domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24243: Blogpoesia (790): Reflexão, simplista, sobre a Poesia (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)


REFLEXÃO, SIMPLISTA, SOBRE A POESIA

adão Cruz

É muito difícil saber o que é a poesia. Sempre duvidei de quem diz que sabe o que é a poesia. Tenho lido e ouvido tanta coisa sobre poesia e muito pouca coisa me convence. Isto não retira a qualquer um de nós o direito que temos a expor o nosso pensamento.

Com a proximidade cada vez maior entre as Humanidades e a Ciência, muito especialmente as Neurociências, uma ampla janela se abre, como nunca se abriu, para o entendimento da natureza e do conceito de poesia.

O Ser Humano é uma estrutura muito complexa de sentimentos, uma infinidade de sentimentos, em sentido neurobiológico, obviamente. Desde os sentimentos mais comuns e mais conhecidos, como o sentimento do amor e do ódio, o sentimento da alegria e da tristeza, o sentimento da coragem e do medo, até sentimentos menos experimentados como o sentimento da beleza, o sentimento poético e o sentimento artístico. Sim, porque eu penso que beleza, a poesia e a arte, à luz das Neurociências, não são mais do que sentimentos.

Sem ter a veleidade de pretender impor conceitos de poesia, sinto a necessidade de a entender e de me entender no seu complexo e maravilhoso mundo, tão levianamente tratado por tantos devaneios pretensamente filosóficos. Embora nascendo embrionariamente connosco, os sentimentos têm de ser vivenciados, construídos, apurados e consolidados ao longo da vida, mais ou menos profundamente e de forma diferente em cada um de nós. Comparada com a assombrosa e constante neuroplasticidade cerebral do nosso dia-a-dia, a programação genética é uma componente muito menos decisiva na construção daquilo que somos e na elaboração da nossa mente.

Parece-me, desta forma, que o sentimento poético é um sentimento muito profundo e ao mesmo tempo muito subtil, uma espécie de essencialidade harmoniosa da vida, provavelmente de uma neuronalidade muito delicada. A poesia não é, a meu ver, um sentimento de cópia, mas a simbolização, a evocação e a invocação ao mais alto nível, da beleza e da nobreza da realidade. Para quem possui este sentimento bem enraizado, a expressão poética pode ser entendida não só como harmonia verbal, em que todos os materiais fonéticos e simbólicos se diluem num resultado de suprema fruição estética, mas também como seiva ou brisa mágica que percorre transversalmente qualquer forma de expressão artística. Daí que o chamado poema, considerado a matriz literária onde habitualmente nasce e germina a poesia, pode ser estéril ou constituir mesmo a negação do sentimento poético. A poesia pode ter uma presença mais viva num texto em prosa do que num poema, ou ser muito mais sentida numa pintura ou numa peça musical do que em qualquer forma de expressão literária.

Apesar de demasiado simplista, atrevo-me a concluir através desta reflexão, que é um erro pretender que o sentimento poético chegue às pessoas da noite para o dia, por artes mágicas, como se de uma prenda banal se tratasse. Dito por outras palavras, penso que, não sendo negativa, pode ser enganadora e não racionalmente formadora, a pretensão de levar às pessoas a poesia ou sentimento poético através de celebrações, festividades e dias mundiais.

Dizia Schiller, que o vulgar é tudo aquilo que não desperta outro interesse que não seja o sensível. A arte e a poesia não devem descer ao puramente sensível, à mera receptividade sensorial, à fugaz captação de estímulos incapazes de serem trabalhados condignamente nas complexas oficinas neuronais da nossa mente. Mesmo que seja um lugar-comum dizê-lo, só criando na sociedade, através de verdadeiras políticas culturais, as condições que permitam entender a natureza e a profundidade da poesia e da arte, elas poderão ser sentidas como elemento essencial da vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24237: Blogpoesia (789): "Dia de enganos", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P24242: (In)citações (239): O nosso blogue faz hoje 19 anos, sabiam?!... Não é uma eternidade, é uma enormidade... de tempo, equivalente a 10 comissões no CTIG...

Foto nº  2 > Tabanca de Candoz > 20 de abril de 2023 > O melro-preto (Turdus merula) alimentando os três rebentos... Não é a mãe, é pai (plumagem preta e bivo amarelo)... Fotograma de vídeo feito por Américo Vieira, "Meco" (para a família e amigos) (Vd. o vídeo aqui, na página do Facebook Fotos de Américo Vieira). Comentei eu:

"Parabéns, Meco, no dia 8 deste mês ainda o melro estava chocar os ovos... E não era mãe, era o pai...Três, de casca verde-azulada que eu fotografei. Mãe imprevidente (é ela que faz o ninho, o pai pode transportar os materiais...), foi construir o ninho num arbusto de alecrim, junto a uma carreiro, na nossa Quinta de Candoz... a menos de um metro, metro e meio,  do solo, num sítio por ondem passam predadores, incluindo o "bicho homem"... Agora é preciso evitar que cães e gatos deem com o ninho até os melrinhos aprenderem a voar... E boa sorte para eles... E, tu,  continua ser o "olheiro" da bicharada de Candoz e arredores... O mesmo é dizer: o seu "guardião"... Se me permites, venho cá, de vez em quando, "roubar-te" umas fotos... És um fotógrafo com grande sensibilidade ambiental e qualidade estética... Luís Graça."

Foto (e legenda): © Américo Vieira (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 1 > Tabanca de Candoz > 8 de abril de 2023 > Os ovos de melro no ninho construído num arbusto de alecrim,

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Hoje o nosso blogue faz 19 anos. O poste n.º 1 foi publicado justamente em 23 de abril de 2004...(E este é já o P24242.) Para uma pessoa física, não é nada, ou melhor, são apenas 19 aninhos, cheios de vida, de sangue na guelra, de vontade de lutar e viver... 

