terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24919: Notas de leitura (1644): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte IV: Angola, Luanda, fotogaleria, c. 1930


Foto nº 3 > Câmara Municipal ou Governo Provincial de Luanda [São Paulo de Luanda] (vd, enquadramento histórico e urbanismo),


(...) O edifício da Câmara Municipal de Luanda começou a ser construído em 1890, segundo projeto de Artur Gomes da Silva, concluindo‐se a obra em 1911. 

O edifício apresenta fachada de expressão classicizante, com frontão central e vãos de arco circular. Segue a tradição dos edifícios públicos com estrutura de pré‐fabricado de ferro. Ergue‐se sobre a Praça da Mutamba, numa relação com o terreno que lhe confere imponência e monumentalidade. 

A planta desenvolve‐se à volta de um pátio interior com iluminação zenital, de onde nasce uma majestosa e escultórica escadaria interior, toda em ferro fundido, elemento decorativo mas também distributivo, coberto por uma estrutura de pilares e arcos metálicos ogivais que lhe dão singularidade, elegância e leveza. Foi classificada como Monumento Nacional, por despacho publicado no Diário da República n.o 205, de 31.08.1981. Continua a exercer a mesma função.Isabel Martins (Fonte: HPIP - Património de Influência Portuguesa) (com a devida vénia...)


Foto nº 2 > Memória a Paulo Dias de Novais, fundador da cidade de Luanda


("A cidade foi fundada em 1575‐1576, quando Paulo Dias de Novais e suas gentes ancoraram na Ilha das Cabras que era, na época, uma possessão do rei do Congo. (...) Fonte: HPIP, com a devida vénia)


Foto nº 1 > Luanda: homenagem a Salvador Correia, o restaurador de Angola

(...) A urbe de 1900 lê‐se numa planta de Alves Roçadas, executada para a Câmara Municipal. A cidade teria uns 15.000 habitantes em 1910, cerca de 30.000 em 1923, e já 50.000 em 1930, dos quais 6.000 brancos e 5.500 mestiços. (...) Fonte: HPIP, com a devida vénia)



Foto nº 4 > Luanda. estação do caminho de ferro Luanda - Malange

(... "O terminal ferroviário da linha Luanda‐Malanje é um modesto edifício de dois pisos de adobe e cobertura de telha, situado na zona central da cidade a comprovar o seu papel relevante. A sua construção decorreu entre 1905 e 1909.Aida Freudenthal. (...) Fonte: HPIP, com a devida vénia.. 



Foto nº 6 > Luanda: avenida do hospital Maria Pia (construído em 1865.1883), hoje Josina Machel, (Esta avenida hoje deve a do 1º Congresso do MPLA. seria a Av dos Combatentes, no temo colonial?)


Foto nº 5 > Luanda; trecho da Av Salvador Correia


Foto nº 7 > Luanda: fachada da Sé,antiga igreja de N. Sra. dos Remédios

(...) Esta igreja localiza‐se na Cidade Baixa, antiga Rua da Praia, e foi construída devido ao desejo que os comerciantes e demais moradores da Cidade Baixa tinham de competir com a Cidade Alta, onde se localizavam os principais templos religiosos.

 A sua construção iniciou‐se em 1651 e terminou em 1670. Cadornega descreve‐a como "edificio sumptuoso de boa fabrica, confraria e irmandade do Corpo de Deos, e a invocação de nossa Senhora dos Remédios que servem os cidadoens e moradores com muito dispendio de suas fazendas". 

A primitiva igreja evidenciava um estilo barroco na fachada, constituída por três portas encimadas por pequenos frontões triangulares, terminando num frontão aproximadamente triangular com enrolamentos em cada vértice e um óculo bastante elaborado. Desenvolvia‐se numa planta retangular, com uma ampla nave, transepto inscrito, altar‐mor e colaterais. A composição da fachada terminava em duas torres sineiras elevadas e quadrangulares, encimadas por coruchéus piramidais. Encontrava‐se em ruína total em 1877.

 Em 1897, um restauro deu‐lhe o aspecto que hoje apresenta, transformando‐a numa tipologia de um só tramo com três portas e frontão redondo. Nos finais dos anos 1940 foi considerada um valor a preservar, sendo por isso classificada Imóvel de Interesse Público pela portaria n.o 6718 de 25.05.1949. Serviu de sé catedral entre 1828 e 1850, tendo atualmente voltado a ser a Sé Catedral de Luanda.Isabel Martins. (Fonte: HPIP, com a devida vénia...)
 


Foto nº 8 > Luanda: Fachada do Hotel Paris


Foto nº 9 > Luanda: à hora da sesta... Ao fundo,  hotek Paris...



Angola > Luanda > c. 1930 > Fotogaleria




Angola é um descritor com 544 referêcncias no nosso blogue. E é um país que também está no coração de alguns de nós. Daí o destaque que tanbém lhe damos, de vez em quando. Comparem-se as imagens dos anos 30  com estas imagens dos anos 50/60 (Cortesia do Facebook "Luanda - Imagens dos Velhos Tempos")


Luanda > Sé (antiga Igreja de N. Sra.dos Remédios)


Luanda > Hotel Paris


Luanda > Fachada do edifício da Câmara Municipal, anos 60


Luanda > Rua (e não avenida) Salvador Correia, 1968


Luanda > Av Combantes, anos 60


Luanda >  Hospital Maria Pia, anos 50


Composição dos Caminhos de Ferro de Angola, linha Luanda-Malang

Fonte: Página do Facebook "Luanda - Images«ns dos Velhos Tempos" ("Espaço de recordações para quem nasceu ou viveu em Luanda antes de 1975") (com a devida vénia...)
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Notas do editor:


Último poste da série de 4 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24916: Notas de leitura (1643): "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac; Europa Editora, 2022 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24918: Parabéns a você (2229): Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Armas Pesadas Infantaria da CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, Jolmete e Quinhamel, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24903: Parabéns a você (2228): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Mansoa e Mansabá, 1970/71)

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 – P24917: (Ex)citações (426): Vidas (José Saúde)

 



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Camaradas,

O texto vidas reflete o que é, quase na sua essência, a nossa existência ao cimo deste globo terrestre como antigos combatentes, como é este o caso, de uma guerra na Guiné que deixou marcas em cada um de nós, sendo o futuro uma eventual incógnita.

