de facto não eram "lava-tudo"

4 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)


23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'
 

24 de setembro de2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I

27 de abril de2020 > Guiné 61/74 – P20909 Memórias de Gabú (José Saúde) (92): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” (José Saúde)

8 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20631: A minha máquina fotográfica (20): carta de amor à minha querida Olympus Pen, comprada em Nova Lamego, em 1973, numa loja de libaneses (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS/ BART 6523, 1973/74)


11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (1): “Astronomia”; Publicações Dom Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)


17 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19411: (Ex)citações (350): Memórias da 'rainha do Gabu', saudades dos comerciantes locais e suas famílias, com destaque para o sr. Caeiro, português, e o sr. Magid Danif, libanês (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71; bancário reformado, Cova da Piedade, Almada)


29 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19244: Fotos à procura de...uma legenda (111): Ainda o sorriso da bajuda do Gabú... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74)


27 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P19239: Fotos à procura de...uma legenda (110): O sorriso da bajuda... (Virgílio Teixeira / Cherno Baldé)


27 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19238: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LIII: As fontes e as lavadeiras de Nova Lamego


6 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18989: (De)Caras (119): Sou dos que acreditam na história que o Cajan Seidi conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete, em 1964 (Manuel Carvalho, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)


5 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


25 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)
 

8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18723: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte III: Reordenamentos & Casamentos... Ou quem casa, quer casa...
 

7 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17215: (De) Caras (70): A lavadeira Miriam e o furriel Mamadu... Comentários: da misogenia ao levirato, da tragédia da infertilidade feminina ao sexo em tempo de guerra...


5 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17209: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X - *Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu*
 

10 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16376: Memória dos lugares (342): Galomaro e as suas lavadeiras (António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912)


13 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16299: Inquérito 'on line' (57): Total de respostas: 122. Só 3,3% não tinha lavadeira... E na grande maioria dos casos (86,1%) lavadeira só lavava mesmo a roupa...
 

28 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16242: (De)Caras (42): A minha lavadeira Aline... "herdou-me" (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto 1971/73)


27 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16240: Inquérito 'on line' (56): As nossas lavadeiras, quem não as tinha ?... Já responderam 97 camaradas... O prazo de resposta termina amanhã.
 

24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16232: Inquérito 'on line' (55): A nossas queridas lavadeiras... (Foto: Jorge Pinto / Comentários: Henrique Cerqueira / José Diniz de Sousa Faro / Vasco Pires / António J. Pereira da Costa)

23 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16229: Inquérito 'on line' (54): "Povo que lavas no rio"...Afinal, éramos todos bons rapazes... Resposta até ao dia 28, 3ª feira

21 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16222: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte IV: As lavadeiras de Canchungo
 

21 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P16222: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte IV: As lavadeiras de Canchungo
 

9 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15836: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): O “Galã de Nhacra” e “Conquistador de Guimarães”


10 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15472: Fotos à procura de... uma legenda (67): Xitole, 2008, extraordinária fotografia, a do João Rocha!... 40 anos depois com a antiga lavadeira, é muito mais que um abraço ou "o olá como tens passado"... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)
 

27 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14935: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (1): Bolama, chegada e primeiros contactos com a população
 

11 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)
 

13 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11565: (Ex)citações (220): Cherno Baldé, deixo aqui a minha homenagem à mulher do teu país...(João Martins)
 

24 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11456: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (2): Nem santos nem pecadores
 

8 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)


10 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11232: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (3): Homenagem à minha lavadeira em Farim


17 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10729: Do Ninho D'Águia até África (30): As lavadeiras (Tony Borié)


24 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10427: Blogues da nossa blogosfera (55): Memórias de Bissum-Naga, no blogue de Quim Santos (CCAÇ 2781, 1970/72)


21 de dezembrode 2011 > Guiné 63/74 - P9243: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (32): Havia lavadeiras e... lavadeiras: o caso das minhas duas irmãs (Cherno Baldé)