Para um blogue, 19 anos é tempo de mais... Na Internet, na Web,  é  quase uma eternidade... Pensando bem, é uma enormidade, para os antigos combatentes, é o dobro do tempo que durou aquela maldita guerra (que, em boa verdade, arrastou-se por menos  de 11 anos, de princípios de 1963 a  meados de 1974, se descontarmos os "incidentes", nos dois anos antecedentes, 1961 e 1962)... 

Não estamos à espera de soprar a vela e, muito menos, que nos cantem os parabéns a você... Não temos bolo, nem velas, e já lá vai o tempo em que a gente achava piada a essas coisas, na Guiné: estávamos vivos e queríamos continuar a estar vivos... Celebrávamos os 22, 23, 24 anos... pagando uma rodada (ou mais) de cerveja ou de uísque pelos camaradas mais próximos. 

Não sei se algum de nós se lembraria um dia de recitar o poema do Álvaro de Campos, "Aniversário"... O Fernando Pessoa não estava ainda na moda... Lembram-se?

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. (...)

O resto podem ler aqui (é lindo, lúcido,  irónico,  deprimente):

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
15-10-1929
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 284.


2.  Ninguém hoje faz anos, a não ser o blogue... O blogue somos todos nós e não é ninguém, em particular... Começou por ser (ou queria ser) uma tertúlia... É pelo menos uma comunidade virtual que reúne vivos e mortos: hoje formalmente somos já 874...  os que aceitaram reunir-se à sombra do simbólico, fraterno,  sagrado poilão.

A propósito ou a despropósito desta pequena (e discreta)  efeméride, os nossos leitores poderão escrever qualquer coisinha, a título de comentário, crítica, sugestão... Sobre o passado, o presente ou o futuro (de todos nós, "amigos e camradas da Guiné")...

Com alguma ingenuidade nossa ainda queremos chegar aos 900 membros da Tabanca Grande até final deste ano... É uma meta difícil, mas também só vale a pena chegar aos 900, se  os "novos" (os "periquitos")  trouxerem algum "sangue novo"... 

Em suma, precisamos de "caras novas", precisamos de renovar a "hemoglobina" e as "plaquetas" do blogue... Precisamos de "transfusões de sangue"... Todos temos a sensaçáo de que o nosso baú da(s) memória(s) já está muito rapado... Mas mesmo assim, o blogue continua vivo... como os melros da Tabanca de  Candoz. 

Obrigado a todos os que ainda mantêm vivo o blogue mais antigo dos antigos combatentes da guerra colonial da Guiné... Não queremos que nos deem os parabéns, ou melhor, queremos apenas que continuem a ler-nos, a comentar, a mandar textos e fotos,  é disso que o blogue vive... Tem que ser alimentado como os melrinhos da Tabanca de  Candoz... E quem conseguir "pòr ovos", ainda melhor!... Até ao viségimo aniversário, e cuidado com as minas e armadilhas espalhadas pela picada fora...LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2023 Guiné 61/74 - P24231: (In)citações (238): Da contestação da Guerra, à mobilização e regresso da Guiné, o operário de Sines e a evolução das costelas (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

sábado, 22 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24241: Os nossos seres, saberes e lazeres (569): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (99): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Trata-se de uma surpreendente revelação de uma faceta desconhecida de Veloso Salgado. Esta exposição foi apresentada na Temporada Cruzada Portugal-França, no Museu de Boulogne-sur-Mer, em França, no ano passado. Tudo começou com a doação da neta de Veloso Salgado de um acervo de centenas de peças e de uma correspondência que revela grandes amizades deste mestre do retrato e da paisagem tanto com artistas portugueses, caso de Teixeira Lopes e Ventura Terra como com um conjunto de artistas franceses com quem manteve relações afetuosas toda a vida, tendo mesmo integrado o Grupo da Escola de Wissant no norte da França. Veloso Salgado tornou-se um reconhecido artista na zona de Lille. No seu legado, encontraram-se obras destes pintores, agora patentes ao público. Promete-se continuar, até para fazer referência a outros eventos que se podem visitar no MNAC - Museu do Chiado.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (99):
Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado:
O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (1)


Mário Beja Santos

Atrai-me a pintura de Veloso Salgado (1864-1945), conhecido retratista, paisagista e pintor de grandes espaços (designadamente públicos) enquadrado no movimento da segunda geração naturalista, rótulo que considero insuficiente para alguém que experimentou um pouco de tudo entre o realismo e romantismo até às primícias do modernismo. O MNAC – Museu do Chiado já lhe consagrara uma retrospetiva onde claramente se manifestava, no último período dos seus trabalhos, uma total disponibilidade para transitar para formulações fora do academismo pictórico.
Esta exposição intitula-se “De Lisboa a Wissant”, espraia-se por todo o seu processo artístico e a sua formação, este homem de origem galega formou-se em Lisboa foi professor na Escola de Belas Artes, teve intervenção em grandes espaços decorativos, caso do Palácio da Bolsa, da Escola de Medicina do Porto, da Assembleia da República. Este acervo vem na continuidade da exposição apresentada no Museu de Boulogne-sur-Mer, que revelou detalhes até agora desconhecidos do percurso artístico de Veloso Salgado. A exposição do MNAC foca-se sobre os estudos e a carreira artística de Veloso Salgado em França enquanto bolseiro, entre 1888 e 1895, nela se expõe obras inéditas desse período. Segundo a documentação que o MNAC distribui, a exposição acolhe 70 obras, põe enfoque no seu itinerário francês (Paris, Bretanha e Wissant), desvela a ligação de uma amizade com os artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e a Escola de Wissant. É a primeira vez que se dá a público este diálogo de Veloso Salgado com os seus pares franceses.