Eu, 72 anos na altura, cai ao sair do meu carro desamparado de que resultou uma outra malazenga, para além de um AVC que muito me apoquentou, dado que tive de ser hospitalizado, sucedendo que neste momento encontro-me numa fase de recuperação.

Esta é uma passagem pelo meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ BISSAU 1973/1974”, Edições Colibri, Lisboa, que incide afinal o que é na presença no planeta Terra.

O mundo é pequeno e as nossas recordações gigantescas

Vidas




Não obstante a velocidade estonteante que contempla um desgastar imutável de vidas que paulatinamente vão marcando gerações, eis-nos perante uma realidade que consome nacos de uma existência que marcará eternamente a nossa presença neste cosmos terrestre.      

Assumindo a minha condição de exímio septuagenário, sou, de quando em vez, embalado imaginariamente ao colo da minha saudosa mãe por um sentimento nostálgico onde as luzes da ribalta transcende o hino das emoções e nos conduzem, quiçá inadvertidamente, a vidas sentidas dos tempos de tropa e da guerra.      

Tempos em que nós, miúdos e de caras joviais, dávamos um pontapé nas estrelas, sendo que nesse exorcismo irreal deixávamos um sinal claro que o nosso futuro passava irremediavelmente pelo dia da chamada do futuro mancebo para engrossar as fileiras do exército português.      

Porém, uma certeza não invadia as nossas almas: a guerra no Ultramar. Ou seja, um cenário gigantesco que ditava como encenação provável uma comissão militar em território de além-mar. Mas, existiam também nuances que acarretavam preocupações acrescidas a rapazes que viviam anos de uma efervescente juvenilidade. O futuro, sempre imensurável, sugeria um sonho que nos fazia sorrir. A guerra era coisa distante. Parecia.      

Todavia, escondido no nosso ego lá permanecia uma faixa negra onde se lia: segue em via rápida uma encomenda que transporta a tão conhecida frase “carne para canhão”!... Ainda assim, a utopia transmitia um similar de odores onde esperança falava mais alto. “Vou à guerra, mas regressarei um dia são e salvo ao meu rincão sagrado. Não quero medalhas, mas exijo apenas um simples reconhecimento pelos momentos de padecimento sofrido. Ponto final”.      

E muitos regressaram isentos de malazengas contraídas nos campos de batalha. Outros, infelizmente, chegaram tendo à sua espera uma secção de militares do quartel mais próximo da sua residência que honrava o defunto com uma rajada de G3. Depois seguia-se o discurso que ornamentava o fúnebre momento, frisando o oficial de serviço o heroísmo do camarada agora já cadáver. Bolas, que pudica mensagem de voz!      

A tropa apresentou-se, creio certamente, para todos nós como uma universidade da vida na qual recolhemos informações que nos levaria a efetivos doutores de uma licenciatura concluída num mar de aventuras e que coabitava com o desenrolar das nossas vidas. A tropa foi, e afirmo obstinadamente, uma inquestionável experiência que muito nos ensinou.      

Lembro o dia 10 de outubro de 1972 quando dei entrada como mancebo no CISME, em Tavira. Depois veio Lamego, Operações Especiais/Ranger. O dia 4 de janeiro de 1973 traçou-me um novo destino. Abençoado pela Serra das Meadas, a bíblia dos futuros rangers, tornei-me um exemplar militar e adquiri louros para uma especialidade que me fez crescer na sua plenitude. Seguiu-se a Guiné e Gabu recebeu-me com “pompa e circunstância”.      

Recordo o dia que ousei desafiar calendas escondidas e obrigatoriamente parti para uma comissão militar na Guiné. Num outro lado, África esperava-me e o solo guineense “abençoou” a minha chegada. Constatei de imediato que o bafo causado pela aquela terra vermelha me aconselhava cuidados atempados.       

Cuidados que, posteriormente, disparariam em todas as direções. O dia-a-dia em Gabu evidenciava novas aventuras. Aventuras que coincidiam com patrulhamentos, proteções às colunas, quartel e pista de aviação, com visitas permanentes a tabancas, operações, saídas constantes para o adensado mato, enfim, um rol de procedimentos comuns imputados a um operacional em tempo de guerra.       

Evoco outros momentos em que o clima de África contemplava as nossas vidas. O paludismo, que me visitou por três vezes, derrubou-me, mas levantou-me. Foi uma espécie de ataque de morteiro sem recuo onde a versão primária levou o debilitado combatente a exercitar a sua já usada condição de ranger.      

E é neste permanente propagandear de vidas preenchidas em território guineense, que me ocorrem situações em que o facilitar permitia o desenvolvimento de momentos caóticos. Alguns fatídicos.      

Jovens militares que acreditaram na sorte. Vidas que, inconscientemente, se perderam, tão-só pelo simples facto de não premeditavam o futuro imediato. Facilitavam. Depois vinha a desgraça.      

50 anos depois…                 

      


Um infortúnio que 50 anos depois eis que o “rebentamento de uma mina antipessoal” me atirou para o leite do hospital de Beja. Fémur fraturado e que originou uma intervenção cirúrgica urgente, tendo sido necessário levar “material suplementar”, ou seja, um “espigão” que vai do colo do fémur ao joelho pelo interior do referido osso, bem com parafusos para suportar o equilíbrio do membro inferior direito, aquele que ficou meio funcional após o meu AVC, um mal que já leva 17 anos de existência. Abraço camaradas,

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

4 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24723: (Ex)citações (425): Ainda a propósito do Jornal Voz de Bissau, a atividade Política em Bissau no pós 25 de Abril (Victor Costa, ex-Fur Mil)

Guiné 61/74 - P24916: Notas de leitura (1643): "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac; Europa Editora, 2022 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Permitam-me justificar a minha incredulidade face à leitura desta narrativa. Passado meio século, manda a sabedoria do perdão que acompanha os velhos, há ressentimentos, azedumes e horas más que passam para a categoria dos desperdícios. Irineu Mac apresenta-se como uma exceção, di-lo frontalmente: 

"Toda a guerra depois de finda ainda vive em nós. Uma guerra não acaba enquanto houver um último sobrevivente e enquanto os familiares ou amigos que sofreram danos colaterais tiverem memória. Aqui são retratadas as vivências de um miliciano, em jeito de alter ego, forçado a entrar numa guerra de causas e motivações alheias em condições muito adversas".