18 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9226: Memória dos lugares (167): As nossas lavadeiras da Guiné, a nossa Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea)


26 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P9100: Memórias de Gabú (José Saúde) (15): Lavadeiras: duquesas do quartel


20 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6765: (In)citações (3): A lavadeira de Guileje: 'Já passei a roupa a ferro, já lavei o meu vestido, amanhã vou-me casar e o Manuel é meu marido' (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)


24 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5148: Não-estórias de guerra (2): A Lavadeira de Aldeia Formosa (Manuel Amaro)



Guiné 61/74 - P22221: Notas de leitura (1358): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Já se fez referência ao período correspondente a 1830-1881, denominado de "missão civilizadora", a França conquistou a Argélia, o tráfico negreiro está posto em causa, inicia-se no período subsequente a ocupação efetiva, à força ou recorrendo a governantes de palha, as missões cristãs proliferam e vão igualmente proliferar as tensões com o Islão. Veremos a seguir como vai ascender o nacionalismo e como a II Guerra Mundial tudo vai alterar no continente.

Um abraço do
Mário


“Impérios ao Sol, A Luta pelo Domínio de África”, por Lawrence James (2)

Beja Santos

“Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James, Edições Saída de Emergência, 2018, põe em imenso ecrã as ambiguidades deste conceito de progresso e de missão civilizadora e de ocupação que se forjou a partir de 1830, aproximadamente; desvela uma luta sem quartel para tomar posse de domínios por todo o continente, entre 1882 e 1918, no Egito e no Sudão, na África Austral, no Congo, em combate religioso; assistimos à ascensão dos nacionalismos, a presença de contingentes africanos em duas guerras mundiais para medir as consequências do que se seguiu, aproveitando a boleia da Guerra Fria; e de 1945 a 1990 o continente africano foi mudando de look, todos os povos se encaminharam para a independência; e assim chegamos aos últimos dias da África branca.

Se o espírito de missão civilizadora se inicia em 1830, em 1882 a partilha de África toma novo rumo, ocupa-se, subjuga-se, provoca-se golpes de Estado, a Europa quer tomar conta de África em termos geoestratégicos e geopolíticos. Os britânicos não estão para demoras, mudam o regime no Egito e no Sudão, na África Ocidental os franceses expulsam um sultão pouco real, está instituída uma nova ordem política, as potências coloniais celebram compromissos em Londres, Paris, Berlim e Roma, traçam zonas de influência, os britânicos têm ao seu dispor um visionário, Cecil Rhodes, ele projetou construir uma linha de caminhos-de-ferro entre a Cidade do Cabo e o Cairo, cujos carris nunca abandonariam solo britânico; a França quer ser dona e senhora de um vasto território que se estende do interior da África Ocidental, atravessa o Sara, prolonga-se até ao Nilo, descendo em seguida na direção da fronteira com o Estado Livre do Congo; Carl Peters é o arquiteto do Império Africano Alemão, a Alemanha tinha assegurado o território hoje ocupado pela Tanzânia, a Namíbia e o Togo. Lawrence James diz mesmo que os alemães tinham obtido autorização por parte dos britânicos para adquirir Angola e Moçambique. Falava-se na construção da linha ferroviária transcontinental alemã entre os Camarões e a África Oriental alemã.

No inverno de 1884-85 aconteceu a Conferência de Berlim, o tema central era a África Ocidental e a questão controversa da Bacia do Congo. O rei Leopoldo saiu vencedor, foi-lhe atribuída uma sociedade comercial, o rei belga transformar-se-á num monstro sanguinário no seu reino do Congo. A França, a Grã-Bretanha e a Alemanha celebram vários acordos, a Itália bate à porta, quer a Líbia como mais tarde atacarão a Abissínia. Serão criadas companhias com alvará régio, com poderes administrativos e fiscais em troca de privilégios comerciais, tais contratos revelar-se-ão um desastre, quase todos se sobrarão. No final do século XIX, o chamado incidente de Fachoda afasta a França do Nilo.