Abertura da exposição, com peças do seu ambiente familiar e doméstico
Retratos do jovem artista. Ele começou a trabalhar com o seu tio desde os 10 anos na Litografia Lemos (situava-se na rua Ivens), frequentou a partir de 1878 a Academia Real de Belas Artes, chamou a atenção dos seus professores, caso do escultor Simões de Almeida. Distinguiu-se pela sua profunda capacidade de observação psicológica, a exposição exibirá o Retrato de Julieta Hirsch, que foi seu modelo, uma obra pontuada por uma modernidade incomum na época.
Veloso Salgado
O Éden-Hotel, chalé de férias de Veloso Salgado e onde viveu a sua neta Conceição

A sua neta, Conceição Veloso Salgado legou ao MNAC o acervo concentrado na casa de família, em Lisboa, na rua da Quintinha e no chalé de férias, em Colares. Trata-se de uma importante coleção composta por 400 peças, abarca pintura, desenho, escultura, joalharia, medalhas, mobiliário e um significativo acervo de fotografias do século XIX. Assim se abriu a perspetiva de estudar a correspondência de Veloso Salgado com os artistas franceses seus amigos, correspondência que revela uma cumplicidade e uma profunda amizade que durou toda a vida. Coube a Maria de Aires Silveira, conservadora do MNAC este estudo que permitiu avançar tal rede de contactos.
“Casas pobres”, pintura de Adrien Demont, 1890
Fernand Stiévernart, “Pôr-do-sol”, 1895
Veloso Salgado, “Preto e rosa”, 1872

Veloso Salgado, enquanto bolseiro do Estado português, trabalhou em Paris onde fez conhecimento e nasceu amizade com Viriginie Demont-Breton e Adrien Demont, Félix Planquette e Fernand Stiévenart, tudo aparece confirmado nos quadros que constavam da sua coleção. Foi assim que se descobriu na dita correspondência, as interações de Veloso Salgado com outros artistas, também bolseiros portugueses em França, caso do escultor Teixeira Lopes e do arquiteto Ventura Terra. Nesta exposição comprova-se o interesse de Veloso Salgado pela captura de cenas bretãs, ficam evidentes as suas ligações com o grupo de paisagistas da Escola de Wissant, no norte da França e com artistas praticamente desconhecidos em Portugal. A exposição permite, deste modo reatualizar o estudo do percurso artístico de Veloso Salgado e a sua cumplicidade com estes artistas franceses.
Trabalhando na Bretanha, Veloso Salgado deixou-nos imagens luminosas da região, anos depois a sua obra vai transmitir sentimentos melancólicos e místicos, caso do quadro Velhice. Despedimo-nos hoje com a promessa de continuar a falar de Veloso Salgado e de outro acervo do MNAC, mostrando uma obra dessas relações afetuosas que estabeleceu e onde é incontestável a sua mestria no campo de observação psicológica.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24225: Os nossos seres, saberes e lazeres (568): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (98): Vestígios soltos de dias felizes, custa apagá-los sem haver partilha (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24240: Convívios (955): 38º Encontro Nacional dos Ex-Oficiais, Sargentos e Praças, BENG 447, Brá, Guiné: Caldas da Rainha, 20/5/2023... E ainda: almoço-convívio dos Antigos Aunos do Externato Ramalho Ortigão (ERO), também nas Caldas da Rainha, a 6/5/2023 (João Rodrigues Lobo)


Anúncio do 38.º Encontro Nacional dos Ex-Oficiais, Sargentos e Praças, BENG 447, Brá, Guiné, a realizar nas Caldas da Rainha, no restaurante O Cortiço, em 20 de maio de 2023.



Fonte: Página do Facebook dos Antigos Alunos do Externato Ramalho Ortigão



1, Mensagem do nosso camarada João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, BENG 447 (Brá, 1968/71):


Data - quinta, 30/03/2023, 10:52Assunto . Almoços de confraternizaçáo

Bom dia,

Primeiro com um grande abraço de solidariedade pelo momento que passas, e esperando também que as maleitas fisicas já estejam ultrapassadas.

Depois solicitando , se possível, a publicação no blog deste dois convites que as organizações me enviaram.

O da Guiné (pessoal do BENG 447) é óbvio, é pena eu não poder ir, mas nesse dia estou longe.(Contactos do BENG 447 : Lima Ferreira 919977304 - F. Araújo 963154718.

O dos Antigos Alunos do Externato Ramalho Ortigão (ERO), das Caldas da Rainha é no pressuposto que de tantos alunos que este teve ao longo da sua existência, e pelas datas, é altamente provável que alguns tenham passado pela Guiné e leiam o "nosso" blog. A este vou pois ainda cá estou.

Realiza-se a 6 de maio de 2023, nas Caldas da Rainha, no restaurante a Lareira. Facebook do grupo (público): (20+) ANTIGOS ALUNOS DO EXTERNATO RAMALHO ORTIGÃO | Facebook

Contactos do ERO: João Jales 962638683 - João Santos 968573660 - Audiomanias 262823380)
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24213: Convívios (954): 51.º Almoço/Convívio do pessoal da CCAÇ 414, a levar a efeito no próximo dia 30 de Abril de 2023 em Arcozelo, Vila Nova de Gaia (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24239: Notas de leitura (1574): "Seis Irmãos em África", segunda edição; Porto, 2017; edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
O que há de mais tocante nesta coletânea de memórias dos seis irmãos Magro é que todos revertem a dor para aqueles pais que os viram partir. É uma junção de memórias, nada de gente gloriosa a contar atos de bravura, aliás todos se puseram de acordo com o mano que dentro dos seis mais penou, isto se independentemente de amanuense, enfermeiro ou engenheiro, terem vivido os seus dissabores e entradas inesperadas em teatros de guerra como o amanuense Abílio Magro que não sabe muito bem o que foi fazer a Cacine onde se refugiara gente vinda de Gadamael, no furor de uma ofensiva do PAIGC. Prima a boa disposição na generalidade das narrativas, a alegria de estarem vivos, o amargor das manas terem morrido. É certo e seguro que esta saga dos seis irmãos em África surpreenderá muita gente.