 É uma narrativa confessional, onde a guerra propriamente dita e a sua relação com os outros merece escassos parágrafos, no entanto, terá vivido uma experiência bem dura em territórios marcadamente hostis em derredor de Mansoa, foi cofundador e professor na escola regimental de Mansoa, voluntariou-se na escola primária da aldeia na preparação para exames de 4.ª classe, são assuntos tratados de raspão, questionamos porquê, numa narrativa onde o timbre é dado pelos tais azedumes e recordações de que a idade nos liberta, tal como ele observa nos encontros de ex-combatentes teimamos nesta bonomia de avançar para o outro de braços abertos.

Um abraço do
Mário



Lembranças da CCAÇ 15 (1970-1971), com amargores e ressentimentos

Mário Beja Santos

É cada vez mais raro encontrar nas obras de cunho memorial sobre a guerra colonial algo que fez parte da 1.ª fase deste ramo literário: os ajustes de contas, a revolta incontida pelos comportamentos militarões, o azedume pelo facto da tropa ter impedido os estudos, a catilinária sobre a absurdez e a perversidade daquelas guerras. 

A idade e o peso da memória fazem outros escrutínios, é aquela sabedoria em que o fel e a bílis já não têm papel na nossa vida. Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias, por Ireneu de Sousa Mac, Europa Editora, 2022, é uma história pessoal de um furriel miliciano que pertenceu à Companhia de Caçadores Nativos, a 15, sediada em Mansoa. Revela que lhe interromperam os estudos, que o mundo desabou à sua volta, estava preste a concluir o 7.º ano de liceu. Quando regressou era uma amostra de si próprio, pesava 54kg com 170cm de altura, já tinha os dois irmãos mais velhos nas penas de África, ainda hoje não consegue esquecer o olhar de despedida e a compaixão de familiares e amigos quando lhe disse que ia para a Guiné. 

A guerra não acabou para Mac. É a vivência na Guiné que ele vai relatar. Antes, porém, conta-nos que estudou num colégio privado, chegou o dia mais infeliz da sua vida, assentou praça nas Caldas da Rainha, confessa que nunca foi capaz de abrir o baú e deixar que as memórias viajassem pelo mundo fora. Agora, já está mais descontraído, fala-nos da sopa intragável, dos treinos nas serranias laterais ao rio Séqua, estava desarranchado, tinha um companheiro de quarto que acabou por desertar. 

“As atitudes danosas e injustas da tropa, deixaram ao Mac marcas desagradáveis e de aversão, ainda hoje, à flor da mente e dentro da pele”.

Irineu Mac esboçou a arquitetura sobre a forma de diálogos com o amigo, há pergunta e resposta, e depois de se falar em classificações do curso, ei-lo que parte em rendição individual para CCAÇ Nat 15. 

“O mundo de Mac sofre um segundo terramoto. Faliram os projetos, desabaram os sonhos. Nunca mais o futuro se escreveu da mesma maneira”

E parte, em estado lúgubre, em 3 de fevereiro de 1970. Dá-nos a nota de rodapé a composição do quadro de oficiais, sargentos e praças oriundos da metrópole, juntam-se todos em Bolama, onde diz que as condições de vida eram péssimas. E partem para Mansoa, descobre que não pode vir a férias até à metrópole por ter 8 dias de prisão no cadastro, coisas que se passaram em Tavira, tudo má sorte. Tira carta de condução de mota. Foi forçado a ir votar num cidadão qualquer, coisas de eleições do Estado Novo. Conta a história de uma cobra que se escapuliu para um buraco da bota, segue-se um rol de peripécias, mete caça, comida, a vida em Cutia tinha as suas durezas. Não se escapa às considerações erótico-sexuais. Não lhe escapou à memória uma encenação feita para jornalistas estrangeiros, um simulacro de combate na mata, uma autêntica montagem cinematográfica. Há acidentes com armas, fala-se de ataques de abelhas.

Nova confissão, há ressentimentos que pesam: 

“Mac foi impelido para a tropa pela intimação, pela força da lei e dos homens dominados, pela obsessão na qual não navega a razão. Ainda tentei, por duas vias, adiar a tropa para a incorporação seguinte. Em especial porque queria muito concluir o ano letivo. Nunca obtive resposta. Voltei com a guerra às costas. Sem bater à porta, fez-se de convidada, entrou sem autorização e sentou-se à mesa da vida. Enquanto a malária, de febre em riste, entrava pelo postigo, pelas frestas das janelas e pelos interstícios dos telhados. Mas não penses que foi fácil regressar. Inventavam atrasos atrás de adiamentos. Já nos íamos adentrando pelo 25.º mês e ainda não tínhamos sido substituídos. Quanto mais o tempo passava, mais o medo aumentava e a coragem e a vontade de arriscar escasseavam. Ninguém queria morrer ao quebrar da onda na areia”.

Há referências esporádicas a operações, patrulhamentos, situações de fogo cruzado. E vem a história de Zé Mamede que em outubro de 1970 abalou de Mansoa em direção ao seu destacamento, Infandre. Chegou notícia cerca do meio-dia de ter havido uma emboscada entre Braia e Infandre, foi logo gente em auxílio. 17 feridos, 10 mortos, entre eles o Zé Mamede. O alter ego de Mac pergunta-lhe se o Zé Mamede deve ser homenageado enquanto herói, resposta do Mac: 

“O Zé Mamede não é herói. É uma vítima, mortal, inocente, de estratégias alheias e inconsistentes das ideologias reinantes. O Zé é uma vítima de ambições de grandeza desproporcionadas, ultrapassadas e nefastas. O Zé é uma vítima da ambição errónea e condenável de outros. Da opção do orgulhosamente sós”.

Mais adiante, sentencia:

“Jamais psicólogo algum ou alguma psiquiatria salvará do trauma a quem matou mesmo para sobreviver”.

O alter ego de Mac tem acesso à sua correspondência:

“A solidão é a minha companheira. Oh esperança, não me abandones! Fica comigo. Agora. Alimenta e alenta a minha vida em frágil equilíbrio sobre o gume das armas. Agora.” 