A Grã-Bretanha pretende impor-se sozinha na África Austral, conquistou uma posição de hegemonia que vai do Cabo ao Alto Zambeze. Mas tem pela frente um osso duro de roer, os bóeres, senhores de campos auríferos e de muita agricultura, o autor descreve detalhadamente os acontecimentos que irão rematar numa guerra que será perdida pelos bóeres.

A resistência dos autóctones vai diminuindo pois recorre-se às mais mortíferas tecnologias militares. Quem enfrenta os exércitos coloniais sofre bombardeamentos com granadas explosivas lançadas por artilharia de longo alcance, vêm munidos das mais modernas metralhadoras e espingardas. E surge um novo terror, a aviação que os franceses e os italianos usarão em Marrocos e na Líbia. Como escreve o autor, “Foram necessários exércitos numerosos, reforçados por contingentes de tropas brancas, para derrotar os Estados africanos de maiores dimensões e mais bem apetrechados. Na década de 1890, a França destacou 12 mil homens para o Daomé, 18 mil para o reino Merina de Madagáscar, entre 1894 e 1895, e mais de 20 mil para a imposição de um protetorado sobre Marrocos, em 1912. A Itália recrutou uma força de 30 mil homens para a desventura da Abissínia, em 1896, e 35 mil para a invasão da Líbia, em 1911. Kitchener, que pecava sempre por excesso em matéria de segurança, precisou de 15 mil tropas britânicas, indianas, egípcias e sudanesas para reconquistar o Sudão. A maior concentração de tropas brancas alguma vez vista em África ocorreu, sem dúvida, na África do Sul, entre 1899 e 1902. Foram necessários 445 mil soldados britânicos, australianos, neozelandeses e canadianos e um número considerável de vira-casacas bóeres para subjugar o Transval e o Estado Livre de Orange e reprimir as subsequentes ações de guerrilha empreendidas pelos rebeldes.”

E são igualmente tempos de selvajaria, basta lembrar o reinado de Leopoldo no Congo, massacres de vária ordem no Níger. O autor dedica bastante atenção às missões católicas e protestantes, cedo se irá criar uma clivagem entre o lóbi humanista e os interesses comerciais, que tratavam o africano como um consumidor de uma unidade de produção. Os missionários cedo protestarão contra o trabalho forçado, a chibata, eram a favor do ensino prático onde se ministrassem conhecimentos de carpintaria, agricultura, impressão e alvenaria. Mas o conflito com o Islão rapidamente se apresentou, as potências coloniais tiveram que agir com prudência e evitar as intolerâncias religiosas. Seja como for, no decurso da I Guerra Mundial potências como a Inglaterra viraram crentes da mesma religião entre si, os britânicos ajudaram os árabes a rebelarem-se contra os turcos, o Islão vai sofrer muitos reveses, adotará a cooperação. Até porque a complexidade religiosa do Islão não excluía a África, a maioria dos muçulmanos africanos eram sunitas que veneravam o sultão-califa otomano, descendente de Maomé, e era, teoricamente, o seu líder espiritual, paradoxos e contradições irão ocorrer entre finais do século XIX e praticamente a primeira metade do século XX.

O esplendor da África romântica vai entrelaçar-se com a África dos missionários, dos políticos, dos investidores e dos negociantes, atrairá uma nova vertente literária, jornalistas e jovens sonhadores interessar-se-ão cada vez mais com as culturas africanas. As direitas e as esquerdas da época também se inflamaram a discutir o destino de África, a exploração do africano e as atrocidades cometidas no Congo serão denunciadas pelos socialistas franceses que apoiarão as rebeliões na Argélia e Marrocos das classes trabalhadoras.