Um abraço do
Mário



Os seis manos Magro, façanha única, foram todos à guerra (2)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Seis Irmãos em África", segunda edição, Porto, 2017, edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas. Nasceram entre 1936 e 1951, a casa paterna, repleta de juventude, ficou num espaço de dois ou três anos, vazia. Do Fernando e do Rogério, o primeiro na Guiné e o segundo em Angola, falou-se no texto anterior (aliás, o Fernando Magro tem sido presença assídua no blogue). Vamos começar pelo Dálio Valente Magro, alferes miliciano de Engenharia, Companhia de Engenharia 2686, Marrupa, Moçambique, 1970/1972.

Fez Mafra e a Escola Prática de Engenharia em Tancos, e depois colocado no Regimento de Engenharia N.º 1, Pontinha. Foi aqui que ocorreu uma peripécia de todo o tamanho, na apresentação o comandante de unidade perguntou-lhe se era familiar de José Magro, respondeu-lhe que era natural que fosse, o comandante invetivou: “O senhor sabe o que está a dizer! O José Magro é um reputado comunista que se encontra preso e, por conseguinte, não quero cá pessoas com esse carácter!” Volta a Tancos, com a finalidade de frequentar o curso de minas e armadilhas, fora mobilizado para Moçambique. Segue para Sta. Margarida, junta-se à sua companhia que vai para Moçambique. O capitão de Engenharia apareceu em Moçambique, virá a ser substituído por um outro que na vida civil era engenheiro na Câmara Municipal de Aveiro. Dálio é bastante divertido, deixa-nos muita poesia de gosto popular e não é nada agreste nos relatos que faz das colunas, diverte-se com brejeirices, lembra-nos os ataques das abelhas, uma bebedeira de caixão à cova do comandante de companhia, ilustra todo o seu depoimento com GMC e Berliet reduzidas a sucata.

Carlos Alberto Valente Lamares Magro era cabo-especialista da Força Aérea e andou pela Henrique de Carvalho e Luso, comissão de 1970 a 1972; antes andou pela Ota e Tancos e posteriormente à Angola voltou a Tancos e S. Jacinto entre 1973 e 1974 (ofereceu-se como voluntário), havia que cumprir seis anos de serviço militar. Recebeu em Tancos formação em mecânica de helicópteros, foi colocado na Base Aérea n.º 9, na manutenção dos PV2 e depois no Aeródromo Base n.º 4 em Henrique de Carvalho, mais tarde no Luso. Deixa-nos uma recordação:
“Numa das muitas evacuações em que participei, o helicóptero vinha cheio de pessoal ferido e, durante duas horas, tive de vir de cócoras a segurar para cima, por causa do sangue, a perna de um soldado que tinha ficado sem o pé no rebentamento de uma mina.” Não esqueceu de nos contar a sua faceta de caçador e faz uma referência à operação Siroco, que se realizou em sucessivos anos no Leste de Angola com comandos, fuzileiros e paraquedistas, a FAP dava a sua colaboração.

E assim chegamos ao quinto irmão, Álvaro Valente Lamares Magro, primeiro-cabo de enfermagem integrado na CART 3493, Mansambo/Bambadinca e o Hospital Militar de Bissau, 1971/1974. Inicialmente mobilizado para Moçambique é desmobilizado e novamente mobilizado para a Guiné onde desembarca no final de dezembro de 1971, tinha à sua espera o irmão Fernando, que prestava serviço no Batalhão de Engenharia n.º 447. Andou perdido no mato no decurso de uma operação militar, em fevereiro de 1972. O irmão Fernando envidou esforços para que o Álvaro fosse para o Hospital Militar de Bissau, lá se conseguiu uma troca devido a um cabo-enfermeiro punido por roubos. O Álvaro era o quinto filho a vir para a guerra, a mãe faleceu pouco tempo depois, ainda o Álvaro não tinha chegado à Guiné.

E chegámos a Abílio Valente Lamares Magro, furriel-miliciano amanuense, colocado no serviço de Justiça do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné. Coadjuvava um alferes-miliciano que era responsável por processos de doenças, ferimentos e mortes em serviço, em campanha ou em combate; mas também fazia de sargento da guarda, sargento de piquete e até segurança noturna à PIDE/DGS. Esteve na Guiné entre 1973 e 1974, aqui chegado tinha à sua espera o irmão Álvaro. Descreve as suas funções, tudo com bonomia, recorda o major Leal de Almeida, que participou na operação Mar Verde, mesmo contrafeito e não esquece as provações que experimentou em Cacine, mandaram-no apresentar no cais do Pidjiquiti, entregaram aos amanuenses duas máquinas de escrever, a viagem não foi muito simpática, a receção foi um vaivém de helicópteros a fazer manutenções, eram feridos provenientes de Gadamael. O ambiente era de grande tensão, com fuzileiros especiais e paraquedistas. Foi então que se apercebeu que havia pessoal que se refugiara em Cacine e que recebeu ordens para ser recambiado para Gadamael, as instruções eram de aguentar nas valas as sucessivas vagas de ataque das unidades do PAIGC, estava-se em junho de 1973. Por ali vagueavam os amanuenses sem saber muito bem porque tinham sido recrutados. E inopinadamente recebeu ordens para regressar a Bissau, voltou à guerra do ar condicionado. Recorda episódios como a bomba que explodiu no café Ronda, ainda em 1973, que provocou mortes e feridos; em janeiro do ano seguinte colocaram uma bomba no Quartel-General que mandou o telhado pelo ar e mandou presos abaixo.

E conta-nos como viveu o seu 25 de Abril, as primeiras conversas desencontradas, a emissão do PIFAS, depois a música do Zeca Afonso. Não esquece os patrulhamentos no Pilão, o drama de Djassi, o ordenança do serviço de Justiça, interpelou o Abílio depois do 25 de Abril, exigia-lhe explicações: “Furriel, eu fui ensinado a respeitar a bandeira portuguesa desde que nasci, andei muitos anos no mato a lutar por Portugal, fui ferido várias vezes, fiquei sem um pulmão, sou português, sempre me considerei português! E agora, dão-me dinheiro e vão-se todos embora? O que vai ser de mim? O que é que o PAIGC vai fazer comigo?”