Escreveu poesia. Em jeito de rememoração, dá-nos a saber que fazia parte da estratégia de Spínola formar companhias de caçadores nativos de elite, Mac integrou uma força operacional, atuou nas matas cerradas. Deu trabalho, mas ao fim daquele tempo todo, foram metidos num avião, regresso a Lisboa. Ficamos a saber que entre a tropa metropolitana e os soldados africanos houvera solidariedade devido à luta vital conjunta que se travava. E descreve demoradamente as peripécias do regresso. Confessa ao seu alter ego: 

“Não tenho estátua, mas tenho um louvor e uma insígnia. Não me perguntes como nem porquê. Nem sei bem responder. O que posso garantir é que, decerto, não foi pela minha valentia ou por qualquer ato de heroísmo. Acredito que possa ter sido por me voluntariar a instaurar uma escola regimental para os soldados africanos aprenderem a ler. E isso bastou-me para obter benefícios propinários, deu-me direito a isenção de propinas extensível aos filhos. Cumpri deveres porque me sujeitei a eles. Também não abdiquei daquele direito. Contudo, preferia não os ter tido”.

Despede-se do leitor, desta vez sem azedumes nem ressentimentos:

“A guerra tira, mas também dá. Enobreceu em nós o espírito de entreajuda e o sentido da amizade. Continuamos unidos pela amizade construída sobre a solidariedade vivida nas matas do Oio, do Olossato, do Morés, do Changalana, do Locher. Eu sei que, ainda hoje, essa união se mantém na trajetória de muitos ex-combatentes. Eu sei porque tenho observado muitos dos seus almoços-convívios. Paro, sempre extasiado pelos abraços emotivos que vejo”.

Vista parcial do destacamento de Cutia, imagem extraída do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia
Localização do destacamento de Cutia
Crachá da CCAÇ 15
Estandarte do CCAÇ 15
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24912: Notas de leitura (1642): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte III: A lenda de Ohbapuma (ilha de Orango, arquipélago dos Bijagós)

Guiné 61/74 - P24915: (In)citações (261): João Crisóstomo, já que chegaste a finalista do Prémio Tágides (edição 2023), na categoria "Iniciativa Portugal no Mundo", esperamos que no dia 11 deste mês, na cerimónia de revelação dos vencedores, os nossos bons irãs estejam contigo e com as causas que tens defendido, com o empenho e a competência também de muita outra gente da diáspora lusófona e de outros cidadãos do mundo


O ativista luso-americano
João Crisóstomo

1. O nosso amigo e camarada João Crisóstomo [membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o nº 432 (somos já 881, entre vivos e mortos): régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona; ex-alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)] vive em Nova Iorque desde 1977, mas vem cá com frequência à santa terrinha.

E todas as vezes que ele cá vem (e vem quase todos os anos),  há sempre alguém, do círculo das nossas relações sociais e de amizade, que nos pergunta, com admiração, estupefecção e incredulidade:

"Mas este país, à beira mar plantado, 
 terra de santos, heróis e comendadores, ainda não reconheceu, publicamente, a ação cívica e o ativismo social deste homem, um dos seus ilustres filhos, 
 lídimo representante da diáspora 
lusitana nos EUA e da lusofonia, que se bateu galhardamente, por exemplo, com outros luso-americanos e outros portugueses, por causas nobres e patrióticas, 
como a salvaguarda da arte rupreste de Foz Coa, 
a autodeterminação de Timor Leste, a reabilitação da memória de Aristides Sousa Mendes ou a libertação do refém luso-americano Marc Gonsalves, detido na Colômbia pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)?!".

2. Temos, desta vez,  uma boa notícia: este ano ele foi nomeado para o Prémio Tágides, e é um dos 3 finalistas para a categoria Iniciativa Portugal no Mundo.

(...) "Criado em 2021, o Prémio Tágides, é promovido anualmente de forma a identificar, reconhecer, celebrar e premiar projetos, trabalhos e/ou iniciativas de pessoas que se destaquem na promoção de uma cultura de integridade e prevenção e luta contra a corrupção em Portugal, em várias áreas da sociedade. É da reconhecida necessidade de envolver a sociedade civil portuguesa na prevenção e combate à corrupção que surge este Prémio." (...)

Na sua 3º edição (2023),  são sete as categorias do Prémio Tágides:
  • Iniciativa Empresarial
  • Iniciativa Jovem
  • Iniciativa Política
  • Iniciativa Loca
  • Iniciativa Portugal no Mundo
  • Projeto de Investigação
  • Projeto da Sociedade Civil
A revelação dos vencedoros de cada uma destas categorias será feita no próximo dia 11 de dezembro, segunda feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em cerimónia que contará com a presença do Presidente da República. Já lhe dissemos pessoalmente, há dias,  o que nos vai no coração:

(...) João, já que chegaste a finalista do Prémio Tágides (edição 2023), na categoria "Iniciativa Portugal no Mundo",  esperamos que no dia 11 deste mês, na cerimónia de revelação dos vencedores,  os nossos bons irãs estejam contigo e com as causas que tens defendido, com o empenho e a competência também de  muita outras  gente da  diáspora lusófona e de outros cidadãos do mundo." (...) (*)

3. Infelizmente o João Crisóstomo não tem conta pessoal nas "redes socais". Na defesa das causas sociais em que se que se envolveu, utilivava o fax e o telefone. E só há relativamente pouco tempo começou a recorrer ao email,  ao PC, ao WhatsApp... 

Mas tem já 210 referências no nosso blogue. Uma vez por outra, é notícia na imprena norte-americana, incluindo o Luso-Americano. Não tendo biografia oficial ou oficiosa, nem entrada na Wikipedia, tem no nosso blogue, no entanto, uma ferramenta onde partilha  as suas memórias da guerra colonial na Guiné (1965/67)  e a sua ação como português da diáspora e cidadão do mundo (vive fesde 1975 nos EUA).

Tê-lo como um dos três finalistas do Prémio Tágides, para a categoria Iniciativa Portugal no Mundo é já, mais do que uma honra, uma prova de gratidão da sociedade civil para com ele e os todos os nossos compariotas da diáspora lusófona que com ele se empenharam em causas nobres que deram maior visibilidade no Mundo a Portugal e aos Portuguese.