Os europeus vão para África mas em pequenas quantidades, África não foi verdadeiramente uma solução para os problemas demográficos, a emigração seguia para os EUA e um pouco para a América do Sul. Acresce que a África tinha pouco a oferecer aos imigrantes pobres e não qualificados. O autor observa: “Em 1914, existiam 23 mil brancos na Rodésia e cerca de 3 mil colonos brancos no Quénia, a maioria dos quais se dedicava à agricultura. Todos precisavam de capital: um produtor de café queniano necessitava de 1670 libras para cobrir as despesas com passagem, utensílios, sementes e 20 bois, a que se somavam outras 150 libras para pagar oito meses de salários a um capataz e a 20 trabalhadores”.

A guerra aproxima-se, África vai intervir, centenas de milhares de homens virão dos domínios imperiais combater nas frentes ocidentais e orientais. Iremos seguidamente ver o significado do racismo, a evolução da guerra, África depois de Versailles e assistiremos à ascensão do nacionalismo.

(Continua)

Imagem retirada do blogue Teatro Mané Beiçudo, com a devida vénia.
Imagem da guerra anglo-bóer, retirada do site alertadigital.com.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22207: Notas de leitura (1357): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 23 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22220: Blogpoesia (737): "Semelhanças e diferenças"; Quem espera..."; "Revolução" e "Definições", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Semelhanças e diferenças

A semelhança e a diferença é a veste que veste a natureza.
As coisas participam de pedacinhos que todos têm.
Variam só as formas e os tons.
É inesgotáel a possibiidade de combinações.
Os cruzamentos sucedem-se na evolução do tempo e do espaço.
É caleidoscópica a imagem, em profundidade do passado.
As épocas da história se sucedem irrepetíveis.
Isto é assim por uma lei atenta e lúcida da Natureza.
Dá que pensar: porquê e para quê?...


Berlim, 16 de Maio de 2021
17h24m
Jlmg


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Quem espera...

Quem espera pode ou não obter o que gostava.
Mas é preciso fazer por isso.
Sem esforço e colaboração ninguém consegue nada.
Lícitamente. Porque, ilícitamente, é sujo.
Quase mesmo criminal.
A vida é feita de colaboração e esforço.
Enriquecer sem ele é parasitismo.
O que é detestável.


Berlim, 17 de Maio de 2021
18h14m
Jlmg


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Revolução

É preciso revolver a terra, ao menos uma vez por ano.
Pôr-lhe à mostra o húmus.
Expor os vermes ao sabor do sol.
Dar às aves o alimento devido.
Derramar a seiva nas veias das árvores.
Expor ao sol as hastes prenhes.
Para que o grão multiplique.
Encher as eiras de milho ao sol.
Abarrotar os celeiros com as maçarocas loiras.
E, depois, regalar as ceias com a broa à mão...


Berlim, 21 de Maio de 2021
17h10m
Jlmg


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Definições

Há um risco de fracasso ao não definir o objectivo.
O êxito é sempre fruto da previsão.
Nunca do acaso.
O progresso é a soma de ideias bem delineadas.
A riqueza advém do esforço e da concentração.
Quem quiser arruinar-se é deitar-se na pasmaceira.
A vida sã vem da intimidade bem resolvida.


Berlim, 22 de Maio de 2021
15h30m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22212: Blogpoesia (736): "Escondam-se que eles vêm aí", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70)

sábado, 22 de maio de 2021

Guiné 63/74 – P22219: (Ex)citações (384): As crianças de Mansambo e de Cobumba - Que jamais esquecerei (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Maio de 2021:

Amigo Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos teus. Com a nossa idade podemos ainda desejar muitas coisas!... Mas certamente a saúde é a mais importante.
Recebe um abraço



As crianças de Mansambo e de Cobumba

Há dias, quando da passagem de mais um aniversário (já são 71) o amigo Cherno Baldé[1] ao enviar-me os parabéns dizia que eu ainda não teria esquecido as crianças de Mansambo assim como de outros sítios por onde passei na Guiné. Se existe alguém que eu jamais esquecerei “enquanto a mente me permitir” são as crianças da Guiné daquele tempo.
Crianças de Mansambo, ao tempo da CART 2339 (1968/69)
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados

Começando pelas de Mansambo, a esta distância no tempo, basta, mentalmente olhar para lá e logo as vejo a brincar... com particular destaque para o tempo que eles passavam a jogar a bola, que era muito. Os condutores de que eu fazia parte, éramos oito no mesmo abrigo, tínhamos um menino que durante algum tempo trabalhava para nós... a quem chamávamos faxina, o primeiro foi o xerife (o nome porque era conhecido, não sei se era assim que se escrevia) o serviço que lhe estava destinado era ir à cozinha buscar a comida na hora das refeições para trazer para o abrigo... depois comia connosco e a seguir lavava a loiça. Ao fim do mês recebia algum dinheiro que todos lhe dávamos, já não me recordo qual era o valor. Passado alguns meses de lá estar vim de férias à metrópole, mas antes já lhe tinha prometido quando voltasse que lhe levava uns sapatos.

Passado o mês de férias quando regressei a Mansambo o xerife tinha sido substituído, não sei qual o motivo... o seu lugar passou a ser ocupado pelo António a quem assim que cheguei lhe pedi para ir à tabanca chamar o xerife para lhe entregar os sapatos conforme lhe tinha prometido, pedido por ele logo aceite. Assim que o xerife chegou ao nosso abrigo e lhe entreguei os sapatos novos foi grande a alegria que ele não conseguia disfarçar... e a minha não foi menor. No outro dia, logo pela manhã, o xerife apareceu lá no abrigo acompanhado por vários meninos da tabanca, todos muito alegres, e veio levar-me uma galinha. Passado algum tempo o António foi embora, (diziam que a sua partida tinha a ver com o fanado) sendo o seu lugar ocupado pelo Demba, um menino mais novo que os seus antecessores a quem prometi quando voltasse de novo à metrópole de férias, como tinha previsto, que lhe levava também uns sapatos novos. Mas as coisas alteraram-se e os sapatos para o Demba (com grande pena minha) não chegaram a ser entregues.
A nossa companhia foi transferida para Cobumba e foi já depois de lá estar que voltei de férias à Metrópole, não mais voltei a ver os meninos de Mansambo.

Em Cobumba também havia crianças, mas a distância entre eles e nós, pelo menos no início, era diferente, não estavam habituados a ter a companhia de tropa branca. Mas a alegria com que eles brincavam levava-me a pensar como era possível a viver num ambiente tão complicado como aquele que tinha lugar em Cobumba e eles sempre alegres passando muito tempo a brincar como se nada de anormal estivesse a acontecer. Certamente que os meninos da Guiné também choravam, mas durante o tempo que por lá estive nunca vi isso acontecer!... Algumas vezes, alguns atravessavam o rio Cumbijã a nado e riam-se quando sabiam que alguns de nós não sabíamos nadar. Já próximo do fim da permanência da nossa companhia naquele local, as minas na picada entre os três sítios em que se encontravam as nossas tropas, eram cada vez mais. Alguém decidiu que enquanto a viatura andasse em movimento (já só tínhamos uma pronta a andar, as outras três já tinham sido destruídas pelas minas) tinha que andar sempre alguém da população ao lado do condutor!... Os condutores éramos muitos, para uma só viatura, pelo que o nosso serviço de condução tinha um intervalo bastante grande. Só me recorda de ter de andar um dia em serviço acompanhado em que tive a companhia do José, um menino que era filho do chefe da tabanca. Foi um dia de muita conversa em que eu procurei saber como era a vida naquele local antes de nós lá chegarmos, das várias coisas que ele me falou, há uma que eu não mais esqueci, foi quando ele a rir me disse que daquilo que eles tinham mais medo antes de nós lá termos chegado, era do passarinho grande (o avião) quando andavam na bolanha. Assim que o viam deitavam-se ficando apenas com um olho fora da água enquanto ele andasse por ali.