São histórias umas a seguir às outras, até não falta um reportório de vocábulos em crioulo e uma sua operação às varizes. Inevitavelmente, lega-nos poesia alusiva à diáspora dos Magro:

“Tantos anos a procriar
Seis mancebos vi crescer
A tropa os veio buscar
Como era de prever

Foram todos para o quartel
Aprenderam a marchar
Apanharam um batel
Rumaram ao Ultramar

Na vida sempre a sorrir
Muitas vezes quis chorar
Vendo seis filhos partir
Para terras de além-mar

Uns após outros partiram
P’rá guerra, com valentia
Foram seis, todos saíram
Ficou a casa vazia”
.

E assim termina a saga dos irmãos Magro, muito provavelmente um caso ímpar nesses tormentosos anos da guerra de África.

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24229: Notas de leitura (1573): "Seis Irmãos em África", segunda edição; Porto, 2017; edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24238: Facebook...ando (25): Os dois irmãos gémeos Medeiros, da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/74), naturais da Ribeira Grande, a viverem hoje no Canadá (o Adriano) e nos EUA (o David)


Guiné  > Região de Tombali > Cufar > CAÇ 4740 (1972/74), Leões de Cufar" >  Foto de grupo com os manos gémeos Medeiros, Adriano e David, que estão por identificar. Mas, pela pesquisa que fizemos nas suas páginas do Facebook, seriam o primeiro e o terceiro, na fila que está de pé, a contar da esquerda para a  direita.  O Armando Faria está em primeiro plano, agachado, de bigode, no lado esquerdo.

Foto (e legenda): © Armando Faria (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guião dos "Leões de Cufar", CCAÇ 4740 (1972/74), mobilizada pelo BII 17


1. Recentemente, e com referência ao poste P24229 (*), o nosso camarada Armando Faria (ex-fur mil inf MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74, natural de Vila Nova de Gaia), postou o seguinte comentário, na página do Facebook da Tabanca Grande:

(...) A CCaç 4740 teve dois gémeos em Cufar, Guiné, junho de 72 Agosto 74, o Adriano Medeiros e o David Medeiros, pertenceram ao 4.º grupo de combate". (...) 

O comentário vinha acompanhado de uma foto de grupo, com pessoal da CCAÇ 4740, onde presumivelmente estão os dois manos, o Adriano e o David. Mas não estão identificados.

Mandei ao Armando um mail, ontem, dia 20, com o seguinte teor:

"Armando: como vai isso ? A saúde e o resto ? Não tens dado notícias, embora participes na nossa página do Facebook... Há dias encontrei esta tua foto (...)

Acho que era invuilgar haver dois gémeos na mesma unidade ou subunidade... Gostava que os identificasses na foto... Já fui à página deles no Facebook.... E gostava que, estando um na América e outro no Canadá, como muitos outros camaradas açorianos, aceitassem o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande... Será que têm mais fotos desse tempo ?

Os irmã
os Magro foram seis, os que estiveram nos nossos TO em África, mas nenhum era gémeo, três estiveram ao mesmo tempo na Guiné em dada altura...

Vês se dás uma ajuda. O meu pesar pela morte do teu cunhado, Manuel Matias. Também perdi a minha cunhada, muito querida, há dias. Estive um mês na Madalena, V.N. Gaia, tua terra, a dar apoio à família... Abraço grande, Luís".

Enquanto se aguarda a resposta do Armando Faria (que tem 25 referências no nosso blogue), fazemos este poste, na série Facebook...ando. (**)

Os manos Medeiros são naturais da Ribeira Grande, Açores, nascidos a 29 de novembro de 1951, vivem no Canadá, em Winnipeg, o Adriano (tem página no Facebookl, aqui) e, nos EUA, Seekonk , Massachusetts. o David (tem página aqui).

O Armando Faria é autor da História da CCAÇ 4740 (vd. imagem da capa à direita).

Pode ser que outros camaradas como o Luís Mourato Oliveira (que pertenceu a esta companhia, em rendição individual), ou o António Graça de Abreu, do CAOP 1  (que esteve com eles em Cufar), nos possam também dar uma ajuda nesta identificação. Mas o Armando Faria é o camarada mais indicado para o fazer, está em contacto com eles, e tem organizado alguns dos encontr0s dos "Leões de Cufar" (**)

2. Em resposta ao nosso pedido, o Armando Faria legendou, no nosso Facebook,  a foto acima, do seguinte modo:

"Tabanca Grande Luís Graça Então vamos lá dizer algo deste pequeno grupo que pertencia ao 4.º grupo da CCaç 4740, formada em Angra do Heroísmo no BII 17 e onde se encontram; da esquerda para a direita de pé, 1.º cabo Adriano Medeiros, Canadá, Fur Mil Santos, Continente, sold David Medeiros, EUA, 1.º cabo Dâmaso, S. Miguel, 1.º cabo Joao Soares, EUA, sold Simas, Pico,  faleceu em 25/08/2015; 1.º cabo Ernesto, Canadá;  em baixo, Alf Silva e Fur Armando Faria, no Continente."

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24237: Blogpoesia (789): "Dia de enganos", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