Aqui vão alguns tópicos do seu "curricum vitae" abreviado, recolhidos e divulgados no nosso bloguePessoalmente posso testemunhar alguns dos seus traços de personalidade e  caracter: determinação, tenacidade,  coragem, voluntarismo, nobreza, generosidade, fraternidade, solidariedade, ecumenismo, patriotismo, sensibilidade sociocultural, inteligência emocional, gratidão,  amizade, camaradagem.  (**)


Recorte do jornal LusoAlericano, 19 de laneiro de 2018


RTP Notícias > 2 de dezembro de 2023 > Carregal do Sal > Mural, da autoria de um artista lcal, em homenagem ao cônsul de Bordéus, Aristides Sousa Mendes (Cabanas de Viriato,1885 - Lisboa, 1954). A casa onde nasceu, em Cabanas de Viriato, vai transformar-se em Centro de Acolhimento para Refugiados. Fará em breve, a 3 de abril de 2024, 70 anos que morreu o diplomata português que desobedeu a César por amor de Deus e da humanidade. 

Fonte: Fotograma de vídeo da RTP (2023), editado e reproduzido com a devida vénia.

4. João Crisóstomo - Pequena nota biográfica:

Natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras, João Crisóstomo acabou por se tornar cidadão do mundo anos antes de se fixar na metrópole que reinvindica ser a sua capital, a cidade de Nova Iorque.

Depois de passar pela África nos anos 1960 e ganhar uma cruz de guerra de 4ª classe na Guiné-Bissau, como alf mil inf, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), trabalhou e estudou em Londres (1968-1969), em Paris (1970), em Ludwigsburg (Estugarda) (1971), antes de frequentar cadeiras de gestão hoteleira na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e de trabalhar no Leme Palace Hotel dessa cidade.


Chegou aos Estados Unidos em 1975, exercendo a sua profissão, primeiro, como mordomo de Jacqueline Kennedy Onassis (1975-1979), e, depois, como gerente proprietário do restaurante nova-iorquino Cuisine du Coeur (1979-1982) e, novamente (1982-2015), como despenseiro de diversas famílias da alta sociedade nova-iorquina.


Capa da brochura  de João Crisóstomo - LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste, edição de autor, Nova Iorque, 2017, 162 pp.


Foi nos salões da alta sociedade onde conquistou a amizade das pessoas que servia e o privilégio de manter a sua amizade e a sua abertura a muitas causas a que já dedicava energia ou a que se iria entregar:

(i) a defesa das gravuras de Foz Coa com o “Save the Coa Site Movement ” (1995);

(ii) a divulgação da acção humanitária, durante a II Guerra Mundial, dos diplomatas portugueses Aristides Sousa Mendes, Carlos Sampaio Garrido e Carlos de Liz Teixeira Branquinho e dos diplomatas brasileiros Sousa Dantas e Rosa Guimarães (1996 e seguintes);

(iii) o lançamento de iniciativas em defesa da independência de Timor-Leste através da LAMETA (1996- 2002);

(iv) diligências públicas em 2008 para a libertação do refém luso-americano Marc Gonsalves, então detido na Colômbia pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), desde 2003;

(v) um movimento comunitário para garantir a continuidade em Nova Iorque do Consulado de Portugal (2007),ameaçado de extinção;

(vi) e outras iniciativas de menor impacto público e mediático.

No percurso, recolheu algum reconhecimento pelas suas acções (lista a título exemlificativo, não exaustiva):

(a) International Rock Art Congress Award (USA), 1998;

(b) Angelo Roncalli Medal, IRWF, 2001;

(c) Outstanding Service to Society Award, Edison State College, 2001;

(d) Visas for Life Award, 2002;

(e) Aristides Sousa Mendes Medal da International Raoul Wallenberg Foundation (IRWF), 2004;

(f) Luis Martins de Sousa Dantas Medal, IRWF, 2005;

(g) Recognition Certificate, Government of Canada, 2005; etc., etc.

Afirma, contudo, que nenhum reconhecimento o marcou tão profundamente como o recebido telefonicamente de Xanana Gusmão na noite de 23 para 24 de Setembro de 1999 - o mês em que o líder timorense saiu da prisão indonésia - a propósito da longa e algumas vezes renhida luta da LAMETA pela independência de Timor-Leste: “Nós estamos muito reconhecidos por tudo quanto fizeram”.

É casado em segundas núpcias com a nossa amiga eslovena Vilma Kracun, enfermeira reformada.


Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Vilma, em festa de família Crispim & Crisóstomo. Ela eslovena, com nacionalidade francesa. Ele português, com dupla nacionalidade, a viver na América desde 1975. Dois cidadãos do mundo, que não páram de nos surpreender. Casaram em segundas núpcias em 2013. Vivem em Queens, Nova Iorque.  

 Foto: © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24869: (In)citações (260): Ainda os Esquecidos. Para o António Silva, Soldado Paraquedista morto em Angola em 1963 (Juvenal Amado)


(**) Vd. também postes (temos 210 no blogue com referências ao João Crisóstomo):

16 de janeiro de 2021  > Guiné 61/74 - P21771: Tabanca da Diáspora Lusófona (14): uma singular história de vida como emigrante: João Crisóstomo, ex-mordomo de Jackie Kennedy Onassis (excerto de reportagem de Henrique Mano, Luso-Americano, dezembro de 2020)


2 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18037: Dossiê LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste: um documento para a história, um livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque)... Parte II: Como tudo começou com o autor, com António Rodrigues, com Anne Treserer e outros ativistas luso-ammericanos, em 1996

Guiné 61/74 - P24914: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (14): Cerimónia da desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, em 4 de setembro de 1974 - III (e última) Parte

Foto nº 78B > Guerrilheiros do PAIGC desfilando, em Buba,  junto à sua bandeira (virada ao contrário)... Pelo que se observa da foto já tinha havido "troca de galhardetes", neste caso, de quicos (do PAIGC) e de boinas (as NT)


Foto nº 82 > Uma força do PAIGC  (1 grupo) prepara-se para a cerimónia de saudação da(s) bandeira(s)... (O "canito" rafeiro do quartel também quis ficar para a História...)