Junto à tabamca onde se encontravam dois pelotões e quase toda a formação da nossa companhia, quando lá chegamos já eles tinham um abrigo junto a um mangueiro onde várias pessoas da tabamca, certos dias, passavam grande parte do tempo, o que nos causava alguma apreensão, talvez eles soubessem de alguma coisa que nós desconhecíamos.

A vida das crianças em Mansambo e Cobumba, sempre me causou bastante preocupação ainda que nem sempre a expressasse. Esse modo de eu as observar e sentir alguns dos problemas que elas tinham de enfrentar, talvez tivesse a ver com a situação difícil porque passei quando parti para a Guiné (a primeira vez) no dia 24 de janeiro de 1972 o meu filho tinha ficado com a mãe no hospital, onde tinha nascido há dois dias.

António Eduardo Ferreira
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Notas do editor:

[1] - Comentário deixado no Poste 22201:
Anónimo Cherno Baldé disse...
Amigo Eduardo Ferreia, um abraço de parabéns, com votos de saúde e felicidades na certeza de que não se esqueceu das crianças de Mansambo e d'outras localidades por onde tem passado na Guiné.
Cherno AB


Vd. poste de 5 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10119: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (3): Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 63/74 – P22079: (Ex)citações (383): Os conflitos e a dedicação do povo. Gratidão. (José Saúde)

Guiné 61/74 - P22218: Os nossos seres, saberes e lazeres (452): Lembranças para Gonçalo Ribeiro Telles (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Encontrar uma fotografia em que apareço ao lado do consagrado ambientalista Gonçalo Ribeiro Telles, com quem tive a honra de participar em colóquios e debates, foi o ponto de partida para recordar um passeio por ele guiado nas imediações da sua casa, na Rua de São José, igualmente neste local funciona a sede do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. O passeio começou propriamente junto da Sociedade de Geografia de Lisboa, falou-se da vida animada em torno da Rua dos Condes (Cinema Condes, Cinema Olímpia, Odéon, Coliseu) das muitas casas apalaçadas entre a Rua de São José e Rua de Santa Marta, parou-se no Pátio do Tronco, onde Camões esteve preso, andou-se pelo Largo da Anunciada, passou-se a Rua do Telhal, muitos comentários houve da Igreja de São José dos Carpinteiros e Gonçalo Ribeiro Telles apontou para todas as tasquinhas e foi lembrando que estávamos igualmente num velho itinerário utilizado pelos saloios que depois das suas vendas na Praça da Ribeira subiam as Portas de Santo Antão até perto do Conde Redondo e daqui para São Sebastião da Pedreira. Passeio magnífico, e parece-me bem apropriado recordar tão prestimoso guia, um dos sábios mais gentis, disponíveis e desafetados que conheci. Talvez por ser sábio...

Um abraço do
Mário


Lembranças para Gonçalo Ribeiro Telles (2)

Mário Beja Santos

Convidado para coordenar uma semana cultural bancária, de um sindicato sediado na Rua de São José, logo me ocorreu sugerir uma visita-guiada a esta rua e imediações, encontrar significados para este itinerário, a sugestão foi aceite e não me ocorreu melhor guia do que um seu perfeito conhecedor e intérprete, Gonçalo Ribeiro Telles. Em sua casa debatemos várias hipóteses sobre edifícios a visitar. Ainda se pensou começarmos pelo Largo de São Domingos, entrar no Palácio Almada, depois no Teatro Nacional D. Maria II, entrar na Casa do Alentejo, seguir para a Sociedade de Geografia de Lisboa, e foi nesta digressão que o Gonçalo Ribeiro Telles me fez descer à terra e lembrar que um passeio com paragens, entradas e saídas, comentários, ou era uma visita de um dia inteiro, com petiscos pelo meio, ou havia que moderar os ímpetos. E assentámos nessa moderação de ímpetos. Depois de termos saído da Sociedade de Geografia de Lisboa, de ele ter feito comentários ao Teatro Politeama, falou da vida cultural da Rua dos Condes, olhando com tristeza a degradação a que chegara o Odéon (felizmente que está a ser requalificado, a sua bela fachada permanecerá), levou-nos até ao Pátio do Tronco onde o autor d’Os Lusíadas, depois de uma rixa valente, entrou na prisão que existia neste local. E prosseguimos para o Largo da Anunciada.
Gonçalo Ribeiro Telles