DIA DE ENGANOS

Uma gaivota beijando a espuma branca das águas fundas
em bailado Grandi Mestri
culminando as chaminés do Cabo do Mundo.
O barco ao longe

estático no horizonte
como eu aqui de olhos fitos nas rochas.
Gaivotas bailando
Rossini
Oh! Péchés de vieilhesse
Mascagni
Massenet
sem ponte nem horizonte
Verdi
Wagner
Bizet
sobre a espuma da tarde sem dia
do dia sem ponte
e sem horizonte para lá das rochas negras e nuas.
Marcia Trionfale em dia de glória
dunas de espuma branca
abraçando as rochas do meu deserto
tão perto do mar imenso tocando as nuvens.
Alguém me leva nas asas da gaivota
por dentro de ti para dentro de mim
em doce Intermezo de rios de sol e mares sem fim.
Alguém me passeia por dentro de ti
Cavalcate Delle Valchirie
avançando a vertigem em turbilhão
até planar bailando sobre o coração
cravado no sol poente
vermelho e quente do sangue que verti.
Bruscamente…o Prelúdio voando dentro de mim
a alma que resta em Meditazioni pelo espaço imenso
tocando aqui e ali as penas das asas que perdi.
Vesti La Giubba meu palhaço trágico
viajante da Barcarola en nuit d’amour
com ar triunfante Va Pensiero
sobre as asas douradas
seguro de quem se apoia nas pedras nuas da orla do mar
esquecendo o mar que navega… infinito… mistério.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24211: Blogpoesia (788): "As Palavras estão gastas" (nova versão), poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P24236: Facebook...ando (24): 20 de abril de 1970: Assassinato dos oficiais do CAOP, em chão manjaco, Jolmete: que a História os lembre como mártires pela paz (Manuel Resende, A Mangífica Tabanca da Linha)



1. Poste do Manuel Resende, na página, de hoje, às 10h00, do Facebook  de A Magnífica Tabanca da Linha, de que é administrador:

Peço-vos desculpa por todos os anos repetir isto (não consigo esquecer).

Faz hoje, 20 de Abril de 2023, 53 anos do assassinato dos OFICIAIS do CAOP em solo Manjaco, área de Jolmete. HOMENS que deram a sua vida pela paz foram barbaramente martirizados.

Já todos sabemos a estória, não vou aqui repetir, é só para lembrar.
  • Major Passos Ramos
  • Major Osório
  • Major Pereira da Silva
  • Alferes João Mosca
  • Mamadu Lamine
  • Aliú Sissé
  • Patrão da Costa
Que a História futura os lembre como MÁRTIRES PELA PAZ!
___________

Nota do editor:

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24235: Historiografia da presença portuguesa em África (364): Procurar saber um pouco mais sobre a Casa Gouveia (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
O que foi a atividade da Casa Gouveia na Guiné é um dos assuntos relevantes que continua por investigar em profundidade. Esta comunicação de Maria Eugénia Mata num simpósio que se prendeu com as comemorações dos 150 anos do nascimento de Alfredo da Silva ilumina o tempo histórico dessas atividades, quando se iniciaram, contemporâneas da circulação da moeda com o BNU, não se conhece a documentação (estará perdida?) referente ao desempenho da Casa Gouveia em nome do BNU entre 1903 e 1917, fica-nos um quadro, dado por esta importante comunicação, do papel económico e financeiro da Casa Gouveia. A documentação existente na Fundação Mário Soares sobre a Casa Gouveia parece pouco elucidativa, resta saber o que há noutros fundos documentais, desde o arquivo da CUF, Arquivo Histórico Ultramarino, Sociedade de Geografia de Lisboa, Biblioteca Nacional, e por aí adiante. Grande empreitada que aguarda candidato...

Um abraço do
Mário



Procurar saber um pouco mais sobre a Casa Gouveia (2)

Mário Beja Santos

Há anos que procuro saber por onde andam os arquivos da Casa Gouveia, a principal empresa comercial da Guiné, associada à CUF. Finalmente abriu-se-me uma porta, há um arquivo no Barreiro, indicaram-me o nome de alguém que durante anos na Guiné estivera na gestão dos Armazéns do Povo, depois da libertação para eles convergiram o património da Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosa e Comandita, hoje assunto passado, tal como outros grandes empreendimentos, caiu na água levando ao tempo mais de 5 mil trabalhadores para o desemprego. Recebido com enorme afabilidade na Fundação Amélia de Mello, tenho a promessa de uma viagem ao Barreiro, ver o que há e não há. Entretanto, recebi uns bons quilos de publicações, comecei por este título Globalização em Português, atas do simpósio que se realizou na Academia das Ciências em Lisboa, Princípia, 2021. Chamou-me à atenção a comunicação de Maria Eugénia Mata com o título "Casa Gouvêa: Monetarização e Integração da Guiné na Economia Mundial". Vale a pena aqui respigar alguns dados pertinentes que permitem desvelar o poder deste empreendimento.

A autora, como vimos, revela a grande aproximação que existiu entre os negócios da Casa Gouveia e o BNU. Este, no período da Primeira Guerra Mundial, e muito depois, teve um papel determinante no sistema monetário, emitiu para as transações de pequeno valor (cédulas).

“Em pequenas cadernetas eram destacadas estas cédulas, um espaço deixado vazio permitia que fossem carimbadas em todo o Ultramar, foram emissões que se prolongaram até à Segunda Guerra Mundial, por razões de entesouramento e fusão do metal das moedas.”

Vimos igualmente que se adotou um novo sistema de pesos e medidas, difundiram-se as máquinas de costura, criou-se a frota da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, que assegurava as ligações marítimas para o comércio bilateral de mercadorias e o transporte de passageiros.

Como a autora observa: 

“Nas exportações da Guiné, a Casa Gouvêa reunia e transportava para a metrópole os cultivos locais (mancarra, purgueira, rícino, algodão, mandioca) e as produções espontâneas de palmares, mangais, arrozais, bananais e outras frutas tropicais. Na segunda metade dos anos 1920 a procura internacional de produtos como a borracha e as oleaginosas desceu e bem assim os seus preços, no contexto das dificuldades da Grande Depressão de 1929-1933.” 

E adianta que a recuperação da Grande Depressão e os anos 1940 marcaram o aumento das produções e dos negócios na Guiné, o que se tornou visível com o crescimento de Bissau, tornada capital da colónia, uma capital que tinha um porto, onde afluíam navios nacionais e estrangeiros, em 1947 o Pidjiquiti recebeu uma nova construção de cais em estacaria de betão. 

Em que se transforma a Casa Gouveia? Tinha a sua sede em Bissau e como agente em Lisboa a CUF, Secção África-Guiné, situada na Rua do Comércio, 49, 4.º andar, em Lisboa. Era agente da Sociedade Geral Socony Vacuum Oil Company, para o transporte e distribuição de combustíveis da marca internacional e dos pneus MABOR.

É um tempo de pavimentação de estradas que permitiram a circulação de veículos de transporte. Em 1947, a colónia contava com telégrafo em 23 centros urbanos, melhorara a sua rede telefónica, tinham começado as emissões experimentais de rádio da estação de Bissau, foi reconstruída a fortaleza da Amura (desta vez em pedra em vez de barro e madeira), a capital encheu-se de equipamentos: o museu, o hospital com maternidade, a cadeia, a estufa, o liceu, o estádio, paióis, uma catedral, um palácio para o governador, uma mãe de água no Alto Crim para canalização e aprovisionamento doméstico; e foram construídas moradias para funcionários guineenses.

A Casa Gouveia servia a totalidade do território devido às suas sucursais, em 1948 eram 14: Bafatá, Bambadinca, Binta, Bissorã, Bolama, Brames, Cacheu, Teixeira Pinto, Farim, Nova Lamego, Geba, Mansoa, Sonaco e Pelundo. Sucursais em que se vendiam bens adaptados à vida em contexto rural e atmosfera étnica (têxteis, bicicletas, aparelhos de rádio, máquinas de costura, utilidades domésticas e querosene). 

A Casa Gouveia tem novos estatutos em 1961, passou de sociedade por quotas a sociedade por ações. Tinha obtido concessões por aforamento de pequenos territórios delimitados para o exercício dos seus propósitos na Guiné. As suas maiores propriedades rústicas localizavam-se em Buba, Bafatá, Farim e Canchungo.

E a autora dá-nos conta dos aspetos económico-financeiros em que emergiam os seus negócios, chama à atenção de que a circulação monetária do escudo da Guiné era diferente da circulação do escudo da metrópole, as exportações de produtos da Guiné eram pagas em escudos metropolitanos, ao preço da cotação desses produtos tropicais na Bolsa de Lisboa, incidia o pagamento de impostos alfandegários. Dá-nos conta da percentagem de cambiais obtida da exportação que devia ser entregue ao Fundo Cambial. Tive oportunidade, quando procedi a investigações no antigo Arquivo Histórico do BNU, de avaliar toda esta momentosa questão dos cambiais, as múltiplas petições das empresas que se queixavam da dureza de tributação. E escreve a autora: 

“O problema das cambiais tem a ver com o montante em escudo da metrópole com que ficavam os exportadores, e, portanto, condicionava a repatriação de lucros. E o poder político também o sabia. Quanto maior a percentagem de cambiais a entregar, menos lucros podiam repatriar. Toda a atividade da A. S. Gouvêa Lda. assentava em negociações com as autoridades políticas e administrativas locais e centrais (da metrópole) numa base de defesa dos seus resultados financeiros.”

A autora evoca testemunhos descrevendo os mecanismos económicos, cita mesmo o trabalho de Martinho Simões, datado de 1966, "Nas Três Frentes Durante Três Meses, Toda a Verdade da Guerra Contra o terrorismo", o repórter descreve as “casas grandes” do comércio guineense, visitou o centro industrial da Casa Gouveia no Ilhéu do Rei. 

Retomando a questão dos cambiais, a autora releva que a atividade da Casa Gouveia e da CUF da família Silva Mello eram decisivas para o sistema monetário e cambial da Guiné, explica o câmbio e as taxas, o papel do BNU como agente do Fundo Cambial da Guiné para fazer os pagamentos à metrópole em escudos metropolitanos e os ajustamentos operados a partir de 1961 no sistema de pagamentos interterritoriais, quando o Governo quis fazer uma união monetária de todo o espaço económico português, criando a Zona Monetária do Escudo.

Assim se chega à luta pela independência, somos confrontados com a atividade económica do período e após a independência a Casa Gouveia foi integrada nos Armazéns do Povo, uma integração que ficou concluída a 31 de dezembro de 1975. O imenso descalabro que se seguiu já não conta para esta história.

Finda aqui a recensão ao trabalho de Maria Eugénia Mata, vamos confiar que há outras fontes documentais à espreita de consulta.


Casa Gouveia em Bissau
Instalações da então Casa Gouveia no Ilhéu do Rei, fotografia de Francisco Nogueira, com a devida vénia
Antiga casa comercial António Silva Gouveia, posteriormente, utilizada para instalações militares do quartel de Bolama
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24219: Historiografia da presença portuguesa em África (363): Procurar saber um pouco mais sobre a Casa Gouveia (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973


Peça de artilharia 130 mm M-46, de fabrico soviético (ano de introdução: 1954). Este tipo de armamento foi usado pelo PAIGC contra Guileje em maio de 1973, a partir do território da Guiné-Conacri. O seu alcance (máximo) é de 22,5 km.

Fonte: Wikipedia (em finlandês) (2007) (com a devida vénia...)



 Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > A peça do lado direito não pode ser  o famigerado "canhão de 130 mm", de origem russa, fornecido pela Guiné-Conacri ao PAIGC nos ataques a Guileje e a Gadamael, em maio e junho de 1973... A peça de artilharia 130 mm, M-46, tinha/ tem  um cano ou tubo de mais de 7 metros de comprimento...  O da foto é muito mais curto... 

Não era armamento do PAIGC,  deve ter sido cedida pelo Sekou Touré, exigia uma equipagem de 8 elementos, além de viatura para a rebocar,   e disparava do outro lado da fronteira... Pesava 7,7 toneladas,,,  Nunca deve ter entrado sequer em território da antiga Guiné portuguesa (*).... 

Por outro lado, também deveria ser difícil distinguir, no final da guerra,  depois da morte de Amílcar Cabral,  e com o crescente ascendente de Sékou Touré (e dos soviéticos) sobre o aparelho político-militar do PAIGC, o que era do PAIGG e o que era dos seus anfitriões ou "patrões"...

Angola foi um dos países lusófonos que dispunha desta temível arma, durante a chamada guerra da segunda independência.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, e especialista de renome. nacional e internacional, em história da artilharia, que colavora  com a ONG AD-Acção para o Desenvolvimento no Projecto Guiledje, no tempo do nosso saudoso Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), confirmou-nos o emprego desta arma em 1973:

 

Excerto de mensagem do Nuno Rubim, membro da nossa Tabanca Grande, poste P1434 (*):

 (...) O Pepito foi a Cabo Verde e falou com os Cmdts Julinho de Carvalho e Osvaldo Lopes da Silva, os responsáveis operacionais no ataque a Guildeje, em Maio 1973. Colocou-lhes várias perguntas que eu sugeri, além daquelas que ele entendeu por bem e as respostas são muito satisfatórias, pese embora o tempo decorrido.

Agora vou estudar em detalhe essas informações e o ciclo continuará ...

Realmente a peça utilizada pelo PAIGC era o 130 mm M-46. O reconhecimento dos objectivos foi executado visualmente! (...)

2. Recorde-se o que já aqui escrevemos sobre o assunto (**):

(...) A artilharia 130 mm foi usada pela primeira vez contra Guileje em maio de 1973. E com crescente precisão. De origem soviética, com quase todo o armamento do PAIGC, operava a partir do território da Guiné-Conacri e tinha sido cedida pelo regime de Sékou Touré.

Entre 18 e 21 de maio de 1973 por exemplo, foram lançadas sobre Guileje cerca de sete centenas de granadas, de vários tipos (incluindo RPG 7). Média diária (4 dias): 171,25 granadas.
Entre 31 de maio e 11 de junho, Gadamael Porto foi flagelada com 1468 granadas: média diária (em 12 dias), 122,3 granadas; máximo 620 granadas (em 1 de junho), mínimo 4 granadas (em 10 de junho) (...)

3. Informação recolhida na Web > abcdef.wiki

Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46) - 130 mm towed field gun M1954 (M-46) - abcdef.wiki

(...) O canhão de campanha  rebocado ("towed field gun", em inglês),   de 130 mm M-46 (russo : 130-мм пушка M-46 ) é uma peça de artilharia rebocada de 130 mm, de carga manual , fabricada na União Soviética na década de 1950. 

Foi observado pela primeira vez pelo Oeste em 1954. Por muitos anos, o M-46 foi um dos sistemas de artilharia de maior alcance ao redor, com um alcance de mais de 27 km (...)


Especificações técnicas::

Massa:  7,7 t 
Comprimento; 11,73 m
Comprimento do cano: Furo: 7,15 m

Para saber mais: Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46)


(***) Último poste da série > 13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...

Guiné 61/74 - P24233: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (35): O novo porto de pesca do Alto Bandim: abundância de peixe mas mais caro (4,5 € / 3 mil CFA o kg)... metade segue para Dacar e a Europa


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > O novo porto de pesca do Alto Bandim  > Vista geral das instalações portuárias. Vê-se ao fundo a mãe de água do Alto Crim, que já vem do tempo da Bissau colonial (, tendo sido contruída em 1947)... 


Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Bissau > O novo porto de pesca do Alto Bandim: as canoas nhomincas, em primeiro plano


Foto nº 2A >  Guiné-Bissau > Bissau > O novo porto de pesca do Alto Bandim: a venda do peixe na lota (cujo novo edifício ainda não funciona)


Foto nº 2 Guiné-Bissau > Bissau > O novo porto de pesca do Alto Bandim: as "videiras" ou peixeiras, em segundo plano

Guiné-Bissau > Bissau > Porto de pesca do Alto Bandim > 15 de abril de 2023 > 08:31 (Foto nº 1)  e 08:44 (Foto nº 2)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné





1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau" (*):

Data - 17/04/2023, 12:12 
Assunto- Bom dia desde Bissau

Luís,

Envio umas fotos do novo porto de pesca, do Alto Bandim,  em Bissau, tiradas às 8.30h do dia 15 do corrente.

As obras do porto quase estão terminadas, a nova lota ainda não funciona, o prédio da fiscalização marítima também está pronto, mas não está a funcionar.

Neste local fui comprar peixe que estava a sair das canoas, onde centenas de pessoas estavam a fazer o mesmo.

Havia dezenas de canoas Nhomincas com pescadores a descarregar peixe, terão sido algumas toneladas pescadas nos últimos 3 dias. O gelo em escama para conservar o peixe não dura mais tempo.

Todos os dias chegam canoas a Bissau para descarregar o pescado e levar gelo e gasolina para uma nova pescaria.

Mesmo com esta abundância de peixe de todos os tipos, o preço do mesmo está mais caro.

Dentro do porto estão uma dezena de camiões frigoríficos à espera, que depois de carregados com peixe seguem para o Senegal para abastecer Dacar, muito será exportado para a Europa como se fosse pescado no Senegal.

As águas do Senegal já há muitos anos que não têm peixe. (Falo da minha experiência por lá andar a fazer caça submarina.)

A Guiné-Bissau ainda não consegue exportar o peixe fresco por não ter a certificação, o novo laboratório ainda não o consegue fazer.

Mas existe outro problema que é o transporte, os dez aviões semanais de Bissau/Lisboa, em que quatro são diretos, também não tem espaço para o transportar porque vão cheios de passageiros com as suas bagagens. (Ao fim 10 dias o pescado ainda é vendido na Europa como fresco.)

Resumindo: o peixe que é base da alimentação do povo guineense, está mais caro (4,5 euros /Kg,  de 1ª qualidade) (#) porque mais de metade do que é pescado entre as ilhas dos Bijagós vai para Dacar.

Nota final; por este motivo é que os que peixes que apanhava na praia de Varela,  já não os encontros, a minha comida agora é bagre ou latas de atum.

Abraço, Patricio Ribeiro

impar_bissau@hotmail.com

(#) igual a 3020,13 CFA (LG)





Planta da cidade de Bissau já no pós-independência (c. 1975/76). Localização dos bairros populares Bandim, Alto Crim e Pilão. Cortesia de A. Marques Lopes (2005).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
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