Foto nº 82A > Parte do bigrupo do PAIGC (1)

Foto nº 82B > Parte do bigrupo do PAIGC (2)

Foto nº 83 > Bigrupo do PAIGC e aspeto geral do quartel de Buba

Foto nº 84 > Mais outra imagem do bigrupo do PAIGC

Foto nº 85 > As NT e o bigrupo do PAIGC preparando-se para a cerimónia

Foto nº 86  > Elementos da representação do PAIGC e das NT (2º Comandante do BCAÇ 4513/72, maj inf Dias Marques e o cap mil inf Braz Dias,  comandante da 1ª Companhia), em continência à(s) bandeira(s).

Foto nº 87B  > Pormenor:  do lado direito,  elementos da representação do PAIGC e das NT (2º Comandante do BCAÇ 4513/72, maj inf Dias Marques e o cap mil inf Braz Dias comandante da 1ª Companhia) em continência à(s) bandeira(s).

Foto nº 88 > Mais outra imagem do bigrupo da representação do PAIGC 

Foto nº 89 > Um solitário repesentante da Marinha (elemento da tripulação da LDG 105, "Bombarda"), em continência à(s) bandeira(s).
Guiné > Região de Quínara > Buba > 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Bula, 1973/74) > 4 de setembro de 1974 
Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Último poste do lote de fotos do álbum do António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72, Buba, 1973/74), que tem já mais de duas dezenas de referências no nosso blogue (foto à direita: lisboeta de Belém, vive em Almada onde trabalhou na Lisnave).


As fotos publicadas dizem respeito ao último dia da estadia em Buba, em 4 de setembro de 1974, na sequência da execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega do aquartelamento de Buba ao PAIGC, de acordo com os compromissos assumidos no Acordo de Argel, assinado em 25 de agosto de 1974, e que fixou a data da independência da Guiné-Bissau em 10 de setembro desse ano.

Dois dias depois, a 6 de setembro de 1974, o António Alves da Cruz estava em casa (regresso de avião, através dos TAM).

Estas fotos (renumeradas pelo nosso editor) foram enviadas em 2 set 2023 20:45.


2. Retração do dispositivo:

Recorde-se, aqui, muito sumariamente alguns antecendentes e factos da retração do nosso dispositivo no CTIG, na sequência do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974:
(i) em 15 de maio de 1974, no Leste da Guiné, iniciaram-se os contactos, no terreno, entre os comandantes das nossas forças e os comandantes das forças do PAIGC, que actuavam na zona, casos de Sare Bacar (15 de maio), Ufara (25 de maio) e Pirada (29 e 31 de maio);
(ii) posteriormente, estes contactos generalizaram-se por todo o dispositivo, particularmente após 17 de maio, data do encontro, em Dacar (Senegal), entre o Secretário-Geral do PAIGC e o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros português;
 (iii) em 16 de maio, em Lisboa, tomada de posse do I Governo Provisório português, e a 17 de maio, em Dacar (Senegal), dá-se início aos contactos do novo governo português com o PAIGC, continuados posteriormente em Londres (25 a 31 de maio) e Argel (13 de junho);
(iv) em  25 de maio, o ten cor inf Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, assume as funções de Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, mantendo-se no novo posto enquanto durarem as referidas funções;
(v) em 3 de junho de 1974, nas povoações de Canjadude e Sinchã Maunde Bucó, na zona leste, tem lugar a última acção directa de fogo entre as forças beligerantes, tendo as forças do PAIGC atacado os aquartelamentos das NT sediados nas citadas povoações;

(vi) nos primeiros dias de junho, em Bissau, é nomeado Juvêncio Gomes, do PAIGC, como representante permanente junto do governo da Província;

(vii) a 4 de junho, dá-se início da retracção do dispositivo das nossas forças no terreno, com o abandono da guarnição de Jemberém, no Sul; a respectiva guarnição recolheu a Cacine, a título excepcional;
(viii) a retracção do dispositivo das NT  continuou, cerca de um mês mais tarde, incidindo sobre as unidades mais afastadas do Sector Leste - Buruntuma e Canquelifá  (em 5 de julho), Camajabá e Ponte do Rio Caium (em 8 de julho) (...)
Fonte: Adapt de  Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 421/422.
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Nota do editor:

 Vd. poste anterior > 29 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24896: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (13): cerimónia da desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, em 4 de setembro de 1974 - Parte I

domingo, 3 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24913: Efemérides (421): À beira de fazer 52 anos do embarque do BCAÇ 3872 para a Guiné, admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)


1. Em mensagem de 29 de Novembro de 2023, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), relembra o triste ano de 1971, quando embarcou para a Guiné:

Vai fazer 52 Anos

À beira de fazer 52 anos volvidos a 18 de Dezembro de 1971, sobre o embarque do Batalhão de Caçadores 3872 no Angra de Heroísmo para a Guiné, tento lembrar o acontecimento e o que senti e admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino.

Talvez os anos que a guerra já durava tivessem o efeito anestesiante nos nossos sentimentos e medos. Assim assentei praça à beirinha dos 21 anos esperançoso de que tudo ia correr bem, tudo parecia um sonho mesclado entre a dúvida, a ignorância e a curiosidade que aquela aventura me trazia para a qual eu não tive vontade própria. Como milhares de jovens não escolhi, escolheram por mim.

As alternativas eram difíceis como me lembro. Fugir da incorporação era muito doloroso pelo que, acarretava o julgamento público de cobardia também a perca de cidadania dos lugares e da família, do emprego e de toda uma vida até aí programada.

Também pesou o tipo de guerra em fogo lento em que os mortos não eram parangonas dos jornais mas sim pequenas notícias perdidas nas suas páginas. Quando morria ou voltava gravemente ferido algum filho da terra era quase noticiado a meia voz. O tempo se encarregava de nos distanciar dos dramas que a perda causava. Muitas as vezes se instalaram as dúvidas se era verdade ou se tinha sido assim que aconteceu e se um dia destes ele não aparecia por cá.

Não me despedi dos meus país como se não fosse a ultima vez que os via. Disse-lhes até para a semana, pois ainda cá vamos fazer o IAO e só depois saberíamos a data de embarque.

Formámos batalhão em Abrantes e aí conheci e comecei a criar laços com os camaradas com quem ia conviver nos próximos dois anos. Na altura não sabíamos que alguns não voltariam vivos, mas isso estava longe das preocupações pois como eu muitos deviam viver o dia-a-dia sem pensar no tempo e o que íamos encontrar. A realidade se encarregou de afugentar medos e comprovar muitos dos nossos receios. A realidade era muito diferente do que imaginei, não digo para melhor nem para pior, era simplesmente surreal e muito improvisado. E era surreal porque muitas das coisas não faziam sentido, estávamos mal preparados, íamos aprender a combater como os trolhas aprendem o ofício de pedreiro a alombar baldes de massa e tijolos.

Não abundava a confiança, por outro lado a vida fluía, bebíamos, jogávamos, discutíamos e cumpríamos as tarefas sem caracter de urgência, as centenas de vezes que as cumpríamos isolava-nos do perigo real, que estaria um dia à nossa espera de certeza com resultados funestos. Não aconteceu só aos outros.

Que jovens eram aqueles? O que deviam à Pátria que tão mal os tinha tratado, com trabalho infantil pesado nos campos e nas fábricas, falta de oportunidades para estudar e no fundo a ansiar pelo fim do serviço militar obrigatório para que os deixassem em paz e muitos milhares emigrarem em busca de oportunidade que este país não lhes dava?

Ligava-nos a língua, o sangue e a vontade de regressar sãos e salvos.

Quantos anseios ficaram por cumprir, quantos filhos conheceram os pais quando já andavam, quantos filhos não chegaram a conhecer os pais?
Dezembro de 1971 > Partida do BCAÇ 3872 para a Guiné no navio Angra do Heroísmo

Regressámos não como heróis libertadores, mas como fazendo parte da máquina opressiva que nos dominava. Fomos olhados de lado e escarneceram do nosso sofrimento. Tentamos esquecer o mais rapidamente possível, só nunca nos esquecemos uns dos outros.

Aquele tempo funcionou como uma grande família se tivesse formado, dela saíram milhares de irmãos, que ainda hoje são motivo para encontros onde brindamos ao tempo, outro tempo e a outra idade. De facto fomos mas nunca regressamos inteiramente de lá, mas relembrar o passado não implica vivermos presos a ele.

Estes 52 anos passaram a correr, não sentimos o peso físico das peripécias que ultrapassamos, são só datas, que passaram como escolhos no caminho, pois foi assim que ele foi feito.

Dezembro de 1971 > A bordo do Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné

Os relógios contaram tempo
O tempo marcou os dias
Os dias somaram calendários
Dos calendários desprenderam-se as folhas
E, nós ficamos nus
Despojados como Plátanos no Inverno
Porque os relógios nunca param

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24880: Efemérides (420): A 35ª CCmds (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73) partia, há 52 anos, às 11h00, para o CTIG no T/T Angra do Heroísmo (Ramiro Jesus, Aveiro)

Guiné 61/74 - P24912: Notas de leitura (1642): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte III: A lenda de Ohbapuma (ilha de Orango, arquipélago dos Bijagós)


Nota de LG: 

Lapso de registo ou transcrição: Mancane deve "Mancanha", e Nolu deve ser "Nalu"...  Unnhocomo é "Unhocomo" (a ilha mais ocidental do arquipélago dos Bijagós)... "Campune" é rapariga antes do casamento, bajuda (termo já grafado nalgum dos nossos dicionáros)."Cabarro"/rapaz" ainda não está grafado com este significado.
 
Armando de Landerset Simões terá nascido em Moçambique, Caconda, em 1909. Além de funcionário da administração colonial, tem livros publicados como Simões Landerset, nomeadamente  "Babel negra: etnografia, arte e cultura dos indígenas da Guiné" (Porto, Oficinas Gráficas de O Comércio do Porto
1935) (prefácio de Norton de Matos).

A ilha de Orango, a mais afastada, do arquipélago dos Bijagós (2,6 mil km2 e  34,2 mil hab.) tem, segundo a "Wikipedia, uma área aproximada de 272,5 km e 1.250 Hab (2009).

A ilha conjuntamente com as ilhas de Meneque, Orangozinho, Canogo e Imbone, bem como os ilhéus de Adonga, Canuopa e Anhetibe fazem parte do Parque Nacional de Orango.  "No parque existe uma colónia de hipopótamos e de acordo com as crenças religiosas da população local, o hipopótamo é um animal sagrado, pelo que não pode ser morto ou ferido. Outros animais que se podem encontrar são as tartarugas marinhas e manatins africanos."
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Guiné 61/74 - P24911: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (1): "Assinada e tudo"


1. Em mensagem de 1 de Dezembro de 2023, o nosso camarada Adão Cruz enviou-nos este conto cheio de humor:

ASSINADA E TUDO…

adão cruz

Vem isto a propósito ou a despropósito daquela moça trintona que se sentou à nossa frente na mesa da esplanada, entre dois tipos iguais, de fato escuro e pasta preta na mão. Acendeu o cigarro, pousou o maço na mesa, aspirou bem fundo e expeliu para o ar uma longa baforada de fumo e CO2.

Os cabelos caíam pelos ombros em estrias de várias cores, dentro da mesma tonalidade aloirada. Ostentava no alto da cabeça um par de óculos escuros com vidros do tamanho de um CD.

A pele castanha, de cima a baixo, um tanto ebanácea, denunciava uma enorme quantidade de dias, semanas ou meses de ultravioletas dentro das células, encharcadas de melanina. Um vaporoso vestido branco de renda cobria parte do corpo desde o meio dos seios ao terço superior das coxas, deixando perceber que por baixo havia, como que emboscados, um soutien e umas cuecas também brancos, ora espreitando, ora se escondendo, ao sabor dos movimentos.

Um colar cravejado de bolinhas de cor lilás, era irmão dos brincos que chegavam à clavícula. Afilavam os dedos das mãos umas unhas pontiagudas, de uma cor vermelha arroxeada igual à dos lábios, dando ao conjunto um ar vampiresco. Na mão direita havia dois anéis, um duplo, na falange e na falangeta do anelar, presumivelmente ligados por uma fina ponte invisível, e outro enorme, no indicador, com uma cabeça de urso, azul, do tamanho de uma bola de pingue-pongue. No braço esquerdo, uma enfiadura de pulseiras. De resto, céu limpo até aos pés, onde davam nas vistas uns sapatos completamente abertos, com saltos inspirados na Torre Eiffel de cabeça para baixo e cheios de atacadores que se inseriam a meio da perna e desciam até às pontas dos dedos, sendo que o eixo desse complexo de atilhos, tinha um correr de pérolas iguais às da gargantilha. No pé direito, entre o dorso e a planta, uma assinatura percorria o espaço que vai do calcanhar ao dedo mínimo.