Na minha memória, o que havia de mais significativo no Largo da Anunciada era um bebedouro mandado fazer pela Liga Protetora dos Animais, ali bem perto da Companhia das Águas de Lisboa, a ervanária (que ainda hoje existe) e a Igreja de São José da Anunciada onde, nos meus trinta anos, fui ao velório do Dr. Cícero Galvão, que fora meu responsável no meu primeiro emprego, quando trabalhei em mecanografia. A Igreja sempre me pareceu uma coisa insípida. O guia confirmou. É uma estrutura do século XIX com um padrão arquitetónico fora do tempo, o anacronismo estampa-se no próprio altar com as suas colunas em volutas, como se estivéssemos no barroco. Foi entrada por saída, mas ainda deu para descobrir uma curiosidade, o interior da lanterna parece insinuar que estamos a olhar para o céu infinito, onde Deus nos espreita. E partimos seguidamente para a Rua de São José, o Elevador do Lavra ter-nos-ia propiciado ir ver o Jardim do Torel, mas não havia tempo, passou-se pela casa apalaçada onde a administração dos CTT pontificava (curiosamente, anos depois desta quinzena cultural bancária ali fui assistir ao lançamento do selo que homenageou José Saramago, guardo o selo e o autógrafo do homenageado), seguia-se a Cooperativa Militar fundada pelo rei D. Carlos, atravessava-se a Rua do Telhal, o guia aponta para o andar onde funcionava uma Liga de Cegos, vai apontando para as tasquinhas, comenta a importância das travessas que vão sulcar todo o trajeto até Santa Marta, mostra pormenores deliciosos como belos azulejos incrustados na parede de edifícios.
Um curioso painel de azulejos do século XVIII embutido na fachada de um prédio
Uma das travessas que se alongam em direção à colina que vai do Torel ao Campo dos Mártires da Pátria

Guardo memórias muito agradáveis de passeios que aqui dei para bisbilhotar bricabraque e antiguidades. Trabalhei no Ministério do Comércio Interno e Ministério do Comércio e Turismo entre 1975 e 1977, muitas vezes fiz jornada contínua entre as nove e as cinco e meia, para ter o prazer de andar aqui à caça de pechinchas, algumas vezes fui bem-sucedido. Este universo mudou, mas ainda encontrei uma recordação, há mais de vinte anos comprei aqui uma bela lâmpada Arte Deco ao sogro do senhor que aparece na fotografia, falámos de tudo um pouco, a pandemia afetou profundamente este tipo de negócios, mas ele gosta a valer do que faz.
Casa das Conchas, na Rua de Santa Marta, já foi estabelecimento de comes e bebes, hoje é loja de bricabraque

Estamos em frente ao Hospital de Santa Marta, os participantes começam a dar sinais de cansaço. Ainda bem que o guia prescindiu de irmos visitar os belos azulejos que forram as paredes do claustro do antigo convento. Aqui expirou em 1986 o meu querido amigo Ruy Cinatti, este troço da Rua de Santa Marta está a ser alvo de muitas intervenções no presente e a casa apalaçada da Universidade Autónoma mantém a cara lavada. Lembrei-me de que aqui existia a União Gráfica e o jornal onde publiquei poesia no fim da adolescência. E subimos em direção ao Conde Redondo, o guia vai mostrar o itinerário seguido pelos saloios em direção a São Sebastião da Pedreira, a Estrada de Benfica e depois as portas, que davam pelo nome de Brandoa.