Foi quando o meu amigo, de boca pasmada, me disse baixinho:
- E está assinada e tudo, carago!

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Guiné 61/74 - P24910: Notas de leitura (1641): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte II: Lourenço Marques (hoje Maputo): foto galeria dos anos 30


Moçambique > Lourenço Marques > O histórico hotel Polana, debruçado sobre a baía de Lourenço Marques (hoje Maputo). Foto: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2, maio de 1932, pág.26

(...) "Implanta-se na Avenida António Enes/Julius Nyerere nº 1380 e data do ano 1922; constitui um grandioso edifício, virado panoramicamente ao Índico, com arquitetura de expressão classicizante. Projetado, ao que se sabe, por Walter Reid (1866-1947), "em estilo Palace", terá sido projeto deste arquiteto, ativo em Joanesburgo e irmão do colega Arthur Henry Reid, que também ali trabalhou; pertenceu ao grupo de arquitetos britânicos fixados na África do Sul que incluía o famoso Herbert Baker (1862-1946), autor dos famosos edifícios governamentais em Pretória e Nova Deli, a quem também alguns atribuem o Polana. O hotel foi construído pelo engenheiro Hugo Le May, por iniciativa da Delagoa Bay Lands Syndicate, em 1917-1922." (Fonte: HPIP - Património de Influência Portuguesa) (...)

Moçambique > Lourenço Marques (hoje Maputo)  > O cine-teatro Scala, construído em 1931. Foto: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2, maio de 1932, pág.27


Moçambique > Lourenço Marques (hoje Maputo) > O pavilhão de chá  na praia da Polana. Foto: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2, maio de 1932, pág.26 .


(...) " Na transição das décadas de 1920-1930, floresceu a chamada "arquitetura do betão armado" e o sequente Modernismo, dentro da arquitetura art déco. Em Lourenço Marques podem assinalar-se o Palácio Maçónico, depois Escola Industrial 1.º de Maio, o Grémio Náutico (atual Clube Naval), obra de desenho entre art nouveau e art déco; e o Pavilhão de Chá, uma típica arquitetura de betão em varandas e consolas. Podemos associar-lhes o Hotel Polana, de 1922, de influência anglo-saxónica e expressão classicizante. 

"A partir dos anos 1930 a produção arquitetónica em Lourenço Marques caracterizou-se, esquematicamente, pelo surgimento de uma arquitetura moderna, segundo uma produção praticamente anónima que retomava, com um ligeiro atraso, os temas de sucesso em Portugal; e por uma produção mais ousada e experimental que aprofundava, por vezes com mais liberdade do que então era possível no lugar de origem, as tendências inovadoras da arquitetura internacional, experimentando materiais diversos e tomando em conta expressões figurativas estranhas à cultura dominante".(...)  (Fonte: HPIP - Património de Influência Portuguesa)


1. Do nº 2 do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, maio de 1932, e do artigo "Lourenço Marques", por António Augusto de Miranda (pp. 24/27) retiramos estas três fotos, que pretendem ilustrar o rápido surto de modernização da capital da colónia. 

Lourenço era uma vila em 1876, tendo sido elevada a cidade 11 anos depois, em 1887. No início da década de 1930, era já, na opinião deste magistrado, António Augusto de Miranda, "uma das lindas, mais garridas e modernas cidades do mundo" (pág. 24). E pergunta,  embevecido, o autor: "É qualquer  coisa  que nos desvanece como povo colonizador, não acham?"... Faz um apontamento sobre o crescimento urbanístico da capital da colónia, em termos de números de casas, estradas e arrruamentos contruídos ao longo dos anos de 1920 e princípios de 1930.

O termo "colonalista" neste Boletim, na aceção que tinha na época, era o que (ou quem) defendia, sem complexos,  o colonialismo, a manutenção e o desenvolvimento das colónias.

Todos estes homens (e algumas mulheres), que aqui escreviam, civis e militares,  em geral republicanos e democratas, africanistas e panlusitanistas (sic),  não tinham pejo em assumir-se como "colonialistas" (no "bom sentido" do termo)... Na esteira do gen Norton de Matos, sócio honorário da Sociedade Luso-Africana  do Rio de Janeiro, defendiam o "povoamento branco" das colónias e a "assimilação" dos seus naturais.

Sobre Maputo ver aqui o magnífico portal HPIP - Património de Influência Portuguesa, que poucos dos nossos leitores conhecem...e que merece uma visita demorada. 

(...) "Heritage of Portuguese Influence/ Património de Influência Portuguesa — HPIP — é a evolução natural do projeto Património de Origem Portuguesa no Mundo: arquitetura e urbanismo que, sob a direção de José Mattoso, a Fundação Calouste Gulbenkian desenvolveu entre 2007 e 2012. Teve como objetivo uma publicação em três volumes, mais um de Índices, de uma compilação de informação sobre o tema, composta sob a forma de dicionário de matriz geográfica. (...)

(...) Evolução natural porque a obra impressa tem um preço e uma expressão física que na realidade só a torna acessível ao grande público em bibliotecas, mas também porque face à matéria e ao seu âmbito geográfico tem um enorme potencial de constante atualização. Mesmo com uma vasta e qualificada equipa como a que se reuniu para o efeito, não é possível cobrir a totalidade do planeta em casos e conhecimento já disponível e atualizado. São pois evidentes os dois eixos desejáveis de desenvolvimento do projeto: divulgação mais ampla e reunião integrada de informação dispersa. Uma vez conjugados de forma eficaz, podem gerar um feliz efeito recíproco de bola de neve. Basta que a divulgação estimule a colaboração e vice-versa.

Para atingir tais objetivos o meio ideal é o de um sítio em linha, que se apresente e funcione como portal público interativo da base de dados georeferenciada na qual se concentre e administre toda a informação reunida. Como capital inicial contamos com o conteúdo dos livros, que é, por certo, suficientemente atrativo e estimulante para suscitar a integração do contributo de todos quantos pelo mundo fora tenham algo a acrescentar ou a corrigir, seja através de conteúdos escritos ou gráficos (fotografia, desenhos, iconografia, etc.) (...)