Prédio Arte Deco na Rua de Santa Marta, bem requalificado

E aqui acaba o passeio, para nosso pesar. Entrega-se uma singela lembrança ao mais proveitoso dos guias e cada um segue o seu destino. Nunca cansado de ver a Rua Rodrigues Sampaio, era ali que eu ia entregar os meus artigos para o Jornal de Notícias e muitas vezes pedia licença para entrar no Hotel Império, dali segui até ao Cinema Tivoli e fui visitar o Palácio Lambertini onde em 1974 trabalhei na Direção-Geral de Preços, até seguir para o Ministério do Comércio Interno, no Terreiro do Paço. E nunca me canso de ver o Hotel Vitória, uma das obras-primas de Cassiano Branco. Agora é só pensar no próximo passeio.
Enfiamento junto de Santa Marta para São Sebastião da Pedreira
Palácio Lambertini
Hotel Vitória, 1936, hoje instalações do PCP
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22203: Os nossos seres, saberes e lazeres (451): Lembranças para Gonçalo Ribeiro Telles (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22217: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte VI: ilha da Elefanta, Bombaim ou Mumbai , Índia, 2016








Índia > Bombaim > Ilha da Elefanta > Novembro de 2016

Texto e fotos: António Graça de Abreu (2016), recebidos em 10 do corrente


Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (escialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro;  é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 275 referências no blogue.



Ilha da Elefanta, Bombaim, Índia 

 

É de estarrecer a promiscuidade, a porcaria, a miséria em que esta gente vive mergulhada! Custa a crer. Mas que serenidade, que compostura, que dignidade generalizadas. 

 

Miguel Torga, Diário XV 

 

Novembro de 2016. 


Aí vou numa utilitária barca de Madeira para os vinte quilómetros desde o porto de Bombaim até à ilha da Elefanta. 


Chego. Cabras, vacas e macacos passeando-se nas entradas e nos socalcos da ilha, montões pestilentos de excrementos sagrados espalhados por tudo quanto é sítio. Mais acima, nas grutas suspensas em quinze séculos de obscuridade, estátuas delapidadas de Brahma, o criador, de Vishna, o preservador, de Shiva, o destruidor. Tudo Património da Humanidade, pela Unesco. Avançar pela mitologia hindu de que sei tão pouco. 


Sempre me fez confusão a mescla deliberada entre homens e deuses. Nós, pessoas inventadas pelos divinos seres, eles, os deuses, todos poderosos, criados pelo imaginário carente e necessário dos pobres povos da terra. 


Natália Correia (1923-1993), senhora de grandes poemas, que ainda tive a sorte de conhecer e de ter, ao de leve, como amiga, falava dos homens como sendo "um projecto falhado de Deus." Na Índia (ah, e também na nossa terra!) são grandes e pesadas as contas do rosário das imperfeições humanas. 


Caminho para o outro lado desta ilha da Elefanta, um monte de arvoredo e rochas rodeado pelo azul de dez mil centúrias. Aqui subsiste o recordar de pedras cinzeladas há meia dúzia de séculos na figura do paquiderme entretanto transferidas para jardins em Bombaim. Daí o nome do lugar que elefantes não tem. Em Cannon Hill, sobrevive, no entanto, uma velha bateria de canhões portugueses. Tudo o mais é passado, a limpar, a depurar no presente. 


Há quatrocentos anos atrás, à deriva por todos os oceanos, excelsas gentes da nossa "ditosa pátria", instaladas em Bombaim, por aqui disparavam para o mar e para o vazio. Hoje, no dilacerar da memória, no grito atenuado do entardecer, desaparecidos os elefantes, ouve-se ainda, esbatido nas ondas do Índico, o troar das bombardas. 


António Graça de Abreu

 

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Nota do editor: